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Leandro Vilar

terça-feira, 18 de junho de 2013

Raça e Cultura

Essa postagem consiste em cinco capítulos do livro Raça e História do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009), publicado pela UNESCO em 1952. Lévi-Strauss teve como base para escrever este livro, algumas de suas viagens pelo mundo, dentre elas o período que viveu, trabalhou e viajou pelo Brasil nos anos 30, onde fora professor de Sociologia na Universidade de São Paulo

1. Raça e Cultura

Falar da contribuição das raças para a civilização mundial poderia assumir um aspecto surpreendente em uma coleção de textos destinados a lutar contra o preconceito racial. Teria sido inútil consagrar tanto tempo e esforço para demonstrar que, no estado atual das ciências, nada permite afirmar a superioridade ou a inferioridade intelectual de uma raça em relação a outra, para depois restituir a importância da noção de raça, demonstrando que os grandes grupos étnicos trouxeram, enquanto tais, contribuições específicas para o patrimônio comum da humanidade.

Nada mais longe do nosso objetivo, o que apenas conduziria a formulação da doutrina racista ao contrário. Quando procuramos caracterizar as raças biológicas mediante propriedades psicológicas particulares, afastamo-nos da ciência, quer essa relação seja feita de maneira positiva ou negativa. Não devemos esquecer que Gobineau (2), para quem a história haveria de guardar o lugar de pai das teorias racistas, não concebia a pretensa "desigualdade das raças humanas" de uma maneira quantitativa mas sim qualitativa. Para ele, as grandes raças primitivas que formavam a humanidade nos seus primórdios – branca, amarela, negra – não eram só desiguais em valor absoluto, mas também diversas nas suas aptidões particulares.

O efeito negativo da degenerescência estava, segundo ele, mais ligado ao fenômeno da mestiçagem do que a posição de cada uma delas numa escala de valores comum; e destinada, portanto, a atingir a humanidade inteira, condenada ao processo crescente de miscigenação(3). Mas o pecado original da antropologia consiste na confusão entre a noção puramente biológica da raça (supondo, por outro lado, que mesmo neste campo limitado esta noção possa ter qualquer objetividade, o que é contestado pela genética) e as produções sociológicas e psicológicas das culturas humanas. Bastou Gobineau ter cometido este pecado para ficar preso ao círculo infernal que conduz de um erro intelectual, não necessariamente de má-fé, à legitimação involuntária de todas as tentativas de discriminação e de exploração.

Por outro lado quando falamos de contribuição das raças humanas para a civilização não queremos dizer que as manifestações culturais da Ásia ou da Europa, da África ou da América, extraiam sua originalidade do fato destes continentes serem, na sua maioria, povoados por habitantes de troncos raciais diferentes. Se a originalidade da sua contribuição existe – e não há dúvidas sobre isso – ela está mais relacionada com circunstâncias geográficas, históricas e sociológicas do que com aptidões distintas ligadas a constituição anatômica ou fisiológica de negros, amarelos ou brancos.

Mas não se pode deixar para segundo plano um aspecto igualmente importante da história: esta não se desenvolve uniformemente, mas através dos extraordinariamente diversos modos de sociedades e civilizações. Esta diversidade intelectual, estética e antropológica não está ligada por nenhuma relação de causa e efeito àquela que existe no plano biológico entre determinados aspectos observáveis dos grupos humanos – apenas correm paralelas, mas em terrenos diferentes. E ao mesmo tempo distingue-se dela por dois aspectos importantes. Em primeiro lugar, a diversidade sociológica situa-se numa outra ordem de grandeza: existem muito mais culturas humanas do que raças(4).

Enquanto as culturas podem ser contadas aos milhares, as raças contam-se pelas unidades; por outro lado duas culturas pertencentes a uma mesma raça podem diferir tanto ou mais que duas culturas provenientes de grupos raciais diferentes. Em segundo lugar, ao contrário da diversidade entre as raças, que apresentam como principal interesse a sua origem histórica e a sua distribuição no espaço, a diversidade entre as culturas coloca uma série de problemas.

Por fim e sobretudo devemos perguntar em que consiste esta diversidade, com o risco de ver os preconceitos raciais apenas arrancados da sua base biológica para voltarem em novo campo. Seria inútil conseguir que o homem comum(5) deixe de atribuir um significado intelectual ou moral ao fato de alguém ter a pele negra ou branca, ou o cabelo liso ou crespo, para permanecer em silêncio face a uma outra questão. Se não existem aptidões raciais inatas, como explicar que a civilização desenvolvida pelo homem branco tenha feito os imensos progressos que conhecemos, enquanto as outras permanecem atrasadas, umas a meio do caminho, e outras submetidas a um atraso de milhares ou dezenas de milhares de anos?(6)

Não podemos, portanto, pretender resolver negativamente o problema da desigualdade racial se não nos debruçarmos também sobre o da desigualdade – ou melhor, da diversidade – das culturas humanas, que o público em geral relaciona com a racial.

2. Diversidade das culturas

Para compreender como, e em que medida, as culturas humanas diferem entre si, devemos, em primeiro lugar, catalogá-las. Mas é aqui que começam as dificuldades, porque as culturas humanas não diferem entre si do mesmo modo, nem no mesmo plano. Estamos, primeiro, diante de sociedades justapostas no espaço, umas ao lado das outras, umas próximas, outras mais afastadas, mas contemporâneas, compartilhando o mesmo tempo cronológico.

Depois, devemos levar em conta as formas de vida social que se sucederam no passado e que não podemos conhecer por experiência direta. Qualquer homem pode se transformar em etnógrafo e ir partilhar a existência de uma sociedade que o interesse; mas, mesmo que se transforme em historiador ou arqueólogo, nunca poderia entrar em contato direto com uma civilização desaparecida; só poderia ter um acesso indireto, através dos documentos escritos a seu respeito, ou dos objetos, ferramentas, obras de arte e outros registros que esta sociedade porventura tiver deixado(7).

Enfim, não devemos esquecer que mesmo as sociedades contemporâneas que continuam a ignorar a escrita, aquelas a que chamamos de “selvagens” ou “primitivas”, foram, também elas, precedidas por outras formas, cujo conhecimento é praticamente impossível, mesmo de maneira indireta; um catálogo cuidadoso, portanto, deveria reservar um número de itens em branco infinitamente maior do que aqueles em que somos capazes de escrever qualquer coisa. Impõem-se uma primeira constatação: a diversidade das culturas é no presente, e também foi no passado, muito maior e mais rica que tudo o que pudermos dela conhecer.

Mas, mesmo se tomados por um sentimento de humildade e convencidos desta limitação, encontraremos outros problemas. Que devemos entender por culturas diferentes? Algumas assim parecem, mas quando fazem parte de um tronco comum, não diferem da mesma forma que duas sociedades que em nenhum momento mantiveram relações. Assim, o antigo Império Inca do Peru, e o Daomé na África, diferem entre si de maneira mais absoluta do que, por exemplo, a Inglaterra e os Estados Unidos de hoje, se bem que estas duas sociedades também devam ser tratadas como sociedades distintas.

Inversamente, sociedades que estabeleceram contato recentemente parecem oferecer a imagem de uma mesma civilização, ainda que tenham seguido caminhos diferentes. Operam simultaneamente, nas sociedades humanas, forças que atuam em direções opostas, umas tendendo para a manutenção, e mesmo para a acentuação dos particularismos, outras agindo no sentido da convergência e da afinidade. O estudo da linguagem oferece exemplos surpreendentes de tais fenômenos.

Assim, ao mesmo tempo que as línguas de uma mesma raiz apresentam tendências para se diferenciar umas das outras (tais como o russo, o francês e o inglês(8)), línguas de origens diversas, mas faladas por povos que vivem próximos, desenvolvem características comuns; por exemplo, o russo diferenciou-se, sob determinados aspectos, de outras línguas eslavas para se aproximar, pelo menos por determinados traços fonéticos, das línguas urálicas e turcas faladas na sua vizinhança geográfica.

Quando estudamos tais fatos – e poderíamos achar exemplos similares em outros domínios, tais como instituições sociais, arte, religião – acabamos por perguntar se as sociedades humanas não se definem, face as suas relações mútuas, por um determinado grau ótimo de diversidade para além do qual elas não poderiam ir, mas abaixo do qual também não podem ficar. Este grau ótimo de diversidade variaria em função do número das sociedades, do seu tamanho demográfico, do seu afastamento geográfico, e dos meios de comunicação (materiais e intelectuais) de que dispõem.

Com efeito, o problema da diversidade não se põe apenas a nível das relações entre sociedades diferentes, como também dentro de cada sociedade em particular, entre os grupos que na constituem: classes sociais, categorias profissionais, grupos religiosos, e assim por diante; cada grupo atribui uma extrema importância a essas diferenças que os distinguem uns dos outros.

Podemos perguntar se esta diversificação interna não tende a aumentar quando a população cresce, ou por outro lado, quando se torna mais homogênea; esse talvez tenha sido o caso da Índia antiga, com o aparecimento de um sistema de castas após o estabelecimento da hegemonia ariana(9).

Vemos, portanto, que a noção da diversidade das culturas humanas não deve ser concebida de uma maneira estática, como a que encontramos em um catálogo de amostras dissecadas. É indubitável que os homens elaboram culturas diferentes em função do afastamento geográfico, das propriedades particulares do seu meio, e do maior ou menor grau de isolamento em relação ao resto da humanidade; mas isso só seria rigorosamente verdadeiro se cada cultura ou cada sociedade não tivesse nenhuma ligação com as demais, se tivessem se desenvolvido isoladas umas das outras. Ora, isso nunca aconteceu, salvo talvez em casos excepcionais como o dos aborígenes tasmanianos (e mesmo assim, apenas por um período limitado de tempo).

As sociedades humanas nunca se encontram isoladas; quanto mais separadas parecem, ainda é sob a forma de grupos ou de agrupamentos que vamos encontrá-las. Assim, não é exagero supor que as culturas norte-americanas e as sul-americanas tenham permanecido separadas de todo contato com o resto do mundo durante um período cuja duração se situa entre 10 e 25 mil anos. Mas este enorme fragmento por tanto tempo separado da humanidade, consistia, na verdade, numa multidão de sociedades, grandes e pequenas, que mantinham entre si contatos estreitos.

