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Comunicado

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Atenciosamente
Leandro Vilar

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Um império dividido

Desde que o movimento pela Independência do Brasil se iniciou nos idos de 1822, o reino já estava dividido em se apoiar a independência ou permanecer ligado a Portugal. Com a separação veio a ascensão de D. Pedro como imperador e a fundação do Império Brasileiro. Entretanto, no ano 1823, D. Pedro antes de começar a reinar teve que por fim a várias revoltas que eclodiam pelas províncias do Norte e Nordeste que ainda se relutavam a aceitar o governo imperial. O reinado do jovem imperador fora grande em alguns aspectos e bem conturbado em outros, e com sua abdicação em 7 de abril de 1831, o império quase que entrou em colapso. Várias revoltas eclodiram por toda a nação. Uns queriam o retorno do imperador, outros sua própria independência, outros uma governo menos descentralizado e mais justo. E tantas outras questões marcaram os anos que vão de 1831 a 1848, já durante o Segundo Reinado (1840-1889) sobre a regência de D. Pedro II. Nas linhas a seguir farei um rápido esboço das principais revoltas que eclodiram pelo país que puseram ameaça a hegemonia do império brasileiro.


Após a abdicação de D. Pedro I, passando pelo período do governo Regência Trina e Una, até o golpe da maior idade de D. Pedro II, o Brasil vivenciou várias revoltas internas que iam desde a luta pelo regresso de D. Pedro I, ao fim do império, a separação de províncias do império e a independência destas etc. Nas páginas seguintes serão esboçados alguns aspectos destas revoltas que ocorreram nesses 17 turbulentos anos da história brasileira.

Em 1831 pouco tempo antes da abdicação de D. Pedro I e após sua abdicação, pequenos levantes ocorreram por várias pprovíncias do império. No Rio de Janeiro ocorreu à Revolta das Seis rebeliões, em Recife ocorreram a Setembrizada e a Novembrada tendo a participação de tropas. No Ceará ocorrera à Revolta de Pinto Madeira que perduraria até o ano seguinte. Em 1832 em Pernambuco ocorria a Abrilada. E nos mesmo ano em Pernambuco e posteriormente em Alagoas se deflagraria a Cabanagem, revolta esta que duraria até 1835.
“Os levantes urbanos tinham caráter predominantemente popular e nativista. Era a população urbana aliada à tropa de primeira linha, protestando contra o alto custo de vida, contra a desvalorização da moeda (que causava o encarecimento das importações), contra a invasão de moedas falsas”. (CARVALHO, 1996, p. 232).

Mas antes de falar um pouco mais destas revoltas, devo dizer que em agosto de 1831 fora oficialmente outorgado a criação da Guarda Nacional, como forma de compor uma milícia a fim de assegurar a ordem do país. De acordo com o artigo de abertura da lei da Guarda Nacional, este dizia o seguinte:

“As Guardas Nacionaes são creadas para defender a Constituição, a Liberdade, Independência, e Integridade do Império; para manter a obediência às Leis, conservar, ou restabelecer a ordem, e a tranqüilidade publica; e auxiliar o Exército de Linha na defesa das fronteiras e costas”. (URICOECHEA, 1978, p. 133).

A criação da Guarda possibilitava que o governo pudesse recrutar rapidamente homens para lutar nas revoltas que ocorriam por todo o país.
“Desde o início, portanto, a missãoda Guarda Nacional foi amplamente compreendida como instrumento para a institucionalização de uma nova ordem legal: devia ela dar ajuda poderosa à aniquilação de qualquer grupo, instituição ou facção contestatória das novas autoridades imperiais e seu monopólio de
coerção legitima”. (URICOECHEA, 1978, p. 134).

Se no passado a Guarda Cívica criada temporariamente por D. Pedro como forma de impor e legitimar o recém fundado império nas províncias brasileiras dera certo. Agora a nova guarda deveria garantir a supremacia e a legitimação do novo governo após a abdicação de seu imperador. Sendo assim, voltarei a falar das principais revoltas transcorreram.

A Cabanagem a qual se iniciou em 1832 contou com o apoio de pequenos proprietários, índios, homens livres, escravos, camponeses, ricos comerciantes do Recife e políticos do Rio de Janeiro. O intento do movimento que duraria até 1835, era lutar pelo retorno de D. Pedro I. Por três anos suas guerrilhas desafiaram o Estado, embrenhadas nas matas de Pernambuco e Alagoas. Entretanto as revoltas que transcorreriam após o Ato Adicional de 1834 seriam as mais violentas da história do país.

“O movimento cabano configurou um caso típico de protesto social alienado. Protesto contra a violação da ordem tradicional que vigorava durante séculos e que cumpria restabelecer. A violação consistira na expulsão de lavradores e moradores das terras que, às vezes, eles ocupavam desde tempos imemoriais e que tinham como suas; no aumento do período de trabalho excedente, em grau tal que a simples sobrevivência física tornava-se impossível; no despojamento das terras dos índios, que as haviam recebido do rei em paga de serviços prestados; na inflação que subvertia um padrão de vida secularmente estável; finalmente, na violência desenfreada dos potentados, agora libertos da mediação conciliadora da coroa”. (FREITAS, 1978, p. 119).
“O Ato Adicional (lei de 12 de agosto de 1834), arrancado não às convicções, mas ao medo dos moderados, procura organizar um feixe de poderes, concentrados nas províncias, de cuja aliança se firmaria o império. O esquema visa desmontar, pela descentralização, quase federativa, mas adversa à federação, o centralismo bragantino, ao tempo que foge da fragmentação municipal. Obra de convicção liberal – aproximar o governo do povo – e obra de contemporização – fugir do extremado federalismo, casado com idéias republicanas”. (FAORO, 1984, p. 307).

