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Leandro Vilar

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Hatshepsut: a rainha-faraó

Quando se fala em uma mulher que governou o Egito, a principal referência foi Cleópatra VII (70-30 a.C), conhecida por seus romances com os generais romanos Júlio César e Marco Antônio e por ter morrido após ter sido picada por uma cobra. No entanto, mesmo que Cleópatra VII foi uma rainha do Egito, ela nunca foi propriamente um faraó. Cleópatra VII governou como corregente de seu marido e irmão Ptolomeu XIII, depois co o corregente de seu outro irmão Ptolomeu XIV e por fim, como corregente de seu filho com César, Ptolomeu XV. Propriamente falando, Cleópatra só chegou a deter o poder enquanto governava pelo seu filho, pois seus irmãos se opuseram a ela, contudo, a rainha Hatshepsut embora inicialmente tenha se tornado corregente de seu sobrinho, Tutmósis III, ela posteriormente se proclamou faraó, e por vinte anos levou esse título. Neste texto procurei falar um pouco da vida dessa faraó, dessa verdadeira "Rainha do Egito", que em geral muita gente não conhece. 

O Império Novo: (c. 1580-1085, 1570-1070 ou 1550-1075 a.C)


A história egípcia antiga é dividida em fases, sendo que o chamado período do Império Novo, Novo Império, Reino Novo ou Novo Reino é um dos mais marcantes desse povo. O Império Novo foi governado por três dinastias, as quais foram as dinastias XVIII, XIX e XX, totalizando ao todo 32 faraós que governaram o império durante esses quase cinco séculos. O Império Novo ficou conhecido por se iniciar com o retorno das famílias egípcias ao poder, pois até então os hicsos, um povo estrangeiro vindo da Ásia havia invadido e tomado parte do território do delta do Nilo por volta de 1780 a.C, iniciando a fase histórica do Segundo Período Intermediário (c. 1785-1580, 1780-1550 ou 1750-1570 a.C) período neste que o Egito passou a ser governado por um povo estrangeiro. Os hicsos assumiram o poder elegendo seus próprios faraós que consistiram da XIII a XVII dinastias, embora que houve faraós de origem egípcia que governaram nesse período, ainda que houve casos de haver mais de um faraó ao mesmo tempo, devido aos embates entre as famílias hicsas e egípcias. O faraó egípcio Amósis I ou Ahmés I foi o responsável por vencer os hicsos. 

A XVIII Dinastia foi a mais longeva e poderosa desse período, onde o império chegou a sua máxima extensão territorial vista em toda a sua história antiga, assim como, vivenciou várias décadas de prosperidade, ordem e desenvolvimento. A capital do país se tornou Tebas (Uaset em egípcio), foi o período onde se iniciou a construção das tumbas no Vale dos Reis e no Vale das Rainhas; os famosos templos de Luxor e Karnak começaram a ser construídos nessa época, etc. Alguns faraós que se destacaram nesse período foram: Amósis I, Amenhotep I, Tutmósis I, Hatshepsut, Tutmósis III, Tutmósis IV, Amenhotep III, Amenhotep IV (ou Aquenaton), Tutancamon e Horemheb

Na XIX Dinastia, o país volta a se reerguer da sua crise econômica, administrativa e política que afetou a nação a partir do governo de Aquenaton. Alguns territórios perdidos na Síria e na Palestina são recuperados, alianças estrangeiras são reafirmadas, a capital deixa Tebas e se muda para Pi-Ramsés. É uma dinastia onde o país vive governos medianos, tendo em destaque os reinados de Ramsés I, Seti I e Ramsés II

A XX Dinastia que foi marcada pelo governo de vários faraós que adotaram o nome de Ramsés (ao todo foram onze faraós com esse nome), exprimiu a decadência do Império Novo. Retirando-se o bom governo de Ramsés III, os demais faraós realizaram governos fracos, que contribuíram para a decadência política, econômica e social no país. 

De qualquer forma, Hatshepsut chegou a ser o quinto faraó da XVIII Dinastia e do Império Novo, tendo um dos governos mais longos e prósperos desse período da história egípcia dinástica. Partamos para conhecer um pouco melhor essa singular mulher que governou um dos mais prósperos impérios e Estados africanos da história. 

Família: 


Tutmósis I
Hatshepsut ou Hatchepshut nasceu no final do século XVI a.C em data incerta, pois ainda hoje não uma cronologia certa das datas dos governos e do nascimento dos faraós. Ela era a filha mais velha do faraó Tutmósis I (também chamado de Tutmés, embora que seu nome verdadeiro fosse Djehutimés) e da rainha Amosis, tendo nascido em Tebas, na época então capital do país. Seu pai herdara um governo bem organizado e estruturado, resultado da boa administração de seu avô Amenhotep I, contudo, Tutmósis por conta própria decidiu ampliar os domínios do país, lembrado por ter conquistado territórios para além da segunda e terceira cataratas do Nilo, tendo subjugado parte da Núbia, assim como, iniciou as campanhas militares na Ásia, algo que seu neto retomaria vários anos depois.


“A maior parte dos manuais apresenta o início da XVIII Dinastia dentro do seguinte esquema: a) Ahmósis expulsou os hicsos; b) Amenófis I organizou o país; c) Tutmés I garantiu à dinastia governante “uma dimensão nacional e internacional”. O outro esquema possível é ver Tutmés I, como um continuador, numa escala ampliada, daquilo que os outros começaram”. (DOBERSTEIN, 2010, p. 157). 

Todavia, Hatshepsut já estava pré-destinada a se tornar rainha do Egito, pois entre a nobreza egípcia a prática do incesto era algo comum. O incesto que era praticado pelos deuses e foi legado pela nobreza, era uma forma de se preservar a linhagem sanguinea real no poder, daí ter sido comum irmãos se casarem com irmãs, tios com sobrinhas, tias com sobrinhos, e até mesmo pais com filhas. Logo, a princesa estava destinada a vim um dia se casar com um dos seus irmãos que se tornaria o próximo faraó. E esse irmão era Tutmósis, o qual era filho de seu pai com uma de suas esposas secundárias (a poligamia também era uma prática comum entre a nobreza, embora que apenas a esposa principal recebe-se o título de rainha, ou Grande Esposa Real) Mutnofret. O príncipe Tutmósis que viria a ser o faraó Tutmósis II, era alguns anos mais novo que sua meia-irmã Hatshepsut. 

Os dois se casaram, e assim assegurava que Tutmósis II tivesse plena garantia ao trono, por se casar com sua irmã, pois embora a poligamia fosse tolerada, os filhos do casamento principal possuíam mais direito perante os filhos com as esposas secundárias. 


“É voz corrente entre os egiptólogos que o Novo Reino foi um período em que as mulheres governantes brilharam mais do que nunca. São lembrados, por exemplo, os nomes de Hatseptsut, Nefertite e Nefertari. Uma explicação para esse prestígio das mulheres governantes é a da “pureza sanguínea”. As rainhas seriam reconhecidas como a única garantia que o governante fosse um “puro””. (DOBERSTEIN, 2010, p. 153). 