E a par com as diferenças devidas ao isolamento, existem aquelas, também importantes, devidas a proximidade: do desejo de oposição, de se distinguir, de serem elas próprias. Muitos costumes nascem não de qualquer necessidade interna ou acidente favorável, mas apenas da vontade de não ficar para trás em relação a um grupo vizinho que submeteu a determinadas regras um domínio da vida social sobre a qual o primeiro nunca havia pensado instituir normas. Portanto, a diversidade das culturas humanas não deve induzir a uma observação fragmentária ou fragmentada. Ela é menos função do isolamento dos grupos, do que das relações entre eles.

3. O etnocentrismo

A atitude mais antiga e que repousa, sem dúvida, sobre fundamentos psicológicos sólidos, pois tende a reaparecer em cada um de nós quando somos colocados numa situação inesperada, consiste em repudiar pura e simplesmente as formas culturais, morais, religiosas, sociais e estéticas mais afastadas daquelas com que nos identificamos. “Costumes selvagens”, “isso não é nosso”, “não deveríamos permitir isso”: são expressões que fazem parte de um sem-número de reações grosseiras que traduzem este mesmo calafrio, esta mesma repulsa, em presença de maneiras de viver, de crer ou de pensar que nos são estranhas.

Deste modo, a Antiguidade designava tudo o que não participava da cultura grega, (depois greco-romana) com o nome de bárbaro; em seguida, a civilização ocidental utilizou o termo selvagem no mesmo sentido. Ora, por detrás destes termos dissimula-se um mesmo juízo: é provável que a palavra bárbaro tenha origem etimológica na confusão e desarticulação do canto das aves em oposição ao valor significante da linguagem humana(10); e selvagem, que significa “da floresta”, evoca também um gênero de vida animal, por oposição a cultura humana. Recusa-se, tanto num como no outro caso, a admitir o próprio fato da diversidade cultural, preferimos jogar para fora da cultura tudo o que não esteja de acordo com as normas sociais existentes.

E, no entanto, parece que a diversidade das culturas raramente apareceu aos homens tal como é: um fenômeno natural, resultante das relações diretas ou indiretas entre as sociedades; sempre se viu nela, pelo contrário, uma espécie de monstruosidade ou de escândalo; em termos de diversidade cultural, o progresso do conhecimento não consistiu tanto em dissipar esta ilusão em proveito de uma visão mais exata, mas em aceitá-la, ou em encontrar um meio de a ela se resignar.

Este ponto de vista ingênuo, mas profundamente enraizado na maioria dos homens, não necessita ser discutido uma vez que a coletânea de textos do qual este faz parte é precisamente a sua refutação. Bastará observar aqui que ele encobre um paradoxo bastante significativo. Esta atitude do pensamento, em nome da qual se colocam os “selvagens” (ou todos aqueles que escolhemos considerar como tais) para fora da humanidade, é justamente a atitude mais marcante e a mais distintiva destes mesmos selvagens. Sabemos, na verdade, que a noção de humanidade, englobando, sem distinção de raça ou de civilização, todas as formas da espécie humana, teve um aparecimento muito tardio e uma expansão limitada(11). Mesmo onde ela parece ter atingido o seu mais alto grau de desenvolvimento, não existe qualquer certeza, tal como a história recente o prova, de estar estabelecida ao abrigo de equívocos ou de regressões(12).

Mas, para vastas parcelas da espécie humana, e durante dezenas de milênios, esta noção parece estar totalmente ausente. A humanidade acaba nas fronteiras da tribo, do grupo linguístico, por vezes mesmo, da aldeia; a tal ponto que um grande número de populações ditas primitivas se designam por um nome que significa os “homens” (ou, por vezes, com menos discrição, os “bons”, os “excelentes”, os “perfeitos”), implicando assim que as outras tribos, grupos ou aldeias, não participam das virtudes ou mesmo da natureza humana, mas são, quando muito, compostos por “maus”, “perversos”, “macacos de terra”, ou “ovos de piolho”(13).

Chegando-se mesmo, na maior parte das vezes, a privar o estrangeiro do ultimo grau de realidade, fazendo dele um “fantasma” ou uma “aparição”. Assim acontecem curiosas situações onde os interlocutores tem atitudes simétricas. No Caribe, alguns anos após a descoberta da América, enquanto os espanhóis enviavam comissões de investigação para indagar se os indígenas possuíam ou não alma, estes dedicavam-se a afogar os brancos feitos prisioneiros para verificar se o cadáver estava sujeito a putrefação... Esta anedota, simultaneamente barroca(14) e trágica, ilustra bem o paradoxo do relativismo cultural que vamos encontrar mais adiante revestido de outras formas: é na própria medida em que pretendemos estabelecer uma discriminação entre as culturas e os costumes que nos identificamos mais completamente com aqueles que tentamos negar. Recusando a humanidade àqueles que identificamos como “selvagens” ou “bárbaros”, não fazemos mais que copiar-lhes as suas atitudes. O bárbaro é, antes de mais nada, o homem que crê na barbárie.

É verdade que os grandes sistemas filosóficos e religiosos da humanidade, sejam eles o budismo, o cristianismo ou o islamismo; as doutrinas estoica, kantiana ou marxista, se insurgiram constantemente contra esta aberração. Mas a simples proclamação da igualdade natural entre todos os homens, e da fraternidade que os deve unir, sem distinção de raça ou cultura, tem qualquer coisa de enganador para o intelecto, porque negligencia uma diversidade de fato, que se impõe à observação, e em relação a qual não basta dizer que não vai ao âmago do problema, para fingir que não existe. O que convence o homem comum da existência das raças, como reconhece a declaração da Unesco sobre a questão das raças(15), é “a evidência imediata dos seus sentidos, quando vê juntos um africano, um europeu, um asiático e um índio americano”.

As grandes declarações dos direitos do homem tem, também elas, esta força e esta fraqueza de, ao enunciar um ideal grandioso, esquecer que o homem não realiza a sua natureza numa humanidade abstrata, mas nas culturas tradicionais onde mesmo as mudanças mais revolucionárias deixam intactos enormes setores da vida em sociedade(16); essas declarações se explicam também em função de uma situação bem definida no tempo e no espaço.

Preso entre a dupla tentação de condenar experiências que o chocam afetivamente e de negar as diferenças que ele não compreende intelectualmente, o homem moderno entregou-se a toda a espécie de especulações filosóficas e sociológicas para estabelecer vãos compromissos entre estes polos contraditórios; e para perceber a diversidade das culturas procurando suprimir o que ela contem, para ele, de escandaloso e de chocante.

Mas, por mais diferentes e, por vezes, bizarras que possam ser, todas estas especulações se reduzem a uma mesma receita, de que o termo falso evolucionismo é, sem duvida, o mais adequado para caracterizar. Em que consiste ela? Trata-se de uma tentativa para suprimir a diversidade das culturas fingindo conhecê-las completamente. Por que, se tratarmos os diferentes estados em que se encontram as sociedades humanas, tanto antigas como longínquas, como estados ou etapas de um desenvolvimento único que, partindo do mesmo ponto, deve convergir para o mesmo fim, deduzimos que a diversidade é apenas aparente.

A humanidade torna-se una e idêntica a si mesma, só que esta unidade e esta identidade não se realizam senão progressivamente, e a variedade das culturas ilustra os momentos de um processo que dissimula uma realidade mais profunda, ou retarda a sua manifestação.

Esta definição pode parecer sumária quando temos presentes as imensas conquistas do darwinismo(17). Mas não é o darwinismo que está em causa, porque evolucionismo biológico e o pseudo-evolucionismo que aqui tratamos são duas coisas muito diferentes. A primeira nasceu como uma vasta hipótese de trabalho, baseada em observações em que havia pouca necessidade de interpretação. Os vários tipos que constituem a genealogia do cavalo podem ser ordenados numa série evolutiva por duas razões; primeiro, é necessário um cavalo para engendrar outro cavalo; segundo, as camadas de terreno sobrepostas historicamente contém esqueletos que variam gradualmente desde a forma mais arcaica até a mais recente. Torna-se assim altamente provável que o Hipparion seja o verdadeiro antepassado do Equus caballus. O mesmo raciocínio provavelmente pode ser aplicado a espécie humana e às raças que a constituem.

Mas quando passamos dos fatos biológicos para os fatos culturais as coisas complicam-se de uma maneira singular. Podemos recolher em sítios arqueológicos objetos materiais e constatar que a forma ou a técnica de produzir um determinado objeto varia progressivamente de acordo com a profundidade das camadas geológicas. E, no entanto, um machado não dá fisicamente origem a outro machado, tal como acontece com o animal. Dizer que um machado evoluiu a partir de um outro é apenas uma metáfora, desprovida do rigor cientifico da expressão quando aplicada aos fenômenos biológicos.

O que é verdadeiro para os objetos materiais, é ainda mais para as instituições, as crenças, os gostos, cujo passado geralmente desconhecemos. A noção de evolução biológica é uma hipótese das mais prováveis nas ciências naturais, enquanto a noção de evolução social ou cultural não constitui, quando muito, um processo algo sedutor, mas perigosamente cômodo, de apresentar os fatos.

Aliás, esta diferença, a maior parte das vezes negligenciada, entre o verdadeiro e o falso evolucionismo, explica-se pelas suas respectivas épocas de aparecimento. O evolucionismo sociológico recebeu um vigoroso impulso do evolucionismo biológico, mas é anterior a ele. Sem remontar às concepções da Antiguidade, retomadas por Pascal, comparando a humanidade a um ser vivo que passa por fases sucessivas da infância, da adolescência e da maturidade, foi no século XVIII que assistimos ao florescimento dos esquemas fundamentais que viriam a ser depois objeto de tantas manipulações: as “espirais” de Vico, as suas “três idades”, já anunciando os “três estados” de Comte, a “escada” de Condorcet.