“A ameaça do retorno do imperador reaproximou as facções liberais, solidificando as bases políticas que encaminharam o Ato Adicional de 1834 e as reformas defendidas por Ottoni, exceção apenas a extinção da vitalidade do Senado. Mas a incorporação da clausula que suprimiu o Conselho de Estado anulou a essência do poder moderador”. (FREITAS (org), 2003, p. 89).


Entre 1835-1840 ocorreu a Cabanagem no Pará, a qual de uma simples revolta entre as elites locais levou a uma rebelião em massa, que chegou a tomar conta de Belém, capital da província, levou a proclamação desta como independente do império brasileiro. Em contra partida o Estado reagiu com tremenda violência.

“Calculou-se em 30 mil o número de mortos, divididos entre governistas e rebeldes em proporções mais ou menos iguais. Tal número equivalia a 20% da população da província. Jamais na história brasileira se repetiria carnificina tão vasta”. (CARVALHO, 1996, p. 233).

No mesmo ano de 1835 na província do Rio Grande do Sul, se iniciava a Guerra dos Farrapos ou Farroupilha, na qual levou a criação de uma república que durariam dez anos, a República do Piratini/República dos Farrapos/República Riograndense.

Bandeira da Farroupilha
No Maranhão entre 1838-1841 ocorreu a Balaiada, a qual de uma simples revolta de elites locais que lutavam pelo poder, gerou uma guerra popular na província.
Na Bahia ocorreu em 1837 a Sabinada, a qual culminou com a tomada de Salvador e sua proclamação, esta durando cerca de quatro meses, até que os exércitos do império e a Guarda Nacional recuperaram o controle da província. O lider do movimento fora o médico e jornalista Francisco Sabino Vieira.

Bandeira da Sabinada

“Brigas de brancos foram também às revoltas de 1842 em São Paulo e em Minas Gerais. a reação às medidas centralizadoras do Segundo Reinado envolveu os mais ricos proprietários das duas províncias e também da província do Rio de Janeiro. [...]. As revoltas dos proprietários mostravam-se que o problema de consolidar um sistema de poder não passava apenas do controle da população urbana e do campesinato, sem falar dos escravos. A tarefa complicava-se pelo fato de não haver um consenso entre as camadas dominantes sobre qual seria o arranjo institucional que melhor servisse a seus interesses”. (CARVALHO, 1996, p. 234).

“O lento convencimento dos proprietários de que a monarquia lhes convinha foi resultado do regresso conservador, levado a efeito por burocratas e por políticas ligados à grande cafeicultura fluminense. [...]. Estes foram os dois pontos cruciais: a demonstração de que a monarquia era capaz de manter a ordem no campo e na cidade e de que poderia ser árbitro confiável para as divergências entre os grupos dominantes. A Regência falhara nos dois testes: a ordem fora constantemente quebrada, pondo em perigo própria sobrevivência do País, e o regente eleito tinha-se revelado incapaz de arbitrar as divergências dos grupos dominantes. Na realidade a incapacidade de arbitragem é que freqüentemente causava a perturbação da ordem ao permitir que os conflitos intra-elite filtrassem para baixo do sistema de estratificação social”. (CARVALHO, 1996, p. 235).

Com a derrota da Revolta Liberal sob a insurgência do Estado, três anos depois veio à derrocada da República dos Farrapos; no entanto a última grande revolta que ocorreria nesta primeira metade do século XIX seria a Revolução Praieira, originada em Pernambuco por membros da esquerda liberal da região, chamados de praieiros (partido da praia). Os praieiros eram liberais exaltados, com isso eles visavam o fim da monarquia constitucionalista e a fundação de uma república. Os praieiros começaram a se unir logo após o fim da Cabanagem e retomaram ideias visadas na Revolução Pernambucana de 1817 e na Confederação do Equador de 1824

Com ascensão dos praieiros em 1845, estes começaram a exercer uma política de combater os partidos rivais, e de tentar assumir a hegemonia da política local. Porém o grande fato que desencadeou a revolta do Estado contra os praieiros, fora o seu excessivo lusofobismo. O partido condenava os comerciantes portugueses pela crise econômica que a província vivenciava, e começou a pregar uma ideologia lusofobica. Com isso o Estado decidiu boicotar as eleições de políticos praieiros aos cargos de Pernambuco alegando fraude. Porém, os praieiros não desistiram da luta e insurgiram logo em seguida, ganhando grande apoio dos moradores do interior da província.

“Os praieiros buscaram, então, o apoio de Borges da Fonseca, antigo jornalista exaltado que antes hostilizavam ligados aos setores assalariados urbanos. Deve-se a ele as exigências mais radicais feitas durante a revolta, anunciadas no Manifesto ao Mundo, de 1º de janeiro de 1849; neste, acusava o novo ministério conservador de integrar a seita absolutista que pretendia conquistar o país, em reação aos movimentos progressistas da Europa (refere-se às revoluções liberais européias de 1848), e reivindicava medidas como: a absoluta liberdade de Imprensa, o direito ao trabalho, o federalismo, a nacionalização do comércio a retalho e, uma novidade, o sufrágio universal”. (LINHARES (org), 1990, p. 243).

