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Leandro Vilar

domingo, 14 de abril de 2024

As origens das Treze Colônias (1607-1776)

As chamadas Treze Colônias foram colônias fundadas pela Inglaterra na América do Norte, as quais se desenvolveram rapidamente em um pouco mais de um século e vieram a se unificar, formando os Estados Unidos das América. No entanto, na prática a Inglaterra fundou mais do que treze colônias, porém, as colônias pequenas acabaram sendo anexadas pelas maiores e não foram contabilizadas no final. Assim, este texto centrou-se em contar a história da fundação dessas colônias. 

Localização das Treze Colônias em 1775. 

Introdução

Diferente de Portugal e Espanha, os ingleses, franceses e holandeses começaram sua exploração pelo Atlântico no século XVI. No caso da Inglaterra, o país aventurou-se em mapear o Caribe, as Antilhas e a América do Norte, havendo tentativas infrutíferas de estabelecer colônias. 

No ano de 1583 o explorador e administrador Sir Humphrey Gilbert (meio-irmão de Francis Drake), enquanto fazia reconhecimento do Golfo de São Lourenço, teve a ideia de fundar uma colônia em Terra Nova, porém, o assentamento acabou fracassando. Gilbert tinha experiência com colônias, pois trabalhou na administração das colônias inglesas no norte da Irlanda. Apesar disso, as condições ambientais em Terra Nova não favoreciam uma colônia naquele momento e ele abandonou o projeto. (CHITWOOD, 1961). 

Todavia, em 1585, o explorador e corsário Sir Walter Raleigh, foi designado pela rainha Elizabeth I para fundar uma colônia. O local escolhido foi a ilha sul de Roanoke (atualmente no território da Carolina do Norte), o projeto durou cinco anos. Centenas de colonos foram levados para lá, alguns inclusive custearam sua viagem, sob a promessa de ganharem terras em troca. Porém, a falta de recursos, desconhecimento sobre o solo, a ameaça dos indígenas e a fome, levou parte dos colonos morrer e outros acabaram abandonando o projeto. Em 1587, Raleigh enviou nova leva de colonos, esses conseguiram ainda resistir por quase três anos, mas em 1590 a colônia foi abandonada. (CHITWOOD, 1961). 

Isso adiou os planos da Inglaterra por mais de vinte anos. Somente no começo do século XVII decidiu-se empreender um novo projeto colonial, ainda mais percebendo o sucesso que os espanhóis e portugueses obtiveram com suas colônias nas Américas e ilhas atlânticas. 

Dessa forma, o rei James I decidiu conceder a duas companhias mercantes chamadas Plymonth Company e Virginia Company of London a missão de fundar assentamentos coloniais na América do Norte, território ainda sendo explorado pelos próprios ingleses, mas parcialmente ocupado pelos espanhóis e franceses. Condição essa que a Inglaterra viria a entrar em guerra contra esses dois países por conta das terras na América do Norte, além dos conflitos contra os povos indígenas dali. (CHITWOOD, 1961). 

Assim, em 1606 foi autorizado as duas companhias iniciarem o processo colonizador. Um fato a ser destacado é que diferente da Espanha, Portugal e França, em que nesses países o governo gastou recursos para iniciar suas colônias, a Inglaterra optou em privatizar isso, algo mais tarde feito pelos holandeses também.

Estabelecido o régio decreto autorizando as duas companhias em colonizar a América do Norte, iniciou-se propaganda de recrutamento de colonos. As empresas prometeram mil e umas maravilhas para os voluntários. Diante da propaganda cativante aventureiros, servos, pobres, fugitivos, degredados, comerciantes, empresários etc. se interessaram em ir tentar uma nova vida no outro lado do oceano. 

A ideia de que somente os pobres e sem esperança foram enviados para as colônias é incorreta. De fato, antes do estabelecimento da escravidão indígena e africana nas colônias inglesas, a maior parte da mão de obra colonial eram de pessoas pobres, os quais representavam o grosso do total de colonos. Porém, alguns indivíduos da classe média e das elites também se interessaram em explorar aquelas terras para expandir seus negócios, mesmo que eles fossem eventualmente até as colônias. (KAVENAGH; MORRIS, 1973). 

1) Colônia da Virgínia (1607)

A primeira das Treze Colônias a ser fundada foi Virgínia, nome dado em homenagem a companhia Virginia Company of London, que por sua vez, era uma referência a rainha Elizabeth I, chamada de a "rainha virgem", pois não casou-se e não teve filhos. A colônia teve início com o assentamento de Jamestown, fundado em 14 de maio de 1607. O nome da nova cidade foi uma homenagem ao então rei James I. Mais ao norte a Plymonth Company fundou a Colônia Popham, compreendendo as terras do Maine. Todavia, essa colônia acabou durando apenas um pouco mais de um ano e foi abandonada. Parte dos colonos migraram para Jamestown, outros morreram e outros voltaram para a Inglaterra. Por conta disso, a Colônia de Popham não é incluída entre as Treze Colônias. (KAVENAGH; MORRIS, 1973). 

As fronteiras da Colônia da Virgínia em vermelho e da Colônia de Popham em verde. A segunda colônia foi anexada a primeira em 1608. 

A Colônia da Virgínia não deve ser confundida com o atual estado da Virgínia, pois suas fronteiras eram bem mais extensas compreendendo terras da Carolina do Sul, Carolina do Norte, Pensilvânia, Maryland, Nova Jersey e Nova York. Inclusive o arquipélago das Bermudas também foi anexado aos domínios dessa colônia, a qual se tornou a primeira e maior das colônias inglesas na América do Norte. 

A linha vermelha demarca as fronteiras originais da Colônia da Virgínia conforme decreto de 1609.

A Colônia da Virgínia, especialmente na região sul, notabilizou-se pelo cultivo de tabaco e açúcar mais tarde. Todavia, a região norte, anteriormente pertencente a malograda Colônia de Popham, estava escassamente povoada de colonos, pois era habitada por vários povos indígenas. Assim, os holandeses invadiram o território colonial inglês e fundaram o Forte Nassau (1614-1618) nas terras atuais de Albany, no estado de Nova York. Tratava-se de uma pequena fortificação de madeira com dois canhões e uma guarnição de 10 a 12 homens. Após quatro anos de estabelecida, o forte foi abandonado por falta de recursos. Os ingleses consideraram que os holandeses tinham desistido de ocupar aquelas terras, mas isso foi um engano. (KAVENAGH; MORRIS, 1973). 

Em 1624 a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (WIC) retornou a região, fundando a cidade de Nova Amsterdã no sul da ilha de Manhattan e construindo o Forte Orange em Albany. Assim, eles asseguraram pelas próximas décadas o controle daquela região chamada de Colônia dos Novos Países Baixos. Dessa forma, os holandeses tomaram conta de terras que compreendiam os atuais territórios de Nova York, Nova Jersey, Rhode Island, Connecticut, Pensilvânia e Delaware. (VICKERS, 2011). 

2) Colônia da Baía de Massachusetts (1628)

A região da baía já era ocupada por fazendas e vilas de colonos provenientes de Plymonth e do Maine, condição essa que Boston foi fundada em 1625 Salem em 1626. O governo inglês notando que essas duas pequenas cidades começavam a se destacar, decidiram criar uma nova colônia. Assim, o rei Charles I autorizou a fundação de uma empresa pública, a Massachusetts Bay Company, criada em 1628. (CHITWOOD, 1961). 

A nova colônia se mostrou bastante promissora economicamente, já que possuía cidades relativamente desenvolvidas como Boston e Salem, além de sua proximidade com Maine e Plymonth que já tinham suas cidades, vilas e portos. De fato, a baía de Massachussets se tornou bastante movimentada economicamente, condição essa que estima-se que pelo menos 20 mil colonos migraram para aquela colônia apenas na década de 1630. Além disso, a relação com os indígenas não eram severas, apesar de alguns eventuais conflitos. 

A máxima extensão alcançada pela colônia de Massachusetts.

Embora Massachusetts tenham sido povoada principalmente por puritanos e peregrinos, Boston acabou se tornando uma cidade mais liberal com o tempo, diferente de Salem, que manteve-se mais conservadora, resultando no catastrófico acontecimento das Bruxas de Salem (1692-1693). 

Com o crescimento de Massachusetts o governo decidiu anexar colônias menores que estavam economicamente estagnadas. Inclusive ela se tornou referência, tornando-se "capital" da região da Nova Inglaterra, termo usado para se referir as colônias do norte. Assim, em 1691 a colônia teve o nome alterado para Província da Baía de Massachusetts 

2.1) Colônia de Plymonth (1620)

Aproveitando a retirada dos holandeses, o governo inglês decidiu recuperar o controle norte da sua colônia, o qual carecia de poucos colonos. Assim, a Plymonth Company decidiu fundar uma nova colônia nas anteriores terras da Colônia Popham, chamando-a agora de Colônia de Plymonth. Em 1620 zarpou o navio Mayflower levando 102 colonos para a nova colônia situada ao sul da Baía de Massachusetts, fundando as cidades de Nova Providência e Plymonth, sendo que a nova colônia era de tamanho bem menor do que a Virgínia. (KAVENAGH; MORRIS, 1973). 

Os colonos transportados pelo Mayflower que se estabeleceram em Plymonth ficaram conhecidos como peregrinos (pilgrims), uma comunidade formada por brownistas, os quais eram dissidentes dos puritanos, um dos vários grupos protestantes surgidos na Inglaterra. Os peregrinos acabariam migrando para as colônias vizinhas que foram fundadas em seguida. Alguns deles ficaram conhecidos por seu estilo de vida bastante conservador. (KAVENAGH; MORRIS, 1973). 

A Colônia de Plymonth e as várias cidades fundadas em seu território, além das colônias vizinhas de Massachusetts e Rhode Island.

Plymonth manteve sua independência até 1691, quando o governo a anexou ao território de Massachusetts, que era então a maior e mais próspera colônia do norte. 

2.2) Província do Maine (1622)

Dando continuidade a sua política de repovoar o norte, o governo criou sua terceira colônia, concedendo o direito de fundação e exploração aos nobres Sir Ferdinando Gorges e Sir John Mason, membros do Conselho da Nova Inglaterra. A nova colônia ficava mais ao norte da baía de Massachusetts, e compreendia um território bem mais vasto do que o atual estado do Maine. Apesar que as terras interioranas nunca foram devidamente ocupadas. No ano de 1623 foi fundada a cidade de Portland, pelo capitão Christopher Levett. (KAVENAGH; MORRIS, 1973). 

Todavia, o Maine não se desenvolveu bem, condição essa que Desentendimentos entre Ferdinando Gorges e o capitão John Mason, levaram Mason a reivindicar ao rei direito de fundar sua própria colônia. O monarca como não estava muito satisfeito com o trabalho de Gorges, concedeu ao capitão Mason tal direito, assim, o sul do Maine foi desmembrado, tornando-se uma nova colônia. Posteriormente, em 1658 ela foi anexada a colônia de Massachusetts. 