Os dois fundadores do evolucionismo social, Spencer e Tylor, elaboraram e publicaram a sua doutrina antes do aparecimento da Origem das espécies, ou sem a ter lido. Anterior ao evolucionismo biológico, teoria cientifica, o evolucionismo social não é, na maior parte das vezes, senão a maquiagem falsamente científica de um velho problema filosófico para o qual não há qualquer certeza de solução através da observação e da indução.

4. Culturas arcaicas e culturas primitivas

Sugerimos que qualquer sociedade pode, segundo o seu próprio ponto de vista, dividir as culturas em três categorias: as que são suas contemporâneas, mas situadas em outro lugar do globo, as que se manifestaram aproximadamente no mesmo lugar, mas que a precederam no tempo e, finalmente, as que existiram num tempo anterior e num lugar diferente.

Vimos que estes três grupos podem ser conhecidos de forma desigual. No último caso e quando se trata de culturas sem escrita, sem ter deixado algum tipo de construção, e com técnicas rudimentares (e que são a enorme maioria), nada podemos saber sobre elas, e tudo o que tentamos saber a seu respeito não passam de hipóteses. Por outro lado, é extremamente tentador procurar estabelecer, entre as diversas culturas do primeiro grupo, relações que correspondem a uma ordem de sucessão no tempo. Como é que sociedades contemporâneas, que continuam a ignorar a eletricidade e a máquina a vapor, não evocariam a fase correspondente do desenvolvimento da civilização ocidental? Como não comparar as tribos indígenas, sem escrita e sem metalurgia, gravando figuras nas paredes das rochas e fabricando utensílios de pedra, com as formas antigas das nossas civilização, cuja semelhança é atestada pelos vestígios encontrados nas grutas da França e Espanha?(18)

Foi aí sobretudo que o falso evolucionismo se propagou. E, no entanto, este jogo sedutor a que nos entregamos quase irresistivelmente todas as vezes que temos ocasião para isso (não se compraz o viajante ocidental em encontrar a “idade média” no Oriente, o “século de Luís 14” na Pequim de antes da Primeira Guerra Mundial, a “idade da pedra” entre os indígenas da Austrália ou da Nova Guiné?) é extraordinariamente pernicioso.

Das civilizações desaparecidas, conhecemos apenas alguns aspectos e estes diminuem à medida que são mais antigas, pois os aspectos conhecidos são os únicos que puderam sobreviver à destruição do tempo. O processo consiste, pois em tomar a parte pelo todo, em concluir que, a partir do fato de que duas civilizações (uma atual, a outra desaparecida) ofereçam semelhanças em alguns aspectos, pode-se estender a analogia à todos os aspectos. Ora, esta maneira de raciocinar não só é logicamente insustentável, mas ainda, num bom número de casos, é desmentida pelos fatos.

Até uma época relativamente recente, os tasmanianos e os patagônios possuíam ferramentas de pedra lascada, e certas tribos australianas e americanas ainda os fabricam. Mas o estudo destes instrumentos ajuda-nos muito pouco a compreender o seu uso no período paleolítico. Como eram, então, usados os famosos machados de pedra oval, cuja utilização devia, no entanto, ser de tal forma precisa, que a sua forma e técnica de fabricação permaneceram padronizadas de maneira rígida durante cem ou duzentos mil anos, e num território que se estendia da Inglaterra à África do Sul, da França à China?

Para que serviam as extraordinárias peças feitas com a técnica Levallois, pedras lascadas de formato triangular que encontramos às centenas nos jazigos e que nenhuma hipótese consegue explicar completamente? O que eram os pretensos “bastões de comando”(19) em osso de rena? Qual poderia ser a tecnologia da cultura tardenoisense que deixou para trás um número inacreditável de minúsculos pedaços de pedra polida, com formas geométricas infinitamente diversificadas, mas muito poucos utensílios na escala da mão humana?

Todas estas incertezas mostram que entre as sociedades paleolíticas e determinadas sociedades indígenas contemporâneas existe uma semelhança – serviram-se de utensílios de pedra polida. Mas mesmo no plano da tecnologia, torna-se difícil ir mais longe; o emprego dos materiais, os tipos de instrumentos, e, portanto o propósito com que eram usados, eram diferentes, e mesmo neste aspecto limitado um grupo nos ensina muito pouco em relação ao outro.

Como poderíamos então aprender qualquer coisa sobre linguagem, instituições sociais ou crenças religiosas? Uma das interpretações mais populares inspiradas pelo evolucionismo cultural trata as pinturas rupestres legadas pelas sociedades do paleolítico médio como figurações mágicas ligadas a rituais de caça.

O raciocínio é o seguinte: as populações primitivas atuais têm rituais de caça, que a maior parte das vezes, nos aparecem desprovidos de valor utilitário; as pinturas rupestres pré-históricas, tanto pelo seu número como pela sua localização, bem no fundo das cavernas, não aparentam ter qualquer valor utilitário; os seus autores eram caçadores, logo podemos concluir que eram usadas em rituais de caça. Basta enunciar esta argumentação para se perceber sua inconsequência.

Além disso, é sobretudo entre os não-especialistas que ela ganha força, porque os etnógrafos estão de acordo em afirmar que nada, nos fatos observados, permite formular qualquer hipótese sobre a natureza destas pinturas. E, já que falamos das pinturas rupestres, sublinharemos que, à exceção das sul-africanas (consideradas por alguns como obras recentes(20)), as artes “primitivas” estão tão afastadas da arte do Paleolítico(21) como da arte europeia contemporânea. Porque esta se caracteriza por um elevado grau de estilização, indo até às deformações mais extremas, enquanto a arte pré-histórica oferece um realismo surpreendente.

Poderíamos cair na tentação de ver nesta última a origem da arte europeia, mas isso seria inexato, uma vez que, no mesmo território, a arte paleolítica foi seguida por outras formas que não apresentam as mesmas características; a continuidade do lugar geográfico não muda o fato de que sobre o mesmo solo se sucederam diferentes populações, alheias à obra dos seus antecessores, e trazendo cada uma consigo crenças, técnicas e estilos diferentes.

O ponto que as civilizações da América pré-colombiana atingiram na véspera da descoberta evocam o período neolítico europeu. Mas também esta comparação não resiste a um exame mais atento; na Europa, a agricultura e a domesticação de animais caminham de mãos dadas, enquanto na América, um desenvolvimento excepcional da agricultura é acompanhado pela quase completa ignorância (ou, de qualquer modo, por uma extrema limitação) do criação de animais domésticos.

Na América, o uso de utensílios de pedra convive com uma economia agrícola que na Europa está associada ao início da metalurgia. É inútil multiplicar os exemplos. Porque a tentativa de conhecer a riqueza e a originalidade das culturas humanas, só para tomá-las como réplicas atrasadas da civilização ocidental, choca-se com uma outra dificuldade que é muito mais profunda. De uma maneira geral (e excetuando a América, a qual voltaremos) todas as sociedades humanas têm atrás delas um passado aproximadamente da mesma ordem de grandeza.

Para considerar determinadas sociedades como “etapas” do desenvolvimento de outras, seria preciso admitir que enquanto com umas se passava qualquer coisa, com outras não acontecia nada, ou muito pouco.

E, na verdade, falamos dos “povos sem história” (para dizer, por vezes, que são “os mais felizes”). Esta forma elíptica significa apenas que sua história é e continuará a ser desconhecida, não a sua inexistência. Durante dezenas e mesmo centenas de milênios, também nesses povos existiram homens que amaram, odiaram, sofreram, inventaram, combateram.

Na verdade, não existem povos crianças, todos são adultos, mesmo aqueles que não deixaram um diário de infância e da adolescência. Poderíamos, na verdade, dizer que as sociedades humanas utilizaram desigualmente um tempo passado que, para algumas, teria sido mesmo um tempo perdido; que umas andavam rapidamente, enquanto outras divagavam ao longo do caminho. Seríamos assim conduzidos a distinguir duas espécies de histórias: uma progressiva, aquisitiva, que acumula os achados e as invenções para construir grandes civilizações; e uma outra história, talvez igualmente ativa e empregando outros dons, mas a que faltasse o talento da síntese.

Cada inovação em vez de acrescentar às anteriores, e orientadas no mesmo sentido, dissolver-se-ia numa espécie de onda que nunca consegue se afastar por muito tempo da direção original. Esta concepção parece muito mais flexível e matizada que as visões simplistas descritas anteriormente. Podemos guardar um lugar para ela na nossa tentativa de interpretação da diversidade das culturas sem sermos injustos com as demais. Mas, antes, é necessário que examinemos várias questões.

...