“Timandro procurou fundamentar a legitimidade da conduta dos praieiros. Relacionou a com um Partido Liberal Nacional indistinto no tempo (1822-49) e a um também genérico povo brasileiro. Identificou suas origens no passado, no confronto que vinha desenrolando desde a independência entre a “soberania nacional e a prerrogativa real”, ou entre o povo e o imperador e sua camarilha. A rebeldia armada era também uma tentativa de desmascaramento da Monarquia Constitucional praticada no Império”. (FREITAS (org), 2003, p. 78).

Os últimos partidários da Praieira caíram de vez em 1850. Desde 1849 a revolta já havia sido abafada pelas forças do Estado. Isso garantiu a legitimidade do poder moderador de D. Pedro II, além de seu Senado, sua Assembleia, e a nova ordem instaurada pelos conservadores saquaremas.

NOTA: Na Guerra dos Farrapos, um dos participantes ilustres fora o italiano Giuseppe Garibaldi (1807-1882). Conhecido também por ter participado dos movimentos de unificação da Itália. Garibaldi fora casado com Anita Garibaldi (1821-1849).
NOTA 2: A história dos Farrapos é retratada no romance A Casa das Sete Mulheres.
NOTA 3: Por mais que os cabanos lutassem pelo retorno de D. Pedro I, este estava mais interessado em resolver os problemas com o trono português, entre a sua rixa com o seu irmão D. Miguel.

Referências Bibliográficas:

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro - volume I, Porto Alegre, Globo, 6ª ed, 1984.
FREITAS, Décio. Os Guerrilheiros do Imperador, Rio de Janeiro, Graal, 1978.
FREITAS, Marcos César (org). Historiografia brasileira em perspectiva, São Paulo, Contexto, 5ª ed, 2003.
LIMA, Manuel de Oliveira. O Império Brasileiro: 1822-1889, Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 1986.
LINHARES, Maria Yedda (org). História Geral do Brasil, Rio de Janeiro, Campus, 5ª ed, 1990.
URICOECHEA, Fernando. O Minotauro Imperial, Rio de Janeiro, Difel, 1978.

LINKS:

domingo, 20 de junho de 2010

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789

Durante o período que ocorria a Revolução Francesa em 1789, após a derrubada do Antigo Regime em França, a Assembleia Nacional Constituente apresentou em 26 de agosto de 1789 a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Tal declaração teve como base a Constituição Americana aprovada em 1788 e a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América em 4 de julho de 1776. Fundamentado nestes dois documentos, os franceses conceberam suas próprias leis referentes a sociedade da época. Deve-se ressaltar que as leis aplicadas nesta declaração visavam a sociedade dos homens livres de França, segundo o ponto de vista do modelo burguês. Como a burguesia estava em ascensão, e agora no poder, após a derrubada da monarquia, as leis seria feitas mediante seus interesses.

Frontispício da Declaração de 1789

Os representantes do povo francês, reunidos em Assembléia Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral.

Em razão disto, a Assembléia Nacional reconhece e declara, na presença e sob a égide do Ser Supremo, os seguintes direitos do homem e do cidadão:

Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.

Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a prosperidade, a segurança e a resistência à opressão.

Art. 3º. O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.

Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.

Art. 5º. A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.

Art. 6º. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.

Art. 7º. Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de resistência.

Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.

Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.

Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.

Art. 11º. A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.

Art. 12º. A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública. Esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada.

Art. 13º. Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades.

Art. 14º. Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração.

Art. 15º. A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração.

Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.

Art. 17.º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização.


segunda-feira, 14 de junho de 2010

Ode à Alegria

Talvez muitos de vocês desconheçam este poema escrito em 1785 pelo escritor, poeta e historiador Friedrich Schiller (1759-1805) (ver foto). Schiller compôs esta belíssima obra para um amigo que era francomaçom. Entretanto sua obra, visava uma utopia de mundo e de sociedade, representada por uma sociedade cosmopolita, cordial e solidária. Tais prerrogativas também eram amadas pelo compositor Ludwig van Beethoven (1770-1827). Beethoven teria ficado encantado com este poema e em 1823 ele integrou ao quarto movimento da sua maior composição a Nona Sinfonia. Atualmente, desde 1972 o poema Ode à Alegria ou Hino à Alegria, foi inicialmente o hino oficial do Conselho Europeu e a partir de 1986 da União Europeia. Hoje o poema Ode à Alegria é considerado como sendo o Hino a União e também o Hino a Humanidade, principalmente quando ele é cantado ao som da Nona Sinfonia.

"Séria é a vida, brilhante é a arte"
Friedrich Schiller

Ode À Alegria

Oh amigos, mudemos de tom!
Entoemos algo mais prazeroso
E mais alegre!

Alegre, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Tua magia volta a unir |
O que o costume rigorosamente dividiu. |
Todos os homens se irmanam | 2X
Ali onde teu doce vôo se detém. |

Quem já conseguiu o maior tesouro
De ser o amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma mulher amável
Rejubile-se conosco!
Sim, mesmo se alguém conquistar apenas uma alma,|
Uma única em todo o mundo. |
Mas aquele que falhou nisso | 2X
Que fique chorando sozinho! |

Alegria bebem todos os seres
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos deu beijos e vinho e |
Um amigo leal até a morte; |
Deu força para a vida aos mais humildes | 2x
E ao querubim que se ergue diante de Deus! |

Alegremente, como seus sóis corram
Através do esplêndido espaço celeste
Se expressem, irmãos, em seus caminhos,
Alegremente como o herói diante da vitória.

