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Leandro Vilar

domingo, 25 de abril de 2010

A Revolução Bolivariana e as Antilhas


Reflexões de Fidel A Revolução Bolivariana e as Antilhas

Eu gostava da história como quase todos os garotos. Também gostava das guerras, uma cultura implantada pela sociedade nas crianças do sexo masculino. Todos os brinquedos que recebíamos eram armas.

No tempo de minha infância, fui enviado para uma cidade, onde nunca fui levado ao cinema. Na época, não existia a televisão e, na casa onde eu morava, não havia rádio. Eu tinha que usar a imaginação.

Na primeira escola que freqüentei como interno, lia com espanto sobre o Dilúvio Universal e a Arca de Noé. Mais tarde, achei que era, talvez, um vestígio que a humanidade guardava da última mudança climática na história da nossa espécie. Foi, possivelmente, o fim do último período glacial, que supostamente aconteceu há muitos milhares de anos.

Como é de supor, mais tarde li com avidez as histórias de Alexandre, César, Aníbal, Bonaparte e, com certeza, todo livro que caía nas minhas mãos sobre Maceo, Gómez, Agramonte e outros brilhantes soldados que lutaram pela nossa independência. Não tinha cultura suficiente para compreender o que havia por trás da história.

Mais adiante, centrei minha atenção em Martí. Na verdade, a ele devo os meus sentimentos patrióticos e o conceito profundo de que "Pátria é humanidade". A audácia, a beleza, o valor e a ética de seu pensamento contribuíram para me tornar o que eu acho que sou: um revolucionário. Sem ser martiano, não se pode ser bolivariano; sem ser martiano e bolivariano, não se pode ser marxista, e sem ser martiano, bolivariano e marxista, não se pode ser antiimperialista; sem ser as três coisas não se podia conceber uma Revolução em Cuba na nossa época.

Há quase dois séculos, Bolívar quis enviar uma expedição chefiada por Sucre para libertar Cuba, que muito precisava disso, na década de 1820, como colônia canavieira e cafeeira espanhola, com 300 mil escravos trabalhando para os proprietários brancos.

Frustrada a independência e transformada numa neocolônia, em Cuba jamais se podia alcançar a dignidade plena do homem, sem uma revolução que eliminasse a exploração do homem pelo homem.

"...eu quero que a lei primeira da República seja o culto dos cubanos à dignidade plena do homem."

Martí, com seu pensamento, inspirou o valor e a convicção que levou o nosso Movimento a atacar a fortaleza do Moncada, o qual jamais teria passado por nossas cabeças, sem as ideias de outros grandes pensadores como Marx e Lenin, que nos fizeram ver e compreender as realidades tão diferentes da nova era que estávamos vivendo.

Durante séculos, em nome do progresso e do desenvolvimento, em Cuba se justificava a odiosa propriedade latifundiária e a força de trabalho escrava, que foi precedida pelo extermínio dos antigos habitantes destas ilhas.

De Bolívar, Martí disse algo maravilhoso e digno de sua gloriosa vida: 

"...o que ele não fez, hoje ainda continua sem fazer: porque Bolívar ainda tem muita coisa a fazer na América."

"Diga a Venezuela em que posso servi-la: ela tem um filho em mim."

Na Venezuela, quanto nas Antilhas, fizeram outras, a potência colonial cultivou cana-de-açúcar, café, cacau, e levou também como escravos homens e mulheres da África. A resistência heróica dos indígenas, apoiando-se na natureza e na vastidão do território venezuelano, impediu o aniquilamento dos habitantes autóctones.

Exceto uma parte, ao Norte do hemisfério, o imenso território da Nossa América ficou nas mãos de dois reis da Península Ibérica.

Sem temor, pode-se afirmar que, durante séculos, nossos países e o fruto do trabalho dos seus povos foram saqueados e continuam sendo saqueados pelas grandes empresas multinacionais e pelas oligarquias que estão a serviço dele.

Ao longo dos séculos 19 e 20, quer dizer, durante quase 200 anos, após a independência formal da comunidade ibero-americana, nada mudou na essência. Os Estados Unidos, a partir das Treze Colônias inglesas que se rebelaram, expandiram-se para o Oeste e para o Sul. Comprou Louisiana e a Flórida, arrebatou mais da metade de seu território ao México, intervieram na América Central e se apoderaram da área do futuro Canal do Panamá, que ligaria os grandes oceanos do Leste e do Oeste do continente por um ponto onde Bolívar desejava criar a capital da maior das repúblicas, que nasceria da independência das nações da América.

Naquela época, o petróleo e o etanol não eram comercializados no mundo, nem existia a OMC. A cana-de-açúcar, o algodão e o milho eram cultivados por escravos. As máquinas ainda não haviam sido inventadas. Avançava com força a industrialização a partir do carvão.

As guerras impulsionaram a civilização, e a civilização impulsionou as guerras. Estas mudaram o caráter e se tornaram mais terríveis. Finalmente, converteram-se em conflitos mundiais.

Por fim, éramos um mundo civilizado. Inclusive, o consideramos uma questão de princípios.

Mas, não sabemos o que fazer com a civilização alcançada. O ser humano dotou-se de armas nucleares de impensável certeza e aniquiladora potência, enquanto do ponto de vista moral e político, recua vergonhosamente. Política e socialmente, estamos mais subdesenvolvidos que antes. Os autômatos estão substituindo os soldados, a mídia substitui os educadores, e os governos começam a se desesperar pelos acontecimentos sem saber o quê fazer. Muitos líderes políticos internacionais, no seu desespero, perdem as forças diante dos problemas que se acumulam em seus gabinetes de trabalho e as reuniões internacionais são cada vez mais freqüentes.

Nessas circunstâncias, no Haiti tem lugar uma catástrofe sem precedentes, enquanto no outro lado do planeta continuam se travando três guerras e a corrida aos armamentos, em meio à crise econômica e aos conflitos recentes, que consomem mais de 2,5% do PIB mundial. Com tal cifra poderiam se desenvolver em pouco tempo todos os países do Terceiro Mundo e talvez evitar a mudança climática, dedicando os recursos econômicos e científicos, que são imprescindíveis, para esse objetivo.

A credibilidade da comunidade mundial recebeu recentemente um duro golpe em Copenhague, e nossa espécie não está mostrando capacidade para sobreviver.

A tragédia do Haiti me permite expor minha opinião a partir do que a Venezuela tem feito com os países do Caribe. Enquanto em Montreal as grandes instituições financeiras hesitam o quê fazer no Haiti, a Venezuela não hesita um minuto em cancelar a dívida econômica desse país, que é de US$167 milhões.
Durante quase um século, as maiores multinacionais extraíram e exportaram o petróleo venezuelano a preços ínfimos. Durante decênios, a Venezuela tornou-se o maior exportador mundial de petróleo.

Como é sabido, quando os Estados Unidos despenderam centenas de bilhões de dólares em sua guerra criminosa no Vietnã, matando e deixando mutilados milhões de filhos desse povo heróico, também romperam unilateralmente o acordo de Bretton Woods, suspendendo a conversão do dólar em ouro, conforme estabelecia o acordo, e lançando sobre a economia mundial o custo dessa guerra suja. A moeda norte-americana desvalorizou-se e o ingresso de divisas dos países caribenhos não dava nem para pagar o petróleo. Suas economias baseiam-se no turismo e nas exportações de açúcar, café, cacau e outros produtos agrícolas. Um golpe demolidor ameaçava as economias dos Estados do Caribe, com a exceção de dois deles, exportadores de energia.

Outros países desenvolvidos eliminaram as preferências alfandegárias às exportações agrícolas caribenhas, como a da banana; a Venezuela teve um gesto sem precedentes: garantiu à maioria desses países fornecimentos seguros de petróleo e facilidades especiais de pagamento.

Contudo, ninguém se preocupou pelo destino desses povos. Se não tivesse sido pela República Bolivariana, uma terrível crise teria atingido os Estados independentes do Caribe, exceto Trindade e Tobago e Barbados. No caso de Cuba, após a URSS ter colapsado, o governo bolivariano impulsionou um crescimento extraordinário do comércio entre ambos os países, que incluía o intercâmbio de bens e serviços, o qual nos permitiu encarar um dos períodos mais duros de nossa gloriosa história revolucionária.

O melhor aliado dos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, o mais baixo e vil inimigo do povo, foi o farsante e enganoso Rómulo Betancourt, o presidente eleito da Venezuela quando triunfou a Revolução em Cuba em 1959.

Ele foi o principal cúmplice dos ataques piratas, dos atos terroristas, das agressões e do bloqueio econômico a nossa pátria. Quando nossa América mais necessitava, estourou finalmente a Revolução Bolivariana.

Convidados a Caracas por Hugo Chávez, os membros da ALBA comprometeram-se a dar o máximo apoio ao povo haitiano no momento mais triste da história desse povo lendário, que levou a cabo a primeira Revolução social vitoriosa na história do mundo, quando centenas de milhares de africanos, ao se revoltarem e criarem no Haiti uma República a milhares de milhas de sua terra natal realizaram uma das mais gloriosas ações revolucionárias deste hemisfério. No Haiti, há sangue negro, índio e branco; a República nasceu dos conceitos de igualdade, justiça e liberdade para todos os seres humanos.

Há dez anos, no momento em que o Caribe e a América Central perderam dezenas de milhares de vidas na tragédia provocada pelo furacão Mitch. Foi criada em Cuba a Escola Latino-Americana de Medicina (ELAM) para formar médicos latino-americanos e caribenhos que, um belo dia, salvariam milhões de vidas, mas especialmente e acima de tudo, seriam exemplo no nobre exercício da profissão médica. No Haiti, junto com os cubanos, estarão dezenas de jovens venezuelanos e mais outros latino-americanos graduados na ELAM. De todos os cantos do continente, chegam notícias de muitos companheiros que estudaram na ELAM, que desejam colaborar ao lado deles na nobre tarefa de salvar vidas de crianças, mulheres e homens, jovens e idosos.

Haverá dezenas de hospitais de campanha, centros de reabilitação e hospitais, onde prestarão serviço mais de mil médicos e estudantes dos últimos anos do curso de medicina, procedentes do Haiti, da Venezuela, de Santo Domingo, da Bolívia, da Nicarágua, do Equador, do Brasil, do Chile, e demais países irmãos. Temos a honra de contar com um número de médicos norte-americanos que também estudou na ELAM. Estamos dispostos a cooperar com aqueles países e instituições que desejem participar destes esforços para prestar serviços médicos no Haiti.

A Venezuela já entregou barracas, equipamentos médicos, remédios e alimentos. O governo do Haiti prestou toda sua cooperação e apoio a este esforço para levar gratuitamente os serviços de saúde ao maior número possível de haitianos. Para todos nós, será um consolo em meio à maior tragédia ocorrida em nosso hemisfério.


Fidel Castro Ruz
7 de fevereiro de 2010
20h46

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A casa está dividida

"A casa está dividida". Foi com essa frase que o então presidente dos Estados Unidos da América, Abraham Lincoln definiu o estado no qual o país se encontrava durante o seu governo. Lincoln assumiu a presidência em 1861, mesmo ano que estourou a Guerra de Secessão ou Guerra Civil Americana. Durante os quatro anos de seu mandato (1861-1865) o país se encontrou em meio a esta devastadora guerra que deixou um saldo de centenas de milhares de mortos. Nessa época, os Estados Unidos se viram em um grande dilema, a divisão de seu território, os estados do Norte defendiam a velha ordem, no entanto os estados do Sul, os quais formaram uma Confederação, lutavam para se separarem do norte, e constituir uma nova nação.

E é nesse contexto que irei contar um pouco da história política, administrativa  econômica, social e a importância desse acontecimento não somente para os Estados Unidos mais para o restante da América e do mundo. Sendo assim não irei me prender a detalhes sobre os conflitos e batalhas que ocorreram ou alguns outros fatos. Irei fazer uma explanação por alto, focando o que eu propus anteriormente.


A grande questão que gerou tal guerra fora um fator de cunho econômico. Mas para isso devo retornar a época das Treze Colônias (ver mapa). Quando a Inglaterra decidiu colonizar o Novo Mundo, ela estabeleceu Treze Colônias na costa leste da América do Norte. No entanto essas colônias teriam papéis distintos para a metrópole: as colônias do norte, seriam voltadas para um caráter mais "colonizador" nesse caso, de se estabelecer cidades, de se criar toda uma estrutura para se constituir quase que um "país". Já no sul, as colônias foram voltadas para o caráter "exploratório" nesse caso não se havia uma preocupação em se construir cidades, em se formar um ambiente urbanizado; mas sim de formar várias fazendas, de se produzir em grande escala para a exportação. Sendo assim os ingleses desenvolveram o sistema chamado de plantation (grande latifúndio, monocultor, escravista e exportador). Algo amplamente difundido no Brasil.