3) Província de Nova Hampshire (1629)

Nova Hampshire foi estabelecida entre os rios Merrimack e Piscataqua. Em 1630 foi fundada a cidade de Portsmouth, uma das mais importantes da região. Depois vieram Dover, Durham e Stratham. O capitão Mason negociou com outros capitães e empresários a venda de terras para eles montarem seus assentamentos e fazendas, o que levou ao surgimento de cidades e vilas. (SARSON; GREENE, 2016). 

No geral, o comércio de Nova Hampshire dependia de Massachusetts, embora também mantivesse relações com o Maine, Plymonth e a Virgínia, além da própria Inglaterra. De qualquer forma, Nova Hampshire não se destacou como o esperado e em 1648 foi anexada a Massachusetts, apesar que se separou em 1679, recobrando sua autonomia. 

Divisão das colônias do Maine e Nova Hampshire em 1629. 

4) Província de Maryland (1632)

Maryland foi uma colônia desmembrada do território da Virgínia, concedida pelo rei Charles I ao 2o Barão de Baltimore (1605-1675), que herdou o direito de seu pai de fundar uma colônia na América do Norte. Baltimore como seu pai, ambos tinham o plano de criar uma colônia para os católicos ingleses que viviam marginalizados na Inglaterra. Como o 1o Barão de Baltimore havia conquistado o apreço do Parlamento e da Corte, Charles I lhe concedeu tal direito, mas ele faleceu antes de fundar sua colônia. Seu filho deu seguimento ao projeto e estabeleceu a cidade de St. Mary City, capital de Maryland ("Terra de Maria"). (SARSON; GREENE, 2016). 

Embora Maryland fosse uma pequena colônia, situada no que hoje é o atual estado homônimo, sendo destinada a abrigar os católicos, ela acabou recebendo colonos anglicanos, batistas, puritanos e quakers, apresentando-se como um lugar de tolerância religiosa, já que na Virgínia a maioria da população era anglicana, embora houvesse batistas também, porém, os católicos, puritanos e quakers sofriam hostilidades. (VICKERS, 2011). 

Maryland especializou-se no cultivo do tabaco, como a Virgínia, além de manter-se na fronteira entre os domínios ingleses e holandeses, já que ao norte situava-se a Colônia dos Novos Países Baixos.

As terras da Província de Maryland, entre as colônias da Pensilvânia e Virgínia. 

5) Colônia de Connecticut (1636)

O rio Connecticut já tinha sido mapeado pelos holandeses, mas nunca deram interesse em colonizar aquelas terras, assim, em 1636, colonos de Massachusetts e Plymonth, interessados em desenvolver fazendas próximos aquele rio, reivindicaram a coroa direito de montar uma colônia ali. O rei então autorizou uma comunidade de puritanos liderada pelo reverendo Thomas Hooker para conduzir os colonos a se assentarem ao longo do rio Connecticut. Hooker ao lado do advogado e magistrado Roger Ludlow e do secretário Thomas Welles, redigiram as Ordens Fundamentais de Connecticut, uma breve legislação colonial pautada nos princípios cristãos do Puritanismo. (SARSON; GREENE, 2016). 

Os colonos de Connecticut tiveram problemas com os indígenas do povo Pequot, no que originou a Guerra Pequot (1636-1638) logo no início da colonização. O conflito se deveu a reação dos indígenas em terem suas terras invadidas pelos colonizadores, gerando um conflito que se estendeu por dois anos, resultando em várias mortes e escravização dos Pequot. Além disso, o governo de Connecticut também chegou a estabelecer fazendas e assentamentos em Rhode Island, Nova Jersey e Nova York. 

5.1) Colônia de Saybrook (1635-1644)

Saybrook foi uma pequena colônia fundada na foz do rio Connecticut, um ano antes da colônia de Connecticut ser fundada. Saybrook foi fundada por John Winthrop, o Jovem, filho do então governador de Massachusetts. Ele como o pai e seus amigos, eram a favores do republicanismo e apoiadores de Oliver Cromwell, o que gerou inimizade com os ingleses monarquistas. (KAVENAGH; MORRIS, 1973). 

Além disso, existiam boatos que Cromwell, na época membro do Parlamento, enviaria recursos para seus apoiadores na América do Norte, o que tornaria Saybrook sua colônia patrocinada, mas na prática isso nunca chegou a acontecer. Nove anos depois, Cromwell que supostamente viajaria para conhecer seus apoiadores, nunca apareceu. Inclusive ele somente se tornou Lorde Protetor em 1653, numa época que a Saybrook já tinha sido anexada a Connecticut por ter perdido sua influência econômica e política. 

5.2) Colônia de New Haven (1638-1664)

Em 1638 foi fundado o assentamento de New Haven por iniciativa do reverendo John Davenport e do mercador Theophilus Eaton. Todavia, naquele mesmo ano o pequeno núcleo urbano originou uma colônia própria, que formalmente nunca conquistou uma autorização definitiva da coroa para possuir sua autonomia, fato esse que os documentos da época até negam chamar New Haven de colônia, tratando-a como um assentamento rebelde ao governo de Connecticut. Mesmo assim, New Haven ainda resistiu por quase trinta anos antes de ser definitivamente anexada. (KAVENAGH; MORRIS, 1973). 

A colônia de Connecticut e as duas pequenas colônias de New Haven e Saybrook, que foram anexadas eventualmente. 

6) Colônia de Rhode Island (1636)

Aproveitando a fundação de Connecticut, o governo autorizou a criação de outra colônia na mesma época, agora situada em Rhode Island, mais para o sul. Oficialmente nomeada de Colônia de Rhode Island e Plantações de Providence. Tecnicamente a ilha já tinha sido habitada por colonos ingleses desde 1622, quando foi estabelecido o assentamento de Warren, no interior, fundado por colonos de Plymonth, mas ele acabou não se desenvolvendo adequadamente e foi atacado algumas vezes pelos indígenas do povo Pokanoket

A realidade de Rhode Island somente mudou anos depois, quando o reverendo Roger Williams, liderando um grupo de puritanos, fundaram a cidade de Providence em 1636. A qual definitivamente levou a criação da colônia naquela região. Dois anos depois, o médico e reverendo John Clarke, o juiz William Coddington, entre outros, fundaram Portsmouth, e no ano seguinte surgiu Newport, oriunda dos mesmos idealizadores anteriores. Mais tarde, em 1642, foi criado o assentamento de Warwick por Samuel Gorton, tornando-se uma cidade. (KAVENAGH; MORRIS, 1973). 

Rhode Island foi um caso atípico colonial, em que em poucos anos quatro assentamentos foram fundados e se tornaram cidades que conseguiram prosperar. A colônia ainda fundou outros assentamentos menores e conseguiu manter-se firme, adentrando a economia rural e comercial. Em 1663 o rei Charles II a tornou uma colônia real, passando-a para a administração direta do governo, embora isso não agradou a todos seus habitantes. Mais tarde, na Guerra do Rei Filipe (1675-1676), os colonos foram recrutados para lutarem no conflito, mas os moradores de Rhode Island, reivindicaram neutralidade. (KAVENAGH; MORRIS, 1973). 

7) Colônia de Delaware (1664)

Delaware foi uma das três colônias surgidas em 1664 com a derrocada dos Novos Países Baixos, após a Inglaterra conquistar a capital dessa colônia, a cidade de Nova Amsterdã. Todavia, as terras de Delaware eram ocupadas desde 1638 por uma colônia de suecos. Num acordo de colaboração entre Holanda e Suécia, os holandeses decidiram ceder terras ao longo do rio Delaware para os suecos, os quais em 1638 estabeleceram a Colônia da Nova Suécia. Os suecos permaneceram ali cooperando com os holandeses e indígenas até 1655, quando o governo sueco desistiu da colônia e ela foi incorporada aos Novos Países Baixos. (VICKERS, 2011). 


Em 1664 o coronel inglês Robert Carr invadiu o Delaware, saqueando a cidade de Nova Amstel. Em seguida ela foi ocupada e renomeada para New Castle, nome que conserva até hoje. Além da capital ser atacada, outras vilas, cidades e fazendas também foram saqueadas, havendo assassinatos e até escravização de indígenas. A invasão inglesa do Delaware foi mais brutal do que a conquista da ilha de Manhattan. (VICKERS, 2011). 

Ainda em 1664 o Duque de York reivindicou que Delaware fosse anexada a Província de Nova York, mas o rei negou tal reinvindicação. Quase vinte anos depois, William Penn, importante quaker, então governador da Pensilvânia, reivindicou a anexação do Delaware em 1682. Mas a solicitação foi negada também. Delaware manteve sua autonomia até se unir aos Estados Unidos. 

8) Província de Nova York (1664)

Nova York surgiu a partir da conquista de Nova Amsterdã em 1664, então capital dos Novos Países Baixos. Assim, as terras dessa colônia holandesa se tornaram na nova colônia inglesa. No entanto, suas fronteiras não foram mantidas. Com a derrocada dos Novos Países Baixos, seu território originou três colônias e algumas porções foram anexadas ao Connecticut e mais tarde a Pensilvânia (especialmente as terras interioranas). (SARSON; GREENE, 2016). 

O proprietário da nova colônia era o Duque de York (posteriormente tornou-se o rei Jaime II), o qual era irmão do rei Charles II, que naquele início reivindicou várias terras que se estendiam para além dos domínios holandeses. No final, ele conseguiu manter parte do território, conseguiu o Maine e o interior de Massachusetts, privilégios de ser irmão do rei. Em 1673 os holandeses cercaram a cidade de Nova York e a ocuparam por alguns meses, na tentativa de recuperar sua colônia, porém, um acordo foi proposto. Pagar-se-ia uma indenização a Holanda. O governo aceitou e liberou a cidade. 

O governo do Duque de York investiu bastante em fazendas para ocupar os doze condados pelos quais eram divididos a colônia, além de haver uma grande concentração de mão-de-obra no comércio e nos portos. Para suprir a demanda, houve um aumento considerável do tráfico negreiro, o que tornou Nova York uma das colônias inglesas com maior quantidade de africanos e afro-brasileiros ainda no final do século XVII. (SARSON; GREENE, 2016). 

Mapa da Província de Nova York e outras colônias vizinhas além de territórios reivindicados no interior. 

9) Província de Nova Jersey (1664)

Diferente do Delaware, a Nova Jersey não foi uma colônia planejada originalmente. Ela surgiu em consequência de uma grande dívida que o Duque de York possuía com o vice-almirante e barão George Carteret, o qual era um dos proprietários da Província da Carolina (1663-1712), uma colônia que viria a ser dividida em duas no século seguinte. Devido a influência do vice-almirante e a enorme dívida do Duque de York, esse propôs ceder parte das terras ao sul de sua colônia para quitar a dívida. (SARSON; GREENE, 2016). 

Carteret aceitou o pagamento da dívida pelas terras cedidas pelo duque, e solicitou do rei Charles II autorização para estabelecer uma colônia ali. O monarca concedeu a autorização e Carteret nomeou o local de Província de Nova Jersey, em referência a Jersey, lar de seus antepassados. 

Para atrair colonos e investidores para sua colônia, o Barão Carteret autorizou a liberdade de fé, isso levou colonos puritanos, quakers, batistas, huguenotes, católicos e até judeus a migrarem para Nova Jersey. Vale lembrar que na Inglaterra havia preconceito com outras religiões e em algumas colônias isso foi mantido também. Carteret colocou seu filho para governar a colônia e nos anos seguintes cidades foram sendo fundadas como: Newark (1666), Piscataway (1666), Bergen (1668), Woodbrige (1669), entre outras. (VICKERS, 2011).