Alegre, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Abracem-se milhões!
Enviem este beijo para todo o mundo!
Irmãos, além do céu estrelado
Mora um Pai Amado.
Milhões se deprimem diante Dele?
Mundo, você percebe seu Criador?
Procure-o mais acima do céu estrelado!
Sobre as estrelas onde Ele mora.

Versão original em alemão:

An Die Freude (Ode To Joy)

O Freunde, nicht diese Töne!
Sondern lasst uns angenehmere anstimmen
und freudenvollere!

Freude, schöner Götterfunken,
Tochter aus Elysium,
Wir betreten feuertrunken.
Himmlische, dein Heiligtum!
Deine Zauber binden wieder
Was die Mode streng geteilt;
Alle Menschen werden Brüder
Wo dein sanfter Flügel weilt.

Wem der grosse Wurf gelungen
Eines Freundes Freund zu sein,
Wer ein holdes Weib errungen,
Mische seinen Jubel ein!
Ja, wer auch nur eine Seele
Sein nennt auf dem Erdenrund!
Und wer's nie gekonnt, der stehle
Weinend sich aus diesem Bund.

Freude trinken alle Wesen
An den Brüsten der Natur;
Alle Guten, alle Bösen,
Folgen ihrer Rosenspur.
Küsse gab sie uns und Reben,
Einen Freund, geprüft im Tod;
Wollust ward dem Wurm gegeben,
Und der Cherub steht vor Gott!

Froh, wie seine Sonnen fliegen
Durch des Himmels prächt'gen Plan,
Laufet, Brüder, eure Bahn,
Freudig, wie ein Held zum Siegen.

Freude, schöner Götterfunken,
Tochter aus Elysium,
Wir betreten feuertrunken.
Himmlische, dein Heiligtum!
Seid umschlungen, Millionen.
Dieser Kuss der ganzen Welt!
Brüder! Über'm Sternenzelt
Muss ein lieber Vater wohnen.
Ihr stürzt nieder, Millionen?
Ahnest du den Schöpfer, Welt?
Such ihn über'm Sternenzelt!
Über Sternen muss er wohnen.

Fonte: http://letras.terra.com.br/ludwig-van-beethoven/3636/traducao.html

NOTA: Na época que este poema fora escrito, a Europa vivia no Século das Luzes ou Iluminismo. Porém além deste despertar para um novo entedimento do mundo e do ser humano; o poema fora escrito há 4 anos de ocorrer a Revolução Francesa. Pode-se notar que nestes versos, se observa os ideias de liberdade, fraternidade, solidariedade etc, visados pela Revolução Francesa e por outros movimentos revolucionários em voga na época que procuravam derrubar o absolutismo do Antigo Regime.
NOTA 2: Quando Beethoven compôs a Nona Sinfonia ele já estava completamente surdo.

Referências Bibliográficas:
LAROUSSE, Grande Enciclopédia Cultural, São Paulo, Nova Cultural, 1998.
BBC, Revista História #12, Triada, São Paulo, 2009.

LINKS:
http://www.starnews2001.com.br/nona_sinfonia.html
http://educaterra.terra.com.br/voltaire/artigos/beethoven.htm
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,2230334,00.html
http://seguindopassoshistoria.blogspot.com/2009/12/genios-desacreditados.html

LINKS da Nona Sinfonia:
http://www.24listen.net/_-mvutiDRvQ/ludwig-van-beethovens-ninth-symphony/
http://www.youtube.com/watch?v=bcR63fPtSLs&feature=PlayList&p=673991920A1FCE44&playnext_from=PL&index=0&playnext=1 (Cena do filme Minha Amada Imortal)
http://www.youtube.com/watch?v=74nQXlAhTtA&feature=related (Final da novela Viver a Vida ao som do quarto movimento da Nona Sinfonia).

"Tudo passará, e o mundo perecerá, mas a Nona Sinfonia permanecerá."
Mikail Bakunin


sexta-feira, 11 de junho de 2010

Do 7 de setembro ao 7 de abril

Com a coroação de D. Pedro I em 1 de dezembro de 1822, estava oficialmente estabelecido o Império do Brasil sob a regência de um imperador português mediado por uma Câmara de senadores, os quais visavam à formação de uma monarquia constitucionalista. Porém mesmo com a promessa de se elaborar uma constituição brasileira, isso só veio ocorre dois anos depois. Em 1823 a câmara votou a Constituição da Mandioca, mas o imperador vetou essa constituição, por esta inibir parte de sua autoridade. E nesse entre tempo, D. Pedro I teve que lutar para legitimar a independência do Brasil mediante a Portugal. Entretanto o curto governo de D. Pedro I (1822-1831) será marcado por profundas mudanças na economia, administração, sociedade e cultura. Porém isso não significa que seu governo seria adorado por todos.

Pintura retratando a coroação de D. Pedro I como imperador do Brasil, em 1 de dezembro de 1822.
Na regência do governo de D. Pedro I, nota-se a gradativa mudança do açúcar para o crescimento da cultura cafeeira. A consolidação do governo monárquico após o fechamento da Assembleia Constituinte em 12 de novembro de 1823, a qual se opôs contra as medidas tomadas pelo imperador, e marca a revolta dos partidos de esquerda. A consolidação de um exército nacional, algo não visto anteriormente. A elaboração da primeira Constituição do Brasil em 1824, a qual legitimou a autonomia do imperador sobre o império, além de centralizar o poder em suas mãos, mediante ao Poder Moderador. Tal fato levou a uma série de protestos feitos pela imprensa da esquerda, a qual culminou na Confederação do Equador em 1824 decretada em Pernambuco, a qual visava à separação de Pernambuco e posteriormente dos seus aliados tais quais: Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, do império brasileiro, além do fato destas províncias se unirem e formarem uma república.