Mapa das Treze Colônias britânicas na América do Norte.
Como fora apontado, a escravidão era a principal mão de obra no sistema de plantation. No entanto, os estados do norte também contavam com o emprego de escravos, mas só que em escala menor, enquanto o sul era voltado para a exportação e grande produção, o norte ficava com a produção interna e de subsistência e posteriormente com a produção de manufaturas. Nesse ponto pode se ver uma grande diferença nos processo de colonização de ambas as regiões. Mas a frente tais fatores iriam se acentuar.

Em 4 de julho de 1776 se deu a Independência dos Estados Unidos, de inicio o processo de independência contou com um maior apoio dos estados do norte, já que os do sul temiam um boicote da Inglaterra aos seus produtos, em caso de estes lutassem pela sua emancipação da metrópole  De qualquer forma por fim todos os estados foram a favor, e se deu a independência. (Diferente do que ocorreu no Brasil, não houve entre o povo brasileiro um consenso de nação ou um sentimento de nacionalidade unificado. Somente poucos estados brasileiros é que apoiaram D. Pedro I na independência).

Após a independência americana, os ingleses ainda tentaram retomar a antiga colônia, e vários conflitos ainda ocorreriam nos anos seguintes, estendo uma guerra que só se encerraria em 1783. Entretanto, após a poeira se abaixar, e os anos se passarem, notou-se um distinta diferença entre os estados do norte perante os estados do sul. Enquanto o norte, era mais rico, mais desenvolvido e populoso, o sul ainda mantia quase que seu sistema da época colonial. 

No entanto uma questão poria o norte contra o sul. Desde a proclamação da independência e o término das guerras de independência, gradativamente os Estados Unidos fora crescendo pelo território da América do Norte. A chamada expansão para Oeste, e foi nesse fato que começou a se agitar os conflitos entre norte e sul. Tanto os estados do norte como os do sul procuravam expandir seus domínios para as terras centrais no Oeste. Porém, cada um tinha uma forma de se estabelecer seu domínio, enquanto o norte procurava estabelecer assentamentos para futuras cidades, construir estradas de terra e de ferro para o transporte, o sul procurava expandir suas fazendas e pastos, levando o sistema escravocrata consigo.

"O Sul queria aumentar seu império do algodão e da escravidão e o Norte a expansão das chamadas terras livres". (KARNAL, 2007, p. 129).

"O Norte, mais avançado em termos industriais, tinha uma classe média nascente e uma indústria de importância crescente. O Sul, embora apresentando características fundamentalmente agrícolas, baseava-se no sistema de plantation e escravidão, muito bem inserido no sistema capitalista; o escravo era visto como mercadoria". (KARNAL, 2007, p. 129).

Nesse período o México fora o principal oponente do expansionismo estadunidense. Estados hoje que são americanos como o Texas, Califórnia e o Novo México, pertenciam até meados do século XIX ao território do México. E fora através de vários conflitos e acordos que os Estados Unidos conseguiram assimilá-los. Um fato curioso marca isso, no México sua constituição já havia abolido a escravidão, porém o país passou alguns anos sob a mão da ditadura, sendo assim por um lado os mexicanos procuravam os estados americanos para fugir do julgo da ditadura de seu país e buscar o sonho de prosperidade, mas por outro, os escravos americanos procuravam fugir para o México, para fugirem da escravidão. Assim, os estados do norte apoiavam a vinda daqueles que procuravam sua ajuda, e o sul combatia para que os escravos não fugissem. Além desse fato havia a constante briga pela posse das terras. Constantemente, empresários disputavam a posse das terras recém conquistadas contra os fazendeiros, isso levou tal conflito para o meio político.

No mapa acima estão representados os estados da União (Azul) e dos Confederados (Vermelho). Os estados em azul claro são os estados escravistas que se uniriam a União durante a guerra.
No campo político, surgiu duas facções: aqueles que apoiavam o fim da escravidão, e visavam o desenvolvimento industrial para o país, os quais ficaram conhecidos pelo lema "imperialismo do solo livre", e no outro lado havia aqueles que defendiam a expansão do sistema escravocrata, o chamado "imperialismo do algodão". Mediante a tais fatos, os sulistas formaram seu próprio partido político o qual iria brigar pela emancipação dos estados sulistas da República dos Estados Unidos da América. Tal partido fora chamado de Estados Confederados da América, ou simplesmente A Confederação, ou também Confederação dos estados do sul. Formada pelos onze estados do sul, a confederação tinha como meta expandir seus domínios pelas novas terras conquistadas pelos Estados Unidos, além de se buscar a independência. Quanto ao Norte, estes formaram a chamada União.


Bandeira dos Estados Confederados da América.

"A conclusão, atingida depois de muita incerteza, leva à afirmação de que a Guerra Civil americana foi a última ofensiva revolucionária por parte daquilo a que podemos legitimamente chamar a democracia capitalista ou burguesa. A escravatura nas plantações do Sul, deve dizer-se, não constituiu um grilhão econômico para o capitalismo industrial. Quando muito, seria o contrário; ela ajudou a promover o desenvolvimento industrial americano nas suas fases iniciais. Mas a escravatura constituiu um obstáculo para a democracia politica e social". (MOORE Jr, 1983, p. 124).



A Confederação e a União foram criadas em 1861 no mesmo ano que eclode oficialmente a guerra. No entanto, no ano anterior, nas eleições de 1860 para presidente da república, forjou outro grande dilema para esta situação. O Partido Democrata tinha como indicação ao cargo de presidente, Stephen Douglas, já o Partido Republicano, lançava a candidatura  de Abraham Lincoln (1809-1865). Lincoln nascera no estado de Kentucky nas terras do Oeste, era filho de uma família pobre, seu pai era um lenhador analfabeto e sua mãe era uma dona de casa letrada, e isso contribuiu para a educação do filho, o qual se mostrou um leitor ávido. Lincoln serviu por algum tempo o exército e fora comerciante, em 1834 entrou para política, tornando-se membro da Câmara dos Representantes do Estado de Illinois, posteriormente em 1836 formou-se em direito e recebera o certificado de advogado.

Lincoln era a favor da política do "solo livre", do trabalho livre e da abolição, ele acabou vencendo as eleições. E para desgosto dos democratas, surgiu a hipótese de fraude eleitoral. Mas, de qualquer forma Lincoln assumiu o poder, e começou seu mandato no ano seguinte. Como este apoiava a abolição, os confederados viram o novo presidente como seu inimigo, já que ele apoiava a União.

"A maior parte dos sulistas ficou irritada com a eleição de Lincoln, visto por eles como um verdadeiro abolicionista. Já alguns nortistas o viam como conservador, na medida que não defendia abertamente uma luta para terminar com o regime escravista, embora o condenasse como um grande erro da humanidade". (KARNAL, 2007, p. 130).

"A ideia de separação do Sul ganhava corações e mentes das elites sulistas. Entretanto, como havia dito, Lincoln não aceitaria a secessão e a atacaria com força os estados adeptos da ideia. Sua eleição, portanto, foi o estopim necessário para o inicio formal das hostilidades entre as duas regiões". (KARNAL, 2007, p. 132).

Se no Norte, Lincoln era o principal líder da União, no Sul, os confederados elegeram Jefferson Davis (1808-1889), como o presidente dos Estados Confederados da América. Davis era membro de uma família aristocrática, o qual era um árduo defensor da escravidão permanecer como estava. O grande problema de se abolir a escravidão para os estados sulistas, era o fato que o escravo era visto como uma mercadoria, um investimento, se a abolição fosse promulgada, muitos fazendeiros iriam rapidamente a falência por perderam não somente suas "mercadorias" mas perder sua mão de obra. Por outro lado deve também se ressalvar que o número de escravos numa sociedade como esta era um indicador social de riqueza. Quanto mais escravos um senhor tivesse, mais rico ele seria. (Tal fato também pôde ser visto na história do Brasil). Assim, era inconcebível para estes homens aceitarem o fim da escravidão. Devo ressalvar aqui, que a grande questão que dava polêmica a este fato, não era o fator social, ou a questão de direitos humanos e políticos, mas, sim o fator econômico.

Já que a "casa" estava realmente dividida e a guerra já havia eclodido, Lincoln tratou de fazer algo para por fim a este conflito. Em 1861 ele aprovou a primeira Lei do Confisco, na qual toda e qualquer propriedade utilizada a favor dos confederados seria confiscada pela União.

"Essa lei impulsionou as fugas coletivas de escravos das fazendas, pois sabiam que, em mãos dos nortistas, poderiam alcançar a liberdade". (KARNAL, 2007, p. 133).

No ano seguinte, fora aprovada a segunda Lei do Confisco, no qual de fato punha em andamento o processo abolicionista. Todo escravo capturado pelas tropas nortistas ou que houvesse fugido para os estados da União seria imediatamente alforriado. Isso gerou um duro golpe para os confederados. Desde que a guerra se iniciara, o Norte possuía uma população maior e consequentemente um contingente militar e um poderio bélico superior ao do Sul, mesmo assim o Sul não se rendeu facilmente. E agora com a fuga dos escravos fora dado um duro golpe no abastecimento dos estados sulistas, e para piorar sua situação, entre 1861 e 1862, Lincoln proibiu a entrada de produtos nos estados sulistas, desde alimento a gêneros de primeira necessidade, enfraquecendo as tropas confederadas. Ironicamente, alguns senhores de escravo chegaram a cogitar a possibilidade de chamar seus escravos para a guerra. Mas é claro que isso fora um tremendo erro.

"Á medida que a guerra se prolongou pelos anos de 1862 e 1863, foram-se apagando as primeiras paixões e entusiamos e a América experimentou todas a fases de fadiga e desgosto pela luta. A conscrição e recrutamento substituíram o voluntariado e mudaram o espírito de luta, tanto no sul quanto no norte. A guerra transformou-se em uma prolongada e aflitiva luta fratricida". (WELLS, 1966, p. 86).

Por mais que as tropas da União estivessem em maior contingente e bem mais armados, o sul contava com a experiência de bons generais, o que fora essencial para o prolongamento do conflito. Não obstante, antes do inicio da Guerra Civil, o país não possuía um exército bem treinado e disciplinado, havia cerca de 75 mil homens nas forças armadas, número que chegou a atingir 1 milhão de convocados até o fim do conflito. Estima-se que cerca de 500 mil soldados morreram na guerra e pelo menos 100 mil civis. Fato este levou já em 1863, em haver uma rejeição das famílias e do povo de enviar seus maridos e filhos para o confronto, o qual em alguns locais, o alistamento se tornou obrigatório, chegando ao fato de homens serem capturados em casa e levados para os quartéis. Em novembro de 1863 se deu a Batalha de Gettysburg, a mais sangrenta batalha do conflito, com a vitória da União, praticamente a guerra estava acabada.



Retratação da Batalha de Gettysburg em 1863.

Com a vitória do Norte, o presidente Abraham Lincoln proferiu o famoso Discurso de Gettysburg,
defendendo os ideais de democracia e de liberdade. Quanto ao Sul, este estava em colapso, as tropas estavam arrasadas, sem mantimentos, desmotivadas e desmoralizadas, a exportação de tabaco e algodão sofrera um duro golpe devido a guerra. Muitos fazendeiros entraram na falência, além destes, muitos comerciantes também tiveram prejuízo devido a escassez de produtos, e a imposição para que não subissem os preços das mercadorias. Somando isso a falta de controle do governo em manter a ordem, pouco a pouco a estrutura da Confederação fora ruindo. As tropas que ainda haviam, ou eram derrotadas ou se rendiam. Um a um os generais confederados se rendiam.

Em 1865, Abraham Lincoln fora reeleito, no entanto ele não teria tempo para reorganizar o país após o fim da guerra. Em 14 de abril de 1865, enquanto assistia uma peça de teatro no Teatro Ford em Washington D. C, Lincoln fora alvejado com um tiro na cabeça, disparado por um dito espião sulista, conhecido como Booth, o qual conseguira fugir do teatro e posteriormente sumir da história. (Booth teria utilizado um outro homem como bode expiatório, para assim poder fugir da lei, já que o mesmo homem fora morto e dado como se tivesse sido ele). Mesmo com a morte de Lincoln, não houvera grande alarde para se continuar com a guerra, oficialmente os Estados Confederados da América havia acabado, por mas que um ou outro partidário se negasse a aceitar tal fato, a ameaça de que a guerra poderia voltar a eclodir permanecera ainda por alguns anos, já que tanto Jefferson Davis e outros importantes nomes ainda estavam vivos.