Todavia, pouco se sabe sobre o governo de Tutmósis II, pois embora tenha governado de 1518-1505 a.C, ou 1513-1499 a.C ou 1493-1479 a.C, totalizando cerca de 14 anos, seu governo durante a XVIII Dinastia foi um dos poucos expressivos. Alguns egiptólogos consideram que Hatshepsut que assumira o título de Grande Esposa Real e Rainha do Egito, tivesse mais influência que o marido, especialmente em questões ligadas a corte a ao culto de Amon, onde muitas mulheres participavam dos ritos, do principal deus de Tebas, e o mais popular nessa época.  


Retratação do faraó Tutmósis II, meio-irmão e marido de Hatshepsut. 
Do casamento, Hatshepsut acabou tendo duas filhas, Neferure e Neferubiti. Contudo, por não ter tido um herdeiro varão, Tutmósis II acabou gerando com sua esposa secundária Iset, o seu herdeiro, o príncipe Tutmósis que se tornaria o próximo faraó do Egito. Se desconhece os fatores que levaram a morte de Tutmósis II, mas relatos indicam que o rei sofria de algum problema de saúde. Mas, antes de morrer designara seu único filho como seu legítimo herdeiro, mas pelo fato de Tutmósis III ser apenas uma criança, sua madrasta, Hatshepsut assumiu como corregente do enteado. O fato de mulheres terem sido corregentes de faraós durante a menor idade, foi algo comum na história egípcia. Vários faraós tiveram suas mães ou madrastas como corregentes, contudo, a ideia era que a rainha se mantivesse no poder até que o faraó alcançasse a maior idade e pudesse governar por conta própria, mas no caso de Tutmósis III, a história não ocorreu bem assim. 

"A ação das Grandes Esposas Reais era primeiro de conselho junto ao rei, o que as preparava para adquirir uma grande experiência necessária para eventualmente, se tornarem, como rainhas-mães, regentes e tutoras". (NOBLECOURT, 1994, pp-68).

De corregente a faraó: 


Hatsheput
Não se sabe ao certo em que ano Hashepsut se tornou corregente de seu sobrinho, estima-se que foi no ano de 1504 a.C, outros sugerem 1493 a.C, 1490 a.C ou 1479 a.C. De qualquer forma, cinco ou sete anos depois de ter se tornado corregente, Hashepsut passou a adotar o título de faraó, a titulação real, assim como, também adotar todos os objetos reais atribuído ao monarca egípcio, como também adotara o nome oficial de Maatkare Hatshepsut. Embora exista a palavra farani (termo feminino para faraó), ela não adotou esse termo, preferindo adotar a versão masculina mesmo. Não obstante, ela não apenas adotou a titulação de faraó, mas também com o apoio do Clero de Amon, conseguiu criar uma nova história de origem para sua pessoa. Não sabemos com exatidão como a rainha conseguiu convencer o clero a aceitar essa sua invenção, mas os egiptólogos sugerem que a rainha teria "comprado" os sacerdotes lhes oferecendo dinheiro, terras, cargos, etc., pois sabe-se que os sacerdotes de Amon eram os mais importantes de Tebas, e possuíam muita influência social na cidade e pelo país, e devido a receberem muitas doações para os templos, viviam no fausto. Além disso, a faraó teria os ameaçado com alguma praga, alegando que se desobedecessem a ordem do deus, eles sofreriam. 

A faraó Hatshepsut alegava ser filha de Amon, então ela construiu uma história com preceitos divinos onde alegava que o deus-sol Amon havia assumido a forma do faraó Tutmósis I e engravidado a rainha Amosis, logo, Hatshepsut se apresentava como sendo uma semideusa, como sendo na realidade filha do deus-sol Amon, e por essa ascendência divina, ela defendia ter plenos direitos de ocupar o trono do país.

“Para os egípcios, o caráter divino dos reis transmitia-se pelas mulheres: era preciso que o herdeiro fosse filho não só do rei, mas também de uma princesa de sangue real; daí os freqüentes casamentos de faraós com suas irmãs e meias-irmãs, e ocasionalmente com suas próprias filhas. Quando o novo rei era filho de uma esposa secundária, ou de fato um estranho à linhagem real, devia casar-se com uma princesa de sangue. Ao falharem os expedientes normais, podia ocorrer a legitimação por ficção religiosa: um oráculo do deus Amon; ou então, a afirmação de que o deus teria pessoalmente gerado o soberano em sua mãe terrestre (teogamia). O segundo artifício foi usado pela rainha Hatshepsut para legitimar sua usurpação, apoiada pelo sumo-sacerdote de Amon, Hapuseneb. Tais expedientes fizeram do alto clero de Amon o árbitro da legitimidade faraônica em casos extremos, e assim o poder e riqueza dos sacerdotes aumentavam, pois seu apoio era comprado com doações e favores”. (CARDOSO, 1985, p. 23). 

Ela ordenou que pinturas e hieróglifos fossem talhados nas paredes do templo de Amon em Tebas e no seu túmulo real em Deir-el-Bahari, representando a história da união entre Amon e Amósis e o nascimento da faraó. Isso era uma forma de reforçar a sua "propaganda política", pois embora as mulheres pudessem governar como corregentes, não era comum elas assumirem o poder do país, tal medida garantiu que Hatshepsut governa-se até o fim da sua vida. 


O deus Amon abençoando Hatshepsut. Nota-se que ela foi retratada com o aspecto de homem. 
Existem várias imagens sendo gravações, pinturas e estátuas retratando Hatshepsut com forma masculina. Possivelmente, a maioria do povo não deveria saber que ela era uma mulher, daí a necessidade de ser retratada como um homem, além de usar a coroa, túnica, barba postiça e demais trajes usados normalmente pelo faraó. Ela deveria usar tal rudimentária principalmente quando fosse aparecer publicamente, participar de reuniões, receber convidados, etc., pois embora se vesti-se como homem, sua corte sabia que se tratava de uma mulher. 

Dois funcionários merecem destaque no reinado de Hatshepsut, o sumo-sacerdote de Amon, Hapuseneb, provavelmente o principal responsável por assegurar a história da teogamia de Hatshepsut. Não temos detalhes de como era sua relação pública com a rainha, mas visivelmente, a contra-gosto do restante do clero de Amon em ter que se aceitar a teogamia proposta pela faraó, a qual era vista por alguns como uma usurpadora, é provável que Hapuseneb saiu ganhando com algo. Além disso, sabe-se que ele ainda mantinha-se no cargo durante parte do governo de Tutmósis III.

O segundo funcionário já sendo este mais conhecido e influente, foi o arquiteto Senenmut. Alguns egiptólogos apontaram que Senenmut tivesse adentrado ao funcionarismo público ainda no reinado de Tutmósis I, mas não se há certeza disso, contudo, é certeza que ele fosse um funcionário de destaque e com reputação durante os 14 anos do governo de Tutmósis II, pois os monarcas delegaram a este a tutelaria de sua filha Neferure. Existem algumas estátuas que mostram Senenmut com a pequena princesa. 