Mapa do Império do Brasil até 1828. Depois de 1828 a Província da Cisplantina (hoje o Uruguai) foi devolvida aos espanhóis. 
D. Pedro I agiu com extrema violência decretando a execução de muitos dos conspiradores da confederação, incluindo frei Caneca um dos principais idealizadores do movimento. Com a repreensão da Confederação por um lado o império legitimou sua autoridade, mas por outro isso só fez piorar sua visão como um governo tirânico e opressor. No final de 1824 a 1825 ocorreu o reconhecimento oficial da independência do Brasil perante a Portugal. Os Estados Unidos foram os primeiros a reconhecerem tal separação. Depois vieram os ingleses, alegando como forma de reconhecimento a renovação dos acordos comerciais com a Inglaterra, e por fim a própria Portugal a qual cobrou uma taxa de indenização do Brasil (2 milhões de libras esterlinas) para reconhecer sua independência. Nos anos seguintes, outros países reconheceram a legitimidade do império brasileiro.

Bandeira do Império do Brasil
Decretada em 25 de março de 1824, a primeira Constituição brasileira visava consolidar o poder monárquico do país, além de legitimar sua influência sobre todas as províncias, mediante ao judiciário, legislativo e executivo, se contrapondo a algumas propostas da Constituição da Mandioca. Entretanto para contragosto dos constitucionalistas, um quarto poder fora criado, o Poder Moderador, o qual dava voto de intervenção ao imperador, para nomear políticos, cargos públicos, eclesiásticos. Decretar sentenças judiciais. Adiar e proibir reuniões das assembleias e das câmaras dos deputados, senadores etc.
“E, mesmo detendo tantos poderes, o Imperador mais uma vez não poderia ser responsabilizado por seus atos, sendo uma pessoa considerada inviolável e sagrada”. (LINHARES (org), 1990, p. 213).

Sob tal óptica, o imperador se fazia retratar-se quase como se ainda estivesse no período do Antigo Regime, da época dos monarcas absolutistas.

“A Constituição de 1824, fiel à direta lição de Benjamin Constant, autor que, na hora, ofusca Rousseau, situa no poder moderador “a chave de toda a organização política”, poder delegado “privativamente ao imperador, como chefe supremo de nação e o seu primeiro representante, para que, incessantemente, vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos” (art. 98). (FAORO, 1984, p. 290).

Outros dos aspectos da constituição era a oficialização do catolicismo com religião do império, o direito de voto, para homens maiores de 25 anos, com uma taxa “x” de faturamento. Entretanto os homens mais pobres se tornavam eleitores de segundo grau para elegerem um de primeiro grau, e este por sua vez eleger ou se candidatar aos cargos públicos.

“A esta também caberia, tal como previa Constituinte, propor, recusar e aprovar os Projetos de Lei, fixar anualmente o orçamento público e as forças armadas, repartir os impostos diretos e autorizar à contração de empréstimos, assegurando-se, ainda, a inviolabilidade dos parlamentares pelas opiniões pronunciadas no exercício de suas funções”. (LINHARES (org), 1990, p. 213).

Quanto à questão da escravidão, esta ainda permaneceria legalizada no país, mantendo muito dos aspectos antigos. Porém a concessão de alforria iria aumentar nos anos seguintes, devido à pressão feita pela Inglaterra. Não obstante, mesmo assim uma enorme leva de cativos ainda entrariam no país pelo porto de Guanabara para trabalhar nas plantações de café.

D. Miguel
Entretanto os anos a partir de 1826 marcariam a derrocada do governo de D. Pedro I. O rei D. João VI havia morrido, e D. Pedro nomeara sua filha Maria da Glória como sucessora ao trono. Devido ao fato dela ser apenas uma criança, não pode assumir o trono, e isso coube ao irmão de D. Pedro, D. Miguel, o qual se casou com sua sobrinha e assumiu a regência. Posteriormente isso geraria um conflito entre os dois irmãos. Além do fato do problema da sucessão do trono português, o Brasil entrou em guerra contra a Argentina devido à posse da Cisplatina, guerra esta que durou até 1828, deixando ambos os países com grandes prejuízos na economia do país. No caso do Brasil houve uma queda na exportação do açúcar, um aumento nas importações, gerando um desequilíbrio na balança comercial, além do encarecimento de mercadorias do comércio interno como couro, leite e carne vindos das províncias do sul. Somando isso aos constantes protestos dos partidos de esquerda a imagem do governo imperial decaía perante seus súditos.

O ano de 1831 foi um ano conturbado para o governo do Brasil. Devido aos problemas vistos no ponto anterior, isso levou um gradativo descontentamento não somente da esquerda liberal, mas, também do próprio povo, que sofria com uma economia instável prejudicando desde os produtores de café até os pequenos lavradores. Além disso, havia os problemas sociais e os protestos contra o governo. Em um artigo do jornal a Aurora Fluminense, o senhor Escragnolle Dória diz o seguinte:

“O Brasil estava descontente: descontente de tudo, do Imperador e dos seus ministros, da guerra do Sul, do erário vazio, do espírito da indisciplina que grassava por todo o país. “Todos desobedeciam no tablado político como embarcações manobradas por inexperientes comparsas, passando aos trancos e barrancos no fundo palco, puxados por cordas que muitas mão moviam. As autoridades mostravam-se impotentes. Não se podia contar com as tropas. A policia, cega, operava a torto e a direito. O povo buscava atrair forças da guarnição, açulando seu pundonor, estimulando suas antipatias; noite e dia, sob os olhos do governo, bandos sinistros e negros... e mulatos passavam e tornavam a passar armados de pistolas e facas, prolongando a anarquia sob pretexto de guardarem a ordem. Ódios de nacionalidades silvavam como serpentes enfurecidas”. (LIMA, 1986, p. 19).