"Essa foi a guerra mais letal e mais custosa da história dos Estados Unidos. Para uma comparação breve: morreram mais de 600 mil norte-americanos na Guerra Civil; já na famosa Guerra do Vietnã, o número de baixas oficiais foi de 58 mil mortos. O conflito também serviu para criar o mito de Lincoln como grande estadista defensor da liberdade, forjar certo sentimento de identidade nacional baseada na superioridade do "mundo" do Norte, abrir caminho para o surgimento de determinadas leis comuns e definir a trilha histórica de um país unificado a partir das armas". (KARNAL, 2007, p. 136).

Com a consolidação dos territórios americanos, e o fim da crise com a guerra. Nos anos seguintes o Estados Unidos daria um grande salto no desenvolvimento tecnológico e industrial, a ponto de levá-lo a expandir sua influência até a costa Oeste, onde no final da guerra, as ferrovias cruzavam mais da metade do continente, e já na década de 1870, o Oeste havia sido alcançado. Posteriormente os Estados Unidos expenderiam nos fins do século seus interesses e influência pelo restante das Américas e do mundo; os americanos já realizavam contanto e comércio com o Japão, China, Filipinas e Rússia.
De fato alguns historiadores apontam que após o fim da guerra, dera-se inicio ao "imperialismo americano" e ao capitalismo moderno (modern capitalism), tornando o país no limiar do século XX, a primeira potência mundial econômica.

"Menos de 50 anos foram suficientes para que alcançassem e ultrapassassem as principais nações industriais da velha Europa". (TEIXEIRA, 1999, p. 168).


NOTA: Abraham Lincoln, quando fora eleito presidente, este se elegera sob pesadas criticas tanto dos partidos rivais até mesmo dos partidos aliados. Mas após sua morte, e tendo posto fim a Guerra de Secessão, fora glorificado como um grande presidente. De fato isso contribuiu para ele fazer parte do Monte Rushmore, ao lado de George Washignton, Thomas Jefferson e Theodore Roosevelt.
NOTA 2: Lincoln fora o primeiro presidente do partido republicano a ser eleito e a conseguir uma releição.
NOTA 3: Houveram outros partidos de caráter republicano, não se deve confundir.
NOTA 4: Parte da história das batalhas da Guerra de Secessão são retratadas nos jogos de videogame Civil War: Secret Missions e Civil War: A Nation Divided, ambos produzidos com a supervisão do History Channel.
NOTA 5: Se alguém estiver interessado em ler o Discurso de Gettysburg, este se encontra disponível no arquivo deste blog.
NOTA 6: Em 1865 fora definitivamente promulgada na Constituição Americana com a sua Décima Terceira Emenda, o fim da escravidão em todo território nacional dos Estados Unidos da América.
NOTA 7: Os estados que formaram a Confederação foram: Carolina do Sul, Carolina do Norte, Alabama, Mississipi, Kansas, Texas, Flórida, Geórgia, Lousiana, Virginia e Tenessi.

NOTA 8: No filme Lincoln (2012) dirigido por Steven Spielberg, o filme foca o ano de 1865, tendo foco no debate político da abolição da escravatura.

Referência Bibliográfica:
KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos, São Paulo, Contexto, 2007.
WELLS, H. G. História Universal - volume 4. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1966. (Capitulo XXXVII, pp. 80-87).
TEIXEIRA, Aloísio. Estados Unidos: A “curta marcha” para a hegemonia. In: FIORI, J.L. (Org.). Estados e moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis: Vozes, 1999.
MOORE Jr. Barrington. “A Guerra civil americana: a última revolução capitalista”. In: As origens sociais da ditadura e da democracia: senhores e camponeses na construção do mundo moderno. São Paulo: Martins Fontes, 1983.

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sábado, 10 de abril de 2010

Io, Leonardo

"Entre ser chamado de louco, tolo e gênio, 
Leonardo da Vinci ainda é 
uma pessoa que fascina as gerações. 
Dono de um talento admirável e singular,
 de uma mente inquieta e curiosa".
Leandro Vilar 

Leonardo da Vinci considerado um dos maiores gênios da História, a encarnação do "homem renascentista" que se livrou das trevas da Idade Média e despertou para a luz do Renascimento Cultural Europeu. Nesse artigo irei esboçar alguns aspectos da sua vida e de seu trabalho. Num primeiro momento apresentarei de forma geral sua vida e trajetória como artista. Num segundo momento explorarei sua carreira como engenheiro, mecânico e inventor. Numa terceira parte retomaremos para novos comentários sobre seu papel como artista e a influência de seu estilo. Por fim, encerrarei com algumas curiosidades sobre este gênio. 

Nascimento e infância: 


Leonardo di ser Piero da Vinci nasceu em 15 de abril de 1452, no vilarejo de Anchiano, na comuna de Vinci, subordinada ao governo de Florença. Leonardo nasceu no penúltimo ano da Idade Média (oficialmente tal período terminou em maio de 1453), numa época que a Europa vivenciava mudanças culturais, políticas, sociais, ideológicas, etc. Por esta época na Itália, a qual estava dividida em cidades-estados e um reino (o Reino e Nápoles), o Renascimento já havia se iniciado, se encontrava em sua Segunda Fase (as fases da Renascença são divididas em: Trecentos, Quattrocentos e Cincocentos). O contexto histórico no qual Leonardo nasceu e viveu foi de suma importância para que suas ideias prosperassem, pois tudo era convidativo para tal. Florença, Mântua, Milão, Veneza, Roma, Gênova, Urbino, Nápoles, etc., eram cidades prósperas, e importantes centros econômicos, políticos e culturais. 

Autorretrato de Leonardo. Entre 1512 e 1515. 
Leonardo era filho bastardo do tabelião Piero Fruosino di Antonio da Vinci (?-1504), o qual pertencia a uma família de condições razoáveis e seguras. Piero casou-se pelo menos quatro vezes e tivera vários filhos. Era filho de Antonio da Vinci. Entretanto, Piero acabou tendo um caso extraconjugal com uma serviçal chamada Caterina de Anchiano (?-1495?). Piero decidiu reconhecer o menino e o levou para morar consigo. Caterina acabou posteriormente se casando com um lavrador chamado Achattabriga di Piero Del Vacca

Leonardo passou a ser criado pela família paterna, vivendo na presença de seus avós paternos e de sua madrasta Albiera Amadori. A casa dos Vinci ficava numa zona rural, algo que marcou a curiosidade do pequeno Leonardo, o qual se encantava com a paisagem toscana. 

Em 1468, seu avô Antonio faleceu, e seu pai Piero já havia casado novamente, agora com Francesca di Giuliano Lanfredini. Muitos aspectos da vida de Leonardo são desconhecidos, o biógrafo mais antigo, Giorgio Vasari  (1511-1574) pouco fala da infância em Vinci. Além disso, se desconhece o nome dos irmãos e irmãs de Leonardo, e sua relação com sua mãe e outros parentes. Vasari dissera que fora na infância que Leonardo começou mostrar criatividade, interesse para pintar e por estudar. 

"Segundo Giorgio Vasari, em suas famosas Vidas de Artistas, Da Vinci pôde-se dedicar-se sem problema algum a aplicar sua excepcional virtú, quer dizer, sua capacidade intelectiva e experiente, nos mais diversos campos, mas, sobretudo, na música e nas artes figurativas. Aprendeu com interesse e facilidade, como consequência de sua insaciável curiosidade, e essa inquietude manteve-se viva ao longo de toda a sua vida". (COLEÇÃO GÊNIOS DA ARTE, 2007, p. 7).

Na adolescência, Leonardo pretendia se tornar pintor profissional, no entanto seu pai era contra a ideia, ele queria que o filho estudasse direito ou engenharia ou procurasse uma "profissão digna de um homem". Embora fosse uma época artística, nem todo mundo via com bons olhares a profissão de artista, pois os artistas eram vistos por alguns, como homens "preguiçosos", sonhadores, boêmios, etc. 

Mesmo assim, Leonardo manteve a palavra que queria seguir a carreira de pintor, e a contra-gosto de seu pai, este com a ajuda de alguns conhecidos, enviou o filho para estudar no estúdio de arte de Andrea del Verrocchio (1435-1488), considerado um grande artista na época. Verrocchio era tão respeitado que os próprios Médici lhe encomendavam trabalhos artísticos (os Médici eram uma rica e poderosa família de banqueiros que governou por muitos anos Florença).

"Verrocchio tinha em Florença um ateliê muito conhecido, que executava obras de todo tipo: esculturas de mármore ou bronze, ourivesaria e pintura. Seu método de ensino não se prendia à aplicação de normas estritas, mas sim à permanência da solução de cada problema na iniciativa e criatividade dos artistas-alunos, atitude que influenciou no desenvolvimento da sensibilidade de Da Vinci". (COLEÇÃO GÊNIOS DA ARTE, 2007, p. 20). 

O ateliê de Verrocchio e a vida em Florença (1469-1482):

Na época que Leonardo e seus familiares se mudaram para Florença, essa estava sob o governo de Lourenço de Médici (1449-1492), o qual governou a República Florentina por mais de vinte e cinco anos. Tendo ficado conhecido como Lourenço, o Magnífico. Lourenço foi amado e odiado, mas proporcionou prosperidade a Florença e seus domínios. E tal prosperidade foi herdada principalmente das iniciativas de seu avô, Cosme de Médici, dito o Velho (1389-1464). Cosme era um admirador das artes e das ciências, e se tornou um dos mais notórios mecenas da Itália. Cosme transformou Florença em um dos polos artísticos e culturais da Itália renascentista.



Estátua de Lourenço, o Magnífico. 
Quando Leonardo se mudou para a Florença, alguns notórios e respeitados artistas possuíam ateliês na cidade. Alesso Baldovinetti (1425-1499), os irmãos Antonio (c. 1432-1398) e Piero (1441-1496) del Pollaiuollo, Domenico Ghirlandaio (1449-1494) e o próprio Andrea del Verrocchio, que na época prestava trabalho para os Médici. Além destes mestres, havia também alguns artistas na fase de seus estudos, alguns destes foram companheiros de escola de Leonardo, amigos ou seus concorrentes. Alessandro Filipepi (1455-1510), mais conhecido como Sandro Botticelli, foi um destes estudantes que se tornariam famosos na História. 

Leonardo entrou no ateliê de Verrocchio por volta de 1469, aos dezessete anos um pouco demasiado tarde para se ingressar na carreira de artista como aprendiz. Pois os aprendizes costumavam ingressar na escola por volta dos 12 anos de idade. No entanto, isso não o deixou se desmotivar.

"Leonardo sabia que tinha de correr atrás do tempo perdido. Deu certo: apenas três anos depois, aos 20, ele já era oficialmente reconhecido como mestre pela guilda de pintores de Florença". (GOFFEN, 2009, p. 40).

Em 1472, aos 20 anos, Leonardo já era membro da Companhia de São Lucas, companhia a qual pertencia os artistas florentinos. A primeira pintura importante de Leonardo, conhecida, foi a pintura de um anjo no quadro o Batismo de Cristo (1472-1475) feita por Verrocchio, onde Leonardo pintou um dos anjos do quadro. Neste caso não se tratava de uma obra original sua, apenas de uma contribuição a obra de seu professor, embora isso fosse bastante comum naquele tempo (BATTAGLIA, 2011, p. 13-14).


O Batismo de Cristo (detalhe). Andrea del Verrocchio, 1472-1475. Segundo Vasari, Verrocchio após ver o anjo feito por Leonardo, disse que nunca mais pintaria outra vez, já que o discípulo havia superado o mestre.
Na Renascença foi comum os mestres pedirem que seus alunos ou ajudantes fizessem pinturas em seus quadros, corrigindo falhas, mudando tons, colocando detalhes ou retirando outros; isso também era feito com a escultura. Essa era a forma comum que os professores de artes usavam para ensinar seus pupilos. O próprio Leonardo da Vinci quando tornou-se professor também adotou esse método, como será visto adiante. 