NOTAS:

1 Race et Histoire foi publicado na coleção Le racisme devant La Science, © Unesco 1960. Publicado no Brasil na coletânea em dois volumes Raça e ciência, Ed. Perspectiva, 1970. Além dessa, atualmente há outra edição disponível, publicada por uma editora portuguesa (que é a mesma da coleção Pensadores da Abril). Como a intenção da coleção era atingir um público amplo, a própria Unesco preparou as traduções. A versão em português é muito acidentada, para dizer o mínimo: há erros crassos de tradução e de revisão.
2 Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882): intelectual e escritor francês, ficou famoso por desenvolver a teoria da superioridade racial ariana em seu livro Um ensaio sobre a desigualdade das raças. Para uma história das teorias raciais e seu impacto no Brasil ver O espetáculo das raças: cientistas, instituições e a questão racial no Brasil, 1870-1930 de Lilia Moritz Schwarcz (Cia das Letras, 1993).
3 Processo que está ligado ao das migrações, por sua vez, tão antigo quanto as primeiras civilizações. A era das navegações e a grande migração para as Américas teve com consequência uma intensificação ainda maior do encontro de culturas, sem falar da globalização nas últimas décadas. Enfim, seria possível deduzir das palavras de Lévi-Strauss que o intercâmbio e o cruzamento de povos e culturas é da própria natureza da história em geral, e ainda mais no caso da Civilização Ocidental, o que coloca sob outra luz a questão das migrações.
4 O site www.cultures.com é dedicado à documentação de culturas, antigas e modernas.
5 “Homem de rua”, no original. Nos anos 50 ainda estava fresca a lembrança dos horrores da Segunda Guerra Mundial, quando em muitos países, principalmente na Alemanha e na Itália, o racismo foi abraçado por enormes parcelas da população, enfim, pelo “homem de rua”.
6 Referência a maioria dos países da África e da Ásia, em grande desvantagem econômica em relação aos países industrializados nos anos 50 quando este ensaio foi redigido. O extraordinário desenvolvimento econômico alcançado por alguns países da Ásia nas últimas décadas, principalmente Coreia do Sul e China, não prejudica o argumento.
7 É o caso, por exemplo, das tribos de caçadores coletores que habitavam o continente sul-americano antes da chegada dos europeus. Ver Os índios antes do Brasil, de Carlos Fausto (Jorge Zahar Editor, 2000).
8 As três línguas provêm do mesmo tronco linguístico indo-europeu.
9 A civilização que floresceu no vale do rio Indus entre 3.000 e 1.300 AC, aproximadamente, constituiu uma das grandes civilizações da Antiguidade. No seu auge, entre 2.600 e 1.900 AC, pode ter chegado a abrigar uma população de mais de cinco milhões de habitantes, maior, portanto, do que a de muitos países da Europa no início do século 21.
10 Alguns sugerem que a palavra venha de pa-pa-ro, uma imitação linguística onomatopáica do sons e erros gramaticais feitos pelos não-gregos ao tentar falar o grego.
11 O autor se refere ao Iluminismo no plano das idéias, e a “era das Revoluções” no plano político, com seu ideal igualitário sintetizado no célebre lema “liberdade, igualdade e fraternidade”. O ideal iluminista acreditava que a razão venceria a irracionalidade e o preconceito. As duas guerras mundiais na primeira metade do século 20 foram várias vezes interpretadas como uma evidência de que esse ideal teve um alcance muito limitado.
12 Referência à Alemanha, onde o iluminismo parecia ter alcançado seus voos mais altos, mas onde no entanto, o nazismo floresceu.
13 Grave ofensa em francês equivalente a chamar alguém de “parasita”.
14 “Barroca” aqui no sentido de bizarra.
15 Declaração da Unesco sobre a questão das raças, redigida e publicada em 18 de julho de 1950, primeira de uma série de quatro proposições sobre o tema. Lévi-Strauss participou da elaboração deste primeiro documento. Novas versões foram publicadas em 1951, 1967 e 1978.
16 Apesar do enorme prestígio dos ideais revolucionários no pós-Guerra, Lévi-Strauss aqui já parece desiludido com a possibilidade de transformação das revoluções políticas. A União Soviética, por exemplo, ainda tinha muito prestígio entre intelectuais quando da publicação deste ensaio. A queda do Muro de Berlim, no entanto, mostrou o quanto muitas características da sociedade russa permaneceram inalterados, apesar da revolução de 1917.
17 Ressalva que só se tornou ainda mais importante desde a publicação deste ensaio, com os enormes avanços ocorridos na genética e na biologia, e que tomam o evolucionismo biológico como paradigma fundamental. Os avanços nas chamadas ciências da vida tiveram enorme impacto também na antropologia. Ver M. Susan Lindre, Alan Goodman, e Deborah Heath, “Anthropology in an Age of Genetics: Practice, Discourse, and Critique” em Genetic Nature/Culture, Goodman et al. University of Californa Press, 2003. (Reunião de trabalhos apresentados no simpósio da Fundação Wenner-Gren realizado em Teresópolis, RJ, entre 11 e 19 de junho de 1999).
18 As pinturas nas cavernas de Chauvet, no sul da França, constituem o tema do premiado filme de 2010 do cineasta alemão Werner Herzog Cave of Forgotten Dreams. No YouTube há trechos deste documentário, inclusive o trailer oficial.
19 Nome dado pelos arqueólogos a um artefato pré-histórico, feito de osso e perfurado. Não se sabe exatamente sua função, e por isso o termo “bastão de comando”, tem sido substituído por “bastão perfurado” (ou pierced rod em inglês).
20 Lévi-Strauss se refere aqui à arte da cultura san (também chamados de bushmen, sho, barwa, kung, ou khwe), tribos de caçadores-coletores que viveram no sul da África por milhares de anos, e dos quais restam poucos remanescentes.
21 Veja a galeria de arte pré-histórica.











domingo, 9 de junho de 2013

Frei Leandro do Sacramento: o botânico do Brasil

Em 2011, em visita ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro, oficialmente chamado Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, me deparei com o busto de um homem chamado Frei Leandro do Sacramento, onde no busto dizia que o mesmo havia sido o primeiro diretor do jardim (1824-1829). Todavia, decidi investigar um pouco mais sobre tal personagem, e encontrei poucas informações acerca do mesmo. 

Porém, passados alguns anos, em minhas pesquisas para outros objetivos me deparei com dois documentos publicados na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (RIGHB), onde ambos faziam menção a vida e obra de Frei Leandro, considerado um proeminente clérigo, professor, filósofo natural e botânico em seu tempo. Neste texto, vos trago o resultado de minhas pesquisas, sobre esse personagem brasileiro pouco conhecido de nossa história, mas que deixou importantes contribuições para a botânica e a organização do maior jardim botânico do Brasil. 

Além desses dois documentos, encontrei também várias menções breves ao frei em obras diversas, publicadas nas primeiras décadas do século XX, contudo, os dois textos publicados no IHGB são os mais completos sobre a vida desse botânico, o qual foi o primeiro professor de botânica e agricultura de uma Cátedra de Botânica e Agricultura criada no Brasil, por ordem de D. João VI; como foi o primeiro professor oficial de botânica do país, além de ter sido o primeiro diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, inclusive responsável sob ordem do imperador D. Pedro I de se transformar o antigo Real Horto Botânico, de um simples jardim da realeza num jardim para estudos botânicos e agrícolas. 

Nascimento e formação educacional: 

Muitos aspectos da vida de Leandro do Santíssimo Sacramento ainda são desconhecidos, de fato nem ao menos se sabe o dia e mês que ele nasceu. Outro fato é que, Leandro era um homem modesto e atencioso a suas atividades de professor, botânico e frei. Conhece-se mais sobre sua obra do que alguns aspectos de sua vida. 


Leandro nasceu no ano de 1778 em Recife, Pernambuco. Era filho de Jorge Ferreira da Silva e de Theresa de Jesus. Seus pais eram católicos devotos, e isso influenciou na educação e formação de Leandro, o qual por volta de seus 16 anos entrou no seminário, vindo em 5 de maio de 1798 a jurar sua regra, se tornando um frei da Ordem do Carmo, um carmelita. Frei Leandro como passou a ficar mais conhecido, se tornou um dos mais importantes carmelitas brasileiros em seu tempo e na história do Brasil, importância essa advinda mais de seu trabalho como botânico e não como religioso propriamente. José de Saldanha da Gama, seu primeiro biógrafo conhecido, o descreveu como tendo sido um homem alto, bastante magro, a ponto de salientar-se as costelas em sua carne. Tinha o maxilar relativamente protuberante; cabelos e pequenos olhos escuros e brilhantes, e tinha a tez parda (Roquette Pinto usava a expressão tez de trigueiro). Gama também falara que Leandro possuía uma saúde frágil, algo que o fizera adoecer várias vezes ao longo da vida, embora que isso nunca chegou a impedi-lo de fazer o que gostava: trabalhar ao ar livre, dando aula e catalogando as espécies vegetais. 

Leandro era descrito como sendo um homem atencioso aos deveres eclesiásticos e aos estudos; gostava bastante de ler e de explorar a natureza, era gentil, modesto, humilde, determinado a cumprir seu dever, um homem meigo e que gostava de ensinar, assim como falara o Fr. Pedro, bispo de Chrysopolis na época. 


Leandro conseguiu de sua ordem, o direito de viajar para Portugal a fim de ter uma formação superior. Fr. Leandro ingressou na Universidade de Coimbra onde se formou em Filosofia e Ciências Naturais em 1806. Embora tenha estudado geografia, história natural, zoologia, mineralogia, etc., foi a botânica que mais lhe chamou a atenção. Seu professor de botânica foi o notório botânico Félix de Avelar Brotero (1744-1828) como atesta uma nota encontrada no volume um da Flora Brasiliense. Brotero era um botânico respeitado, autor da Phitographia Lusitanae, obra na qual registrou mais de 1800 espécies vegetais, considerada uma das obras de botânica mais importantes de seu tempo. Leandro formou-se em 1806 em Ciências Naturais, tendo defendido a tese de doutorado intitulada: Theses ex philosophia naturali Conimbricio. No mesmo ano retornou para o Brasil, de volta a Recife, onde retomou seus afazeres como frei e professor nas escolas carmelitas.


Em 1808, ele publicou seu primeiro livro, intitulado Memória sobre as Nitreiras Naturais ou Artificiais deste País, o qual já expunha sua visível predileção pela botânica. De acordo com Roquette Pinto, segundo Sacramento Blake, a obra escrita por Leandro, foi encomendada pela Junta do Governo de Pernambuco, e posteriormente enviada para o Rio de Janeiro, ao ministro D. Rodrigo de Souza Coutinho em 22 de abril de 1808, pouco mais de um mês depois da chegada da Família Real Portuguesa ao Rio de Janeiro.