A partir de 1674 a província foi dividida em duas partes, Jersey Oriental e Jersey Ocidental para fins de administração, que na prática a fez ter dois governadores e duas capitais. Ou seja, houve duas províncias. Essa divisão perdurou até 1702, quando Jersey se tornou uma colônia real, sendo reunificada. (SARSON; GREENE, 2016).  

Território do estado de Nova Jersey, baseado na antiga província. 

10) Província da Pensilvânia (1681)

A nova colônia foi concedida por carta régia do rei Charles II ao quaker William Penn Jr, condição essa que ele chamou sua colônia de Pensilvânia ("Floresta de Penn"). As terras doadas como pagamento de uma dívida do monarca para o pai de Penn, o almirante Sir William Penn. O filho aceitou a oferta e viajou para Delaware, subindo o rio e indo tomar posse da sua colônia. (CHITWOOD, 1961). 

Por ser um quaker relativamente influente, William Penn conseguiu convencer famílias de sua religião a migrarem para a nova colônia. Penn também negociou com o povo Delaware para permitir que permanecessem em suas terras, mas se tornassem parte da colônia, ajudando no desenvolvimento da mesma e pagando tributos. As negociações duraram de 1682 a 1684. (CHITWOOD, 1961). 

Além de quakers e indígenas, a Pensilvânia atraiu colonos alemães, escoceses e irlandeses. Por consistir numa colônia com vastas terras pelo interior, havia muito espaço para se constituir plantações, pastos, além da exploração de minas e das florestas. A Pensilvânia também conseguiu fazer bastante negócios com sua vizinhas, o que ajudou no seu desenvolvimento econômico. 

Mapa da antiga Província da Pensilvânia, parte desse território compreende hoje o estado da Pensilvânia. 

11) Província da Carolina do Norte (1716)

As terras que viriam a ser as colônias das Carolinas já tinham sido ocupadas décadas antes, inclusive a primeira tentativa de estabelecer uma colônia lá, data de 1629, porém, na época o pedido foi negado pelo rei. Mais tarde a Virgínia se apossou de algumas terras do que viria a ser a Carolina do Norte. Em 1663 o rei Charles II para recompensar o apoio que recebeu de oito nobres, criou a Província da Carolina naquele ano, dividindo-a em oito partes. (KAVENAGH; MORRIS, 1973). 

Em 1669 os Lordes Proprietários decidiram dividir a administração da colônia, por julgarem-na muito extensa, o que dificultaria seu governo. Assim, o norte foi chamado de Província de Albermarle e o sul foi nomeado de Província de Clarendon. Apesar dessa divisão, problemas administrativos acometeram as duas colônias, levando-se a criar o cargo de vice-governador em 1691, para gerir Albermarle. Mais tarde, algumas revoltas entre 1708 e 1710, pressionaram os Lordes Proprietários a realizarem mudanças políticas nas colônias. (KAVENAGH; MORRIS, 1973). 

Somente em 1712 a Província de Albermarle foi renomeada para Carolina do Norte, recebendo novo governo e sendo oficialmente separada de sua irmã, a Carolina do Sul. Na prática renomeou-se apenas a colônia. Ainda assim, ela notabilizou-se pelos investimentos rurais, adotando o sistema de plantations praticado em larga escala na Virgínia, até Nova York. A Carolina do Norte destacou-se no cultivo do tabaco e do açúcar, tendo uma população de escravizados elevada, além de ter recebido imigrantes alemães e irlandeses. 

Em 1729 o governo comprou as propriedades de sete dos oito Lordes Proprietários, tornando a Carolina do Norte em colônia real. O único a não vender seus direitos foi a família Carteret, que manteve-se dona das terras até 1776, quando a colônia se tornou parte dos Estados Unidos. (KAVENAGH; MORRIS, 1973). 

12) Colônia da Carolina do Sul (1716)

A história da Carolina do Sul é similar da sua irmã no norte. Ela surgiu em 1669 com a Província de Clarendon, surgida da divisão da antiga Província da Carolina. Mas somente em 1712 ganhou seu atual nome. Assim, como a colônia nortenha, a do sul também se destacou com o cultivo de tabaco e açúcar, uso da mão de obra escrava.

No entanto, diferente do norte onde a administração estava melhor controlada pelos Lordes Proprietários, no sul, irregularidades e corrupção ocorria, isso levou o governo a interferir em 1719, passando a nomear os governadores coloniais. Dez anos depois, o direito de posse dessa colônia foram comprados pela coroa, tornando-a uma colônia real. No entanto, a Carolina do Sul passou por outro problema, devido a sua extensão para o sul, julgou-se que aquela porção do território estava administrativamente infrutífera e descolonizada, então decidiu se separar o sul e criar nova colônia. (KAVENAGH; MORRIS, 1973). 

Mapa mostrando as fronteiras da Província da Carolina, depois da Carolina do Norte, Carolina do Sul e a Geórgia. É possível ver também a Virgínia e a Flórida. 

13) Província da Geórgia (1732)

Enquanto a Carolina do Norte estendeu-se rumo ao interior, a Carolina do Sul teoricamente detinha terras até a fronteira com a Flórida, como estabelecido por um acordo em 1665. Na prática tais fronteiras nunca foram efetivamente alcançadas por décadas, levando os colonos da Carolina do Sul se limitarem a fronteira delimitada em 1663. Todavia, em 1732 o governo britânico julgou que havia a necessidade de criar nova colônia para tentar colonizar aquele território julgado desocupado, assim surgiu a Geórgia, a última das Treze Colônias.

A carta patente foi concedida ao general James Oglethorpe pelo rei George II, a quem em retribuição nomeou a colônia em homenagem ao monarca. Oglethorpe tomou algumas medidas controvérsias na época, como leis comportamentais rígidas, trocar o sistema rural da plantation pela pequena propriedade, o que não agradou os latifundiários, diminuir o uso de mão de obra escrava, fornecer segunda chance para ex-criminosos e degradados. (KAVENAGH; MORRIS, 1973). 

Na prática as medidas de Oglethorpe e seus sucessores prejudicaram o desenvolvimento da Geórgia, até que finalmente adotou-se os sistema da plantation e da escravidão, mesmo que a contragosto dele. Além disso, a Geórgia era tida como uma colônia "tapa-buraco", formada para ocupar terras ao norte da Flórida, para evitar que os espanhóis tomassem aquele território. Por conta do subdesenvolvimento econômico e déficit em colonizar a região, em 1755 a Geórgia se tornou uma colônia real, passando a ser controlada pelo governo, que nos vinte anos seguintes, tentou reverter esse atraso. (KAVENAGH; MORRIS, 1973). 

Considerações finais

Em 1754 as colônias britânicas se expandiam para o interior, adentrando territórios franceses e espanhóis. No caso da França, essa mobilizou povos indígenas a seu favor e iniciou uma guerra contra os ingleses, originando a Guerra Franco-Indígena (1754-1763), tratando-se do primeiro grande conflito enfrentado pelas colônias. (VICKERS, 2011). 

Para piorar a situação dos colonos, a Inglaterra ingressou na Guerra dos Sete Anos (1756-1763), o que a levou a dirigir parte de sua marinha, exército e recursos para esse conflito, deixando que os colonos em muitos casos tivessem que lidar sozinhos com os problemas na América do Norte. A condição da Inglaterra ter entrado simultaneamente em duas guerras, onde os franceses estavam entre seus inimigos não apenas comprometeu a relação entre os dois países por alguns anos, mas acarretou em vários gastos para a coroa britânica, assim como, levou ao desenvolvimento de um sentimento de patriotismo dos colonos norte-americanos, pois parte deles consideraram que o rei os havia abandonado. Assim, em colônias do centro e do norte, surgiu mais rapidamente a defesa de ideários republicanos e nacionalistas. (VICKERS, 2011). 

Com o término das duas guerras, o governo britânico estava com uma enorme dívida financeira devido aos gastos com os conflitos, isso levou a aumentar os impostos sobre as colônias ocidentais e orientais. No caso das Treze Colônias vários políticos, intelectuais e lideranças políticas e religiosas se manifestavam publicamente contra isso, alguns com discursos mais contundentes apontavam que a vitória sobre os franceses e indígenas foi graças a união dos colonos em confrontá-los com seus próprios homens e recursos, já que a coroa pouca ajuda enviou. 

Esse descontentamento foi acirrando-se pelos dez anos seguintes até que surgiram grupos separatistas, pregando a república e a democracia, lutando pela independência das colônias. Finalmente isso culminou em 1776 com o rompimento total, resultando na Independência dos Estados Unidos da América, formado por treze colônias que decidiram se unir e criar uma nação republicana. Evidentemente que a Inglaterra não aceitou isso, e assim teve-se início a Guerra de Independência Americana (1776-1781) para finalmente assegurar a soberania do novo país. (VICKERS, 2011). 

Primeira bandeira dos Estados Unidos em 1776, possuindo treze estrelas e treze faixas, representando as colônias fundadoras. 

Referências bibliográficas: 

CHITWOOD, Oliver. A history of Colonial America. New York, Harper, 1961. 

KAVENAGH, W. Keith; MORRIS, Richard B (eds). Foundations of Colonial America: A Documentary History. New York, Chelsea House Publishers, 1973. 

SARSON, Steven; GREENE, Jack P (eds.). The American Colonies and the British Empire, 1607–1783. Abingdon, Pickering & Chatto, 2016. 

VICKERS, Daniel (ed.). A Companion to Colonial America. Hoboken, Wiley, 2011. 

sexta-feira, 5 de abril de 2024

200 anos da primeira Constituição Brasileira

Em 2024 completou-se o bicentenário da promulgação da primeira constituição brasileira, as vezes referida como constituição imperial, já que ela instituiu legalmente as bases do Império do Brasil iniciado em 1822. O presente texto comentou um pouco a respeito da história por trás dessa constituição e algumas características mais marcantes nela. Além disso, no final da postagem segue o link para a constituição, permitindo ao leitor poder lê-la integralmente. 

Frontispício da Constituição de 1824.

Introdução 

Na data de 3 de maio de 1823 teve início na cidade do Rio de Janeiro a Assembleia Constituinte, presidida pelo capelão-mor José Caetano da Silva Coutinho (1768-1833), um dos apoiadores do processo de independência e conselheiro de confiança de D. Pedro I. Assim, Coutinho dirigia os conselheiros escolhidos nas quatorze províncias até então existentes, incumbidos de redigir e votar os termos da constituição brasileira. 

O processo de feitura da constituição estendendo-se por meses gerando várias desavenças e o surgimento de três facções: os Bonifácios, liderado pelos irmãos Bonifácios, defendendo um governo monárquico centralizado, mas liberal economicamente, incluindo cogitar a abolição da escravidão e uma reforma agrária. O "Portugueses", formado por portugueses que apoiaram Pedro I, defendendo uma monarquia absolutista. Por fim, tínhamos os Liberais, os quais defendiam uma monarquia parlamentarista aos moldes da britânica, embora alguns fossem a favor da república. (LUSTOSA, 2007).