Sob tal ponto de vista de uma pessoa que vivenciou este acontecimento histórico, dá para se notar o clima tenso que o império passava nessa época. O povo estava descontente com D. Pedro, e este próprio estava descontente com o “povo” o qual ele lutou para defender. Além disso, também havia uma falta de interesse do imperador nesse ano para a política do país, já que este estava mais interessado no que estava ocorrendo em Portugal, sob a regência de seu irmão. Para muitos historiadores este fora o ponto chave para a abdicação de D. Pedro, sua falta de apoio do Estado e do povo, e ao contrário, a falta de crença do povo brasileiro em seu imperador. Tais faltos culminaram em 7 de abril de 1831, quando oficialmente D. Pedro fora forçado a pedir abdicação do trono, e nomear o seu filho como seu sucessor o jovem Pedro de Alcântara com apena cinco anos de idade na época.
Pintura retratando a abdicação de D. Pedro I ao trono do Brasil em 7 de abril de 1831. 
“O 7 de abril logo de inicio revestiu-se de um significado de ruptura em relação ao período anterior e de grandes esperanças e expectativas para os contemporâneos da época, sobretudo para aqueles que participaram mais ativamente de sua realização”. (LINHARES (org), 1990, p. 221).

O sentimento de antilusitanismo fora essencial para a deflagração dessa dita “revolução do 7 de abril” que depôs o imperador do Brasil. O povo brasileiro via nos portugueses a personificação da ideia de colonialismo, da opressão que estes fizeram no passado e a todos os problemas que viam ocorrendo nos últimos anos. Dessa forma, D. Pedro I seguiu viagem para Portugal, deixando seu filho no Rio de Janeiro, devido a este ser muito novo, fora estabelecido uma junta governante para administrar o país até a maior idade do príncipe.

NOTA: A Constituição da Mandioca recebeu esse nome, devido ao fato, de que os homens que detinham o direito ao voto, só poderiam votar devido a possuirem uma renda "x" para ter esse direito. Tal renda era avaliada no valor de sacas de farinha de mandioca.
NOTA 2: Um dos motivos pela Constituição da Mandioca não ter sido aceita, foi o fato de que ela não permitia a autoridade de intervenção do Poder Moderador, como ocorre na Constituição de 1824.
NOTA 3: Tendo deixado o Brasil, D. Pedro I retorna para Portugal para confrontar seu irmão. A disputa dos dois ficou conhecida como Guerra Civil Portuguesa ou Guerras Liberais (1832-1834). No fim a vitória fora de D. Pedro e de sua filha, Maria II de Portugal.
NOTA 4: D. Pedro I morreu aos 36 anos em 1834, vítima de tuberculose o qual contraíra durante a guerra contra seu irmão. Ele faleceu no Palácio de Queluz, mesmo local de seu nascimento.
NOTA 5: De 1831 a 1840 o Brasil foi governado por uma Junta Governante, até ocorrer em 23 de julho de 1840 o Golpe da Maioridade, pondo oficialmente o príncipe-regente como novo imperador do Brasil, sob o nome de D. Pedro II, o qual tinha 16 anos na época. 

Referências Bibliográficas:

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro - volume I, Porto Alegre, Globo, 6ª ed, 1984.
FREITAS, Décio. Os Guerrilheiros do Imperador, Rio de Janeiro, Graal, 1978.
FREITAS, Marcos César (org). Historiografia brasileira em perspectiva, São Paulo, Contexto, 5ª ed, 2003.
LIMA, Manuel de Oliveira. O Império Brasileiro: 1822-1889, Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 1986.
LINHARES, Maria Yedda (org). História Geral do Brasil, Rio de Janeiro, Campus, 5ª ed, 1990.
MALERBA, Jurandir (org). A independência brasileira: novas dimensões, Rio de Janeiro, Editora FGV, 2006.
URICOECHEA, Fernando. O Minotauro Imperial, Rio de Janeiro, Difel, 1978.

LINKS:
http://www.culturabrasil.org/primeiroreinado.htm
http://www.monarquia.org.br/portal/
http://www.museuimperial.gov.br/portal/
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm
http://www.infoescola.com/historia/guerra-da-cisplatina/

sábado, 5 de junho de 2010

São Jorge e o Dragão

Ícone de S. Jorge, século XIII.
São Jorge da Capadócia (275?-303) teria nascido por volta do século III na Capadócia, região hoje da atual Turquia. Naquela época, essa região pertencia ao Império Romano. De acordo com os poucos relatos de sua vida, Jorge teria logo cedo entrado para o exército romano, onde passou a seguir carreira. Mas, em um determinado momento ele recebeu ordens para executar alguns cristãos, mas devido ao fato de ser um adepto do Cristianismo, teria recusado a cumprir tais ordens. Então como crime de insubordinação, ele fora condenado a morte, tendo sido decapitado no ano de 303. Em 313, o imperador romano Constantino, o Grande junto como o imperador romano do Oriente, Lícinio, firmaram o chamado Édito de Milão, o qual punha um fim a perseguição religiosa e legalizava o culto de outras religiões entre os súditos do império. Assim, o Cristianismo no Império Romano, deixou de ser perseguido, e o próprio Constantino se tornou o primeiro imperador romano a se converter ao Cristianismo. Anos depois em 393, o imperador Teodósio, o Grande decretou que o Cristianismo seria a religião oficial do império.