Até o final da vida ele escreveria outros trabalhos, dos quais alguns apresentarei mais adiante, todavia, suas obras são pouco conhecidas no Brasil, mas ironicamente, como Gama [1869] apontara, ainda no século XIX, os trabalhos de Frei Leandro eram mais conhecidos em Paris no que no Rio de Janeiro, local onde ele viveu e trabalhou por vários anos. De qualquer forma, o trabalho de Leandro seria reconhecido posteriormente, quando recebera um convite da Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro, fundada em 1813 por D. João VI (1767-1826). Sobre a nomeação de Leandro para o cargo de lente em botânica e agricultura, o Decreto Régio de 9 de dezembro de 1814 diz o seguinte:

"Cadeira de Botânica e Agricultura na Corte - "Entrando essencialmente os estudos de botânnica e agricultura no Curso de Filosofia que deve servir de preliminar ao de Cirurgia, e no de Medicina que me proponho criar neste Estado do Brasil; e tomando em consideração as grandes vantagens que se devem esperar da propagação de tão importantes conhecimentos num país dotado pela natureza de tão ricos produtos, e que por falta de bons princípios de agricultura não tem chegado à prosperidade que lhe é destinada: hei por bem criar nesta Corte uma Cadeira de Botânica e Agricultura, nomeando lente dela Fr. Leandro do Sacramento, religioso carmelita calçado da província de Pernambuco e licenciado em filosofia pela Universidade de Coimbra pelos conhecimentos e qualidades que nele concorrem, com o ordenado de 400$000 (400 contos de réis) pagos em quartéis pelo meu Real Erário. (Decreto de 9 de dezembro de 1814)". (MOACYR, 1936, p. 58). 


Mudança para o Rio de Janeiro: o botânico e o professor

Frei Leandro mudou-se para a capital da colônia em 1815, a fim de se tornar o primeiro professor de botânica não apenas da Academia Médica-Cirúrgica, mas da cidade do Rio de Janeiro, e segundo Gama, até mesmo o primeiro do Brasil, pois a Cátedra de Botânica e Agricultura era até então inédita como visto no decreto acima citado, e havia uma demanda para a formação de botânicos, pois os poucos que existiam haviam se formado na Europa ou eram europeus, principalmente franceses, ingleses e alemãs. 

"Antes de Leandro do Sacramento e de Fr. Azevedo nenhum brasileiro alcançou a gloria de assumir a posição de professor de botanica na cidade do Rio de Janeiro. Nem o próprio Velloso, em que reconhecemos mais merito pelo maior numero de serviços que prestou, conseguiu abrir o precedente dos cursos de botanica, unico meio, quando bem comprehendido, de divulgar a belleza e utilidade da sciencia dos vegetaes". (GAMA, 1869, p. 188). 

Frei Leandro embora tenha se tornado lente (professor) de botânica e agricultura, também de vez em quando dava aulas de filosofia, geologia, zoologia, geografia, mineralogia, etc. O frei ao lado do botânico e zoologista Fr. José da Costa Azevedo, do Barão de Eschwege (que era mineralogista), e do naturalista João da Silva Fiejó, foram incumbidos pelo Conde da Barca em 1817, de inspecionar e avaliar uma coleção de conchas e ágatas orientais que pertenciam a Francisco Antonio Cabral, o qual pretendia vender sua coleção. O conde assinalava que dependendo da inspeção dos quatro membros da Academia Médica-Cirúrgica, a coleção seria adquirida para o museu da academia. Esse é um dos poucos documentos que restaram, onde frei Leandro exercia outra função ligada a outra área de estudo, embora como sendo Doutor em Ciências Naturais, ele aprendeu um pouco de tudo destas ciências. 

No entanto, sua principal função era lecionar botânica. De acordo com a pesquisa de Gama, a primeira turma que o frei teve, contou com 12 inscritos, mas apenas quatro concluíram o curso, pois os demais não costumavam comparecer a todas as aulas. Grande parte dos documentos e escritos sobre Leandro se perderam no incêndio que houve na Academia Médico-Cirúrgica, na época que esta se encontrava no Morro do Castelo, local que foi demolido para se fazer o atual Aterro do Flamengo. Porém entre os poucos documentos que se salvaram, se encontra algumas notas acerca da sua primeira turma a qual se formara em 1815, como atesta o parecer do próprio frei.

"No dia treze de Março do anno de mil oitocentos e quinze deu principio a aula de agricultura e botanica, sendo lente Fr. Leandro do Sacramento, e alumnos que vão abaixo mencionados, e para constar passei este termo de minha letra e signal. Rio de Janeiro, 13 de Março de 1815. - Fr. Leandro do Sacramento". (GAMA, 1869, p. 190 apud SACRAMENTO, 1815). 

Os doze alunos iniciais foram:
  • Estevão Alves de Magalhães - voluntário. Reprovado
  • Antonio Americo de Uderzo - voluntário. Aprovado
  • Flavio Joaquim Alves - ordinário. Aprovado
  • José Joaquim da Silva - ordinário. Reprovado
  • Luiz Pereira da Rosa - ordinário. Reprovado
  • Emílio Manoel Moreira - ordinário. Reprovado
  • Domingos Ribeiro G. Peixoto - ordinário. Reprovado
  • Antonio Ildefonso Gomes - ordinário. Aprovado
  • José Bernadino de Senna - voluntário. Reprovado
  • José Maria do Carmo - voluntário. Reprovado
  • D. Francisco de Almeida - voluntário. Aprovado
  • Visconde de Barbacena - voluntário. Reprovado
As aulas começaram em março e terminaram em dezembro, onde apenas quatro alunos foram aprovados nos exames daquele ano. Outro detalhe que Roquette Pinto [1929] lembra, é que os alunos voluntários, seriam hoje em dia o que entendemos como alunos ouvintes, e neste caso o Visconde de Barbacena (Felisberto Caldeira Brant Pontes, foi o segundo visconde de Barbacena) só tinha treze anos de idade, como ele salienta, embora que o mesmo tenha morrido com mais de cem anos, como atestara Pinto que chegou a conhecer o visconde centenário em 1905. O visconde faleceu em 1906 aos 104 anos.

Embora, apenas quatro tenham se formando no ano de 1815, até o final da vida, outros mais se formariam com o padre-mestre Leandro. Todavia, embora alguns não frequentassem com assiduidade a academia, outros iam por mera curiosidade ouvir as palestras e aulas do frei, estas proferidas no Passeio Público

As aulas no Passeio Público:

O Passeio Público do Rio de Janeiro construído entre os anos de 1779 e 1786, a pedido do Vice-rei do Brasil, Luís de Vasconcelos e Sousa, o qual incumbira o escultor e arquiteto Valentim da Fonseca e Silva (c. 1745-1813), conhecido como "Mestre Valentim", notório escultor e arquiteto do final da época colonial, foi incumbido de esculpir e projetar a área desta praça que foi erguida no bairro da Lapa, sobre a Lagoa do Boqueirão da Ajuda ou Lagoa Grande, a qual foi aterrada com terra do Morro das Mangueiras, próximo a Avenida Mem de Sá, junto ao Morro Santa Tereza (conhecido também como Morro do Desterro). 

Mestre Valentim contou com a ajuda de dois escultores habilidosos do seu tempo. Francisco dos Santos Xavier, conhecido como Xavier das Conchas, pois uma de suas especialidades eram esculturas e enfeites com o uso de conchas; e, Francisco Xavier Cardoso Caldeira, conhecido como Xavier dos Pássaros, o qual admirador da natureza, era conhecido por suas estátuas de pássaros, dentre as quais uma série de belos tucanos. Além disso, eles também chegaram a construir dois pavilhões, Xavier das Conchas fez o pavilhão Mourisco, e Xavier dos Pássaros o pavilhão Apolo. Ambos foram destruídos ainda no século XIX em novas reformas do Passeio.

O Passeio Público do Rio de Janeiro foi inspirado no Passeio Público de Lisboa, e a ideia era urbanizar e tornar mais agradável aquela parte da cidade, que sofria com problemas ligados a poluição do local, além de surtos epidêmicos proveniente da lagoa que estava poluída por este tempo. O próprio vice-rei acabou adoecendo gravemente; na época as pessoas chamavam essa doença de "Lamparina", que por sua vez, de acordo com Pinto [1941], a palavra era uma corruptela da palavra "Zamperini", que por sua vez, era o sobrenome de uma famosa cantora que adoeceu em Lisboa de forma similar em 1770, de tal forma que a doença passou a ser associada ao seu nome. Roquette pinto assinala que a tal "Lamparina" fosse algum tipo de gripe.  

O Passeio do Rio foi o primeiro parque público das Américas. O Passeio Público ainda existe, embora bem diferente do que foi, no entanto, as obras de Mestre Valentim ainda podem ser vistas. 


Inauguração do Portão do Passeio Público. Ator anônimo, final do século XVIII. 
Quando Frei Leandro passou a ministrar suas aulas no passeio ainda em 1815, o local ainda não havia passado pela reforma de 1817, que marcaria a primeira grande reforma que o parque sofreria desde sua inauguração em 1783. Nesta época, foi erguido um pavilhão próximo ao Largo da Lapa. 

"As aula dos frade desdobravam-se muitas vezes à sombra de grandes árvores do parque. Em geral, funcionavam em um pavilhão que o padre Luiz Gonçalves dos Santos - (Padre Perereca) - descreveu como sendo 'muito elegante' e junto ao Largo da Lapa, construído de propósito para o curso de botânica, logo depois que Frei Leandro foi investido na direção do Passeio, pelo governo de D. João VI". (PINTO, 1941, p. 48). 

"A partir de 1815, tiveram início no Passeio as aulas de Botânica de Frei Leandro do Sacramento, ministradas em um pavilhão construído no canto do parque. Frei Leandro mantinha seu curso regular na Academia Médico-Cirúrgica, mas as aulas ao ar livre no Passeio atraíam dezenas de curiosos, como relatou Edgard Roquette-Pinto em 1940: Ali, ao que parece, era o seu auditório constituído pelo que de melhor havia entre os intelectuais da corte. Naquele tufo de verdura, que é uma alegria e um pequeno parque de história simples (...), nasceu o ensino das ciências naturais em nossa terra (...) Segundo o cronista, Frei Leandro ilustrava suas aulas com material colhido no próprio Passeio. A aula do Passeio Público tão notável na corte, fez com que Frei Leandro fosse chamado ao Jardim Botânico, relata Roquette-Pinto". (http://www.passeiopublico.com/htm/sec19.asp)

"As pessoas que interessavam-se pela botanica corriam pressurosas na direção do passeio publico nos dias determinados para as suas lições. Em parte alguma mais poesia, nem mais attraticvos, para ouvir-se contar as maravilhas das plantas, do que neste ponto da côrte, onde o movimento, a vida e as distracções proprias de uma grande capital eram esquecidos sob as copas frondosas das arvores seculares, que ahi viviam". (GAMA, 1869, 195).