Senenmut e a princesa Neferure. 
Além de ter ocupado cargos públicos, ter sido tutor da família real, Senenmut foi um notável arquiteto, tendo se tornado o arquiteto-chefe durante o reinado de Hatshepsut. A maioria das obras que a faraó realizou em seu governo foram projetadas por ele. Além disso, em seu governo, Senenmut também foi nomeado vizir (primeiro-ministro). Existe uma hipótesen que sugere que Senenmut possa ter sido amante da rainha, embora talvez não passasse de um boato difamatório na época, mesmo assim, não temos como confirmar se os dois foram amantes, ou se Hatshepsut teria tido amantes. 

A expedição ao Punt:

Era comum na tradição egípcia o calendário administrativo do país zerar a cada vez que um novo faraó assumi-se, pois eles tinham o hábito de contar os anos de sua história de acordo com o tempo de reinado de cada faraó, contudo curiosamente Hatshepsut não fizera isso. Ela não adotou uma contagem própria para si, mas preferiu contar seus anos de governo como fazendo parte do governo de Tutmósis III, ou seja, ela manteve a contagem desde que assumira como corregente, mas sem excluir a condição de está ligada ao seu sobrinho, embora que oficialmente fosse ela a governante do país, pois a medida que o príncipe crescia, ela incentivava o adolescente ingressar no exército, a viajar, a participar das campanhas militares, de fato, Tutmósis III se tornou o faraó que mais conquistou terras, e em seu governo o país chegou a sua máxima extensão territorial. Tutmósis III chegou a liderar algumas de suas campanhas, indo para o campo de batalha. 

Mas, retomando ao governo de Hatshepsut, sabe-se que a monarca procurou recuperar as rotas de comércio e acordos comerciais com a Núbia, Síria, Palestina e Mesopotâmia, contudo, um destaque dessa iniciativa econômica e de política externa foi a expedição que ela mandou para o Reino do Punt no nono ano do seu governo. O Punt já era conhecido pelos egípcios há vários séculos, pois há relatos da IV Dinastia que mencionam minas de ouro em tal lugar, embora que já fosse bastante, tempo conhecido, não se sabe os motivos pelos quais o país demorou a firmar acordos comerciais com tal reino. 

Vários produtos, assim como plantas e animais que foram trazidos dessa terra foram retratados e pintados nas paredes em Deir-el-Bahari. Contudo, um mistério ainda continua: os historiadores ainda hoje não sabem apontar especificamente onde o tal Punt ficava localizado. As pesquisas sugerem que esse reino se estenderia pelo o que hoje são territórios da Eritreia, Etiópia e Somália. A única informação que sabemos é que o Punt ficava ao sul do Egito, seguindo-se viagem pelo Mar Vermelho. 

“Hoje existe quase um consenso quanto a localização de Punt no Chifre da África, embora ainda persistam muitas duvidas com relação a seus limites precisos. Ha uma teoria instigante segundo a qual Punt se localizaria na parte da costa da África que se estende do rio Poitialeh, ao norte da Somália, ate o cabo Guardafui. Trata se de uma região montanhosa com plantações dispostas em terraços que lembram aqueles representados em Deir-elBahari e onde as arvores crescem em abundancia, incluindose o balsamo, de que se extrai o incenso”. (BAKR, 2010, p. 110). 


Cópia de uma pintura em Deir-el-Bahari retratando os navios de Hatshepsut que seguiram para o Punt. Pode-se ver pessoas, plantas e animais que os egípcios encontram lá. 
“Uma frota de cinco navios, segundo o artista que ornamentou o templo de Deir elBahari, foi enviada com ordens para trazer arvores que produziam incenso. Perehu e sua esposa –que era disforme –, a filha e um grupo de nativos são representados recebendo a expedição e trocando cumprimentos, presentes e produtos sabidamente provenientes de Punt. Três grandes árvores foram plantadas no jardim do deus Amon e atingiram uma altura tal que o gado podia passar por debaixo delas. Sob as arvores aparecem, amontoados, outros presentes, tais como marfim, cascos de tartaruga, gado com chifres longos e curtos, “mirras com as raízes envoltas na terra de que foram arrancadas (como faz hoje um bom jardineiro), incenso seco, ébano, peles de pantera, babuínos, chimpanzés, galgos, uma girafa, etc.“. (BAKR, 2010, p. 112). 

Pintura mostrando soldados egípcios na expedição ao Punt, ordenada por Hatshepsut. Deir-el-Bahari. 
“As pinturas que retratam essa expedição fornecem nos informações sobre a vida na terra de Punt, seus habitantes, suas plantas e seus animais, suas cabanas de forma cônica construídas sobre estacas, em meio a palmeiras, ébanos e mirras”. (BAKR, 2010, p. 112).

Cópia de uma pintura em Deir-el-Bahari, onde representa a casa dos habitantes do Punt como descrito pela expedição de Hatshepsut. 
 “A julgar pelas pinturas de Punt encontradas nos templos, nada ha de novo para ser registrado apos o reinado da rainha Hatshepsut. Os textos mencionam a chegada dos habitantes de Punt ao Egito. A partir de então, Punt aparece nas listas de povos vencidos, o que, em vista da grande distancia que separa os dois países, parece bastante improvável. Exigiase que os chefes de Punt levassem presentes ao faraó. Este encarregava um dos seus subordinados de receber os chefes e os presentes. Há alguns indícios de comercio, nos portos do mar Vermelho, entre habitantes de Punt e egípcios, assim como de transporte de mercadorias de Punt, por via terrestre, entre o mar Vermelho e o Nilo (tumba de AmonMosis em Tebas e tumba n.o 143). Pouco antes do final do reinado de Ramses IV, cessaram as relações com Punt. Mas a lembrança desse país ficou gravada na memoria dos egípcios”. (BAKR, 2010, p. 112).

Cópia de uma pintura em Deir-el-Bahari retratando uma procissão do Rei Pa-Rahu do Punt (a direita), seguido por sua esposa, a rainha Ati ou Ity, dois filhos, uma filha e outros seguidores.
"As elaboradas cenas de parede da rainha Hatchepsut em seu templo em Medinet Habu proporcionam a informação mais detalhada que possuímos acerca das viagens a Punt". (JOHNSON, 2002, p. 177).

Grande obras: 

Em geral os 22 anos de governo de Hatshepsut são descritos como sendo tranquilos e prósperos. A faraó não chegou a dá ênfase a campanhas militares, mais há relatos de breves campanhas a Núbia, Síria e ao Levante (termo genérico para se referir ao Oriente). Contudo, foi Tutmósis III quem se dedicou mais a essa questão bélica, estando a faraó se preocupando mais com a política interna, mantendo apenas interesses econômicos e diplomáticos no exterior. Além disso, não há registros de grandes secas, peste e surtos de fome. Contudo, além de sua famosa expedição ao Punt, a rainha ficou conhecida por ter ordenado uma série de construções, algo marcante de seu governo. 