Assim, muitos santos mártires começaram a ganhar maior reconhecimento entre os cristãos e o culto dos mesmos se disseminou como forma de legitimar a nova religião oficial do império. Pelo fato de Jorge ter sido um militar romano e defensor dos cristãos, se tornou um desses mártires que tivera o culto difundido para além da Turquia.

Vista área das peculiares formações rochosas da Capadócia. 
O culto a São Jorge se espalhou de forma relativamente rápida, pois quase dois séculos após a sua morte, já haviam igrejas em sua homenagem. Porém, um dos fatores que contribuiu para a disseminação do culto a São Jorge, foi sua ligação ao exército e posteriormente na transformação do mesmo como uma figura que representava o idílico cavaleiro cristão que levava a palavra do Senhor aos pagãos e combatia o mal.

Devido a essa associação bélica, missionária e espiritual, alguns reis da Europa passaram a se tornar devotos de São Jorge, ou a fundarem ordens militares como a Ordem Militar de São Jorge em Gênova na Itália, criada pelo rei Frederico III da Alemanha ou a Ordem da Jarrateira, criada em 1330 pelo rei Eduardo III da Inglaterra. São Jorge também é o padroeiro da Inglaterra, de Portugal, da Catalunha, da Lituânia, da cidade de Moscou, além de outras cidades na França, Itália, Grécia e na América Latina.

Fotografia de 1920 da Igreja de São Jorge na Lida em Israel. Os restos mortais do santo se encontram sepultados aqui.
Esse reconhecimento feito pela realeza ao culto do santo contribuiu para difundir e popularizar seu culto entre o povo. Tal fato levou até mesmo a criação de dias litúrgicos para cada país ou a utilização de símbolos associados ao santo como a Cruz de São Jorge, que se tornou uma medalha militar usada na Inglaterra, ou que passou a estampar bandeiras como a dos ingleses e dos gregos e até mesmo foi usada como símbolo pela Ordem dos Templários durante as Cruzadas


Além de ser utilizada na bandeira da Inglaterra, a cruz de São Jorge também estampa a bandeira da Escócia e do Reino Unido. 

Embora, São Jorge da Capadócia seja um santo reconhecido pelas Igrejas Católica, Ortodoxa e Anglicana, com a colonização portuguesa na costa ocidental da África e posteriormente no Brasil, o culto de S. Jorge assim como de outros santos católicos foi associado as religiões de matriz-africana, como a Umbanda e o Candomblé, onde o mesmo é associado ao orixá Ogum, o qual personifica a masculinidade, os ofícios de ferreiro, caçador, agricultor e guerreiro. 


O orixá Ogum é associado a São Jorge.
A lenda da luta contra o dragão

Entretanto a história do dragão, é algo que veio surgir em algum período obscuro da Idade Média. Não se tem certeza hoje em que época tal história se originou. Entretanto, nesse artigo não irei buscar sua origem ou narrá-la, mas, sim elaborar uma análise desta lenda, referente ao contexto cristão da época. O que dizia o simbolismo, a metáfora do dragão para os cristãos medievais?

A história começa com S. Jorge viajando para o Oriente em missão de converter os pagãos e os infiéis (termo usado para se referir aos muçulmanos), e em sua viagem ele ficou sabendo da história de uma cidade que estava sendo assolada por uma terrível fera, um dragão. Esta cidade teria oferecido a sua princesa como sacrifício a terrível besta para por um fim aos seus ataques. Então São Jorge sendo um nobre servidor da Igreja e de Deus, partiu para salvar a princesa e a cidade, e derrotar a temível fera. Tendo pondo um fim ao monstro, Jorge salvou a princesa, a cidade, e livrou o mundo do mal, e garantiu que aquele povo se convertesse ao Cristianismo. Em meio a este enredo de contos de fadas, do nobre cavaleiro, do terrível dragão e da donzela em perigo, esta história esconde um simbolismo profundo e impregnado de fé e soberania. Já que eu já falei de São Jorge, irei tratar da questão da imagem do dragão. O que o dragão representa nesta história, e a semelhança desta história com outras lendas e mitos de diferentes povos. Na qual a essência é a mesma: a vitória do Bem contra o Mal.

Não se sabe ao certo se no passado houve dragões, ou eles não passaram da descrição fantasiosa de répteis reais (a zoocriptologia estuda a plausibilidade da existência de supostos monstros). Entretanto é de fato que em diferente épocas da História, em diferentes lugares e culturas, se fala de histórias sobre dragões. Mas, nessas histórias essa criatura é vista de formas diferentes.

Em geral, um dragão é representando como uma criatura grande, horrenda, coberta de escamas mais duras que pedra ou metal; que cospe fogo, que possui asas de morcego, que possui várias cabeças ou não; e seu instinto é a crueldade pura. Porém, a seguir será apresentado algumas histórias que se falam de dragões, e seus atributos simbólicos.

Dentro da história da Canção dos Nibelungos, um poema medieval escrito em língua alemã, narra-se a história de um guerreiro chamado Siegfried ou Sigurd. Tendo este valente guerreiro confrontado o terrível dragão Fafnir. Não me prendendo muito ao mito, Siegfried de posse de sua espada mágica, derrota a fera e lhe rouba os tesouros que guardava. Em muitas outras histórias os dragões são representados como guardiões de tesouros. Para alguns mitólogos, esse fato, serve como uma metáfora para retratar a ganância do homem. Se o dragão é um ser ligado ao mal, a ganância como sendo algo ruim, é simbolizada por este. Sendo assim, o fato do dragão guardar um tesouro e não deixar que ninguém o pegue, perfaz esta condição. Tal história também é vista no poema épico Beowulf, no qual o herói enfrenta um terrível dragão no final da história, sendo este dragão guardião de um tesouro.