Os três grupos geravam atritos entre si e isso perdurou por meses, se agravando. Inclusive Pedro I se desentendeu com José Bonifácio, seu ex-aliado. Condição essa que em novembro os ânimos da constituinte já estavam a flor da pele e corriam boatos de que os Bonifácios e alguns membros dos Liberais, eram solidários a restringir a autoridade do monarca, além de outras medidas também. Assim, no dia 12 de novembro de 1823, Pedro I ordenou a invasão da assembleia, a prisão de alguns dos membros e a suspensão da constituinte. Aquela noite ficou conhecida como "Noite da Agonia". (LIMA, 1989).

Dias depois, abaixado a poeira do ato autoritário do imperador, Pedro I ordenou que a assembleia retomasse seus trabalhos, dessa os conselheiros deveriam focar em redigir uma carta magna que fosse do agrado do monarca. Assim, o novo projeto inspirou-se em outras constituições como a francesa, adotando ideias acerca da cidadania, liberalismo e funcionamento dos Três Poderes; das constituições portuguesa, espanhola e dinamarquesa, mantendo as características da monarquia centralizadora, hereditária e católica. A democracia escolhida era de caráter representativo e indireto, havendo eleições restritas. O serviço militar era obrigatório, o sistema de tribunais era bastante elaborado (pelo menos no papel); os direitos a cidadania eram bem amplos; a organização administrativa era bem estruturada. Assim, a constituição finalizada era dividida em oito títulos, possuindo 179 artigos no total. (BONAVIDES, 1999).

Assim, houve uma votação final para os conselheiros deliberar alguma alteração, ninguém se manifestou, então a constituição foi aprovada com unanimidade, e no dia 25 de março de 1824 o imperador D. Pedro, a imperatriz. D. Leopoldina, entre outros membros da corte e ministros participaram da cerimônia solene na assembleia e depois assistiram uma missa solene em homenagem a aprovação da constituição brasileira. (REZUTTI, 2015). 

Além dessas características, a constituição manteve o sistema escravocrata, o vínculo entre Estado e Igreja, embora ela informasse que haveria "liberdade de culto", na prática essa era restrita ao espaço doméstico. Outras religiões eram proibidas de terem templos no país e se manifestarem publicamente. Em 1834 uma pequena reforma constitucional extinguiu o Conselho de Estado e concedeu maior autonomia para as assembleias provincianas poderem legislarem. No geral, a constituição de 1824 se mostrou bastante positiva em vários aspectos. (REZUTTI, 2015). 

Monarquia centralizadora

O projeto constitucional de 1823 previa uma monarquia parlamentarista de cunho mais liberal, isso aos moldes da monarquia britânica, adotando algumas ideias do seu sistema parlamentar, ideias do liberalismo de John Locke, e até colocar um primeiro-ministro como representante de Estado, tornando o imperador uma figura mais simbólica. Embora que alguns membros da constituintes fossem adeptos de uma república. Independente disso, D. Pedro I não gostou de tais ideias e encerrou a constituinte naquele ano, ordenando vais trechos do projeto constitucional fossem reescritos. 

Dessa forma a constituição de 1824 assegurava uma monarquia com direito a um Senado e Câmara, adotando a divisão dos três poderes, porém, não incluiu alguns preceitos liberais desejados anteriormente, além de definir os parâmetros para uma monarquia hereditária de governo centralizado e concedendo ao imperador poder superior de controle, o chamado poder moderador. 

Poder moderador: a intervenção do imperador

A constituição em seu título 3o informa que o sistema da divisão dos três poderes como proposto por Montesquieu no século XVIII, seria adotado. Porém, além dos poderes do Executivo, Legislativo e Judiciário, haveria um quarto poder de atribuição específica do monarca. Esse era chamado de poder moderador, que concedia a autoridade e direito de intervenção e veto ao soberano. Somente a existência desse poder mantinha o legado absolutista da monarquia portuguesa. 

O artigo 98 descreve o Poder Moderador como a "chave da organização política", sendo de estrito uso do monarca, chefe supremo da nação brasileira. O poder moderador tem a função de "gerar equilíbrio" nos demais poderes políticos. Sobre os usos do poder moderador, o artigo 101 listava o seguinte:

  • I. Nomeando os Senadores, na forma do Art. 43.
  • II. Convocando a Assembleia Geral extraordinariamente nos intervalos das Sessões, quando assim o pede o bem do Império.
  • III. Sancionando os Decretos, e Resoluções da Assembleia Geral, para que tenham força de Lei: Art. 62.
  • IV. Aprovando, e suspendendo interinamente as Resoluções dos Conselhos Provinciais: Arts. 86 e 87.    
  • V. Prorrogando, ou adiando a Assembleia Geral, e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado; convocando imediatamente outra, que a substitua.
  • VI. Nomeando e demitindo livremente os Ministros de Estado.
  • VII. Suspendendo os Magistrados nos casos do Art. 154.
  • VIII. Perdoando e moderando as penas impostas e os réus condenados por sentença.
  • IX. Concedendo anistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade, e bem do Estado. 
Vale ressalvar que em 1823, D. Pedro I suspendeu a assembleia constituinte por discordar do projeto da constituição inicial, que restringia a autoridade do monarca, além de enfatizar um governo mais liberal e parlamentarista. Não obstante, o artigo 99 sublinhava outra característica associada ao poder moderador, essa mais específica aos direitos do imperador, dizendo que sua "pessoa era inviolável e sagrada, além de não ser imputável criminalmente". Sendo assim, o imperador estaria acima da lei, pois os crimes que cometesse não seriam considerados a sua pessoa. Ele possuía proteção jurídica de mais alto grau. 

Eleições restritas

Uma das características da Constituição de 1824 é que não se tratava de uma constituição democrática, pois na prática somente uma pequena parcela da população brasileira detinha o direito de votar e de se candidatar a alguns cargos públicos. 

O capítulo VI é dedicado a falar das eleições. Sobre isso o artigo 92 lista os motivos pelos quais um cidadão brasileiro deve estar apto para votar. Neste caso a lei informa que está apto para votar os homens maiores de 21 anos que foram casados, militares, bacharéis ou clérigos. No caso dos homens solteiros, o direito ao voto é a partir dos 25 anos. Entretanto, não era apenas o fator da idade que pesava na hora de poder votar, o fator mais importante era o financeiro. O mesmo artigo aponta que os eleitores aptos são aqueles que possuam renda anual de 100 mil contos de réis

Sendo assim, pela prerrogativa constitucional, os pobres não teriam o direito de voto. Além disso, mulheres não detinham esse direito também. O voto feminino somente foi aprovado no Brasil em 1932. Mais de um século depois. Inclui-se na categoria de pobres os brancos, mestiços, indígenas, libertos (ex-escravos). Esses que compunham grande parte da população imperial brasileira estavam fora do sistema eleitoral. Não podiam votar, muito menos serem candidatos. 

Além disso, as eleições eram divididas de outra forma. Por exemplo, as eleições paroquiais seguia-se a recomendação anterior dos 21 anos e dos 25 anos, mais a renda de 100 mil contos de réis. Porém, as eleições para se escolher os deputados, senadores e conselheiros requisitava renda de 200 mil contos de réis. O cargo de governador (presidente de província) era escolhido pelo monarca, por sua vez, o governador nomeava prefeitos. 

Esse fator de renda é ainda mais perceptível no direito de se candidatar. O artigo 95 estipula que para se candidatar ao cargo de deputado, o indivíduo deveria ter renda anual de 400 mil contos de réis, não poderia ser estrangeiro naturalizado e deveria ser católico. Já o cargo de senador, o artigo 45, informa que se requisitava idade mínima de 40 anos, ser instruído e ter prestado serviços à pátria (de preferência), ter renda anual de 800 mil contos de réisSó o fato financeiro restringia o cargo de deputado as elites. 

Referências bibliográficas

BONAVIDES, Paulo. História Constitucional do Brasil. 3a ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991. 

LIMA, Manuel de Oliveira. O império brasileiro. São Paulo, Editora da USP, 1989. 

LUSTOSA, Isabel. D. Pedro I. São Paulo, Companhia das Letras, 2007. 

REZZUTTI, Paulo. D. Pedro, a história não contada. Rio de Janeiro, LeYa, 2015. 

Links relacionados

200 anos da Noite da Agonia: a dissolução da Primeira Assembleia Constituinte Brasileira

200 anos da Independência do Brasil

LINK

Constituição Brasileira de 1824

quinta-feira, 28 de março de 2024

A Pérsia através da História

Atualmente chamado de República Islâmica do Irã (ou Irão), no passado ele era chamado de Pérsia. O país ao longo de mais de dois mil e quinhentos anos teve suas fronteiras bastante alteradas. Em determinadas épocas a Pérsia foi um poderoso e próspero império governando quase todo o Oriente Médio e a Ásia Central, mas em outros momentos se tornou uma província de outros impérios. O presente texto apresenta de forma resumida diferentes momentos da história persa, focando-se na perspectiva política-administrativa. 

Império Aquemênida ou Império Persa (648-330 a.C)

Os persas eram um povo nômade e seminômade que habitava a região desértica ao sul do atual Irã. Eles viviam da agricultura, pastoril e comércio, estando divididos em clãs, os quais podiam se reunir sob o comando de um chefe. Entretanto, os persas eram um povo vassalo dos Medos, os quais viviam no Reino da Média, sendo mais poderosos e tendo domínios que estendiam em direção a Mesopotâmia, mantendo alianças com os babilônios. Historiadores gregos apontam que os medos oprimiam os persas cobrando pesados tributos, além de exigir homens para seu serviço militar. 

Mapa dos reinos existentes antes da conquistas de Ciro II. 

Porém, por motivos não conhecidos, um dos chefes persas conseguiu autoridade sobre os demais clãs e foi proclamado o primeiro rei dos persas, sendo seu nome Aquêmenes, figura desconhecida na História, e possívelmente até mesmo um rei lendário. Ainda assim, os persas e gregos o consideravam como o primeiro rei da Pérsia. Aquêmenes rebelou-se contra o domínio medo, proclamando a independência da Pérsia em 648 a.C. (BURGAN, 2009). 

No entanto, essa independência não foi imediata. Após Aquêmenes, seus sucessores Teispes, Ariarâmenes, Ciro I e Cambises I seguiram lutando contra os medos e também contra os babilônios. Uma mudança definitivamente somente ocorreu durante o reinado de Ciro II (r. 559-530 a.C), quando esse finalmente subjugou os medos e os babilônios, anexando suas terras a Pérsia, fundando assim o primeiro império persa(BURGAN, 2009). 

"Eu sou Ciro, o Rei do Mundo, o Grande Rei, o Poderoso Rei, Rei da Babilônia, Rei da Suméria e da Acádia, Rei dos quatro cantos do mundo, Filho de Cambises, Grande Rei, Rei de Ansã, Descendente de Teispes, Grande Rei, Rei de Ansã, A Semente Perpétua da Realeza, cujo reinado Bel e Nabu Amam". (DANDO-COLLINS, 2020).