Hatshepsut ordenou a construção de pequenos templos, ampliações no complexo de Luxor e Karnak, ordenou a construção de dois monumentais obeliscos, nos quais ela usou para fazer "propaganda política" de seu governo, além de exibir sua história de origem divina, onde mostra o deus Amon como seu pai e a abençoando. Os dois obeliscos foram esculpidos em granito em uma pedreira em Assuã e foram transportados para Karnak. Os dois monumentos medem um pouco mais de 28 metros de altura e pesam mais de 300 toneladas. Estima-se que foram necessários vários meses para poder esculpi-los e transportá-los via terrestre e via fluvial pelo Nilo. 


Os obeliscos de Hatshepsut no Grande Templo de Amon em Karnak. 
Contudo, dentre suas obras, a que mais ela desempenhou atenção, tempo e verbas foi a construção de sua necrópole em Deir-el-Bahari. As palavras Deir-el-Bahari são de origem árabe e significam "O Mosteiro do Norte", em referência a um mosteiro cristão copta fundado na região. Embora tal nome não fosse usado no Egito antigo, mas só passou a ser usado quando os árabes passaram a dominar o Egito a partir do século VI d.C, ainda hoje se usa tal nome para se referir ao local da necrópole de Hatshepsut. O vale onde se encontra o complexo de templos e tumbas, fica próximo ao Vale dos Reis, o qual se tornou famoso por ser o local onde vários faraós do Império Novo mandaram construir suas tumbas, sendo Tutmósis I o primeiro faraó que teria feito sua tumba neste lugar. 

"Neste vale, que os egípcios consideram consagrado à Hator, durante o Médio Império, o faraó Nebhepetra Mentuhotep da XI Dinastia, a quem se deve a reunificação do país, fez construir seu templo funerário, o único propriamente dito de Tebas ocidental". (SILIOTTI, 2006, p. 246).

Cinco séculos depois do faraó Mentuhotep II ter construído seu templo e tumba em Deir-el-Bahari, a faraó Hatshepsut também escolheu aquele local para construir seu templo e sua tumba. As obras começaram ainda durante o sétimo ano de seu reinado perdurando até quase o fim de sua vida, pois era comum a construção das pirâmides e das tumbas durarem vários anos, eram preparativos a longo prazo. Mas, diferente de Mentuhotep II o qual já havia inovado na arquitetura em seu tempo, construindo seu templo com diferentes níveis de terraço e pórticos de colunas, Hatshepsut ordenou que seu arquiteto-chefe Senenmut, projeta-se um complexo mais suntuoso e imponente do que de Mentuhotep II. Tal fato é evidente, pois já na época da faraó, um dos nomes populares que se dava ao local de sua necrópole era geser-geseru ou djser-djeseru ("o sublime dos sublimes"). O templo também era chamado de "O templo de milhões de anos", uma referência a ideia de imortalidade e continuidade. 

O templo de Hatshepsut em Deir-el-Bahari. 
"O modelo arquitetônico foi concebido pelo célebre arquiteto Senemut, o 'grande intendente de Amon', que mandou construir sua tumba em uma zona anterior do templo, de modo que as câmaras subterrâneas se encontrassem debaixo do primeiro pátio. O arquiteto se inspirou nas idéias que já s expressaram na construção do templo de Mentuhotep: uma estrutura em terraços sobre diferentes planos, precedida por uma grande rampa processional que parte de um templo inferior hoje desaparecido. Esta solução arquitetônica permitia uma extraordinária harmonização entre o edifício e a beleza selvagem da paisagem circundante. Três são os grandes pátios de templo unidos por um sistema de rampas e separados por pórticos". (SELIOTTI, 2006, p. 248). 

Legado destruído: 


Tutmósis III
Após governar por cerca de 22 anos, Hatshepsut morreu com cerca de 50 anos, embora as causas de sua morte sejam desconhecidas. Finalmente seu sobrinho Tutmósis III pôde assumir o trono. Contudo, sabe-se que o novo faraó tentou apagar Hatshepsut da História, ordenando que estátuas, inscrições e documentos fossem destruído. Até hoje poucas estátuas foram descobertas da rainha-faraó, e além dos obeliscos, do seu templo, outras poucas construções feitas em seu governo ainda mantiveram seu nome, pois embora Tutmósis III tenha ordenado a construção de um templo para si em Deir-el-Bahari, a onde sua tia foi sepultada, isso não significou que o templo de Hatshepsut se mantivera intacto. Encontrou-se vestígios de destruição de estátuas e do nome da faraó. Esse é um dos principais motivos para hoje pouco se saber sobre ela, e de fato por vários séculos se desconheceu a existência de Hatshepsut, pois além de não ter adotado uma cronologia própria para seu governo, Tutmósis III ordenou que vestígios do governo de sua tia fossem apagados, e até mesmo mandou substituir o nome dela em alguns casos. Até o começo do século XX, se desconhecia a existência de Hatshepsut como tendo sido faraó, e não se sabia onde sua múmia se encontrava. 

Pois embora a rainha tenha preparado seu túmulo em Deir-el-Bahari, em algum ano desconhecido sua múmia foi retirada de lá e levada para o Vale dos Reis, sendo sepultada na tumba KV60. Quando a essa tumba foi descoberta em 1903 pelo egiptólogo britânico Howard Carter, notou-se que ela havia sido saqueada, e no seu interior constavam duas múmias femininas, uma pertencia a uma mulher chamada Sit-re (apelidada de In) que hoje se sabe ter sido ama de leite de Hatshepsut, e a outra múmia por muito tempo não se soube sua identidade. Em 1966, Elizabeth Thomas propôs que a segunda múmia deveria ser a rainha-faraó Hatshepsut, contudo devido a falta de meios para conseguir comprovar sua hipótese, a ideia foi abandonada e a tumba fechada novamente. 

Hatshepsut como uma esfinge
Em 2007 a descoberta de um dente, levou a se chegar a conclusão que aquela misteriosa múmia na tumba KV60, na realidade era realmente Hatshepsut, pois na tumba, não havia menções a seu nome, contudo, o dente foi encontrado numa caixa lacrada que continha o nome da rainha, e através de uma análise da arcada dentária e de exame de DNA, se constatou que era a faraó. O famoso e renomado egiptólogo, Dr. Zahi Hawass, atualmente um dos maiores especialistas em Egito Antigo, atestara em 2007 a veracidade da descoberta do corpo de Hatshepsut. Com essa descoberta, novos indícios sobre a morte de Hatshepsut foram descobertos, pois a necropsia da múmia revelou que a rainha quando morrera, era obesa, sofria de problemas ósseos e no fígado. Devido a obesidade, poderia ter tido pressão alta, problemas no coração ou diabetes, mas a exata causa de sua morte ainda não foi atestada. Além disso, foram encontradas algumas imagens representando a rainha como uma gorda, na época pensou-se que tal condição fosse uma referência a fertilidade ou prosperidade, mas agora provavelmente possa ser realmente um atestado da obesidade da rainha no fim da vida. Por fim, aos poucos vamos voltando a descobrir mais informações sobre o governo dessa mulher que se tornou faraó do Egito por 22 anos. 