Planta do Passeio Público após a reforma de 1817. O desenho do passeio fora baseado em desenhos franceses que por sua vez, basearam o Passeio Público de Lisboa.  
"Frei Leandro, além do mais, era mestre de raras prendas. Ilustrava todas as suas lições com o material que o Passeio Público lhe offerecia e tinha uma natural eloquencia simples e persuasiva, empolgante e colorida. (PINTO, 1929,  p. 353).  

O pavilhão onde Fr. Leandro ensinava, hoje não existe mais. Roquette Pinto acredita que o mesmo foi demolido por volta do ano de 1841.

Com o prestígio que ganhou nas aulas na Academia e no Passeio Público, além de seus trabalhos como botânico, Frei Leandro do Sacramento recebera em 1823 uma importante promoção, oferecida pelo próprio imperador do Brasil, D. Pedro I, o qual nomeara Leandro do Santíssimo Sacramento como primeiro diretor do Jardim Botânico da Lagoa de Rodrigo de Freitas, como se chamava na época o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. 

Em seu livro Memória Econômica sobre a Plantação, Cultura e Preparação do Chá, Leandro escrevera uma pequena nota, assinalando o fato que em março de 1824 se iniciava seu mandato como diretor do Jardim Botânico da Lagoa de Rodrigo de Freitas. 

Diretor do Jardim Botânico (1824-1829):

Leandro começou de fato a exercer suas atividades em março de 1824, onde permaneceria na direção por cinco anos, quando viria a falecer em 1829. Todavia, neste tempo, foi através da sua determinação e gosto pelos estudos e pela botânica, que frei Leandro transformou o antigo Real Horto Botânico, o qual era apenas um jardim de aclimatização e experimentação de cultivos, pois D. João VI pretendia desenvolver o cultivo de algumas especiarias, como noz moscada, canela, cravo-da-índia, pimenta, etc., na tentativa de conseguir exportar tais produtos para as nações amigas. 

O Real Horto Botânico foi criado em 11 de outubro de 1808 por D. João VI, na localidade do chamado "Engenho da Lagoa", onde o príncipe-regente ordenou a mudança da Casa da Pólvora que ele inaugurou em 13 de maio daquele ano, a qual inicialmente se encontrava na Raiz da Serra da Estrela, mas foi mudada de local para as terras do Engenho da Lagoa, onde ficou sob a inspeção do Brigadeiro Naplon. Com a criação do Real Horto Botânico, D. João VI designou o Marquês de Maricá para administrá-lo. Em 1819, o Real Horto se tornou anexo do Museu Nacional (não confundir com o atual Museu Nacional), o qual passou a ser dirigido por João Severino Maciel da Costa e João Gomes da Silveira Mendonça

O horto ficou aos cuidados do museu até o ano de 1822, quando um novo decreto publicado em 29 de fevereiro, o retirou da posse do museu e o deixou temporariamente a encargo do Ministério do Interior (mais tarde rebatizado como Ministério do Império). Em 13 de novembro de 1823, frei Leandro do Sacramento foi nomeado diretor do Jardim Botânico da Lagoa Rodrigo de FreitasCom a direção de Leandro, o jardim se tornou um local de pesquisas. De fato, como salientou José de Saldanha de Gama, o Jardim Botânico passou a ganhar um caráter científico a partir da direção de Leandro do Sacramento. 


Desenho da Casa da Pólvora e do "Engenho da Lagoa" em 1817, nas cercanias da Lagoa Rodrigo de Freitas. 
Até então aquela localidade que abrangia anteriormente propriedade do militar Rodrigo de Freitas Carvalho (1684-1748) o qual herdara aquelas terras de sua esposa Petronilha Fagundes, filha de Alberto Fagundes Varella. O engenho havia sido fundado em 1598 por Diogo de Amorim SoaresRodrigo após a morte da esposa retornou para Portugal em 1717 onde passou o resto da vida. 

Embora tenha ido embora, a lagoa que ficava em sua propriedade, continuou a ser chamada comumente de Lagoa de Rodrigo de Freitas, logo, quando D. Pedro I instituiu a mudança do nome de Real Horto Botânico, adotou-se Jardim Botânico da Lagoa Rodrigo de Freitas. Por sua vez, Roquette Pinto, em 1929, mostrava-se discordante de chamar a lagoa pelo nome do antigo senhor que havia ido embora. Pinto disse que a lagoa deveria se chamar Lagoa de Socopenapan, nome este de origem indígena, o qual segundo ele, traduzido seria "Lagoa das Garças". Embora que tal nome nunca chegou a se efetivar, e ainda hoje a lagoa possui o nome do português Rodrigo de Freitas. 


A Lagoa Rodrigo de Freitas ao pôr-do-sol. Félix Taunay, 1828. 
Embora tenha sido empossado em dezembro de 1823, Leandro começou os trabalhos em seu cargo apenas em março de 1824, onde ainda naquele ano uma das mudanças que ele sugeriu e ordenou a execução, foi a criação de um lago artificial, que hoje ainda existe e chama-se Lago de Frei Leandro. Parte da terra e das pedras que foram retiradas, hoje consiste o local onde se encontra o Memorial de Frei Leandro do Sacramento, o qual fica ao lado do seu lago.

Vista de um dos lados do Lago de Frei Leandro e em destaque a estátua da deusa grega Tétis. 
Na época da escavação do lago, Leandro costumava ver os escravos trabalharem, enquanto repousava sob uma jaqueira. O frei por esta época, já com mais de 40 anos de idade, já mostrava sinais de saúde debilitada. Fortes tosses as vezes o acometiam durante o dia e a noite, pois como Gama e Pinto apontam, Leandro sofria de enfisema pulmonar.


O Lago de Frei Leandro também é conhecido por suas vitória-régias. 
Além de ordenar a construção do lago, Leandro ampliou a área de cultivo e os limites do jardim, criou o cômoro da Casa dos Cedros, onde hoje fica seu memorial construído por Barbosa Rodrigues; trouxe novas plantas tanto do Brasil como de outros países, as quais foram plantadas ao longo do jardim; transformou o jardim de um simples local de aclimatização e passeio num local científico e de pesquisa, também criou um herbário para os estudos botânicos. Na biografia escrita por Gama o mesmo criticava a falta de investimentos da Corte no desenvolvimento do Jardim Botânico. 

Gama escreveu 40 anos após a morte de Frei Leandro, e no tempo do frei já havia queixas por parte dele e outros estudiosos, da falta de investimentos na educação e para as ciências. Por sua vez, Pinto em 1929, voltava a elucidar a falta de investimentos na educação, na tecnologia e nas ciências. Ele e Gama concordavam que Fr. Leandro foi um homem que se destacou em seu tempo, pois tentou fornecer ao país algo que lhe faltava: maior atenção e preocupação com a educação e as ciências. 

Outro aspecto que marcou a direção de Leandro foi seu envolvimento no cultivo de chá, algo iniciado no Real Horto a mando de D. João VI, o qual chegou a trazer alguns chineses como diz Pinto [1929; 1941]. O grupo de chineses vindos de Macau (colônia portuguesa na China) chegaram em 1814 ao Rio de Janeiro, onde se estabeleceram no Real Horto, a fim de desenvolverem o plantio de chá. Saint-Hilaire famoso naturalista francês em visita ao Rio em 1818, relata que visitou essa pequena colônia chinesa. D. Pedro I continuou com a ideia de se desenvolver uma vasta plantação de chá no país, então pediu que Leandro leva-se para frente tal iniciativa que não havia dado certo. 


O cômoro de Frei Leandro, onde hoje se encontra o seu memorial. 
"Fr. Leandro encontrou no Jardim Botânico a plantação de chá, uma parte em bom estado e outra quase sem vigor pelos obstaculos que a ella opunha o crescimento de plantas sylvestres. Cuidou logo de salvar esta plantação, e em colher todos os dados para a publicação de uma memória, em que pudesse transmitir aos agricultores os conhecimentos praticos adquiridos na industria a respeito d'esta utilissima planta". (GAMA, 1869, p. 200).

Em 7 de janeiro de 1825 frei Leandro recebeu um comunicado do imperador solicitando que prepara-se sementes de chá, cravo e outras plantas, para serem enviadas a outras províncias do país, a fim de iniciar-se o plantio das mesmas. Fora do Rio de Janeiro, apenas em São Paulo e Minas Gerais o cultivo de chá prosperou relativamente. Um dos motivos para o fracasso do cultivo de chá no Brasil não fora o clima, mas a falta de habilidade dos agricultores em cultivá-lo. Os chineses que eram os principais exportadores de chá na época, já faziam isso a séculos. Além do mais, o próprio Leandro cometera dois equívocos: primeiro ele confundira a família a qual as plantas de chá pertenciam:


"Logo no começo Frei Leandro errou de certo classificando a planta — Thea viridisna família das Euforbiáceas, de Jussieu. No entanto, não sei se a culpa cabe mais ao carmelita do que aos botânicos porque eles, já naquele tempo promoviam intérmina contradança na colocação das espécies. Certo é, como diz Saldanha da Gama, que o primeiro a se espantar da da colocação espécie entre as euforbiáceas seria, hoje, o próprio Frei Leandro, vendo que o chá é atualmente uma theacea ou umagordoniea tribu da família das termstremiaceas, na "Flora Brasiliense"". (PINTO, 1941, p. 53). 

O segundo engano que ele cometera,  se deu pelo fato dele acreditar que o chá só poderia ser plantado apenas a partir de suas sementes, mas posteriormente descobriu-se que mudas também poderiam ser usadas, e eram mais eficientes no planto. Sobre isso, eu voltarei a falar adiante, quando passarei a tratar de seu trabalho.

A jaqueira que Leandro costumava ficar enquanto repousava ainda existe, assim como, algumas mangueiras, eucaliptos, palmeiras, entre outras plantas que ele plantou, ainda se encontram vivas, após estes quase duzentos anos. 