Ciro II devido as suas façanhas em conquistar a Média, a Babilônia e a Lídia recebeu a alcunha de "o grande", dessa forma, em 540 a.C, um ano antes de sua morte, ele era o senhor do mais vasto império do mundo em sua época, apesar de suas conquistas, ele ainda teve que dar fim a traições, tentativas de golpe de estado e rebeliões contra sua autoridade. (WATERS, 2022). 

Com a morte de Ciro, o Grande seu filho Cambises II sucedeu o pai, porém, governou por 12 anos, tendo se arriscado numa campanha inconsequente pela África. Após conquistar o Egito em 520 a.C, Cambises II aventurou-se pelo deserto saariano rumo a Líbia, mas pereceu com parte de seu exército numa tempestade de areia. Após ele alguns oportunistas assumiram brevemente o trono persa até que Dario I casou-se com uma das filhas de Cambises, oficializando sua disputa ao trono. (BUGAN, 2009). 

Dario I, o Grande (550-486 a.C) governou o Império Aquemênida em seu auge, conseguindo manter os territórios conquistados por Ciro II e Cambises II, além de promover suas próprias conquistas, embora seu grande fracasso militar foi a derrota em Maratona, na Grécia no ano de 490 a.C. Apesar dessa derrota, isso não manchou o bom governo que Dario exerceu, estruturando o império de forma a assegurar sua administração, burocracia, comércio, tributação, economia, redes de estradas, sistema de correios, cunhar moedas, reformas legais etc. (LLYWELYN, 1988). 

Mapa mostrando os territórios conquistados por Ciro II (em verde), Cambises II (em azul) e Dario I (em vermelho). 

"Dario estava convencido de que a ele se reservara a missão de levar a cultura e a civilização persa aos povos dos territórios conquistados. Ele enviou exploradores para percorrer o rio Indo e o Oceano Índico. Abriu portos na costa sul da Pérsia. O canal que mandou construir no Egito, do rio Nilo até Suez, foi uma realização gloriosa, e o rei tinha monumentos erguidos ao longo de sua extensão, ostentando inscrições que exaltavam o poder da Pérsia Aquemênida". (LLYWELYN, 1988, p. 18).

Com a morte de Dario, o trono passou para seu filho Xerxes I, treinado e educado para a missão de ser rei. Em 486 a.C seus exércitos contiveram uma revolta no Egito, a província mais rica do império. Em 482 a.C foi a vez da Babilônia se rebelar, uma das províncias politicamente mais influentes. Assim, após conter duas grandes revoltas, em 480 a.CXerxes decidiu focar seus recursos e atenção num antigo projeto de seu pai: conquistar a Grécia. Assim, em 486 a.C ele seguiu com seu poderoso exército rumo a Lídia, atravessando o Helisponto, passando pelo sul do Balcãs, adentrando as terras gregas, enquanto uma poderosa frota seguia em frente. (LLYWELYN, 1988). 

A campanha de Xerxes na Grécia durou quase um ano, marcada por altos e baixos. A vitória na Batalha das Termópilas (480 a.C) contra os espartanos, feócios, tebanos e tepsianos se tornou lendária, abrindo caminho através do Peloponeso. Todavia, a derrota na batalha naval de Salamina (480 a.C) foi esmagadora, forçando Xerxes a deixar a Grécia, mas no ano seguinte ele enviou seu cunhado Mardônio para continuar a campanha. Sob seu comando Atenas foi invadida e saqueada, porém, os gregos se uniram e confrontaram o exército persa na Batalha de Plateia (479 a.C), que marcou a derrota definitiva. (LLYWELYN, 1988). 

Xerxes I ainda governou por vinte e cinco anos, mas tendo perdido o interesse de tentar conquistar a Grécia novamente. Seu filho Artaxerxes I governou por quarenta anos mantendo a estabilidade do império. Após sua morte uma crise de sucessão iniciou-se marcando a decadência do Império Aquemênida. Os filhos de Artaxerxes foram assassinados ou depostos, havendo três monarcas em dois anos, somente Artaxerxes II conseguiu restabelecer a ordem em 404 a.C. Porém, seu sucessor enfrentou uma série de revoltas, a maior ocorrida no Egito. Em 338 a.C Artaxerxes III foi envenenado numa conspiração, sendo sucedido por seu cunhado Dario III. 

Na mesma época que Dario III ascendeu ao trono persa, na Macedônia, o jovem Alexandre sucedia seu pai Filipe II, após ele ser assassinado. Alexandre, o Grande (356-323 a.C) como ficaria conhecido, decidiu vingar a humilhação que os gregos sofreram com as Guerras Médicas promovidas por Dario I e Xerxes I, além de ambicionar conquistar um império para si. O alvo era o próprio Império Persas. (TOYNBEE, 1960).

Assim, em 334 a.C, Alexandre iniciou suas campanhas para conquistar o império persa, indo a cada ano tomando terras e cidades da porção ocidental, atravessando os atuais territórios da Turquia, Síria e Israel, para chegar ao Egito, onde se demorou mais algum tempo, sendo proclamado libertado do povo egípcio, coroado faraó e até visitado importante oráculo na Líbia, que confirmou sua origem divina. Depois desses acontecimentos, Alexandre confrontou o exército de Dario na decisiva Batalha de Gaugamela (330 a.C), a qual marcou mais uma derrota desastrosa para os persas. Dario III estava presente no conflito e fugiu, sendo semanas depois traído pelo general Bessus, que o matou e se autoproclamou Artaxerxes V(TOYNBEE, 1960).

Artaxerxes V chegou a se proclamar novo rei persa nesse intervalo, mas sem apoio da corte, sua reivindicação foi ignorada e Alexandre, o Grande adentrou triunfante a Babilônia, então capital do império há vários anos. Sua ascensão ao trono persa, colocou a Pérsia sob domínio da Macedônia, iniciando a Era Helenística. 

Dinastia Alexandrina (330-309 a.C)

Por ser um monarca culto e respeitador quando queria, Alexandre manteve a organização político, administrativa, econômica e militar do império persa, já que as reformas aplicadas na época de Dario I, o Grande foram excelentes. Assim, ele conseguiu recuperar o prestígio entre algumas províncias e entre parte da nobreza, pois embora fosse um estrangeiro no poder, havia quem visse aquele rei macedônio mais honrado e digno de ser o imperador persa do que Dario III que não era de origem nobre, tampouco Artaxerxes V, o usurpador regicida. 

Dessa forma, Alexandre tratou de estreitar laços com a nobreza persa, mesmo que contrariando seus generais e sua mãe Olímpia. O rei optou em casar com nobres persas como Estatira II (filha de Dario) e Roxana, a qual se tornou sua primeira esposa, embora ele teve outras esposas também. No entanto, Roxana foi quem lhe deu um herdeiro. No entanto, além de contrariar a nobreza macedônica que esperava o retorno triunfal de seu rei e que ele despoja-se uma macedônia ou grega, Alexandre em sua ambição por desbravar o mundo e expandir seu império seguiu rumo à Índia. Suas campanhas se estenderam por mais seis anos desde sua conquista sobre a Pérsia. (TOYNBEE, 1960).

Alexandre, o Grande faleceu em 323 a.C, na época seu filho Alexandre IV (323-309 a.C) ainda não tinha nascido. Por ser apenas um bebê, os generais de seu pai indagavam quem deveria ser o regente do pequeno príncipe. Houve uma disputa política, mas seguindo o princípio da sucessão do trono macedônico, Arredeu foi escolhido como regente, assumindo como Filipe III da Macedônia. Ele era meio-irmão de Alexandre. Assim, em teoria, Filipe governaria como regente do seu sobrinho até a maioridade dele, todavia, em 317 a.C, ele e a esposa foram mortos a mando de Olímpia, a qual suspeitava que o enteado pretendia matar seu neto para usurpar o trono. (TOYNBEE, 1960).

Além de sua morte, outros generais e comandantes opositores ao príncipe herdeiro foram eliminados. No entanto, o general Cassandro que governava como governador da Grécia, ambicionava o império para si, então tramou o assassinato da rainha-mãe Olímpia e mais tarde mandou prender Roxana e Alexandre IV, ordenando a execução de ambos em 309 a.C. Com a morte da família real, os generais de Alexandre, o Grande usurparam as terras do império e se proclamaram reis. (TOYNBEE, 1960).

Estados existente no final do século IV a.C. O reino da Macedônia e Grécia sob domínio de Cassandro, o Egito sob domínio de Ptolomeu; a Trácia e a Lídia governada por Lisímaco, entretanto, Seleuco abarcou boa parte dos antigos domínios do império persa. Por sua vez, o mapa também mostra o pequeno reino do Epiro em vermelho, e as repúblicas de Roma e Cartago. 

Com o assassinato de Alexandre IV aos 13 ou 14 anos de idade, o império que ele herdou de seu pai, foi dividido pelos generais que o serviram. Neste caso, a Pérsia que havia retomado sua condição de província, passou a ser domínio de Seleuco I, que instituiu uma nova dinastia, inclusive duradoura. 

Império Selêucida (309-63 a.C)

A partir de 305 a.C o general Seleuco começou a consolidar seus domínios como imperador, adotando o nome de Seleuco I Nicator, seguindo costume egípcio e persa de adotar um sobrenome. O monarca negociou com os indianos um acordo de não-agressão, e se dirigiu a acabar com as revoltas em suas terras. Em seu reinado ele manteve aspectos administrativos do governo persa, embora tenha renegado a Pérsia a uma província secundária, mantendo a Babilônia como capital. Além disso, Seleuco valorizava mais a cultura helenística do que persa, diferente de Alexandre, o Grande que deu espaço a outras culturas. (CHRUBASIK, 2016).

O império fundado por ele manteve algumas características adotadas pela dinastia alexandrina, como a adoção da língua, costumes e religião dos gregos, principalmente nas províncias ocidentais. Em parte isso era bem visto pelos monarcas seleucidas que eram de descendência greco-macedônica, porém, também abriu espaço para reivindicações das províncias ocidentais. No entanto, elas não foram as únicas a se rebelarem, nas províncias orientais a Pártia e a Bactria iniciaram revoltas que contestavam o domínio imperial. Nesse quesito se destacou as revoltas. (CHRUBASIK, 2016).

Mapa do Império Selêucida e Estados vizinhos em 281 a.C. 

O imperador Seleuco I e seus sucessores diretos não foram governantes populares, fato esse que em seis décadas o império perdeu vários territórios, entrando em declínio, embora ainda resistiria por mais de duzentos anos, entretanto, a ascensão do partas lhe surrupiou a Pérsia e outras terras. 

Império Parta (247 a.C - 224 d.C)

Os parnas eram uma tribo iraniana que sob liderança de Ársaces I, iniciaram uma revolta na sátrapia (província) da Pártia, em meio a crise do imperador Antíoco II. Ársaces I derrubou num golpe de estado o governador Andrágoras, tomando o controle da sua província e reunido tribos indignadas com o governo seleucida. Os parnas e outras tribos eram de origem persa e não aceitavam serem governados por um governante de origem estrangeira, além da condição que o império vivenciava crises políticas e econômicas. (CHRUBASIK, 2016).

Moeda com a efígie de Ársaces I, o fundador do Império Parta. 