NOTA: Hatshepsut também foi nomeada Esposa do deus e a Mão do deus. Títulos religiosos, no qual a rainha-faraó, passaria a participar do culto ao deus 
NOTA 2: Hatshepsut é representada no jogo Sid Meier's Civilization IV.
NOTA 3: Howard Carter também foi o responsável por ter descoberto a famosa tumba de Tutancâmon em 1922, a qual estava intacta, recheada com seu tesouro. 

Referências Bibliográficas:
NOBLECOURT, Christiane Desroches. A mulher no tempo dos Faraós. São Paulo, Papirus. 1994.
JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito Antigo. Rio de Janeiro, Ediouro. 2002.
JACQ, Christian. O Egipto dos Grandes Faraós. Porto, ASA. 1999.
SELIOTTI, Alberto. Egito. Barcelona, Folio, S. A. 2006. 
BAKR, A. Abu. O Egito faraônico. In: MOKHTAR, Gamal (editor). História Geral da África - II: África Antiga. 2a ed, Brasília, UNESCO, 2010.
CARDOSO, Ciro Flamarion. O Egito Antigo. 4ed, São Paulo, Brasiliense, 1985. 
DOBERSTEIN, Arnoldo Walter. O Egito antigo. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2010. 

BEDMAN, Teresa. El Império Nuevo: la Dinastía XVIIIAlicante, Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2005 (1995). Disponível em: http://www.cervantesvirtual.com/obra-visor/el-imperio-nuevo---la-dinasta-xviii-0/html/001a9256-82b2-11df-acc7-002185ce6064_2.html.

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domingo, 22 de novembro de 2009

A Época do Oikos

Muitos de vocês devem ter nunca ouvido falar nessa palavra, e saber ao menos do que se trata. Contundo, posso dizer que a palavra oikos, possui dois significados distintos, mas se remetem ao mesmo assunto; assunto este que trata-se sobre a história da Grécia Antiga. Para ser mais exato, este período do oikos transcorreu entre os anos de 1200 a.C à 800 a.C, época esta que marca a decadência do domínio da cidade de Micenas sobre a Grécia, e o mergulho da sociedade e da cultura, em uma época que alguns historiadores chamam de a "Idade das Trevas grega".

Sendo assim, a época do oikos ou "Idade das Trevas grega", marca a fase da queda do mundo grego-micênico e da Idade do Bronze, até a sua "ressurreição", durante o período Arcaico.

De antemão, deve-se saber que a palavra oikos pode designar tanto a casa ou a propriedade de um senhor nesta época (1200-800 a.C). Sendo assim, o oikos se assemelharia a uma propriedade rural, algo semelhante ao feudo medieval (porém o oikos não é a mesma coisa que um feudo).

Antes de continuar a seguir com a descrição de um oikos, vou explicar rapidamente o que foi que aconteceu para levar as pessoas a abandonarem quase que todas a cidades, e se voltarem para morar no campo.

Como eu havia dito, a cidade de Micenas, acabou construindo um grande domínio na Península Helênica ou Grega, entre os anos de 1600-1200 a.C. Micenas, se tornou a cidade mais rica e prospera da região, dando grande contribuição ao desenvolvimento cultural, artístico e econômico em sua época. Contudo após 400 anos de hegemonia, aos poucos seu governo fora ruindo, intrigas politicas fragilizaram o governo, e dividiram os exércitos nas mãos de seus generais que buscavam o poder; além disso também houve a invasão dos chamados Povos do Mar, povos que vieram da região da Fenícia, da Ásia menor e de outras ilhas do Mediterrâneo. E por fim teve a invasão do povo Dório, o quais vieram do norte da Grécia se estabelecendo na região do Peloponeso e na parte insular da península. Os dóricos eram retratados na época como sendo um povo particularmente militarizado, voltado para a arte da guerra, tal influencia fora tanta, que o antigo sistema de escrita utilizado pelos gregos, fora abolido. O comércio exterior praticamente desaparecera; as cidades ficaram perigosas, e muitos migraram para o campo; a arte e a arquitetura perderam seu esplendor de outrora; a vida se tornou basicamente ruralizada, e houve uma grande diminuição da população geral. Tais fatores e outros, levaram a Grécia a cair em uma época obscura, como dizem alguns historiadores.

Terminado esta rápida explanação, irei expor a seguir algumas das características principais que marcaram este período.

Organização administrativa: O oikos consistia na casa do senhor ou em uma propriedade rural. Nesta propriedade, havia uma população local livre, a qual poderia permanecer nas terras sob o comando do senhor do oikos; mas eles eram livres para ir quando quiserem. O senhor, possuía outros súditos que o ajudavam na administração da propriedade: fiscalizando, coletando e cuidando de questões militares (já que nesta época era comum se haver muitos confrontos entre outros oikos). Além deste fato, também nota-se que a mulher nessa época possuía um importante papel na questão social. A esposa do senhor, ou para ser mais exato, a senhora do oikos, era a responsável, por organizar os banquetes e as refeições, por atribuir hospedagem a viajantes que procurassem o senhor. Contudo a função que mais importante que ela exercia, era a de carregar a chave do tesouro; este tesouro na realidade consistiria em um depósito, no qual se armazenaria os alimentos, os tecidos, os presentes ganhos pelo senhor, os metais preciosos, jóias, as armas e outros objetos originados da pilhagem feita nas batalhas. Além deste fato o qual garante um forte destaque e influência para a mulher, também pode se ressaltar, que quando o senhor estava ausente, era a sua esposa que ficava no comando. Em caso do marido morrer, era ela que ficaria no comando até o seu filho mais velho ter idade para assumir. Se ele fosse muito novo, ela teria que escolher um novo marido.

Organização econômica: Como já fora citado anteriormente, a economia do oikos era predominantemente rural. Sua fonte de sobrevivência provinha da agricultura e da pecuária. Quanto a tal questão, cada família do oikos tinha uma determinada responsabilidade com o cultivo da terra e com a criação de animais. Além disso, também havia uma pequena produção artesanal interna, e um relativo comércio local. Mas de fato grande parte da riqueza material provinha do saque das pilhagens, e dentre os principais objetos roubados, estavam as armas e objetos feitos de bronze e ferro. Metais estes que ficaram escassos na época por falta de sua exploração, então se tornaram algo valioso. Além disso, alguns historiadores relatam que já havia um pequeno comércio de escravos efetuado na época.