"Nos anos em que esteve na oficina de Verrochio, Leonardo realizou por conta própria algumas obras em que é difícil estabelecer se foram fruto de encomendas ou se nasceram nas salas de Verrocchio e foram pintadas com ampla autonomia pelo discípulo". (BATTAGLIA, 2011, p. 14).

Após essa contribuição, Leonardo nos anos seguintes passou a pintar seus próprios quadros, o que incluiu sua Anunciação (1472-1475) e A Virgem do Cravo (1473-1474)Ele permaneceu até 1476 ou 1478 no estúdio de Verrocchio e aos poucos foi conquistando renome por Florença, entretanto sua carreira ainda não dera a tão esperada guinada que ele queria.  


A Virgem do Cravo. Leonardo da Vinci. 1473-1474. Mônaco, Alte Pinakothek. 
Antes de deixar o ateliê de seu mestre, em 1476, Leonardo e outros três alunos foram acusados de crime de sodomia com um dos modelos do ateliê, chamado Jacopo Saltarelli, o qual era tido como um gigolô. O termo sodomia possui vários sentidos, mas na época era normalmente empregado para se referir a relação sexual entre homens, inclusive os gays eram chamados de sodomitas. A sodomia era condenável com pena de morte ou extrema tortura. As Inquisições por algum tempo chegaram a sentenciar a sodomia como uma heregia terrível. No entanto  devido a falta de provas, Leonardo e os demais estudantes foram inocentados. Esse fato é importante a mencionar, pois hoje existem muitas hipóteses que sugerem que Leonardo realmente fosse gay. Mais adiante voltarei a falar sobre isso. 

Em 1477 ou 1479, Leonardo fundou seu próprio ateliê, e passou a trabalhar em vários projetos artísticos, como ao mesmo tempo também passou a se dedicar a outros interesses como, anatomia, hidráulica, mecânica, arquitetura, engenharia, etc. Nesse período, Leonardo pintou obras como o Retrato de Ginevra Benci (1474-1478), A Madona Benois (1474-1478), uma nova versão da Anunciação (1478-1482), etc. 


Anunciação, Leonardo da Vinci, 1472-1475. Possivelmente seu primeiro quadro atuando sozinho. Nessa pintura Leonardo retratou o momento no qual o anjo Gabriel anunciou à Maria, que ela esperaria o filho de Deus. Anos depois ele pintou outra versão desse quadro.
No ano de 1478, a cidade de Florença foI abalada pela tentativa de assassinato a Lourenço e sua família durante a Missa de Páscoa, celebrada na Catedral de Santa Maria del Fiore. Os Pazzi tramaram assassinar os Médici, a fim de tomarem o poder da cidade. O irmão mais novo de Lourenço, Giuliano de Médici (1453-1478) foi morto na ocasião. Lourenço, sua esposa e filhos sobreviveram, e o mesmo retalhou, perseguindo os Pazzi, alguns foram mortos e outros fugiram. Lourenço tratou de reafirmar sua autoridade sobre a cidade. O incidente de 1478 ficou conhecido como A Conspiração dos Pazzi


Fachada da Catedral de Santa Maria del Fiore, conhecida também como Catedral de Florença. Na missa de Páscoa do ano de 1478, o local foi cenário da sangrenta Conspiração dos Pazzi. 
Na década de 1480, uma das reformas propostas por Lourenço foi investir nas artes, para isso ele criou a Escola do Jardim de São Marcos, onde entre alguns de seus membros estavam Leonardo e Botticelli. Neste período, Leonardo já por conta própria, passou a trabalhar para Lourenço, embora que o seu pai Piero, já por esta época trabalhava para o Estado florentino. No entanto, essa relação trabalhista com Lourenço duraria pouco. Em 1481, fora-lhe encomendado A Adoração dos Magos (1481-1482), um grande quadro com mais de dois metros de comprimento e de altura. Além desse quadro, Leonardo também havia sido incumbido de pintar o altar da Capela de São Bernardo, obra encomendada em 1478, a qual ele também não concluiu, abandonando o projeto, talvez antes de começar A Adoração dos Magos


A Adoração dos Magos. Leonardo da Vinci, 1481-1482, obra não concluída. 
A obra foi encomendada pela Igreja de São Donato de Scopeto, mas Leonardo abandonou o projeto em 1482, devido ao fato que o Duque de Milão, Ludovico Sforza (1452-1508) havia aceitado o pedido de emprego de Da Vinci.

Em 1481, Da Vinci havia enviado uma carta para o duque Ludovico Sforza, também conhecido como o "Mouro", devido a cor da sua pele ser parda (algo que remetia aos mouros, termo genérico para se referir aos habitantes do Marrocos). Nesta carta, Da Vinci apresentava seus interesses e oportunidades de trabalho. Ele escrevera que trabalhava com engenhara militar, engenharia hidráulica, mecânica, arquitetura, urbanismo, era inventor e também um considerável artista. Pelo fato da Itália vivenciar um período instável onde conflitos eram regulares entre os Estados italianos, como também contra a França e alguns Estados espanhóis (o Reino de Espanha ainda não existia nesta época), era comum os senhores procurarem se equipar militarmente. De fato, Leonardo projetou vários tipos de armas, e recebera contratos para fazer isso. 

Sendo assim, Leonardo se mudou para Milão em 1482, onde viveria pelos próximos 17 anos. Foi em Milão que ele pôde aperfeiçoar seu estilo artístico, desenvolver projetos ainda iniciados em Florença, como também conceber novos projetos. Ao mesmo tempo com o patrocínio do duque pôde estender seus campos de estudo. Leonardo passou a estudar hidrologia, geologia, aerologia, urbanismo, perspectiva, estética, etc. 

A vida em Milão sob a proteção dos Sforza (1482-1499):

Ludovico Sforza
Milão era um dos Estados mais influentes da Itália renascentista, era uma ligação entre as cidades-Estados italianas e o Reino de França, embora que os milaneses também possuíssem contato com outras nações, e uma rixa com outros Estados italianos, principalmente contra Veneza. Além disso, o ducado era importante economicamente, concentrando várias lojas e guildas, como a produção de outros produtos. Nesta época, o ducado era governado pela Família Sforza desde 1450, quando Leonardo chegou no final do ano de 1482, o ducado era governado por Ludovico Sforza, filho de Francesco Sforza (1401-1466), o qual havia colocado a família em poder do ducado. Esse fato é importante a ser dito, pois uma das tarefas que Ludovico incumbira Leonardo foi projetar uma estátua para homenagear Francesco. 

"O período da primeira estada de Da Vinci em Milão (1482-1499) foi o de mais intensa atividade em toda a sua vida, aquele que fez famoso seu nome e sua personalidade em toda a Itália e o mais frutífero, tanto pelo número quanto pela qualidade de obras iniciadas, terminadas ou simplesmente deixadas em estágio de esboço ou idéia". (COLEÇÃO GÊNIOS DA ARTE, 2007, p. 38). 

Por estes anos, Ludovico incumbiu Leonardo de pintar quadros, retratos, projetar a reforma de cômodos do seu palácio, como até mesmo cuidar da decoração. Um fato curioso é que em uma das festas feitas no palácio do duque, Leonardo na ocasião desenhou as fantasias. Além disso, ele projetou canais, rodas d'água, pontes, armas, etc., embora que nem tudo chegou a ser feito. Um dos maiores problemas que Leonardo enfrentou foi concretizar a estátua em homenagem ao Francesco Sforza. O projeto que ele propôs era de se fazer uma enorme estátua equestre em bronze.  


Esboço para o projeto da Estátua de Francesco Sforza. Leonardo da Vinci, c. 1488. 
Leonardo passou um bom tempo projetando e estudando as formas de cavalos, para poder fazer uma estátua belíssima, o problema é que a estátua que teria mais de sete metros de comprimento, foi um desafio na época para ser forjada pelos ferreiros, Leonardo chegou a pensar em criar novos métodos de fundição, apenas para forjar sua estátua. Somando-se a isso havia o fato de que Leonardo nunca foi um homem bom com compromissos e prazos, costumava atrasar as entregas, e em alguns casos nem entregava o serviço. 

Por fim, havia também a questão de que seu pensamento febril, o levava a fazer várias coisas ao mesmo tempo, sua inquietude natural, por sempre está estudando, pintando, desenhando, projetando, inventado, se tornava um obstáculo para seus projetos. A estátua nunca chegou a ficar pronta propriamente ao longo destes 17 anos. 


Dama com Arminho, Leonardo da Vinci, 1485-1490. Acredita-se que a mulher em questão foi Cecília Gallerani, uma das amantes de Ludovico Sforza. 
Em 1494, devido a invasão do rei francês Carlos VII, Ludovico ordenou que o bronze que seria usado para fazer a estátua, fosse aplicado na confecção de canhões para defender a cidade. Posteriormente, foi criado um modelo em argila, para finalmente começar a ser preparado o corpo em bronze mais em 1499, neste ano os franceses voltaram a atacar Milão, agora liderados pelo rei Luís XII (1462-1515) e seu aliado o Duque de ValentinoisCésar Bórgia (1475-1507), o qual era filho do Papa Alexandre VI (seu nome era Rodrigo Bórgia). 

Mas antes que Leonardo tivesse que deixar Milão em 1499, sua estada foi em grande parte em paz e bastante produtiva, embora houvessem reclamações pelos seus atrasos e falta de compromisso em terminar suas obras. Alguns fatos que marcaram a vida e a carreira de Da Vinci, se encontram o fato de que possivelmente sua mãe Catarina tenha vivido alguns anos com ele em Milão. Sabe-se que em 1495, o mesmo listou gastos com o funeral de uma mulher chamada Catarina. 

Além disso, nestes anos Leonardo pintou a Virgem dos Rochedos ou Virgem das Rochas (1483-1486), neste caso a sua primeira versão, que atualmente se encontra no Museu do Louvre. O quadro foi encomendado pela Confraria da Imaculada Conceição da capela de São Francisco, o Grande. Anos depois em 1495, Leonardo retornaria ao tema e começou a pintar uma outra versão, mas esta levou vários anos para ficar pronta. Atualmente a segunda versão se encontra no Museu de LondresOutra obra importante desta época foi sua representação do cenáculo, o afresco A Última Ceia (1495-1497). Sobre tais obras voltarei a comentar adiante.

"Realizada depois da Virgem das Rochas, trata-se da obra mais sofrida e mais importante terminada por Da Vinci. A imensa pintura ocupa a parede norte do refeitório da igreja dominicana de Santa Maria delle Grazie, escolhida pelo duque Ludovico como a capela e mausoléu da família, e cuja tribuna e presbitério tinha feito renovar por Bramante, em 1492". (COLEÇÃO GRANDES GÊNIOS DA ARTE, 2007, p. 49).


Igreja de Santa Maria delle Grazia, Milão. No refeitório se encontra o afresco da Última Ceia, pintado por Leonardo da Vinci. 
Da Vinci demorou bastante tempo para pintar a obra, assim como tantas outras que fizera. Os próprios frades dominicanos chegaram a se queixar ao duque devido a falta de compromisso do artista com os prazos e seus deveres. Sobre tal fato, o escritor italiano Matteo Bandello (1485-1561) em seu livro Novelas, escreveu o seguinte sobre Da Vinci:

"Costumava (Da Vinci) várias vezes, e muitas dessas vezes eu mesmo cheguei a vê-lo, subir o andaime de manhã cedo, porque o cenáculo está um pouco elevado do piso; fazia isso (digo) desde o amanhecer até que anoitecia, não tirava nunca o pincel da mão, mesmo que se esquecesse de comer e beber e continuamente pintava. E depois passariam dois, três e mesmo quatro dias que não trabalharia na obra, apesar disso permanecia ali uma ou duas horas por dia apenas para contemplá-la, considerando, examinando e julgando suas figuras". (GRANDES GÊNIOS DA ARTE, 2007, p. 92 apud BANDELLO, 1497). 

Finalmente os franceses atacaram Milão em 1499, o duque acabou abandonando a cidade. A estátua do cavalo que estava incompleta foi destruída, servira de alvo para os franceses descarregarem suas armas. Leonardo temendo por sua segurança, deixou Milão em companhia de um de seus discípulo Salai (possível amante) e de seu amigo, o matemático Luca Pacioli (1445-1517), os três se mudaram para Mântua

Breve estadia em Mântua e Veneza (1499-1500):

Em Mântua os três conseguiram refúgio concedido pela marquesa Isabela d'Este, esposa de Gian Francesco Gonzaga. Isabela era irmã de Beatriz d'Este, a qual por sua vez era esposa de Ludovico Sforza. Isabela conhecia Leonardo das visitas a Milão e o próprio chegou a pintar um retrato dela, a mesma era uma admiradora do artista. A estadia em Mântua foi breve e de lá, Leonardo e Salai seguiram para Veneza. Leonardo tinha em mente prestar serviços como engenheiro militar a fim de fortificar as defesas da cidade, pois os venezianos temiam que os franceses e César Bórgia os atacassem. 