Assim, a revolta iniciada na Pártia em território da antiga província da Pérsia, marcou a ascensão de um "novo império persa". Ársaces  foi coroado imperador parta e governou por trinta anos, conseguindo não apenas libertar a Pártia do domínio seleucida, mas o restante das terras persas e alguns territórios vizinhos. No entanto, a expansão parta ainda demorou décadas para ocorrer, pois parte da Pérsia ainda era governada pelos seleucidas, apenas no século I a.C, quando a queda do Império Selêucida, a Pártia ascendeu em seu lugar, ocupando vários dos territórios restantes deles, fazendo alianças com os egípcios, mas ganhando conflito com os romanos, que já vinham investindo a duzentos anos em campanhas pela Ásia Menor e parte do Oriente Médio. A partir desse contato regular com os partas, os romanos absorveram crenças religiosas do Mitraísmo, que foi difundido no império romano através do culto ao Sol Invictus

Apesar dos conflitos com romanos, armênios, indianos e outros povos, o Império Parta conseguiu resistir a tais guerras e revoltas, durando mais de quatro séculos, difundindo a cultura persa, a religião zoroastriana (que é de origem iraniana), como também manteve o intercâmbio entre diferentes povos asiáticos, alguns até mais distantes como os chineses. 

Império Sassânida (224-651)

Após guerras contra vários povos, especialmente os romanos, e crises políticas, o império Parta entrou em declínio no século III d.C. A região da Armênia e o leste da atual Turquia foi o epicentro de várias guerras entre os partas e os romanos, o que enfraqueceu os domínios partas, assim como, resultou em altos gastos para evitar a perda daquele território, abrindo caminho para os romanos adentrarem rumo a Mesopotâmia. 

Com o enfraquecimento do império após a última guerra contra Roma, ocorrida entre 216 e 217, algumas províncias começaram a se rebelar também, vale ressaltar que tais impérios reuniam vários povos de culturas e etnias distintas que não necessariamente compartilhavam uma ideia de unidade nacional. Assim, retomando a Pérsia, alguns chefes começaram a mobilizar suas tropas para iniciar uma revolta aproveitando a crise política da época, entre eles estava Artaxes I, descendente da nobreza persa, neto de um respeitado sacerdote zoroastriano chamado Sassano. (DARYAEE, 2008).

O pai, irmão e outros parentes de Artaxes já vinham nos últimos quase vinte anos tentando ganhar a independência da Pérsia, finalmente essa ocorreu em 247, quando ele conseguiu instituir seu reinado, apesar que perdeu muitas terras do antigo império, Artaxes I conseguiu assegurar os domínios da Pérsia, parte do Iraque, da Armênia, Afeganistão e Uzbequistão. Assim, surgiu o Império Sassânida, nome dado em referência a dinastia que ele pertencia. 

Fronteiras do Império Sassânida durante o reinado de Artaxes I. 

O filho de Artaxes I, o imperador Sapor I, conseguiu expulsar os romanos da Mesopotâmia (parte do Iraque) e conquistar território na Bactria (parte do Afeganistão). Tais conquistas foram importantes para consolidar as fronteiras ocidentais e orientais, embora a Mesopotâmia e a Armênia ainda seguiram sendo territórios disputados com os romanos pelos dois séculos seguintes, no entanto, o Império Sassânida conseguiu se manter ordenado por quatro séculos, prosperando, difundido até novos costumes e crenças como o Maniqueísmo, religião influenciada pelo Zoroastrismo e o Cristianismo. (DARYAEE, 2008).

O período de 450 a 530 marcou uma época dourada no império, permitindo a difusão da cultura, o desenvolvimento econômico, a segurança política e outras melhorias, mas isso foi comprometido quando o imperador Cosroes I quebrou o acordo de não-agressão com Justiniano I, então monarca do Império Bizantino, ao invadir o território da Síria, iniciando uma nova leva de guerras entre persas e bizantinos que durou pelas décadas seguintes. Inclusive em 626 os persas tentaram conquistar Constantinopla (atual Istambul), a capital bizantina, na sua campanha militar mais ousada, mas falharam em tal intento. Após essa derrota crassa, o império estava desmoralizado, os exércitos em frangalhos, dívidas astronômicas e a população revoltada pela destruição das guerras, alto impostos, violência e miséria. (DARYAEE, 2008).

No entanto, o fim do Império Sassânida não veio com os bizantinos como alguns pensavam na época, mas com outra ameaça inesperada, a expansão dos árabes e sua nova religião, o Islão. 

Califado Omíada (661-750)

O Islão é uma das mais influentes religiões monoteístas do mundo, tendo surgido no século VII com o profeta Mohammed (571-632), o qual dedicou sua vida a pregar a palavra de Alá. Após sua morte os califas inspirados continuaram com a missão missionária de espalhar os ensinamentos islâmicos pelo mundo. Assim, os quatro califas inspirados: Abu Becre, Omar, Otman e Ali fizeram isso, mas com a morte de Ali, o qual era sobrinho de Mohammed, iniciou uma disputa pelo poder, levando os muçulmanos se separarem em duas vertentes, os sunitas e os xiitas. Apesar dessa separação os califas da Dinastia Omíada, com sede em Damasco na Síria, deram continuação a expansão islâmica, que por esse tempo já havia chegado aos domínios do decadente Império Sassânida. (MANTRAN, 1973). 

O Islão foi ao longo de mais de cinquenta anos sendo inserido entre os persas através de mercadores, pregadores e soldados, a ponto que já houvesse alguns milhares de convertidos quando o império sassânida chegou ao fim, sendo seus domínios na Mesopotâmia e Pérsia sendo anexados ao califado. No entanto, somente no século VIII é que a Pérsia, em quase toda sua extensão, foi anexada definitivamente ao império islâmico da Dinastia Omíada. Embora algumas regiões ainda resistissem a anexação e até a conversão a nova fé. Além disso, a Pérsia perdeu seu prestígio político, voltando a ser um território dividido em províncias. (MANTRAN, 1973).

Mapa da extensão máxima do Califado Omíada, destacando algumas de suas principais cidades. Ispaã ficava na Pérsia.

Entretanto, a anexação da Pérsia foi bem aceita por mercadores, pois voltou a dinamizar a Rota da Seda e outras estradas rumo ao Mediterrâneo, Egito e o Império Bizantino, já que os árabes não entraram em guerra diretamente com os bizantinos por algum tempo. Além disso, um novo sistema político, administrativo e monetário foi implementado pelo califado. 

Califado Abássida (750-1258)

O Califado Omíada chegou ao fim em meio a crise de sucessão dos califas, intrigas políticas, revoltas de alguns territórios que levaram ao surgimento de emirados, pequenos principados que se rebelaram a autoridade do califa. Soma-se a isso a crescente força de dinastias e generais de vertente xiita que se espalhava pelo que hoje é o Iraque, o que levou ali a surgir o Califado Abássida, o qual trocou a capital do império transferindo-a de Damasco para Bagdá. Apesar dessa mudança política, a Pérsia ainda continuou como província no novo califado. Mas essa subjugação duraria menos tempo. (MIQUEL, 1971).

Embora o califado da Dinastia Abássida tenha perdurado por mais de quinhentos anos, parte de seu território foi perdida totalmente ou esteve comprometida por algumas décadas. Com a instituição da capital do califado em Bagdá a importante família de origem persa chamada Barmecida, ganhou notoriedade no novo governo. Membros da família ganharam cargos políticos importantes, incluindo de governadores e o de vizir (primeiro-ministro). 

Assim, enquanto o novo califado se estabiliza frente a revoltas separatistas, os Barmecidas ganhavam influência e riqueza à medida que o califado prosperava e Bagdá se tornava uma cidade cosmopolita. Isso foi bastante importante para entender alguns movimentos separatistas que viriam ocorrer na Pérsia no século IX, mesmo que os Barmecidas não tenham aderido diretamente a eles para não perder sua ligação com o califado, ainda assim, a influência que eles conquistaram, inspirou outras famílias a disputarem o poder. 

Pérsia dividida (819-1370)

Ao longo de 551 anos o território da Pérsia foi dividido entre impérios, emirados e sultanatos, alguns desses eram nações vizinhas que invadiram a Pérsia e assimilaram suas terras, outros territórios menores surgiram a partir de revoltas em algumas províncias que proclamaram sua independência. 

1) Império Samânida (819-999): foi o primeiro Estado a se formar em reação ao governo do Califado Abássida. Apesar de sua capital ser em Bagdá, além de adotar costumes persas, incluindo o uso do idioma persa em detrimento do árabe, parte dos clãs tradicionais da Pérsia não aceitavam se submeter ao governo de um califa estrangeiro, com isso houve uma revolta promovida pelos irmãos Nuh, Ahmad, Yahya e Ilyas, os quais romperam com o califado, passando a governar a Pérsia e territórios vizinhos até o Uzbequistão, Cazaquistão, Turcomenistão e Afeganistão. (MIQUEL, 1971).

Máxima extensão do Império Samânida enquanto ainda incluía a Pérsia. 

Todavia, o controle dos samânidas sobre a Pérsia não perdurou por toda época de seu império, mesmo ele tendo durado quase dois séculos. Outros territórios rebeldes se separaram do domínio do califado e fundaram seus pequenos impérios ou reinos, o que levou a guerras entre si. Em meados do século X, os samânidas haviam perdido o controle de grande parte da Pérsia, apesar que ainda controlassem terras na Ásia Central. 

2) Império Safárida (861-1003): esse império surgiu no Sistão, província no sul da pérsia na atual fronteira com o Afeganistão. O novo Estado foi fundado por Iacube ibn Alaite Alçafar, que tornou a cidade de Zaranje (atualmente no Afeganistão) em sua capital. Seguindo uma tendência vista quase trinta anos antes com os irmãos Samânida, Iacube decidiu fundar seu reino também. Dessa forma, os safánidas disputaram o controle da Pérsia com os samânidas durante o século IX. (MIQUEL, 1971).

Todavia, no século X duas potências da região iriam confrontar os dois impérios de origem persa, vindo a retalhar novamente a Pérsia redefinindo suas fronteiras e áreas de controle. Condição essa que algumas cidades ao longo de cem anos, mudaram de controle várias vezes. No caso dos safáridas seu império entrou em declínio no século X, suas terras foram gradativamente reduzindo para o tamanho quase original da província do Sistão. Inclusive ele se tornou um Estado tributário de outros impérios. 

3) Emirado Buída (934-1062): surgido com a Dinastia Buída, originária da província de Guilão, no norte da Pérsia, na costa do Mar Cáspio. Aproveitando a crise política do Império Safárida, os irmãos Ali, Haçane e Amade reuniram seus exércitos e conquistaram terras. As províncias conquistadas foram dadas em governo a membros da Dinastia Buída. Eles passaram a reconhecer o papel dos califas, pelo menos no âmbito do poder temporal, mas não se submetiam ao domínio político dos mesmos. Acabaram sendo subjugados pela Dinastia Gasnévida. (MANTRAN, 1973).

Mapa do século X mostrando a Pérsia e territórios vizinhos repartidos entre os domínios do Emirado Baída, o Emirado Ziyarida, o Império Samánida e as terras governadas pelos Salaridas. 