No livro O Hobbit de J. R. R. Tolkien, o autor fala de um grande e poderoso dragão chamado Smaug, o qual guardava um grande tesouro na Montanha Solitária, local para onde Bilbo Bolseiro, Gandalf, 13 anões e dentre outros vão em busca de tais riquezas. Nesses três casos citados acima, a imagem do dragão se faz negativa, e representa a avareza dos sentimentos humanos. Porém nem todos os dragões eram vistos como criaturas totalmente cruéis. 

No Oriente, como no caso da China, Japão e Coreia, os dragões são vistos não somente como feras, mas, como manifestações da natureza, já que para eles estes controlavam elementos da natureza, como o vento, chuva, neve, seca, terremotos, etc. Sendo assim, o dragão era um ser sagrado, sábio e poderoso. Ainda hoje se fazem rituais para honrar tais criaturas, como por exemplo a Dança do Dragão.

O dragão Shenlong. Senhor dos ventos e das chuvas.
Shenlong é o dragão que controla os ventos e as chuvas. Sendo feito em sua homenagem oferendas por boas chuvas para ajudar na colheita. Quando ficava furioso, ele gerava tempestades de seus rugidos.

Quando o cristianismo aportou no Oriente por volta do século XVI, trazido principalmente pelos jesuítas portugueses, aos impérios Chinês e Japonês, locais onde havia o culto ao dragão, tais rituais e festividades foram condenadas como heréticas, e de adoração ao Diabo. Entretanto, o cristianismo não conseguiu abolir as religiões Taoísta (China) e Xintoísta (Japão), diferente do que ocorreu na Europa e nas Américas, onde ele prevaleceu sobre as religiões ditas pagãs.

Já que vimos a simbologia do dragão em alguns aspectos, como ser cruel e como ser divino, irei passar para a visão do dragão na Bíblia. Para o cristianismo a imagem do dragão fora ligado diretamente a serpente do Éden, que simboliza o Pecado Original, e ao próprio Diabo. Em alguns momentos da Bíblia, haverá referências a essas criaturas, principalmente no livro do Apocalipse.

Na história de São Jorge, como tanta outras já vistas, a luta contra o dragão perfaz a luta do Bem contra o Mal. O santo representando o poder de Deus, da Luz, da salvação, e o dragão, o Mal, as Trevas, a perdição. Mas, por outro lado, a importância desta história possui mais dois fatos interessantes a serem comentados. Primeiro, fora algo comum a absorção de lendas e cultos pagãos pela Igreja Católica como forma de atrair seguidores. Como maior exemplo temos a data de 25 de dezembro, a qual marca o "nascimento" de Jesus Cristo. Embora que na realidade Jesus não nasceu em dezembro, pois ainda hoje é questionável em que mês e em que ano ele realmente nasceu. 

Mas, a data 25 de dezembro é uma data na qual muitos povos antigos cultuavam o solstício de inverno um momento importante para o calendário das colheitas, da natureza e da astronomia e astrologia, pois era o indicativo do final do ano e que com este a primavera estava por vir. Nesse ponto a segunda questão que tenho a assina-lá é que esta história representa a vitória do cristianismo sobre o paganismo, o qual é representado pelo dragão. E no fim, isso leva a conversão de novos fiéis, e a aumentar a devoção dos cristãos pelos santos e pelo poder da Igreja e de Deus. Tal história era uma forma de difundir entre os cristãos a dádiva que seus santos realizavam sobre o mundo.

"Como os heróis pagãos, os santos cristãos tinham um desempenho ambíguo, ora virtuoso ora vingativo". (FRANCO JR, 1996, p. 64).

"Aí o papel dos santos era, pelo exemplo do martírio e das virtudes, conquistar novos adeptos para a causa de Deus". (FRANCO JR, 1996, p. 222).

NOTA: A história de Siegfried é também contada na Saga dos Voslungos, no Edda em verso e em outros poemas.
NOTA 2: O compositor Richard Wagner compôs uma ópera intitulada Siegfried (1871). Além desta ópera, Siegfried é uma personagem recorrente em outras óperas que compõem o Anel do Nibelungo.
NOTA 3: São Jorge é considerado o santo padroeiro do time de futebol brasileiro Corinthians e do time espanhol do Barcelona.
NOTA 4: Na cultura popular atual, é comum se ouvir muitas músicas nacionais e até mesmo internacionais sobre São Jorge, além da venda de camisas e medalhas com sua imagem. Devido a sua associação como guerreiro e ao mesmo tempo protetor.
NOTA 5: Em muitos países cristãos católicos romanos, São Jorge é padroeiro da cavalaria dos exércitos, o que inclui o Brasil.  

Referências Bibliográficas:
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Eva Barbada: Ensaios de Mitologia Medieval, São Paulo, Editora USP, 1996.
Grande Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo, Nova Cultural, 1998.

LINKS:
Libreto original de Siegfried com tradução em português (ópera)
http://www.muitamusica.com.br/992-zeca-pagodinho/65407-lua-de-ogum/letra/
http://letras.terra.com.br/jorge-ben-jor/75518/
http://www.dancadodragao.com.br/