Organização social: Quanto a organização social, pode se dizer que havia o senhor do oikos e sua família, havia também outras famílias de posses, principalmente devido a partilha dos ganhos da pilhagem, havia em si a população camponesa, e por fim os escravos. De certo modo as pessoas que viviam no oikos eram tratadas como servos do senhor. Contudo havia uma ligeira diferença entre servo e escravo, mesmo que em alguns momentos tal diferença não fosse clara. Em si todos os habitantes do oikos teriam que prestar serviço para o senhor e desta forma garantiriam sua própria sobrevivência, já que a comida doada para este, as armas e cerâmicas produzidas seriam utilizadas por todos, da forma que o senhor designasse.

Os demiurgos: Nessa época a palavra demiurgo se referia a um viajante que ia de oikos em oikos prestar determinados serviços. Serviços estes como adivinhação, feitiçaria, curandeirismo, artístico, dentre outros que não eram comumente praticados por todos. Sendo assim, era costume do demiurgo ser as vezes contratado por um senhor em ocasiões de festividades para tocar música, cantar, dançar ou contar histórias. Em troca dos seus serviços, eles ficavam hospedados na casa do senhor e ganhavam presentes.

O casamento
: Um aspecto interessante quanto ao casamento, era o fato de que muitas vezes estes eram realizados no intuito de se estabelecer acordos e laços de lealdade entre os oikos, principalmente devido a motivos militares, em caso de guerra estes oikos poderiam recorrer aos seus aliados. De acordo com a tradição da época o casamento seria feito a partir da escolha de uma hedna (dote), vários pretendentes levavam seus dotes para o pai da mulher com que se pretendia se casar; naturalmente aquele que oferecesse o melhor dote seria o escolhido. Em caso do homem não puder cumprir com sua parte do trato, este teria que prestar serviços para o seu sogro a fim de quitar sua divida com o dote.

Por fim, após 400 anos envolto nesta "escuridão", aos poucos a cultura helênica ia revivendo. A população voltou a crescer, e a migrar para as cidades, o comércio externo voltou a ocorrer, as artes voltaram se desenvolverem, a exemplo que nesta época nota-se o reaparecimento da escrita, um novo alfabeto grego havia sido criado com base no alfabeto fenício. Em um dos marcos para o ressurgimento da escrita se encontram mediante a dois poemas épicos de autoria de Homero (ver foto), o qual teria vivido no século VIII a.C, sendo o responsável pelos poemas a Ilíada e a Odisseia, considerados as primeiras obras escritas no novo alfabeto grego. Além desta questão também nota-se o florescimento das cidades ou as chamadas póleis. Cidades como Atenas, Esparta, Tebas e dentre outras voltariam a crescer durante o Período Arcaico.

Por outro lado alguns historiadores preferem convencionar o início do Período Arcaico propriamente dito, no ano de 776 a.C, época em que ocorreu os primeiros Jogos Olímpicos, e a colonização grega fora da Grécia.

NOTA: Antes do período do oikos, os helenos (gregos), utilizavam o alfabeto Linear B, herdado dos cretenses.
NOTA 2: Alguns historiadores consideram que a cidade de Esparta fora fundada pelos dórios.
NOTA 3: Os Jogos Olímpicos ocorreram de 776 a.C até 393 d.C, quando foram proibidos pelo imperador romano Teodósio I, por considerá-los atividades pagãs, pois Teodósio era cristão e havia delegado o Cristianismo como religião oficial do império, abolindo outras práticas pagãs.
NOTA 4: Jônios, Eólios e Arcádios, foram povos que ao se estabelecerem na Ática e no Peloponeso, dariam origem ao povo grego, juntamente com os dórios posteriormente.
NOTA 5: Os termos ockeus, dmôs, drester e amphipolos, eram palavras utilizadas tanto para se designar os servos como os escravos, nessa época.
NOTA 6: Os gregos antigos chamavam a sua terra de Hélade, por isso se autodenominavam de helenos. Hoje em dia, a Grécia em grego pode ser chamada tanto de Hélade, como Hellas.
NOTA 7: Demiurgo também designava o líder dos arcontes, os quais constituíam a assembléia da cidade de Atenas.

Referências Bibliográficas:
MOSSÉ, Claude. A Grécia Antiga de Homero a Ésquilo. Lisboa, Edições 70, 1984.
FINLEY, Moses. I. Grécia Primitiva: Idade do Bronze e Idade Arcaica. São Paulo, Martins Fontes, 1981.
CARDOSO, Ciro. F. Cidade-Estado Antiga. São Paulo, Ática, 1993.

LINKS:
Ancient Scripts — Linear B (em inglês)
língua grega
Coleção de ilustrações e imagens sobre a Ilíada (em inglês)
greciaantiga.org

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Ranke - O Pai da História Moderna


Leopold von Ranke nasceu em 21 de dezembro de 1795 e veio a falecer em 23 de maio de 1886, na Alemanha (na realidade fora em um Estado pertencente a antiga Prússia). Ranke se notabilizou por suas iniciativas e propostas metodológicas, as quais reformularam e deram um novo caráter ao estudo historiográfico. Em outras palavras, muitos creditam a Ranke, o caráter de a História ser vista como uma ciência em si. Por isso de ele ser chamado também de o "Pai da História Científica"O que vou relatar a seguir, será mas sobre a sua vida acadêmica, e sobre os seus projetos e contribuições para o estudo historiográfico, não ficando retido a questões sobre detalhes de sua vida pessoal. De fato, Ranke não fora o primeiro a tratar do caráter cientifico da História. Anos antes, o filósofo italiano, Giambattista Vico (1688-1744), em sua obra Ciência Nova (Scienza Nuova), propôs que tanto a História como outras disciplinas fossem levadas a serem compreendidas mediante a especificações de cunho cientifico; vale ressaltar que nessa época a concepção de "Ciência" que temos hoje, ainda estava se desenvolvendo; a Europa se encontrava na Revolução Cientifica da Era Moderna. Mesmo assim, foi só com os esforços de Ranke, que muitos começaram a enxergar com mais clareza este ideal de cientificidade na história (mesmo que haja aqueles que discordem de tal ideia).

Leopold Von Ranke, ingressou na Universidade de Leipzig, onde estudou as Artes Clássicas: História, Teologia Luterana, e teve contato com a Filologia. Tais aspectos contribuíram para sua formação como historiador. Formação esta a qual mostrou que ele nunca concordara plenamente com a forma de como se estava se fazendo a história em sua época. Tal relutância seria uma marca em seu caráter e uma condição de ter rivais no ofício de História. Até a época de Ranke, a história era vista como relatos em crônicas, voltados a falar sobre grandes batalhas ou sobre os soberanos, em alguns aspectos chegavam até mesmo serem romanceadas.

Sua primeira e grande obra foi, História dos povos latinos e germânicos entre 1494 à 1514, lançada em 1824. Neste trabalho, ele realizou tudo aquilo que ele considerava que estava faltando nos outros historiadores de sua época. Ao invés de ficar empilhando um monte de fatos, e simplesmente os jogá-los naquelas páginas, Ranke fez todo um trabalho de análise, interpretação, conferência e por fim conclusão. De certo modo, ele ao escrever sua obra, recorreu a várias fontes primárias, das quais algumas eram deixadas de lado pelos historiadores. De certa forma, o caráter filológico em se tentar compreender a linguagem de um texto, levou ainda mais a ele ser mais rígido e criterioso em suas pesquisas.