No mapa acima podemos ver como a Pérsia estava dividida entre o Emirado Baída que governava inclusive parte do Iraque. Por outro lado, os samânidas mantinham o controle da porção oriental da Pérsia. Os safáridas havia perdido espaço nesse tempo, sendo reduzidos a um Estado tributário no Sistão. Mais tarde os gasnévidas subjugariam os samânidas e os safáridas. 

4) Império Gasnévida (977-1186): surgiu a partir da ruptura das províncias orientais do Império Safárida, induzidas pelo chefe de origem turca, Sebük Tegin, que instituiu a capital de seu reino em Gazin, atualmente no Afeganistão. Seu reino cresceu e se tornou um império cujas fronteiras iam até a Índia. Por mais de um século os imperados gasnévidas governaram quase metade da Pérsia, inclusive a língua persa e aspectos de sua cultura foram mantidos. (MANTRAN, 1973).

Mapa do Império Gasnávida que substituiu os domínios samânidas e safávidas. Todavia, Xiraz e a porção ocidental da Pérsia ainda ficaram sob domínio Buída. 

5) Império Seljúcida (1037-1194): os seljúcidas foram uma dinastia de origem turco-persa que se infiltrou no Império Gasnévida, que passava por crises políticas. Um triunvirato formado pelos chefes turcomanos Tughill e seu irmão Chaghri, mais seu aliado Musa Yabghu, lançaram as bases do novo império que se formaria e acabaria se estendendo do Afeganistão a Turquia, englobando o próprio Califado Abássida, embora os califas abássidas ainda continuaram a serem eleitos, mas eles perderam poder político. (MIQUEL, 1971).

Sob a liderança dos irmãos Tughill e Chaghri, o império cresceu rapidamente, engolindo toda a Pérsia e a Mesopotâmia. Porém, após trinta anos de campanhas militares para expandi-lo, ele se estabilizou. O sultão Malik Shah I que reinou por vinte anos, entre 1072 e 1092, viveu numa época de ordem e prosperidade do império. Entretanto, no final do século XI, os domínios seljúcidas na Ásia Menor começaram a serem atacados pela Primeira Cruzada (1097-1099), além do levante de revoltas levando a ruptura daquela região com o restante do império. Enquanto isso, na Pérsia, além da Carmânia ter se rebelado, a província de Corásmia também estava se rebelando já algum tempo, e isso aumentaria. (MIQUEL, 1971).

6) Sultanato Seljúcida da Carmânia (1041-1187): sultanato rebelde fundado na província da Carmânia pelo governador Seljuque Bei. Ele e seus sucessores conseguiram expandir os domínios para a província de Macrão e parte do atual território de Omã, do outro lado do Golfo Pérsico. O sultanato surgiu como uma ruptura aos domínios dos gasnévidas, embora se manifestasse como um poder independente dentro do Império Seljúcida. (MIQUEL, 1971).

7) Império Corásmio (1077-1231): o novo império surgido na Pérsia, foi erguido pelo governador Anush Tigin Gharchal, que governava a província de Corasmia, iniciando um golpe de estado em 1077, declarando-se sultão daquele território. Naquele tempo o sultão seljúcida estava preocupado com a porção ocidental do império, negligenciando as demandas da porção oriental, isso levou Gharchal, governantes e líderes de outras províncias orientais a se rebelarem. (MANTRAN, 1973). 

Gharchal governou por vinte anos, ajudando a estabilizar seu domínio, por sua vez, seu filho Mohammed I deu continuidade a obra do pai, subtraindo dos seljúcidas as terras na Pérsia. As Cruzadas no Ocidente tomaram a atenção dos sultões da época, permitindo que os corasmicidas pudessem ter espaço e tempo para realizar batalhas de conquista sem temer que os grandes exércitos do império os acometessem. 

Máxima extensão do Império Corásmio entre 1190 e 1220. Sua capital foi transferida para o norte, para Urgench, no atual Uzbequistão. 

Na segunda metade do século XI, o Império Corásmio englobou as terras dos seljúcidas e gasvénidas, conseguindo assegurá-las por mais de cem anos. Nessa época surgiu a temida Ordem dos Assassinos (1090-1273), cujas lendas deram fama ainda maior para os atos dessa organização secreta. Inclusive os Assassinos foram contratados para se matar vários alvos nas disputas políticas da época. No entanto, nem eles foram capazes de enfrentar novo e terrível inimigo vindo das estepes centrais, o qual os atacou de forma rápida e brutal. Esses eram os mongóis. 

8) Império Mongol (1219-1256): no ano de 1206, Genghis Khan iniciou a expansão do império mongol pela Ásia. Nos vinte anos seguintes suas conquistas foram avassaladoras e catastróficas. O Império Corásmio foi invadido várias vezes, perdendo terras ou até as mantendo, mas tendo cidades saqueadas e destruídas. Na década de 1220 a Pérsia foi invadida pelas hordas mongóis, sendo saqueada e ocupada, tornando-se uma região tributária do poderoso e vasto império mongol, que continuou a ser expandido pelos filhos e netos de Genghis Khan pelas décadas seguintes. (CONRAD, 1983). 

9) Ilcanato (1256-1353): o Ilcanato foi um canato (território governado por um cã) a partir da subida de Hulagu Khan ao poder. Ele foi um importante general mongol, sendo neto de Genghis, irmão de Mangu e Kublai. No caso, Kublai estava interessado em conquistar a China, mas Hulagu e Mangu investiram através do Oriente Médio, ambicionando invadir a África e conquistar o Egito, mas foram detidos na região da Palestina. Mangu faleceu e Hulagu desistiu daquela campanha, optando em consolidar as terras conquistadas, vindo a fundar o Ilcanato. (CONRAD, 1983). 

Na época que Hulagu Khan se tornou governante do Ilcanato, fazia um pouco mais de vinte anos que o Império Corásmio havia sido invadido e subjugado por seu avô, pai e tios. Os herdeiros de Hulagu governaram a pérsia pelos próximos oitenta anos quando no século XIV o controle da região entrou em crise, levando ao surgimento de três sultanatos na Pérsia, promovidos por famílias insurgentes. 

10) Sultanato Muzafárida (1314-1393): foi o primeiro sultanato rebelde a surgir durante a crise do Ilcanato. Foi fundado pela Dinastia Muzafárida, contrária a dominação turco-mongol, governando quase metade do atual território do Irã, resistiu por várias décadas, inclusive negociando com Tamerlão para não ser conquistado, embora mais tarde ele realizou a conquista. 

11) Sultanato Jalaírida (1335-1472): foi fundado por Haçane Buzurgue em meio a crise do Ilcanato. Seus domínios englobavam o oeste da Pérsia e o leste do Iraque, condição essa que sua capital se encontrava em Bagdá. Acabou perdendo terras para Tamerlão. 

12) Sultanato Injuída (1335-1357): um pequeno sultanato surgido da crise do Sultanato Muzafárida, fundado pela Família Inju, que se apossou das importantes cidades de Isfaã e Xiraz. Porém, diferente dos outros sultanatos rebeldes, sua existência foi curta. 

Mapa mostrando os sultanatos Jalaírda, Muzafárida e Injuída. O reino Chupânida englobava parte da Armênia e do Arzebaijão, não pegando a Pérsia propriamente. O restante do território apresentado pertencia a Ilcanato. 

Império Timúrida (1370-1507)

De origem turco-mongol, Tamerlão (1336-1405) nasceu no Canato de Chagatai e se considerava um descendente de Genghis Khan, embora sua linhagem em nada descendesse do famoso imperador mongol. Ainda assim, Tamerlão legou para si o dever de se tornar o novo conquistador da Ásia. 

Ele tratou de conquistar a Transoxiana, região que englobava os atuais territórios do Uzbequistão, Turcomenistão, Tajiquistão, sul do Cazaquistão e norte do Afeganistão. Após tal conquista, ele se interessou pela Pérsia, controlada na época pelos muzafáridas e jalairidas. Suas campanhas tiveram início em 1383, se estendendo por uma década, levando a grandes massacres por algumas cidades persas, em destaque a Isfaã, cidade saqueada e destruída em 1387. Dessa forma, os sultanatos de Jalaírda e Muzafárida perderam o controle da Pérsia. (CONRAD, 1978). 

Máxima extensão do Império Timúrida na época de Tamerlão. 

Assim, os territórios persas voltaram a serem vassalos de um líder estrangeiro, cujos temidos exércitos prosseguiram pelo Iraque, rumo a Geórgia e a Turquia. Depois disso, Tamerlão tentou conquistar a Índia, mas não obtive sucesso esperado, embora tomou algumas terras no noroeste. Por sua vez, ele morreu em viagem, quando tentava invadir a China. Apesar da sua morte, seu império não se fragmentou de imediato, durando por mais de cem anos ainda. Embora que ele começou a enfraquecer a partir da segunda metade do século XV. (CONRAD, 1978). 

Império Safávida (1501-1736)

Com o enfraquecimento das defesas timúridas, especialmente nas províncias ocidentais, as regiões da Armênia, Azerbaijão, Iraque e Pérsia começaram a se rebelar, sendo as primeiras as mais significativas a romperem com o controle timúrida. Condição essa que isso abriu espaço para a ascensão da Dinastia Safávida

Os safávidas não se originaram da nobreza ou de clãs tradicionais, mas surgiram de uma ordem religiosa do Sufismo chamada Safawiyya, fundada por Safiadim de Ardabil (1252-1334), originando-se ao sul de antigas terras do Azerbaijão. Os safávidas ganharam grande influência religiosa e mais tarde política no noroeste da Pérsia, no entanto, duzentos anos depois, apesar da origem sufista (um ramo do Islão) eles gradativamente migraram para o xiismo, tornando-se a primeira dinastia persa predominantemente xiista, já que as anteriores era de vertente sunita. (MELVILLE, 2021). 

Os safávidas formavam uma miscigenação de povos, incluindo persas, turcos, curdos, árabes, georgianos e outras etnias menores, apesar que falavam a língua persa e turca, eram muçulmanos xiitas na maioria. A criação do império teve início com Ismail I (1487-1524) que se tornou chefe militar no noroeste da Pérsia, iniciando a libertação daquelas terras do julgo timúrida. Dessa forma ele foi proclamado xá da Pérsia, sendo gradativamente reconhecido como seu novo governante. (MELVILLE, 2021). 

Ismail I governou por vinte e três anos lançado as fundações do novo império persa, agora na Idade Moderna. Seu império recuperou quase toda a Pérsia ocupada pelos timúridas, ainda englobou o Iraque, parte dos Afeganistão e do Paquistão. O novo império conseguiu resistir por mais de duzentos anos, embora sua expansão não foi maior por conta de ele ser barrado no oeste pelo poderoso Império Otomano e no leste pelo Canato de Bucara e alguns reinos indianos. O conflito entre esses dois reinos durou por mais de um século. 

O Império Safávida em sua máxima extensão. As listras apresentam territórios perdidos para os otomanos e uzbeques. 

Apesar das constantes batalhas e perda de alguns territórios, o Império Safávida resistiu a invasões, derrotas, revoltas e crises, além de recuperar a economia da Pérsia, outorgar novas leis, reformular a administração, revitalizar o direito islâmico e a cultura turco-persa. Além disso, os safávidas ampliaram o comércio com a Índia, Omã e as cidades árabes na costa oriental africana. Eles também entraram em conflito com os portugueses na disputa de alguns portos no Golfo Pérsico, especialmente no século XVI. Ormuz foi a principal cidade disputada por ambos os povos naquela região. (MELVILLE, 2021). 