O trabalho como botânico:

Nesta parte eu não irei me prender muito a falar do trabalho de Leandro do Sacramento por três motivos: primeiro, eu pouco conheço sobre botânica; segundo, muitas das suas obras são pouco conhecidas hoje; terceiro, o assunto pode-se tornar enfadonho para alguns leitores ou de pouca expressividade para os leitores mais atenciosos a esta questão. Quem tiver interesse de conhecer com maiores detalhes e linguagem técnica, aconselho ler a biografia feita por José de Saldanha da Gama, indicada na bibliografia final deste texto, onde o mesmo trata de forma mais específica e técnica as versatilidades da taxonomia vegetal do século XIX, no que levou a uma mudança de nomes, que acabaram tirando o prestígio de Leandro, como será visto. 

Leandro chegou a criar nove gêneros, embora que hoje apenas um lhe é creditado em total referência, pois os outros oito ou foram assimilados em outros grupos ou se tornaram sinônimos, como bem explica Gama. 

A primeira descoberta feita por Leandro, foi um novo gênero para a Família das Thymelaeaceae, onde ele criou o gênero Funifera, tendo a planta Funifera utilis, conhecida popularmente como embira-branca, sido sua primeira descoberta. Leandro publicou sua descoberta numa revista de botânica em Paris e em St. Petersburgo na Rússia, dizendo o seguinte acerca da aparência das folhas e flores:

"Flôres diocais. Calis herbaceo, tubuloso ou campanulado, 4 lobos, em geral pubescente, lobos iguaes, fauce com escamas. A flôr masculina contem 8 estames, em duas series, inserido no tubo ou na fauce do calis; filetes glabros; anthéras ovaes na fórma, e erectas, 8 escamas hypogynas, livres, de permeio com abundantes pellos. Pistillo rudimentario. Flôr feminina: calis persistente, limbo connivente. Ovario hirsuto, com uma loja, e uni-ovulado. Estylete terminal, filiforme, persistente, lateral; stigma capitado, e com papillos. O fructo é uma drupa secca, envolvido pelo calis, cariaceo, fragil, pericarpo, crustaceo, etc. Embryão sem perisperma; cotyledones carnudas, etc., etc". (GAMA, 1869, p. 203). 


Ilustração de um ramo de folhas e uma flor da embira-branca (Funifera utilis) planta catalogada por Leandro do Sacramento. 
Sua segunda descoberta foi o gênero Augusta, a partir da catalogação de uma pequena planta de flor dourada, a qual Leandro a chamara de Augusta chrysantha ou Augusta glandifora. Endlicher reconheceu a descoberta de Leandro, e a escreveu no livro Genera Plantarum, no entanto, outros botânicos chegaram a conclusão que o gênero Augusta era na realidade o mesmo gênero Stifia. O botânico J. Mikan já havia catalogado tal espécie, e a batizado de Stifia chrysantha, logo, os botânicos europeus deram privilégio a descoberta de J. Mikan em detrimento de um botânico brasileiro. Assim, hoje tal planta é oficialmente chamada de Stifia chrysantha e o nome Augusta é considerado um sinônimo. 


Foto de uma diadema, pompom, esponja de ouro, flor-da-amizade, rabo de cotia, etc. (Stifia chrysantha), chamada por Leandro de Augusta chrysantha
Posteriormente, Leandro catalogou outro gênero chamado por ele de Sanhilaria, porém os doutores europeus consideraram o novo gênero bastante similar ao Augusta, e decidiram unir os dois no gênero Stifia, logo, ambos constam como sinônimos. 

Posteriormente, Leandro e Velloso, outro importante botânico e naturalista da época se dedicaram a estudar a vasta Família das Euphorbiaceae, formada por 222 gêneros e 5.970 espécies. Na ocasião, Leandro e Velloso não chegaram a estudar as espécies das Euphorbiaceae que havia na Amazônia, mas dedicaram-se a estudar as que havia no Rio de Janeiro, onde Leandro descobriu uma espécie a qual batizara de Spixia heteranthe. Ele enviou sua descoberta e uma mostra desta planta para o renomado Dr. Martius, o qual também havia recebido outras amostras e notas sobre a mesma planta, enviados por outros botânicos, porém, Martius prezou pela descoberta de Leandro, mudando o nome para Spixia Leandri, em homenagem ao botânico brasileiro. Posteriormente, o botânico Baillon mudou o nome deste gênero para Pera, tornando Spixia um sinônimo. Hoje a planta se chama Pera Leandri


Ramo de folha de uma Pera Leandri.
O quinto gênero proposto por Leandro, foi o gênero Gymnarraoa, o qual Martius considerou como fazendo parte de uma seção do gênero Actinostemon. O sexto gênero teve o nome originário em uma homenagem ao botânico Jorge Langsdorff, a quem Leandro criou o gênero Langsdorffia. No entanto, o amigo de Leandro o notório botânico Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), após analisar as amostras que Leandro enviara acerca do gênero Langsdorffia chegou a conclusão que tais plantas eram iguais a que ele classificara como sendo o gênero Zantoxilum. Logo, alguns botânicos prezaram o nome sugerido por St. Hilaire, ficando o Langsdorffia como um sinônimo. 

O sétimo gênero criado, foi o Lathroeophila, o qual pertence a Família dos Balanophereas, onde Leandro descobriu que algumas das plantas desta família que existiam no Peru, também existiam no Brasil. Tais plantas são pequenas e parasitárias, as quais vivem de se alimentar das seivas de outras plantas. Embora tenha publicado sua descoberta nos Annaes das sciencias naturaes, a descoberta de Leandro foi desconsiderada de ser novidade, pois o botânico Richard anteriormente havia descoberto tais plantas e a classificado no gênero Helosis. Neste caso, a culpa não foi de alguns que quiseram mudar o nome, mas sim a falta de conhecimento de Leandro acerca do trabalho deste botânico.

Para homenagear o botânico italiano Giuseppe Raddi (1770-1829), Leandro criou o gênero Raddisia para a ordem das Hyppocrateceas. Embora tenha publicado sua descoberta pelo Instituto de Munique na Alemanha, Saint-Hilaire apontara que posteriormente sua descoberta foi considerada um sinônimo do gênero Salacia, o qual havia sido proposto por Carlos Lineu (1707-1778) o "Pai da Taxonomia". Roquette Pinto chama a atenção que no séculos XVIII e XIX não havia uma correspondência eficiente entre os institutos, academias, universidades e com seus pesquisadores e colaboradores, logo, era comum haver vários nomes para uma mesma espécie, gênero e família, como foi parcialmente visto aqui nesta parte do texto. Hoje, o índice taxonômico é mais organizado e coeso. 

A última descoberta importante de Leandro, foi uma espécie da sub-ordem das Papilionaceas, na qual Leandro a batizou de Martia physolades, nome que não foi aceito, assim como vários outros também propostos. Hoje tal planta se chama Clitoria glycinoides, nome proposto por Augustin de Candolle Píramo

Acerca dos livros e alguns artigos que Leandro do Sacramento escreveu, Roquette Pinto é quem melhor lista o trabalho do botânico em sua conferência apresentada no IHGB em 1929, em homenagem ao centenário da morte do frei. Pinto lembra que grande parte do trabalho de Leandro se perdeu nos incêndios na Academia Médico-Cirúrgica e no Convento dos Carmelitas no Rio de Janeiro, logo, as obras que ele cita são as mais conhecidas, embora que algumas não se possui exemplares, possivelmente perdidos para sempre.
  • Theses ex philosophia naturali Conimbricio (1806)
  • Memória sobre as Nitreiras Naturais ou Artificiais deste País (1808)
  • Águas minerais do Araxá, no Brasil (1817) - consiste numa carta-relatório ao Conde da Barca.
  • Instruções para os viajantes e empregados nas colônias sobre a maneira de colher, conservar e remeter objetos de história natural, aumentadas de algumas reflexões sobre história natural do Brasil e estabelecimento do Museu e Jardim Botânico em a Corte do Rio. (1819)
  • Memória econômica sobre a plantação, cultura e preparação do chá, Rio. (1825)
  • Memória sobre as Balanophoraceas. (perdido)
  • Compêndio de Botânica. (perdido)
A Memória econômica sobre a plantação, cultura e preparação do chá possivelmente seja a obra mais conhecida de Leandro do Sacramento, pois neste livro ele escreve na primeira parte acerca de questões botânicas de como classificar o gênero e espécie das plantas de chá, algo que ele acaba se equivocando como apontara Gama, e no segundo momento, ele dedica-se a descrever os cuidados para o cultivo de chá, preferindo solos argilosos ao invés de arenosos; certa quantidade de água, trato para limpar o campo, colher, etc. Pois a ideia do seu livro era servir de manual de agricultura. 

Além destas memórias os artigos que Leandro escreveu para os institutos botânicos europeus, são desconhecidos os paradeiros, embora sabe-se que Leandro foi filiado a alguns destes institutos: foi membro da Real Academia de Munique onde publicara alguns trabalhos, dos quais alguns foram aqui mencionados; era membro da Sociedade Hortícola de Londres, da Sociedade Real de Agricultura de Gand; Instituto Columbiano e até mesmo chegou a se corresponder com a Universidade de St. Petersburgo na Rússia. 

Na França, frei Leandro se correspondeu com o Museu Nacional de História Natural, algo intermediado e sugerido por seu amigo Auguste Saint-Hilaire. Como também correspondeu com o Jardim das Plantas (nome dado ao jardim botânico de Paris, que compreende parte do museu de história natural). Além destes institutos de pesquisa, Leandro também trocou cartas com outros botânicos e pesquisadores europeus no Brasil e na Europa. 