Entretanto, tais planos de se tornar engenheiro militar não deu certo. Leonardo passou poucas semanas em Veneza, tendo se hospedado na casa de um familiar da marquesa d'Este. Vendo que não encontrava oportunidades de emprego, o mesmo decidiu partir para Florença. Além disso, a documentação da estadia de Leonardo em Veneza é muito escassa, não se sabe exatamente o que ele fez na cidade, e se iniciou algum projeto neste breve período que ali ficou.

Retorno a Florença (1500-1506):

"O ambiente que encontrou Da Vinci em seu regresso à capital da Toscana, havia sofrido uma grande mudança. Morto Lorenzo, o Magnífico, em 1492, sucedeu-lhe seu filho, Piero, que foi expulso pelos florentinos em dois anos de governo, e entrou em cena Savonarola, com a intenção de tornar a cidade uma democracia de inspiração religiosa". (COLEÇÃO GÊNIOS DA ARTE, 2007, p. 62).


Girolamo Savonarola
Girolamo Savonarola (1452-1498) entre os anos de 1494 e 1498, governou Florença. Aproveitando a fragilidade do governo florentino após a expulsão de Piero de Médici, Savonarola por volta de 1490 começou a discursar publicamente que o Apocalipse estava próximo, sua oratória arrebatou admiradores mais fervorosos, e então ele começou a pregar a necessidade de reforma religiosa, alegando que Florença estava corrompida por pecados e vícios. O mesmo condenava a usura dos banqueiros florentinos, a ostentação, a "imoralidade" nas artes, criticava o pontificado de Alexandre VI, alegando ser um governo corrupto, hipócrita e imundo; criticava a falta de humildade e sensatez entre os clérigos, onde alguns viviam em luxo e tinham até amantes ou frequentavam prostíbulos. Durante seu breve domínio, Savonarola ordenou que livros e pinturas fossem queimados. Em 1498, ele passou a dizer que era um emissário de Deus para anunciar o Apocalipse. Seus métodos severos e conservadores, levaram o papa e outras autoridades agirem para que isso não se espalhasse pela Itália. Savonarola foi preso, torturado, enforcado e depois seus corpo foi queimado. 

Quando Leonardo retornou, essa agitação havia passado, mas os tempos ainda eram conturbados. O exército francês de Luís XII ocupava parte do norte da península itálica, embora que o rei almejasse o Reino de Nápoles, no sul da península. Além disso, a cidade de Pisa que estava sob o domínio florentino se rebelou; César Bórgia confrontava a duquesa Catarina Sforza (1462-1509), senhora de Ímola e Forlí. A qual era prima de Ludovico. Com a prisão de Catarina, César passou a concentrar seus interesses em outras cidades, pois sua ambição era expandir os Estados Papais (territórios governados pelo papa). E meio a estas ameaças de guerra, o célebre Nicolau Maquiavel (1469-1527) atuava como embaixador e diplomata, tentando proteger os interesses de Florença, embora que chegou a se corresponder e trabalhar com César Bórgia. 

Em 1501, Leonardo concluiu seu quadro Virgem do Fuso (1501), obra essa que só existem cópias atualmente, pois o original se perdeu. Foi uma das primeiras obras que concluiu ao retornar à Florença. 


A Virgem do Fuso. Leonardo da Vinci, 1501. 
Neste mesmo ano, um jovem artista de carreira promissora, com seus 25 anos, chegava a cidade. Seu nome era Michelangelo Buonarroti (1475-1564). Michelangelo já conhecia a fama de Leonardo, mas isso não se tornou admiração, mas sim rivalidade. Leonardo nesta época estava com 49 anos, já na metade da vida, e Michelangelo ainda não havia chegado aos 30. Eram quase 25 anos de diferença entre os dois. A rivalidade entre estes dois renomados artistas se tornou famosa na História. Mais a frente voltarei a falar disso. Não obstante, em 1504, outro importante artista se mudou para Florença, seu nome era Rafael Sanzio (1483-1520). Diferente de Michelangelo, Rafael tornou-se admirador de Leonardo. 

No ano de 1502, a estada de Leonardo em Florença foi interrompida. O duque César Bórgia ficou sabendo da capacidade e renome do artista e o contratou para lhe prestar serviço como arquiteto e engenheiro geral. Leonardo trabalhou quase um ano para César, e neste tempo viajou ao seu serviço pelas cidades de Ímola, Cesena, Rimini, Urbino, Pesaro e Piombino. Todos foram territórios que César conquistou em suas campanhas militares. Nesta mesma época, Maquiavel também auxiliava e se correspondia com o duque. 
Retrato de César Bórgia, Duque de Valentinois, filho do papa Alexandre VI. 
Em 1503, Leonardo se encontrava nos arredores de Pisa onde havia sido incumbido de projetar um canal que ligasse o rio Arno a cidade de Florença. Para isso, Leonardo chegou a se corresponder com Maquiavel. Não se sabe se os dois chegaram a se conhecer, mas sabe-se que trocaram cartas. Da Vinci realizou entre junho e julho daquele ano, um levantamento topográfico e geológico, para determinar as proporções e o caminho do futuro canal, que possibilitaria navios de pequeno porte passar. Porém, o projeto sairia muito caro, e Maquiavel preferiu cancelá-lo. Em agosto daquele ano o papa Alexandre VI faleceu. César retornou para Roma para sepultar seu pai e decidir o que seria de seu futuro, já que com a morte de seu pai, ele perdia o apoio dos exércitos papais e a influência papal. 

Leonardo de volta a Florença, recebeu uma importante encomenda, a qual lhe poria em confronto com seu rival, Michelangelo. Em abril de 1503, ainda antes de encerrar seus serviços com César Bórgia, o gonfaloneiro Pier Soderini encomendou a Da Vinci que fizesse uma pintura que retratasse a Batalha de Anghiari (1440). O local escolhido foi o Salão do Grande Conselho do Palácio de la Signoria, prédio central do governo florentino. 


Cópia do esboço da Batalha de Anghiari, feito por Peter Paul Rubens em 1603, a partir do original de Leonardo. Leonardo nunca chegou a terminar o afresco. 
A Batalha de Anghiari foi vencida em 29 de junho de 1440 pelos florentinos e pontifícios (habitantes dos Estados papais), liderados por Giampaolo Orsini, contra os milaneses de Filippo Maria Visconti. A batalha se tornou um marco na história da cidade, e para isso o gonfaloneiro decidiu homenagear esse acontecimento, solicitando Leonardo a pintar um afresco em uma das paredes do salão. O problema veio no ano seguinte, quando Soderini incumbiu Michelangelo de pintar um afresco sobre a Batalha de Cascina, vencida em 30 de julho de 1364, onde dessa vez, os florentinos confrontaram e derrotaram os pisanos. A batalha era outro marco histórico. Neste caso, Michelangelo pintaria o afresco também no Salão do Grande Conselho em uma parede oposta a onde Leonardo trabalhava. 

"[Leonardo Da Vinci] foi o primeiro entre seus contemporâneos a articular a moderna concepção de rivalidade". (GOFFEN, 2009, p. 41).


Michelangelo
Relatos mostram que Leonardo e Michelangelo soltavam piadas sobre o trabalho um do outro, falavam com ironia e sarcasmo, houve até casos de discutirem e se xingarem publicamente. Leonardo via Michelangelo como um prepotente, por sua vez Michelangelo dizia que Leonardo estava velho e estava com inveja. Em 1504, o pai de Leonardo faleceu, isso o abalou. Entre 1505 e 1506, Leonardo  tendo terminado parte dos esboços começou a desenhar na parede, já preparando para a futura pintura, mas problemas de infiltração e rachaduras ocasionados por uma forte chuva, levaram ele a desistir de continuar o trabalho. Posteriormente, Michelangelo também abandonaria o trabalho, pois recebeu a proposta do Papa Júlio II para pintar o teto da Capela Sistina. Anteriormente, Michelangelo já havia esculpido a Pietá e Davi. Michelangelo largou a pintura da Batalha de Cascina e se mudou para Roma. Em 1506, Leonardo também deixaria Florença e retornaria para Milão. Ambas as pinturas foram canceladas, hoje ainda se podem encontrar esboços feitos pelos dois artistas (BATTAGLIA, 2011, p. 30). 

Um outro marco a salientar ainda neste período de estada em Florença, foi que Leonardo pintou sua obra mais famosa, embora que na época ele não gostasse muito do quadro. Tal quadro era La Gioconda (1503-1506), mas conhecido como Mona Lisa. O famoso quadro com seu intrigante sorriso foi concebido nesta época que Da Vinci se encontrava novamente em Florença, contudo ele não chegou a concluir o quadro e devido ao atraso, o comerciante Francesco del Giocondo que encomendara o retrato de sua esposa Lisa Gherdani, ameaçou não pagar a Leonardo se este não terminasse o quadro o quanto antes. Leonardo levou o quadro consigo para Milão e nunca o entregou a Giocondo e sua esposa. Mais a frente voltarei a falar da Mona Lisa. 

Retorno a Milão (1506-1513):

"Da Vinci regressou a Milão em junho de 1506, e na capital da Lombardia permaneceu até setembro de 1513, salvo um retorno a Florença, entre setembro de 1507 e setembro de 1508, e outra breve estada, por questões vinculadas à herança paterna, em 1511. Em um desses retornos a sua cidade de origem, foi feita a encomenda do painel para a o altar-mor da Santíssima Annunziata, a Santa Ana, a Madona e o Menino com o Cordeiro, que o mesmo realizou quase seguramente com a colaboração de seus alunos". (COLEÇÃO GÊNIOS DA ARTE, 2007, p. 76). 


Santa Ana, a Madona e o Menino com o Cordeiro. Leonardo da Vinci, 1508-1513.
Ludovico Sforza havia sido novamente derrotado em 1500, e desde então permaneceu até o fim da vida como prisioneiro na França, vindo a falecer em 1508. O Ducado de Milão era governado pelo rei francês Luís XII desde 1499. O rei ficou sabendo do talento e genialidade de Leonardo e lhe ofereceu em 1506 abrigo para o mesmo. Os quase sete anos que Leonardo permaneceu em Milão, o mesmo morou em sua propriedade rural dada por Ludovico anos antes. Nesta propriedade havia um vinhedo, que gerava renda para Da Vinci. O mesmo restabeleceu seu ateliê e acolheu novos discípulos, entre eles o jovem Francesco Melzi (c. 1491-1570), considerado um dos alunos preferidos de Da Vinci e um de seus herdeiros. 

"Entre as várias incumbências que o artista desenvolveu para os invasores franceses, a mais prestigiosa decerto foi a idealização de um sepulcro para o comandante Gian Giacomo Trivulzio, que, depois de ter liderado as tropas francesas no ataque à Milão de Ludovico Sforza em 1499, assumira o governo da cidade". (BATTAGLIA, 2011, p. 32).

Assim como, a estátua equestre de Francesco Sforza nunca foi concluída, o sepulcro do comandante Trivulzio o qual seria feito de mármore e sobre este haveria uma estátua equestre do comandante, também nunca foi concluído. Leonardo não teve muita sorte com cavalos. Os esboços desse túmulo acabaram sendo preservados. 

Todavia, em sua segunda estada na cidade lombarda, Leonardo concluiu o quadro de Santa Ana, a Madona e o Menino com o Cordeiro (1508-1513). Concluiu a segunda versão da Virgem dos Rochedos (1495-1508), o quadro Leda e o Cisne (1505-1506), obra esta que se perdeu o original, mas conservou-se cópias feitas pelos discípulos de Leonardo, dentre estes uma versão de Melzi. Pintou também Baco (1506-1513), obra pouco conhecida, mais bastante semelhante com sua pintura sobre São João Batista. Além dos trabalhos artísticos, Leonardo mesmo com mais de 50 anos de idade, ainda continuou a estudar anatomia, engenharia, a inventar (embora que fosse apenas esboços), estudar hidrologia, geologia, etc. 