No século XVIII o império entrou em declínio cada vez mais acentuado. Territórios perdidos para os otomanos não foram recuperados, a ascensão do Afeganistão em expulsar os governantes persas de seus domínios foi contínua, os curdos e turcos se rebelaram. Terras no norte do atual Azerbaijão foram perdidas para os russos. Rotas comerciais mudaram de direção, o Golfo Pérsico perdeu sua influência. Negócios com a Índia ou foram barrados pela Dinastia Mogol, ou pelos portugueses em algumas localidades, especialmente Goa e cercanias. 

Império Aferáxida (1736-1796)

A Dinastia Aferáxida foi fundada pelo general Nader Xá (1688-1747), que aproveitou a vulnerabilidade do último xá safávida para realizar um golpe de estado. Nessa época, os afegãos tinham invadido a Pérsia e subtraído parte de seu território, Nader tratou de expulsá-los e recuperar as terras perdidas. Embora tenha nascido na Pérsia, Nader Xá e sua família pertencia a etnia afexares, originária da região de Coração, sendo de origem turcomana. (KIRK, 1967).

A tentativa de fundar uma dinastia longeva não deu certo para Nader Xá, apesar de suas vitórias em alguns conflitos contra os afegãos, do outro lado da Pérsia, os otomanos seguiam conquistando mais terras através do Iraque e chegando ao território persa anterior. Sendo assim, após vencer os afegãos, ele viajou com seus exércitos para as fronteiras ocidentais a fim de expulsar os otomanos, iniciando campanhas de 1738 a 1741, quando seu império atingiu a máxima extensão. 

O Império Aferáxida em sua máxima extensão no ano de 1741. Em verde claro alguns territórios vassalos, mas não conquistados plenamente.  

Embora Nader Xá tenha se empenhado em consolidar seu império, ele acabou ficando paranoico e louco, tentando matar um dos filhos por supostamente achar que ele tramava com ele; além de tomar outras decisões ruins e até violentas, o que levou ele a ser assassinado enquanto dormia. Após a sua morte em 1747 uma crise de sucessão se instaurou, pois seu sobrinho Ali Xá mandou matar os filhos e netos do tio, abrindo caminho de forma sangrenta para o trono. Isso levou a uma insurreição de parte da corte que era contra o despotismo de Ali, gerando uma crise política no império. Além disso, contra-ataques dos otomanos, russos e afegãos acometiam as fronteiras. 

Império Zande (1750-1794)

Foi na prática um pequeno reino de origem curda fundado por Carim Cã (c. 1704-1779) num movimento separatista em meio a crise de sucessão iniciada com as mortes ordenadas por Ali Xá contra sua família. Os domínios da Dinastia Zande englobavam a Armênia, o Azerbaijão, indo até o sul da Pérsia na fronteira com o Paquistão. Em vinte nove anos, uma parte significativa do território persa foi subtraído dos aferáxidas, mas o controle dessas terras foi rapidamente perdido após a morte de Carim Cã. Embora seu filho ainda seguiu reinando até 1794, o domínio zande foi reduzido a região curda e terras vizinhas. (KIRK, 1967).

Máxima extensão do Império Zande. 

Na década de 1780 a crise nos dois impérios persas era cada vez mais acentuada. Revoltas eclodiam regularmente, o poder imperial dos dois xás se digladiava para ver que conseguia reunificar a Pérsia. Alguns governadores se tornaram desobedientes ao governo real, além de que territórios seguiram sendo perdidos para os otomanos e afegãos. Em meio a essa crise política uma nova dinastia ascenderia na disputa da Pérsia. 

Império Cajar (1796-1925)

Na década de 1780 Aga Maomé Cã Cajar (1742-1797) iniciou a campanha de reunificação da Pérsia. Após alguns anos de batalhas, em 1789 ele foi eleito xá, porém, isso não foi reconhecido já que os impérios Aferáxida e Zande ainda vigoravam com seus últimos governantes. Na prática, a Pérsia possuía três reis naquele momento, em que cada um reivindicava ser o legítimo governante. Dessa forma, Cã Cajar seguiu com suas campanhas militares para impor sua autoridade e minar seus opositores até finalmente ser reconhecido como único rei em 1796. Porém, seu reinado oficial foi curto, ele acabou sendo assassinado no ano seguinte. (KEDDIE, 1999).

Durante seu breve governo, Cã Cajar mudou a capital da Pérsia que mudava de cidades no último século, escolhendo Teerã como novo local. De fato, sua decisão foi certeira, pois é a capital oficial do país até hoje. Com seu falecimento, seu sobrinho Fate Ali Xá Cajar (1772-1834) assumiu o poder e governou por mais de vinte anos, conseguindo estabilizar a nova dinastia. (KEDDIE, 1999). 

O Império Cajar no século XIX. 

Embora Ali Xá Cajar tenha conseguido se manter no poder por mais de duas décadas, ainda assim, ele perdeu territórios. Os russos conseguiram conquistar as terras na Geórgia e Azerbaijão ocupadas pelos persas ainda no governo de Ali. Posteriormente na década de 1830 o soberano Maomé Xá Cajar ordenou a invasão do território afegão para recuperar territórios, mas os ataques não surtiram o efeito desejado e acabou atraindo a atenção dos ingleses, que por aquele tempo já estavam operantes na Índia e no Paquistão. Fato esse que a Inglaterra se apossou da região do Baluchistão, anteriormente sob domínio persa. 

Em 1848 subiu ao poder Naceradim Xá Cajar (1831-1894), o qual governou por cinquenta anos, conseguindo estabilizar o império, mesmo que tenha significado perder terras para isso. Foi durante seu longo reinado que a Pérsia começou a se ocidentalizar em vários aspectos, principalmente devido ao contato com os ingleses e franceses. Em seu governo houve reformas políticas, econômicas, administrativas, legais, educacionais etc. (KEDDIE, 1999). 

Universidades e escolas seguindo o padrão europeu britânico foram instituídas no país. A promoção de intercâmbio para os melhores alunos. Adoção de trajes europeus como terno, gravata, sapatos e cartolas. As mulheres inclusive podiam usar vestidos da moda europeia, especialmente a francesa que estava em alta. Automóveis foram levados ao país, ferrovias, navios a vapor e algumas fábricas foram construídos. O telégrafo, a telefonia e a fotografia foram algumas tecnologias adotadas. Naceradim Xá Cajar adotou a postura de um monarca pacifista e conciliador, preferindo modernizar seu país ao invés de retomar os tempos de guerra de seus antepassados, incluindo de seu avô e bisavô. 

Após sua morte uma crise política caiu sobre o país. Seu filho Mozafaradim Xá Cajar foi um governante incompetente e a contragosto aprovou a Constituição Persa de 1906, numa tentativa de melhorar sua popularidade. Porém, seu filho Maomé Ali Xá Cajar suspendeu a constituição em 1908, pois essa limitava os poderes do monarca. Além disso, ele mandou fechar o parlamento e até ordenou um ataque ao mesmo. Isso levou a uma cisão política e as autoridades considerando o ato do xá como golpe de estado, decretaram ele inimigo público. Maomé Ali fugiu para a Rússia, permanecendo em exílio até 1913, quando tentou invadir o país para recuperar o trono, mas seu exército falhou nisso. Passou o resto da vida em exílio, mas vivendo relativamente bem. (KEDDIE, 1999). 

Após 1909 a 1918 a Pérsia viveu constantemente instabilidade política devido a troca de monarcas que eram depostos e exilados, embora absteve-se em aderir a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), isso não impediu do país sofrer com a guerra. Durante o conflito, os russos, ingleses e turcos invadiram o território persa, somente retirando-se após o término da guerra, tendo deixado um rastro de milhares de mortos e cidades destruídas. 

Mapa da Pérsia em 1921, tendo quase as mesmas fronteiras de hoje em dia. 

Após a Grande Guerra o país estava politicamente e economicamente fragilizado. Territórios perdidos não foram desenvolvidos. Indenizações não foram pagas ou estavam sendo pagas. O monarca oficial que era Amade Cajar tinha somente vinte anos na época, incompetente e sem experiência política. Condição essa que o general Reza Xá deu um golpe de estado em 1921, sendo eleito oficialmente xá em 1925, iniciando a Dinastia PahlaviNos dez primeiros anos de reinado oficial de Reza Xá, a Pérsia ainda era chamada por esse nome, todavia o monarca decidiu mudar o nome do país para Irã a partir de 1935, mantendo-o até hoje. (KEDDIE, 1999). 

NOTA: O termo Grande Pérsia, Grã Irã ou Grão Irão é utilizado para se referir aos territórios culturalmente associados com a Pérsia ao longo da História, o que engloba regiões do Iraque, Afeganistão, oeste do Paquistão, Turcomenistão, Uzbequistão, norte de Omã, norte dos Emirados Árabes, sul do Azerbaijão e sul da Armênia. 

NOTA 2: O nome Irã existe desde a Antiguidade, sendo utilizado para se referir a algumas etnias locais de origem ariana. Os persas antigos faziam uso desse nome, todavia, Pérsia se popularizou mundialmente graças ao Ocidente

NOTA 3: A Dinastia Pahlavi governou de 1925 a 1979, quando foi derrubada pela Revolução Islâmica que instituiu a república no Irã. 

NOTA 4: Os jogos da franquia Prince of Persia não se passam numa época específica, inclusive ocorrem numa Pérsia lendária. 

Referências bibliográficas

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CHRUBASIK, Boris. Kings and Usurpers in the Seleukid Empire: The Men who would be King. London, Oxford University Press, 2016. 

CONRAD, Phillipe. As civilizações das estepes. Rio de Janeiro, Editions Ferni, 1978. 

DANDO-COLLINS, Stephen. Cyrus the Great: conqueror, liberator, anointed one. Nashville, Turner Publishing Company, 2020. 

DARYAEE, TourajSasanian Persia: The Rise and Fall of an Empire. London, I.B.Tauris, 2008. 

KEDDIE, Nikki R. Qajar Iran and the rise of Reza Khan, 1796–1925. Mazda Publishers, 1999. 

KIRK, George E. História do Médio Oriente: Desde a Ascensão do Islã até a Época contemporânea. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1967. 

LLWELYN, Morgan. Xerxes. São Paulo, Nova Cultural, 1988. 

MANTRAN, Robert. La expansión musulmana (siglos VII al XI). Barcelona, Editorial Labor, S. A, 1973. 

MELVILLE, Charles (ed.)Safavid Persia in the Age of Empires. The Idea of Iran, Vol. 10. London: I.B. Tauris, 2021. 

MIQUEL, André. O Islame e a sua civilização: séculos VII-XX. Tradução de Francisco Nunes Guerreiro. Lisboa/Rio de Janeiro, Edições Cosmos, 1971. 

TOYNBEE, Arnold J. Helenismo: História de uma Civilização. Rio de Janeiro, Zahar, 1960.

WATERS, Matt. The Life of Cyrus the Great: King of the World. Oxford, Oxford University Press, 2022. 

Links relacionados

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Tamerlão: o "homem de ferro"

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