Em 1819 Leandro enviou para o Jardim das Plantas um exemplar de erva de Santa Luzia (Euphorbia brazilienses), além deste exemplar ele enviou outros, mas ao mesmo tempo também foi homenageado por seu desempenho. A planta Iolucroton fuscescens foi rebatizada para Croton tridesma leandri

Outra mostra que ele enviou foi a Dalechampia pentaphylla, a qual foi rebatizada em sua homenagem para Dalechampia leandri. Outras três homenagens lhe dada, foram: a Tetraplandra leandri, a Plukenetia occidentalis leandri, e o gênero Leandra da Família das Melastomaceae, criado por Giuseppe Raddi em retribuição a homenagem que o frei lhe havia feito. 

Foto de alguns ramos e flores de Pixirica (Leandra xanthocoma).


O geógrafo, geólogo e metalurgista alemão Barão W. L. von Eschwege (1777-1855), que chegou a trabalhar em Portugal e no Brasil, parabenizou Fr. Leandro por seu artigo sobre sobre As águas minerais do Araxá, local que o barão chegou a visitar em suas expedições. Além da parabenização, Eschwege traduziu o artigo para seu livro Pluto Brasiliense, publicado em Berlim em 1833. Tal obra foi traduzida para outras línguas, inclusive o português, onde se pode ver ao longo de três páginas o relato do experimento de Leandro acerca da amostra enviada por Eschwege. Pelo fato de ser algo bastante técnico, não coloquei aqui o relatório do experimento. 

"Acredito que os estudiosos acharão certo interesse em saber como se fazia análise de uma água, no Rio de Janeiro, em 1815. As notas do Frade, que Eschwege traduziu para o alemão, dizem em resumo que achou na Água do Salitre (nitrato de potássio): álcali vegetal nítrico (carbonato de potássio), álcali vegetal carbônico e álcali vegetal sulfúrico (sulfureto de potássio". (PINTO, 1941, p. 60). 

Sobre Auguste de Saint-Hilaire, esse se tornou famoso para o Brasil, pois visitou e percorreu o país por vários anos, escrevendo sobre a história natural e tendo deixado importantes livros sobre nossa fauna, flora, geografia, descrições de cidades, aspectos culturais, etc., totalizando mais de dez livros sobre o Brasil. Toda vez que ele ia ao Rio de Janeiro, ia visitar seu amigo Leandro do Sacramento e outros amigos, para por a conversa em dia e trocar novidades botânicas. 
Auguste de Saint-Hilaire
Em alguns dos seus livros, se encontra comentários e notas sobre conversas e cartas que Saint-Hilaire escrevera para Leandro e outras pessoas. "Tive também o prazer de me entreter frequentemente acerca de meus estudos favoritos com o meu amigo Frei Leandro do Sacramento, professor de botânica, e com vários estrangeiros, distintos igualmente por suas amabilidades, e por seus conhecimentos". (SAINT-HILAIRE, 1941, p. 241).
 Em seu livro Viagem pelo interior do Brasil, St-Hilaire dissera o seguinte sobre seu amigo: 

"O padre Leandro do Sacramento, professor de botanica, director do Jardim das Plantas do Rio de Janeiro, cultivava com vantagem a sciencia que o encarregaram d'ensinar, e possuia conhecimentos de chimica e zoologia. Deve-se a ele a analyse das aguas mineraes d'Araxá, observações botanicas impressas nas Memorias da Academia de  Munich, e uma memoria sobre as Archimedeas ou Balonophoreas que, segundo espero, será publicada brevemente. Leandro era um homem de costumes brandos, accessivel, cheio de candura e amabilidade. Acolhia os estrangeiros com benevolencia; e, cumpro dizê-lo, nem sempre foram reconhecidos para com elle. Como justificação das queixas que os brasileiros têm dos habitantes da Europa, basta citar o modo pelo qual fora tratado o padre Leandro. Communicou as suas colleções aos nossos navegantes; enviou plantas sêccas ao musêo de Paris; mandou seis caixas com plantas vivas ao governo francez com destino á colonnia de Cayenna, e foi em vão que, por muito tempo, eu e o consul de França no Rio de Janeiro solicitámos uma simples carta de agradecimento a duas de nossas administrações. Os sabios que, amando as sciencias, deveriam animar por todos os meios possiveis os americanos, dos quaes tanto ha tanto esperar, os sabios, digo, não foram perfeitamente justos para com o padre Leandro. Como se houvesse a idéa de fazer desapparecer a memória d'este homem recommendavel, destruiu-se um genero que elle formou em uma de suas memorias...". (GAMA, 1869, p. 228-229 apud SAINT-HILAIRE). 

Epílogo:

Aos 50 ou 51 anos em 1 de julho de 1829, já bastante debilitado pela tuberculose ou tísica pulmonar, ao ponto de Gama dizer que aparência de Leandro era quase de um cadáver, pois havia emagrecido muito e estava bastante pálido. Leandro viveu seus últimos dias de vida no Jardim Botânico, onde ali faleceu, e onde dedicou os cinco anos finais de sua vida, a transformar o jardim em local científico, e a pesquisar sobre as plantas de seu vasto país. Seu corpo foi cremado e os restos sepultados no antigo prédio do Convento do Carmo.

Em 1929, Roquette Pinto disse que visitou o convento, mas não encontrou local onde o frei havia sido enterrado, pois vários carmelitas haviam também sido sepultados ali, e não havia uma designação exata de onde estavam seus restos mortais. De qualquer forma, passado a conferência de Roquette Pinto, mais nada foi feito para resgatar a memória de Frei Leandro do Santíssimo Sacramento. Em alguns sites e revistas existem menções breves sobre sua pessoa, mas nenhum trabalho de mais profundidade e relevância. 

Para encerrar esta postagem, transcreverei uma nota dada pelo Dr. Balthazar da Silva Lisboa, o qual escreveu para os Annaes do Rio de Janeiro, vol. VII, p. 189.

"Floresceram n'esta província carmelitana homens eminentes em letras e virtudes. Ainda de nossos dias ouvimos lições sobre botanica no passeio publico a Fr. Leandro do Sacramento, inspector do jardim botanico: d'elle temos a excellente Memoria da cultura do chá e seu fabrico no jardim da lagôa Rodrigo de Freitas, tão enriquecido de árvores e plantas exoticas, que attrahe a visita e recreio dos nacionaes e estrangeiros áquella linda situação. Lastimamos a sua morte fatal naquele ramo de nossa litteratura e civilisação". (GAMA, 1869, p. 195-196 apud LISBOA, 189). 


Busto de Frei Leandro do Sacramento em seu memorial localizado no
Jardim Botânico do Rio de Janeiro. O busto de bronze foi projetado por Ribeiro Costa em 1895. 


NOTA: Balthazar da Silva Lisboa foi ouvinte das aulas de frei Leandro no Passeio Público, como ele mesmo atestou em seu relato. Gama conta que certa vez o homem estava tão contente por estar ali, que frei interrompeu a aula e o questionou, pois havia ficado maravilhado com a alegria que Balthazar exibia. 
NOTA 2: O Visconde de Barbacena que frequentou as aulas de frei Leandro quando tinha apenas 13 anos, continuou a ir em outras das aulas do frei no Passeio Público.
NOTA 3: O diretor do Jardim Botânico, Barbosa Rodrigues foi quem decidiu homenagear Frei Leandro, ordenando a construção de um memorial para o primeiro diretor do jardim, memorial este erguido em 1894. No ano seguinte, o busto de bronze projetado por Ribeiro Costa foi posto no cômoro. 
NOTA 4: Em algumas cidades nos estados de Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, etc., existem ruas e praças chamadas Frei Leandro do Sacramento, embora que muitas pessoas desconheçam quem foi este homem. 
NOTA 5: Embora frei Leandro seja mencionado em distintas publicações, as que possuem maior quantidade de informações ainda são a memória escrita por José de Saldanha da Gama (1869) e a conferência de Edgar Roquette Pinto (1929). Inclusive várias das outras referências aqui usadas, tem estes dois trabalhos como principais referências próprias. 

Referências Bibliográficas:
BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Diccionario Bibliographico Brasileiro - vol. 5. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1899. p. 293-294. 
ESCHWEGE, Wilhem Ludwig von. Pluto Brasiliensis, memórias sobre as riquezas do Brasil em ouro, diamantes e outros minerais, v. 2. Tradução de Domício de Figueiredo Murta. São Paulo, Brasiliana, 1944. p. 326-328.
GAMA, José de Saldanha da. Biographia do botanico brasileiro Fr. Leandro do Sacramento. Memória lida no Instituto Histórico pera S. M. o Imperador. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo XXXII, p. 181-230, 1869. 
LEITÃO, Cândido de Mello. A biologia no Brasil. São Paulo, Brasiliana, 1937. p. 198-201. (Vol. 99).
MACEDO, Joaquim Manuel de. Anno Biographico Brazileiro - vol. II. Rio de Janeiro, Typographia e Lithographia do Imperial Instituto Artístico, 1876. p. 19-23. 
MOACYR, Primitivo. A instrução e o Império: subsídios para a história da educação no Brasil: 1823-1853. São Paulo, Brasiliana, 1936, p. 58. 
PAES, Luiz Edmundo. Frei Leandro do SacramentoRevista Rodriguésia do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, vol. 35, n. 57, 1983. 
PINTO, Edgar Roquette. Conferência do sr. Roquette Pinto sobre Frei Leandro do SacramentoRevista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo 106, vol. 160, p. 348-363, 1929. 
PINTO, Edgar Roquette. Ensaios brasilianos: ensaios sobre os aspectos e figuras do ensino, da literatura e da ciência. São Paulo, Brasiliana, 1941. (Vol. 190, Capítulo 2). 
SAINT-HILAIRE, Augusto de. Viagem pelo Distrito do Diamante e Litoral do Brasil. Tradução de Leonam de Azeredo Pena. São Paulo, Brasiliana, 1941. p. 241. 
SAMPAIO, Alberto José d. Phytogeographia do Brasil: curso realizado no Museu Nacional, em 1932 sob os auspícios da Universidade do Rio de Janeiro. 2a ed, rev. ampl. il. Rio de Janeiro, Brasiliana, 1935. (Vol. 35, parte II).

Referências da internet:
http://www.passeiopublico.com/htm/sec19.asp
http://www.jbrj.gov.br/historic/fr_leand.htm