Em 1512, o filho de Ludovico, Massimiliano Sforza (1493-1530) conseguiu com a ajuda de mercenários suíços, derrotar as tropas francesas em Milão, assim conseguiu retomar a cidade. Nesse momento conturbado, Leonardo perdera seu patrono e protetor, pois o rei estava em França, e deixara um governador cuidando do ducado. Mas, para a sorte de Da Vinci ele recebera um convite de Roma. 

Estada em Roma (1513-1516):


Papa Leão X
Nesta época os Médici já haviam conseguido recuperar o controle de Florença. Giuliano um dos filhos de Lourenço governava a cidade, e o seu irmão mais velho, Giovanni de Médici foi eleito papa, assumindo como o Leão X. Como os Médici no passado haviam patrocinado brevemente Leonardo, decidiram dar apoio ao velho gênio. Da Vinci seguiu para Roma, junto com Melzi, Salai, Lorenzo e Fanfoia. Melzi e Salai eram alunos de Leonardo, era seu assistente, mas Fanfoia não se sabe ao certo que fazia. Acredita-se que fosse um empregado. Os cinco chegaram em dezembro a Roma, a qual vivenciava novos ares após a morte do papa Alexandre VI e as reformas empreendidas por Júlio II. Por esta época, Michelangelo havia deixado a cidade de Roma, e se encontrava em Florença prestando serviços aos Médici, contudo um dos grandes artistas em Roma, era Rafael, o qual pôde se reencontrar com Leonardo. Nos três anos que viveu na Cidade Eterna, Leonardo e seus amigos e empregados viveram as custas da Santa Sé, ficando hospedados em alguns cômodos do palácio papal.

Algumas das atividades que o papa incumbiu Da Vinci foi de projetar reformas de saneamento para alguns bairros de Roma, como também planejar a reforma do porto de Civitavecchia. Nestes três anos, Leonardo retomou estudos matemáticos, geométricos, astronômicos, hidráulicos e anatômicos, embora que posteriormente o papa solicitou a Leonardo que deixa-se de dessecar cadáveres, pois alguns consideravam heresia aquilo, e corriam boatos que ele praticava feitiçaria. É preciso lembrar que por essa época já havia começado à Caça às Bruxas, e a magia era associada com o mal. 

Leonardo para evitar problemas com a sociedade e a Inquisição Romana, decidiu encerrar seus estudos anatômicos. O mesmo também dedicou-se a escrever e refletir sobre vários temas, estes ligados a natureza, arte e filosofia. No campo da pintura seu último quadro foi o enigmático São João Batista (1513-1516). Depois da Mona Lisa, tal obra possui um dos sorrisos mais enigmáticos já feitos por Leonardo. 


São João Batista, Leonardo da Vinci, 1513-1516. 
Em 1516, o novo rei da França, Francisco I (1494-1547) o qual havia assumido o trono após a morte de Luís XII, estava encantado com as histórias sobre o ilustre Leonardo da Vinci. Segundo Giorgio Vasari, o rei em visita a Milão teria visto o afresco da Última Ceia, tendo ficado deslumbrado com aquela pintura, o mesmo teria perguntado se havia forma de cortar a parede para se levar a pintura. Francisco I enviou uma carta para Leonardo o convidando a se unir a sua corte em Amboise. Leonardo que não estava satisfeito com sua vida em Roma, decidiu aceitar o convite. Francisco o nomeou com o título de "Primeiro pintor, arquiteto e mecânico do Rei". 

Amboise e os últimos anos de vida (1516-1519):

"No inverno de 1516-1517, Da Vinci fora chamado à França por Francisco I, grande admirador seu, que em 1515 havia reconquistado o ducado de Milão depois de ter derrotado Massimiliano Sforza e os suíços em Melegnano". (COLEÇÃO GÊNIOS DA ARTE, 2007, p. 88).


Rei Francisco I da França, último patrono de Leonardo. 
Nesta época a Corte francesa ficava localizada na cidade de Amboise, a qual por várias décadas foi uma importante cidade e local da Corte francesa. Chegando na cidade, foram hospedados no Solar Clos Lucé, também conhecido como Castelo de Cloux, o qual fica próximo ao Palácio de Amboise, residência da Família Real na época. 


Castelo de Cloux, Amboise, França. Última residência de Leonardo da Vinci.
Leonardo chegou de forma modesta em Amboise. Vinha acompanhado de seus fiéis discípulos e amigos, Melzi e Salai, e traziam consigo uma cozinheira de nome Maturina. Na bagagem, além de roupas, livros, objetos pessoais, traziam-se três quadros (Mona Lisa, São João Batista e o quadro de Santa Ana), alguns aparelhos e instrumentos usados nas pesquisas de Leonardo, e vários cadernos de anotações. 

O rei concedeu liberdade para Da Vinci trabalhar sem restringi-lo como havia acontecido em Roma. No entanto, com a idade de 65 anos, a saúde de Leonardo estava debilitada. Leonardo reclamava da sua vista, dores nas costas, nas juntas, principalmente na mão direita, a qual as vezes ficava enrijecida ou tremia um pouco. Isso não foi um grande problema, pois Leonardo era ambidestro. Em 1519, sua saúde debilitou-se ainda mais. Embora tenha conseguido manter uma rotina leve de estudos e pesquisas, suas energias já não lhe possibilitavam passear, explorar a nova paisagem francesa, algo que Leonardo gostava de fazer. 

Em 23 de abril daquele ano, ele ditou seu testamento. Na ocasião Salai se encontrava em Milão, cuidando do vinhedo. Mas de qualquer forma grande parte da herança que Leonardo legava, foi dada a Francesco Melzi. Da Vinci lhe legou os três quadros, cadernos de anotações, instrumentos científicos, lhe legou o vinhedo em Milão, etc. Para Salai ele legou outras propriedades rurais que possuía. Para a cozinheira Maturina, ele deixou um vestido, uma saia e dois ducados. Finalmente legou também 400 "escudos do sol" e um fazenda em Fiésole, para os seus irmãos. Essa parte do testamento é curiosa, pois não sabemos quantos irmãos e irmãs ele tivera e quem foram, mas mesmo assim, Leonardo lhes deixou uma parte da herança. 

Em 2 de maio de 1519, aos 67 anos morria um dos maiores talentos que já houve na História. Leonardo foi sepultado na Capela de Saint-Hubert em Amboise. Onde até hoje se encontram seus restos mortais. 


Túmulo de Leonardo na Capela Saint-Hubert em Amboise, França. 
Francesco Melzi em memória de seu mestre e amigo, escreveu a seguinte nota sobre seu falecimento:

"Partiu da vida em 2 de maio, depois de receber os sacramentos da Igreja, perfeitamente resignado. Possa Deus, todo-poderoso, conceder-lhe sua eterna paz! Alguns lamentam a perda de um homem semelhante ao qual a natureza não pode gerar uma segunda vez". (COLEÇÃO GÊNIOS DA ARTE, 2007, p. 88). 

Ciência e inventos:

"Tão dotado para a investigação científica quanto para as artes, tão apaixonado pela pesquisa intelectual quanto observador (muito á frente do seu tempo) dos fenômenos naturais, demonstrou a dimensão enciclopédica de sua curiosidade (anatomia, geologia e paisagem, estudos de animais e vegetais, mecânica, hidráulica, arquitetura e fortificações, matemática, perspectiva, óptica, etc.) em seus numerosos cadernos (Milão, Londres, Paris e Madri), em que desenhos associados ao texto alternam precisão e força visionária". (Grande Enciclopédia Larousse Cultural, 1998, p. 3557).


Leonardo foi um verdadeiro polímata (pessoa que estuda vários assuntos, que domina vários tipos de conhecimentos) no sentido da palavra. Sua curiosidade e interesses excediam a todos os campos que lhe fossem alcançáveis. Leonardo elaborou muitas das mais estranhas máquinas que para época isso parecia ser coisa de um louco: imaginar máquinas que pudessem transportar os homens pelo céu, os fazendo voar como se fossem pássaros, ou máquinas que os transportariam para as profundezas do mares, armas de guerra movidas por rodas, blindadas e com vários canhões, lamparinas a vapor que iluminavam com mais eficiência do que as de fogo na época. Isso e tantas outras invenções foram propostas por Da Vinci. 

Embora alguns costumem chamar Leonardo de cientista, historicamente é errado empregar tal palavra. A palavra cientista só surgiu no século XIX e a ideia moderna (moderno no sentido de Idade Moderna) de ciência começou a surgir no século XVII, mais de cem anos após a morte de Leonardo. Em sua época, Leonardo era chamado de artista, engenheiro e mecânico. A palavra mecânico naquele tempo não se referia a uma pessoa que consertava algo, mas a um indivíduo que estudava o movimento e elaborava mecanismos; um inventor. 

Se tomarmos o ponto de vista histórico, Leonardo trabalhou em cinco tipos de empregos: foi artista, engenheiro, arquiteto, professor e mecânico (neste caso no sentido de inventor). Habitualmente essas eram as profissões em que ele mais atuou. Contudo, se passarmos para o campo de estudo, ou seja, as áreas de interesse que ele tinha, o resultado é bem mais abrangente. Leonardo se interessava por matemática, geometria, óptica, perspectiva, paisagismo, topografia, geologia, aerologia, hidrologia, hidráulica, hidrodinâmica, astronomia, anatomia (humana e animal), mecânica (estudo do movimento), metalurgia, urbanismo, música, poesia, filosofia, pirotecnia, botânica, zoologia, química, etc. É difícil enumerar até onde iam seus interesses. 

No campo da anatomia humana, Leonardo estudou não somente as medidas do corpo humano, procurando padrões perfeitos (a perfeição nas medidas corporais era algo buscado desde a Grécia Antiga pelos seus escultores). O famoso desenho do Homem Vitruviano (1490), era uma pretensão de Leonardo de esboçar as proporções perfeitas do corpo humano, algo que era concebido na Antiguidade Clássica como a proporção áurea. Dentre seus desenhos a respeito da anatomia, este é o mais conhecido, entretanto além de estudar o corpo por fora, Leonardo não se limitou a somente isso, ele também o estudou por dentro, fazendo anotações e descrições dos ossos, tecidos, músculos e órgãos.


O Homem Vitruviano. Estudo de Leonardo sobre a proporção perfeita do corpo humano. 1490. 
Além de estudar as partes do corpo em si, ele também procurou analisar os fundamentos de algumas doenças, de fato ele chegou a descobrir e a ser um dos primeiros a descrever a arteriosclerose, ao estudar o corpo de um homem idoso. Além de estudar o ser humano, Da Vinci também dissecou animais como cães, gatos, vacas, pássaros, cavalos, etc., estudou as plantas, e até mesmo elaborou supostas definições de como teria se dado os fatores de algumas doenças e quais as consequências que estas causavam no corpo. No entanto, talvez sua maior ousadia no estudo anatômico, foi o esboço do desenvolvimento fetal.

Estudo sobre o desenvolvimento fetal. 
Na figura a cima pode se ver um dos seus esboços retratando um feto humano no útero. Em sua época as pessoas não sabiam como era o desenvolvimento das crianças dentro do útero, e nesse seu desenho ele esboçou como deveria ser tal processo. Por outro lado, Leonardo teve que correr muito risco para se realizar tais pesquisas, a prática de dissecar cadáveres até era permitida em alguns lugares, fato este que o próprio Leonardo quando jovem, ainda no ateliê de Verocchio assistia aulas de dissecação, no entanto, realizar tais experiências da forma que quisesse ainda era algo perigoso. 

Leonardo realizava sua dissecações nos subterrâneos de hospitais. De fato, chegou a ocorrer em alguns momento de sua vida, as suposições de que ele estivesse cometendo crime de heresia por tais práticas abomináveis. Por sorte ele nunca chegou a ser condenado pelo Tribunal do Santo Ofício, diferente do que ocorreria com e Giordano Bruno e Galileu Galilei, anos depois. Giordano por causa de seus livros, fora sentenciado a ser queimado vivo na fogueira. No caso de Galileu, por ter defendido o modelo heliocêntrico de Nicolau Copérnico, foi duas vezes acusado pela Inquisição de defender pensamentos heréticos. 


Estudos sobre ossos e músculos.
A respeito de seus projetos na área da engenharia civil e arquitetura, Da Vinci planejou pontes, diques, sistemas de irrigação, arcos, portões, pequenas torres, muros, fortalezas, canais e até mesmo uma cidade inteira. Ele próprio gostava de elaborar diques e sistemas de irrigação, Leonardo tinha uma grande curiosidade com a água, ele sempre fora fascinado por esta, em seus projetos ligados a esta, ele procurava formas de se explorar o potencial gerado pelos rios, algo que passou muito longe de ser concretizado em sua época. 