Posteriormente ele seria chamado para se tornar historiador da Casa de Brandemburgo no ano de 1841. Porém, mesmo recebendo este honorífico cargo, relatos da época dizem que ele se mostrou contrário as expectativas do que muitos esperavam. Era comum os historiadores e os cronistas de Corte, bajularem seus governantes, só que Ranke não fazia isso, ele não gostava de ficar bajulando os seus patrões. Tal posição ganharia a fama de em se dizer que ele era um homem imparcial. Mas tal imparcialidade detestada por outros, era explicada pelo próprio Ranke: 

"A história recebeu a tarefa de julgar o passado; de instruir o presente para o benefício das eras futuras. O presente estudo não aspira tão grandiosas funções. Seu único objetivo é meramente mostrar como as coisas realmente aconteceram (wie es eigentlich gewesen)". (TOSH, 2011, p. 21). 

Ranke se tornou um dos principais expoentes da teoria de pensamento chamada Historicismo (Historismus em alemão). De certa forma o historicismo como aponta Tosh [2011] possuía ligação com o movimento artístico do Romantismo, pois ambos exibiam uma espécie de forte nostalgia acerca do passado, e a ideia do historicismo era "escrever a História como ela realmente aconteceu", algo que hoje é visivelmente impossível de se fazer, por uma gama de obstáculos que impedem a pesquisa histórica e a própria perda de documentação ocorrida ao longo do tempo.

"O que era novo sobre a abordagem historicista era sua generalização de que a atmosfera e a mentalidade das eras passadas tinham que ser também reconstruídas, pois só assim o registro formal dos eventos teria qualquer significado". (TOSH, 2011, p. 22). 

Um dos problemas que o historicismo apresentou fora seu forte conservadorismo em se tratar da história política nacional, algo que inibiu o desenvolvimento da historiografia pelo restante do século, pois mesmo a história cultural, a história social e econômica que já existiam no século XIX, não tinham muito espaço no meio acadêmico, fortemente historicista, e posteriormente metodista e positivista, metodologias que possuíam em comum essa tentativa de se "resgatar o passado" ou se "refazer o passado".

Mas se por um lado o historicismo sofreu dura críticas no começo do século XX, especialmente pelos franceses e ingleses, não significa que Ranke não tivera em o que contribuir. Ranke chegou a escrever mais de 60 livros, embora muitos não são tão conhecidos e alguns até raros de se encontrar hoje, mas como Holanda [1979], sua principal contribuição não se encontra na forma de se entender a História e pensar sobre ela, mas sim na metodologia de como se estudá-la.

"Foi ele quem criou para os estudos históricos o sistema dos seminários, que aos poucos iriam proliferar em outros países  Ao mesmo tempo desenvolveu recursos de pesquisa e crítica das fontes, adaptando para isso, à História, processos já em uso, antes dele, entre filólogos e exegetas da Bíblia. (HOLANDA, 1979, p. 16).

Como já fora posto acima, a resposta das contribuições de Ranke por Sérgio Buarque, ver-se que fora ele, o responsável por engajar este sentimento e critério de uma metodologia cientifica no estudo histórico. No entanto mesmo este tendo realizado um bom trabalho nesta área, ele ainda era criticado por ser imparcial, e até mesmo por não aceitar os estudos da Filosofia da História, algo muito feito por Hegel

Na sua concepção, História e Filosofia deveriam ser vistas separadas, e não como algo só. Outras de suas críticas diz a respeito ao estudo da atribuição de juízos de valores aos historiadores, da relutante comparação do historiador a um juiz, um "juiz da História". Tais condições levaram que alguns historiadores como Droysen, Carr, Braudel, ficassem a margem da critica negativa do trabalho de Ranke, por outro lado, historiadores como Dilthey e Bloch, o apoiam em seus métodos.

Hoje em dia Ranke não é tão estudado como fora no passado, porém nos cursos de História ele não é esquecido por causa de seu legado metodológico, o qual embora não seja o mesmo de hoje em dia, fora um dos pontapés para que a história fosse vista com maior credibilidade como Ciência Humana. 

Referências Bibliográficas:
HOLANDA, Sérgio Buarque de (Organizador), Leopold Von Ranke: história. S. Paulo, Ática, 1979.
TOSH, John. A busca da história: Objetivos, métodos e as tendências no estudo da história moderna. 5a ed, Petrópolis, Editora Vozes, 2011. (Capítulo 1).
WHITE, Hayden. Metahistória: A imaginação Histórica do Século XIX (tradução de José Laurênio de Melo), São Paulo: EDUSP, 1995.

LINKS:
Leopold von Ranke , na "Age of the Sage".

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A cidade dos dois continentes

Localizada nas coordenadas geográficas de 41° 1' 7" N/ 28° 57' 53" E, se encontra dividida pelo Estreito de Bósforo, o qual liga o Mar Negro ao Mar de Mármara, a cidade de Istambul. Uma cidade a qual ao mesmo tempo, em parte se encontra na Europa, e a outra na Ásia (no caso desta imagem, a parte da esquerda fica na Europa e a da direita na Ásia). Istambul não é só famosa por ser uma cidade de dois continentes, mas sim por sua longa história, e tradições culturais. Atualmente Istambul é a maior e mais desenvolvida cidade da Turquia, e diferente do que muitos pensam, ela não é a sua capital; a capital da Turquia é a cidade de Ankara. Mas indo além destas condições primárias, a cidade de Istambul se mostra uma verdadeira ligação entre o Ocidente liberal, tecnológico, alvoraçado; toda a vida corrida do século XXI; em contraste com as ideologias orientais, a calma, o conservadorismo, o respeito, a tradição; questões fundamentadas principalmente sobre a influência do Islamismo. No entanto irei um pouco mais além desta perspectiva atual, irei mergulhar no passado desta cidade, um passado de grandes feitos, e marcados por grandes conflitos na história. Não obstante a isso, além do fato de Istambul ser uma cidade em dois continentes, ela também fora uma cidade com três nomes, que marcaram três determinadas épocas de sua existência.

Bizâncio

Sendo assim, vamos voltar no tempo, a um período antes do nascimento de Cristo, mas exatamente ao século VII a.C, ao ano de 657 a.C, data esta que marca a fundação da colônia grega de Bizâncio, colônia fundada pela cidade de Mégara, a qual atribuem a sua fundação ao rei Bizas. Na margem oposta, poucos anos antes os mesmos gregos de Mégara haviam fundado a cidade de Calcidônia, todavia a localização de Bizâncio era mais privilegiada do que a de Calcidônia, já que a porção europeia neste estreito era favorecida com uma baía de cerca de 11 km de extensão, um porto natural. Tal local é conhecido desde os tempos antigos pelo nome de Chifre de Ouro. Bizâncio garantia para si um ponto comercial estratégico, um ponto militar, já que a baía favorecia a proteção dos navios contra as ondas que quebram nas margens do estreito, e ao mesmo tempo, o local da cidade perfaz praticamente uma península cercada por rochas e pequenos montes, logo Bizâncio se tornara uma fortaleza.

"Sua importância como fortaleza, porém, foi logo compreendida. Na guerra do Peloponeso foi louvada por sua posição de comando sobre a entrada para o Mar Negro, em cuja margem norte estavam as plantações de cereais onde Atenas se alimentava. Felipe da Macedônia e seu filho Alexandre reconheceram nela a principal porta para a Ásia. Os imperadores romanos chegaram a considerar sua força estratégica como uma ameaça". (RUNCIMAN, 1977, p. 10).

Todavia, por mas que Bizâncio estivesse favorecida com sua posição estratégica, a vida neste lugar não era fácil, o clima em muitas vezes não era favorável. Tal local oscilava entre um frio que advinha de rajadas congelantes vindas das estepes centrais da Ásia, e verões muito quentes, além disso, a corrente marítima no sul do Bósforo atrapalhava a navegação até Bizâncio em certas épocas do ano. Com isso a cidade não pode se tornar uma grande potência.

Constantinopla

Durante o Império Romano, Bizâncio, ganharia um novo nome, e uma nova importância mundial. No século IV d.C, o império romano se reestruturava de sua crise no século anterior, na década de 20 deste século, o então imperador do Ocidente Constantino travava batalha contra o imperador do Oriente Lícinio. Anos antes, o imperador Diocleciano havia dividido o império em duas porções e criou um governo de quatro imperadores, a tetrarquia, contudo os imperadores começaram a lutar entre si, e no fim Constantino e Lícinio, antes aliados se tornaram inimigos. Constantino derrotou a frota de Lícinio no Helisponto (Dardanelos) estreito que liga o Mar Egeu ao Mar de Mármara, a poucos quilômetros de Bizâncio. O ano era 324, nessa período, Lícinio utilizara Bizâncio como seu quartel-general, e com a sua derrota, Constantino viu um grande potencial em Bizâncio.

"Mal acabara a guerra, e o imperador já levava arquitetos e agrimensores a visitar a cidade e seus arredores, e as operações de construção tiveram inicio". (RUNCIMAN, 1977, p. 11).

"A escolha do imperador era excelente. Por sua situação geográfica, Constantinopla oferecia grandes vantagens. Do ponto de vista militar, estava melhor colocada do que Roma, muito longíqua para vigiar o Oriente, e defender se necessário as fronteiras do império, ameaçadas, na Europa pelo gôdos, na Ásia, pelos persas. Do ponto de vista econômico, construída no ponto de encontro da Europa e da Ásia, bem próxima das praias do Mar Negro e do Mediterrâneo oriental, Bizâncio estava bem colocada para se tornar um centro importante de comércio, um grande mercado internacional".

Constantino queria fundar uma nova capital do império no Oriente, e escolheu Bizâncio para tal. Nessa época, Roma já não era a única capital do império, cidades como Milão, Nicomédeia assumiam este posto, porém a ambição de Constantino era criar uma cidade digna de ser comparada a Roma. Seis anos depois, de reformas, construções e ampliações, a cidade de Bizâncio estava com cara nova, e no dia 11 de maio de 330, oficialmente a cidade fora rebatizada com o nome de a Nova Roma. Porém o nome não fora bem aceito entre o povo, então a cidade passou a se chamar Constantinopla "a cidade de Constantino", contudo o imperador queria por que queria que Constantinopla fosse uma segunda roma, assim o nome oficial de batismo da cidade ficou, "Nova Roma é Constantinopla".

Ruas, casas, templos, palácios, hipódromos, praças, prédios do governo, muralhas, igrejas (devemos lembrar que Constantino fora o primeiro imperador romano a adotar o cristianismo como religião pessoal), tudo isso deu uma nova vista a velha Bizâncio, agora Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente e posteriormente do Império Bizantino.

Constantinopla cresceria nos séculos seguintes pelas mãos dos imperadores bizantinos, legado iniciado com o próprio Constantino, que ganhara o epiteto de o, Grande. Diferente de Roma que entraria em decadência ao longo da Idade Média, Constantinopla manteria sua grandiosidade durante este período, mesmo não tendo sido algo constante. A cidade também herdaria o legado dos romanos, da cultura helênica e das culturas do Oriente Médio, Constantinopla seria uma cidade cosmopolita, abrigando pessoas que falavam distintas línguas, mesmo sendo o grego a língua oficial e não o latim, pessoas vindas da Europa, África e Ásia, diferentes religiões, mesmo que a religião oficial do Império Bizantino fosse o cristianismo, a influência do judaísmo, mitraísmo, zoroastrismo, islamismo e outras crenças pagãs, seria vistas nos domínios do império.

Istambul

Um dos grandes marcos visto hoje na atual Istambul é a Basílica de Santa Sofia (Haghia Sofia), construída pelo imperador Justiniano entre os anos de 532-537, representando o esplendor da arquitetura e da arte bizantina (atualmente a Haghia Sofia é um museu). Mas mesmo com este esplendor do Império Bizantino, este passaria por longas crises, principalmente por volta da época das Cruzadas, o qual levou muito a seu enfraquecimento, ao ponto de que em 29 de Maio de 1453, o exército turco-otomano, comandado pelo sultão Maomé II (1432-1481), cerca e conquista a cidade de Constantinopla; levando a morte do último soberano bizantino, Constantino XI Paleólogo (1404-1453). Assim o Império Bizantino chegava ao seu fim, e o Império Otomano (1299-1923) conquistava todas as suas terras. Com a conquista do Império Otomano, Constantinopla passaria a se chamar Istambul, no entanto ela ainda ficaria conhecida pelo seu antigo nome; o nome de Istambul só passaria a ser utilizado oficialmente a partir de 1930, quando a capital é tranferida para Ankara, se tornando capital oficial da Turquia.

NOTA: A Queda de Constantinopla em 1453, é utilizada como marco que determina o fim da Idade Média e o começo da Idade Moderna.
NOTA 2: Haghia Sofia, significa "Sagrada Sabedoria".
NOTA 3: Maomé II pode ser também chamado de Mehmed ou Muhammed.
NOTA 4: Constantinopla chegou a contar com 500 mil habitantes em tempos mais antigos.

Referências Bibliográficas:
BALDSON, J. P. V. D. O Mundo Romano. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1968.
DIEHL, Charles. Os grandes problemas da história bizantina. São Paulo, Editora das Américas, 1960.
GRIMAL, Pierre. 1988. A Civilização Romana. Lisboa, Ed. 70.
GIORDANI, Mario Curtis. História do império bizantino. 3a edição, Petrópolis, Vozes, 1992.
RUNCIMAN, Steven. A Civilização Bizantina. 2a edição, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1977