Esboço do projeto de uma besta gigante, projetada por Leonardo. 
Por outro lado, no campo da engenharia militar, Leonardo inventou vários equipamentos dos quais muitos nunca chegaram a serem produzidos. Dentre estes estava sua versão de uma besta gigante, além dessa arma, ele também elaborou um tipo de carro blindado, do qual se valeria do uso de canhões, porém tal veículo nunca chegou a ser construído. No entanto, se tivesse sido fabricado seria o precursor do tanque de guerra. Leonardo também estudou os mecanismos de armas de fogo e de canhões. Embora projetasse armas, ele se dizia um homem contrário a violência.


Esboço do projeto de um "carro blindado" de combate. Alguns falam ter sido o primeiro tanque de guerra da História. 
Por outro lado se tal invenção de um carro blindado ou tanque de guerra pudesse ser muito avançada para a época, do que se dizer a respeito das máquinas voadoras de Leonardo Da Vinci?

Leonardo não foi o primeiro a pensar em voar e nem construir asas. No século XIII o renomado frade e filósofo inglês, Roger Bacon (1214-1294) já havia pensando em se construir um par de asas para se tentar voar. Antes e depois dele, alguns inventores árabes e turcos também cogitaram construir asas e até usar foguetes para propulsão. A ideia de voar vem principalmente do mito grego de Dédalo e Ícaro, onde o famoso inventor Dédalo para fugir de Creta, criou para si e seu filho, asas feitas de penas reais e presas com cera de abelha. 

No entanto, Leonardo pensava em algo um pouco diferente. Ao invés de se utilizar asas feitas de penas de aves, ele usaria outros materiais para fazer as asas, e nesse caso o mais básico seria utilizar os materiais usados na confecção das velas dos navios. 

Esboços de duas máquinas voadoras. Leonardo projetou diferentes tipos de máquinas que poderiam fazer o homem voar. Não se tem certeza se ele chegou a construí-las e testá-las. 
Em 1495, ele elaborou o que muitos consideram como tendo sido o primeiro paraquedas da História. No entanto, suas ideias de se voar pelos ares não pararam por aí, ele também projetou engenhocas que parecem aos nossos olhos lembrar um espécie de helicóptero primitivo e um tipo de asa delta.


Esboço do paraquedas e um modelo real em teste. 
Leonardo também elaborou alguns tipos de embarcações blindadas e até uma que supostamente submergiria, algo que alguns chamam de protótipo de submarino. Algumas dessas embarcações foram sugeridas aos venezianos, mas estes ficaram céticos quanto a possibilidade de se construir tais embarcações. Leonardo também sugeriu diques móveis para fechar o canal de Veneza. Ele projetou rodas d'águas, pontes levadiças como fora o caso de uma enorme ponte que ligaria as duas partes da cidade de Constantinopla, pois o sultão otomano Bayezid II (1447-1512) havia proposto Leonardo a projetar uma ponte para ligar a cidade, mas depois de vê o projeto o considerou muito ousado de ser feito, e decidiu desistir do projeto da ponte. 


Projeto para uma roda d'água.
Da Vinci também projetou fortificações, pontes, bombas hidráulicas, velas acesas com vapor, instrumentos musicais, armas, mecanismos de elevação, mecanismos de transporte, aparelho de mergulho, edifícios, instrumentos de medição, etc.  

"O patrimônio gráfico e escrito de Da Vinci e de valor incalculável, em especial se tivermos presente que abarca praticamente a trajetória de toda a sua vida e, por si mesmo, exemplifica como aconteceu seu heterogêneo interesse pelo mundo que o rodeava e com que intensidade sua mente antecipou o período que viveu". (COLEÇÃO GÊNIOS DA ARTE, 2007, p. 58). 

Não se sabe ao certo quantos cadernos e anotações que ele fez, mas pelo o que pode ser encontrado ao longo dos séculos, pois embora tenha legado seus cadernos e anotações a Francesco Melzi, este depois que morrera, seus filhos venderam tais cadernos e até os quadros que lhe fora dado por Da Vinci. Acredita-se que alguns cadernos tenham se perdido pelo tempo e outros ainda não foram encontrados, mas atualmente estima-se que se conheçam 4 mil fólios, revelando a vastidão do trabalho de Leonardo. Grande parte destes fólios se encontram na Biblioteca Real de Windsor, nos Uffizi em Florença. Na Galeria da Academia de Veneza, na Biblioteca Real de Turim, no Museu Britânico de Londres, no Museu Metropolitan de Nova Iorque, na Biblioteca Ambrosiana de Milão, etc. 

Sabe-se também que alguns dos estudos e invenções de Leonardo foram preservador e comentados por Melzi em seu livro Tratado da Pintura (Trattato della Pittura), onde Melzi preservou alguns aspectos das técnicas de pintura de seu mestre, como alguns traços de sua personalidade e vida. 

Artes: 

Nas artes, seu prodígio perpetuou-se pelo tempo. Seus quadros deram uma nova visão do humanismo para o Renascimento. Alguns historiadores costumam dizer que Leonardo no campo das artes foi quem iniciou a Segunda Fase do Renascimento, do qual pode-se dizer que tiveram como participantes, Michelangelo e Rafael Sanzio, dentre tantos outros. Como este homem realizou uma vasta iconografia, não poderei falar de todas as obras aqui, mas comentarei sobre algumas já mencionadas anteriormente no decorrer do texto. 

Alguns fatos curiosos sobre a produção artística de Da Vinci é que a maioria dos quadros que ele pintou, ou foram de cenas religiosas ou foram retratos. E no caso das cenas religiosas, muitos envolviam as imagens da Virgem Maria (normalmente chamada de Madona "senhora" na época) e do Menino Jesus. 

  • Virgem com o Menino Jesus (Virgem Dreyfus) (c. 1469-1470): atribuída sem certeza plena;
  • Virgem com o Menino e o Cravo (Virgem do Cravo) (c. 1473-1474);
  • Virgem com o Menino e um Gato (Virgem do Gato) (c. 1478-1480), apenas um esboço;
  • Virgem com o Menino Jesus (Virgem de Benois) (c. 1478-1480);
  • Virgem com o Menino Jesus, São João Batista e um Anjo (Virgem das Rochas 1) (c. 1483-1485);
  • Virgem com o Menino Jesus, São João Batista e um Anjo (Virgem das Rochas 2) (c. 1490);
  • A Virgem com o Menino Jesus (Virgem de Litta) (c. 1490): atribuída cem certeza plena;
  • Virgem com o Menino Jesus e o Fuso (Virgem dos Fusos) (c. 1500-1501);
  • Sant'Anna, a Virgem, o Menino Jesus e São João Batista (c. 1501);
  • Sant'Anna, a Virgem com o Menino Jesus e um Cordeiro (c. 1506-1513)
Tal fato não se deve pela questão que Leonardo fosse um católico devoto, na verdade não sabemos muito sobre suas crenças e sua fé, mas era comum no contexto histórico daquele período pintar-se muitos temas da arte sacra. Esse aspecto é interessante pois vai de encontro ao preconceito de alguns que acham que o Renascimento rompeu de vez com a tradição artística medieval. De fato os estilos e técnicas mudaram, mas a temática religiosa ainda permaneceu bem viva. 

Leonardo pintou vários quadro sobre a Virgem e o Menino. Inclusive esse foi um tema bastante popular entre os artistas renascentistas, retratar Nossa Senhora, Jesus Cristo bebê ou crucificado; o nascimento ou morte de Cristo; São João Batista (o qual foi um dos santos que mais aparece em várias obras, tanto de Leonardo, quanto de outros pintores); personagens bíblicos e cenas bíblicas (no caso dos personagens e das cenas, Michelangelo se destacou mais, por ter pintado isso tudo no teto da Capela Sistina). 

Um dos mais misteriosos quadros de Leonardo sobre o tema da Virgem Maria e o Menino Jesus foram as duas versões da Virgem dos Rochedos (ou Virgem das Rochas). Onde a versão mais antiga se encontra atualmente no Museu do Louvre e a segunda versão se encontra no Museu Britânico


As duas versões da Virgem dos Rochedos. Na esquerda a primeira versão (1483-1485) e na direita a segunda versão (1490). 
Nestes quadros pode-se vê ao centro a Virgem Maria; na direita há um anjo, e as duas crianças são Jesus e João Batista. Os historiadores da arte e estudiosos, concordam em dizer que a segunda versão não foi totalmente pintada por Leonardo, houve ajuda de algum de seus alunos. Além disso, é visível algumas mudanças em ambos os quadros como: no segundo quadro o Menino Jesus segura uma cruz; os quatro personagens possuem auréolas; o anjo não está apontando para o Menino como no primeiro quadro, e ele parece ter algo que lembra asas. O cenário do segundo quadro é mais claro, embora que o chão se torne mais escuro e com menos detalhes. 

Além disso, no segundo quadro as figuras são ligeiramente maiores e possuem um tom plástico entre claro-escuro e não apresentam a técnica do sfumato, a qual tornou Leonardo famoso, embora ele não tenha sido o criador desta técnica. A técnica do sfumato permite-se criar diferentes gradientes de tonalidade, o que ajuda a criar o efeito de luz e sombra sobre as imagens. Tal técnica visa esconder e corrigir pequenas imperfeições deixadas pelas pinceladas ou riscos, pois é usada em pinturas e desenhos. Em várias de suas obras, Da Vinci foi aprimorando tal técnica. No quadro da Mona Lisa tal técnica é mais visível. 


"Leonardo acreditava na possibilidade de a pintura igualar e superar a natureza por sua capacidade de ir além da matéria, representar fenômenos imateriais como o vento e a bruma, criar um ilusionismo metamórfico que não é mais imitação, mas restituição do real". (BYINGTON, 2009, p. 26).

O afresco de A Última Ceia pintando entre 1495 e 1497, uma de suas mais conhecidas obras foi pintado na parede norte do refeitório da igreja dominicana de Santa Maria delle Grazie (Santa Maria da Graça). Não se sabe ao certo se a encomenda de tal monumental pintura, pois foi a maior que Leonardo conseguiu concluir, medindo 6,60 m x 8,80 m, tenha sido encomendada pelo abade da igreja ou pelo próprio duque Ludovico. De qualquer forma, sabe-se que o dinheiro veio do bolso do duque como atesta uma carta de 1497, na qual Ludovico indagava quando Leonardo iria concluir a pintura. (GRANDES MESTRES, 2011, p. 97). 

Neste imenso afresco, Leonardo mostrou um estudo de perspectiva e proporção. As três janelas no fundo da sala, levam instintivamente o observador a focar a imagem de Cristo, sentado ao centro da mesa, em companhia dos Doze Apóstolos. A pintura também é peculiar, pois Da Vinci o deixou em tom dramático, se notarmos, há uma perplexidade na expressão facial dos Apóstolos e do próprio Jesus. A ideia de Leonardo foi retratar o momento no qual Cristo disse que um dos Apóstolos iria traí-lo. Neste caso, a imagem de Jesus parece está em silêncio depois de ter dito isso, enquanto os demais se questionam entre si, quem seria o traidor. 


A Última Ceia, Leonardo da Vinci, c.1495-1497.
"É como se a serenidade desse cômodo, de clássica arquitetura e proporção, se visse perturbada de forma imprevista, e em meio aos presentes pairasse a consequência de uma tragédia que teria lugar dentro em pouco. Na pintura, Judas está sentado na mesma parte da mesa que Jesus Cristo e os apóstolos". (COLEÇÃO GÊNIOS DA ARTE, 2007, p. 52).

Em outras versões do cenáculo, os pintores retrataram Judas Iscariotes no lado oposto da mesa ou mais afastado dos demais. Nesta versão, Leonardo colocou todos do mesmo lado, de forma a confundir o observador a ter que procurar pelo mesmo na imagem. 

No ano de 2003, com o lançamento do livro O Código Da Vinci (The Da Vinci Code) escrito por Dan Brown, o qual baseado nas teorias contidas nos livros O Santo Graal e a Linhagem Sagrada (The Holy Blood and The Holy Grail) de 1982, e o livro The Messianic Legacy de 1987, ambos escritos por Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln; os quais alegam que o Santo Graal, o suposto cálice usado por Cristo durante a Última Ceia, na realidade seria uma metáfora simbólica em respeito a Santa Maria Madalena, a qual teria sido esposa de Jesus e teria tido uma filha com ele, e o mistério do Graal seria a linhagem sanguínea dos descendentes desta filha de Madalena e Jesus. 

Na pintura, o apóstolo do lado esquerdo de Jesus, o qual aparenta traços andróginos (que possui aspectos de homens e mulheres, não deixando determinado o sexo da figura), foi considerado por Dan Brown, em seu livro, como uma representação de Maria Madalena. O problema é que era comum no Renascimento pintar figuras com traços andróginos. Os anjos pintados por Leonardo possuem esses traços, e há alguns que defendam que São João Batista e a Mona Lisa, também possuam estas características. Ambos os três livros mencionados foram duramente criticados nas últimas décadas por se basearem em fontes duvidosas e de pouca credibilidade, no entanto, não entrarei neste assunto, pois existem vários livros que se dedicam a debater isso. Os interessados procurem pelos tais.  

Outra obra curiosa de Leonardo foi Leda e o Cisne (1505-1510). Tal obra é bem diferente de outras feitas por Da Vinci, pois primeiro, não se tratava de um tema religioso, de um retrato, ou de um desenho sobre uma guerra ou paisagem (Leonardo possui alguns desenhos de paisagens), mas um tema sobre a mitologia grega, temática esta que estava em alta na época, mas Leonardo não foi um de seus adeptos, os motivos são desconhecidos. 


Cópia de Leda e o Cisne, feita por um dos discípulos de Leonardo, pois o original se perdeu. 
Além de ser o único quadro do pintor a tratar um tema mitológico que se conhece (pois sua pintura da Medusa nunca foi achada), é também a única pintura que Leonardo empregou o nu artístico. Diferente de Michelangelo que possui várias obras de nu artístico, Leonardo fez apenas esse quadro. Na obra pode-se vê a rainha espartana Leda, e o cisne que na realidade era o deus Zeus metamorfoseado. No mito, quando Leda tocou o cisne a mesma engravidou, e estranhamente ela colocou dois ovos, dos quais nasceram dois pares de gêmeos: dois meninos chamados, Castor e Pólux e duas meninas chamadas, Helena e Clitemnestra. Tal quadro é uma das obras menos conhecidas do autor e uma das mais singulares pelos aspectos apresentados. 

Por fim, para encerrar esse breve comentário sobre as obras de Leonardo, falarei de seu quadro mais famoso, embora não fosse o seu preferido como ele alegara na época. O retrato foi pintando entre 1503 e 1505, e como visto, nunca foi entregue ao seu encomendador. Lisa del Giocondo morreu sem ver seu quadro. E ambos nunca imaginariam que a obra ficaria tão famosa devido a seu enigmático sorriso, o qual curiosamente não é exclusivo dessa obra. Leonardo em outros quadros retrata esse sorriso enigmático.


Retrato de Lisa del Giocondo, conhecido como La Gioconda ou Mona Lisa. 
"Na realidade, outras personagens do artista têm o mesmo sorriso sutil e irônico, com lábios fechados, da protagonista dessa famosa tela parisiense, entre elas as figuras da Virgem e de santa Ana no cartão da Galeria Nacional e no quadro de título homônimo; a figura de Leda, da qual não sobreviveu o exemplar do mestre, mas cujas derivações mostram uma indubitável fidelidade ao modelo das obras de Da Vinci, e o misteriosos São João Batista". (COLEÇÃO GÊNIOS DA ARTE, 2007, p. 67).

"Um sorriso desse tipo não foi, figurativamente falando, uma invenção de Da Vinci. Encontra-se em certas esculturas florentinas do século 15, como na Virgem de Antonio Rosselino no tondo de mármore da capela do cardeal de Portugal e San Miniato in Monte, e muito mais difusamente nas obras de seu mestre Verrochio". (COLEÇÃO GÊNIOS DA ARTE, 2007, p. 67). 


Detalhe do rosto da Mona Lisa, com seu misterioso sorriso e as técnicas do sfumato visíveis no sorriso e nos contornos dos lábios. E curiosamente ela não tem sobrancelhas, uma das marcas de Leonardo, pois em outros quadros, nota-se a ausência de sobrancelhas. 
Giorgio Vasari quando escreveu sua breve biografia sobre Leonardo comentara que o sorriso da Mona Lisa era "mais divino do que humano", afinal, Leonardo pensava que a arte poderia retratar uma perfeição irreal. Não obstante, o quadro também possui alguns fatos enigmáticos. Uns defendem as hipóteses que Leonardo atribuiu alguns traços de seu rosto ao rosto da Mona Lisa; outros sugerem que Salai pôde ter inspirado alguns traços do rosto do quadro. Existe também hipóteses que sugerem que a figura possua traços andróginos, que Leonardo não teria seguido fielmente a imagem de Lisa del Giocondo (1479?-?). 

Mas excetuando-se tais aspectos, ele realizou um profundo estudo de proporções para equilibrar a localização da figura em relação as dimensões do quadro, e o seu sorriso enigmático leva alguns a entenderem como um sorriso envergonhado, triste, meigo, irônico, etc. A paisagem ao fundo, provavelmente sejam os arredores de Florença ou algum lugar da Toscana onde a cidade ficava. Todavia, esse não foi um dos quadros preferidos de Leonardo. 

Curiosidades:

Leonardo nunca gostou de assinar o seu nome completo ou apenas Da Vinci, ele gostava mais de assinar simplesm
ente Io, Leonardo (Eu, Leonardo), como se pode ver na imagem abaixo. 
Assinatura de Leonardo da Vinci. Está escrito: Io, Leonardo. 
Outro fato curioso é que por mais que ele realizasse dissecação em animais e pessoas, Leonardo era um homem que tinha um grande respeito pelos animais, a ponto de ser vegetariano. 

Da Vinci era canhoto de nascença, mas conseguiu desenvolver a ambidestria. Embora tenha ficado com a mão direita debilitada no fim da vida, isso não lhe foi um grande problema. Outro aspecto que marca sua ambidestria é o fato que em seus cadernos, ele escrevia da direita para a esquerda, e para se lê-los, é necessário usar um espelho. 

Leonardo nunca chegou a se casar e nem teve filhos, no entanto existem controvérsias que sugerem que ele foi realmente gay. Em 1476, como foi visto, ele foi acusado por sodomia. Embora tenha sido inocentado por falta de provas, alguns indícios posteriores apontam essa possível tendência homossexual. Os vários desenhos anatômicos que ele fez, foram de homens, e dentre seus discípulos, os mais próximos e que mais tempo viveram em sua companhia foram Francesco Melzi e Gian Giacomo Caprotti da Oreno (1480-1524), conhecido mais pelo apelido de Salai (que significava "imundo", "impuro" e até "pequeno Diabo"). 

A pessoa de Salai é um tanto misteriosa. Ele nasceu em Milão, era filho de camponeses, e aos dez anos ingressou no ateliê de Leonardo, devido ao fato de está constantemente sujo, foi apelidado de Salai. Melzo e Vasari o descreveram como sendo um homem bonito, de cabelos encaracolados e de traços delicados. Embora Salai tenha se tornado um pintor também, nunca chegou a ter renome ou foi um artista importante na época, viveu vários anos como ajudante do seu mestre, e para alguns isso indica que o mesmo foi seu amante. 

Salai era considerado o mais próximo de Leonardo, embora o mesmo tivesse maior admiração pelo talento de Melzi. Não existem provas concretas sobre a homossexualidade de Leonardo, mas alguns indícios como alguns já apresentados aqui, e alguns desenhos de teor "erótico", sugerem uma possível relação entre os dois. Salai casou-se em 1523, mas faleceu no ano seguinte durante um duelo. 

NOTA: Existe uma hipótese que o primeiro quadro pintado por Leonardo da Vinci foi um quadro da Virgem e o Menino, mais conhecido como a Virgem Dreyfus (1469-1470), a qual apresenta notória similaridade com a versão de Verrochio, datada da mesma época. Como era comum os alunos antes de desenvolverem seu próprio estilo, eles copiavam o estilo de seus mestres, daí a suposição que Leonardo possa ter pintado sua versão de Nossa Senhora e o Menino Jesus com base no quadro de seu professor. 
Leonardo di ser Piero da Vinci significa "Leonardo filho de Piero, que mora em Vinci".
NOTA 2: Os discípulos de Leonardo eram chamados de Leonardeschi.
NOTA 3: Outro fato interessante é que ele também atuou como sendo "profeta". Existem algumas profecias suas que falam sobre grandes enchentes, guerras, máquinas voadoras que destruiriam as cidades, etc. Alguns historiadores não encaram como profecias, mas como sonhos ou deslumbres de Leonardo.
NOTA 4: A hipótese de que o Santo Sudário haveria de ser uma pintura feita por Leonardo, ganhou maior descrédito nos últimos anos.
NOTA 5: O desenho do Homem Vitruviano é uma referência ao trabalho do arquiteto romano Marco Vitruvio Polião.
NOTA 6: Leonardo é retratado nos jogos Assassin's Creed II e Assassin's Creed: Brotherhood. Na trama ele é um grande amigo do protagonista, o Assassino Ezio Auditore.
 Além de Leonardo, outras personagens históricas compõem a trama dos dois jogos, dentre as quais: Nicolau Maquiavel, Caterina Sforza, Lourenço de Médici, Girolamo Savonarola, Cesare Bórgia, Rodrigo Bórgia e Lucrécia Bórgia. Nestes jogos, existem claros indicativos acerca da homossexualidade de Leonardo. 
NOTA 7: Em 2013, o canal americano Starz estreou a série Da Vinci's Demons, o qual também é exibido pelo canal Fox. A série que mistura história e ficção (sendo mais ficcional do que histórica), foca em Leonardo no ano de 1478, retratando ele não apenas como artista e inventor, mas estando ligado a uma misteriosa sociedade que procura resgatar o "Livro das Folhas", livro este que esconderia antigos segredos e saberes. A série possui três temporadas.
NOTA 8: Existem alguns relatos do próprio Leonardo que ele diz que ouvia misteriosas vozes, as quais ele pensou que fossem vozes de anjos. 

Referências bibliográficas:

BATTAGLIA, Roberta. Leonardo e os leonardianos. In: COLEÇÃO GÊNIOS DA ARTELeonardo da Vinci. Tradução de Mathias de Abreu Lima Filho. Barueri: SP, Girassol; Madrid, Susaeta Ediciones, 2007. p. 10-38. 
BYIGNTON, Elisa. O projeto do Renascimento. Rio de Janeiro, Horge Zahar, 2009. (Capítulo: Outras imitações; Capitulo: O paradigma de Leonardo Da Vinci; e Capítulo: A questão entre a disputa entre as artes).
COLEÇÃO GÊNIOS DA ARTE. Leonardo da Vinci. Tradução de Mathias de Abreu Lima Filho. Barueri: SP, Girassol; Madrid, Susaeta Ediciones, 2007.
COLEÇÃO GRANDES MESTRES. Leonardo da Vinci. Tradução de José Ruy Gandra. São Paulo, Abril, 2011.  
GERLINGS, Charlotte. 100 Grandes Artistas: Uma viagem visual de Fra Angelico a Andy Warhol. Tradução de Luiz Antônio C. Andrade. China, EDIC, 2008. p. 114-115.
GOFFEN, Rona. Dossiê: Leonardo Da Vinci e Michelangelo. Tradução de Leandro Woyakoski. Revista História BBC, v. 12, p. 38-43, 2009.
GRANDE Enciclopédia Larousse Cultural. v. 4, São Paulo, Nova Cultural, 1998.

Referência audiovisual:
O Código de Vida de Da Vinci (Da Vinci e The Code He lived By). [documentário-vídeo]. Produzido pelo History Channel. 90 min, color, som. 2005.


Links relacionados:
A história por trás de Assassin's Creed
A República das Letras
A arte da Renascença
A Itália de Maquiavel

LINKS:
http://www.drawingsofleonardo.org/
Obras de Leonardo - Projeto Gutenberg
Leonardo da Vinci - BBC
Lista de pinturas de Leonardo da Vinci (Wikipédia)
1911: Mona Lisa é roubada
Mona Lisa era vizinha de Da Vinci, diz estudioso italiano
http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia-tecnologia/santo-sudario-pode-ser-foto-vinci-481054.shtml
Profecias de Leonardo - inglês