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Comunicado

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Leandro Vilar

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

NOTAS SOBRE A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE PATRIMÔNIO CULTURAL

NOTAS SOBRE A EVOLUÇÃO 
DO CONCEITO DE PATRIMÔNIO CULTURAL



Luiz P. P. Torelly
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
luiz.torelly@iphan.gov.br


O conceito de cultura está intimamente
ligado às expressões da autenticidade, da
integridade e da liberdade. Ela é uma
manifestação coletiva que reúne heranças do
passado, modos de ser do presente e
aspirações, isto é, o delineamento do futuro
desejado.” Milton Santos.

Os grifos foram feitos por mim.


1 - INTRODUÇÃO

Neste ano de 2012, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), autarquia vinculada ao Ministério da Cultura, celebra 75 anos de sua criação. Uma das mais longevas instituições públicas brasileiras e a primeira dedicada à preservação do patrimônio cultural na América Latina, o IPHAN tem uma trajetória que se confunde com a formação cultural do Brasil. Seu trabalho – compartilhado por uma sociedade complexa e em veloz transformação – além de preservar, salvaguardar e acautelar bens e manifestações culturais da nossa gente é aquilo que não percebemos, ou melhor, que sentimos como inato: colaborar para a constituição das diferentes identidades que compõem a diversidade cultural do País, do nosso sentido de nação, do que é ser brasileiro.

Ao longo das próximas páginas iremos refletir sobre alguns aspectos da missão institucional do IPHAN, seus antecedentes, sua gênese, sua ação discricionária e subjetiva, própria das instituições voltadas para a preservação, e principalmente sobre a evolução e a abrangência do conceito de patrimônio cultural.

Vivemos um momento em que concepções que datam dos anos 1970, idealizadas por Aloísio Magalhães, como as noções de referência e bem cultural, e que têm suas origens nas formulações de Mário de Andrade, começam a se concretizar, uma vez que o conceito de excepcionalidade é questionado por instituir uma visão unidimensional, privilegiando a herança cultural das elites e das classes dirigentes e subalternizando as demais manifestações e os legados. Igualmente, a abordagem estanque do que denominamos patrimônio material e imaterial vem sendo substituída por visões integradoras, como a chancela da Paisagem Cultural como faces de um mesmo processo.

Enfrentamos hoje, como outros já o fizeram no passado, o desafio da politização. Seja no âmbito da cidadania – no sentido de ampliar a participação social e de assegurar voz e oportunidade de manifestação e ação a grupos marginalizados pela impossibilidade de acesso aos meios institucionais e midiáticos, ou por não partilharem da conceituação cultural dominante – seja no sentido de democratização de política pública, integrada às demais políticas reivindicadas pela sociedade, e não mais por ações isoladas ou desconectadas do tecido econômico e social. O economista e ministro da Cultura Celso Furtado sempre destacou em sua obra o papel relevante da política cultural, por sua importância na percepção dos fins e na mudança das mentalidades: “A política cultural consiste em um conjunto de medidas cujo objetivo central é contribuir para que o desenvolvimento assegure a progressiva realização das potencialidades dos membros da coletividade.”i

2 - ALGUNS ANTECEDENTES

O conceito de patrimônio cultural, da forma como hoje o conhecemos, surge na aurora da Revolução Industrial, ao final do século XVIII, no bojo da Revolução Francesa, instituidora de uma nova ordem política, jurídica, social e econômica, que consolida o conceito de nação e de nacionalidade e reconhece os direitos fundamentais do homem. O mundo de então tinha um bilhão de habitantes – contra os sete bilhões atuais – e as mudanças na sociedade e no habitat, natural e construído, ainda se processavam lentamente para os padrões contemporâneos, porém com intensidade suficiente para promover um processo de industrialização e urbanização crescentes, modificando profundamente meios de produção, instituições seculares, ideologias, sociedades, costumes e fronteiras, sejam políticas ou do conhecimento. “Tudo o que é sólido desmancha no ar.”ii

As nações da Europa Ocidental e da América do Norte (Estados Unidos) demandavam um conjunto de valores que as unificasse e que permitisse um reconhecimento mútuo de seus cidadãos, em relação a uma simbologia comum. Os monumentos, as grandes expressões da arquitetura religiosa, civil e militar, os espaços públicos de intenso convívio social, a música, os documentos e os livros, assim como as obras de arte de feição erudita, formam a memória coletiva de então, capaz de assegurar à unidade política a identidade nacional necessária.

Assim como Portugal, onde o iluminismo e a enciclopédia tiveram sua influência reduzida em relação aos demais países europeus, o Brasil, por sua condição de país colonizado e periférico, esteve à margem desse processo, embora vivenciasse um outro bem peculiar, como veremos adiante: uma considerável autonomia cultural sem correspondência na independência econômica e política. Esta chega em 1822, mas mantém o regime monárquico, e em seu comando a Casa Real de Bragança, assegurando a continuidade da estrutura agrária apoiada no latifúndio, na escravatura e na monocultura, ligada aos interesses ultramarinos. A Proclamação da República, em 1889, embora tenha significado a instauração de uma nova ordem política, pouco alterou o quadro estrutural do País.

A partir dos anos 20, com o início da industrialização e do crescimento das cidades, acelera-se a dinâmica social e econômica. Novos atores participam do cenário político: uma classe média crescente, o surgimento de uma nova elite vinculada à indústria e ao comércio, uma classe operária que se organiza em sindicatos e partidos classistas. O Brasil, a exemplo de outros países, adentra tardiamente no século XX com a Primeira Guerra Mundial, conforme registra o historiador Eric Hobsbawm, em seu livro A Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991.iii

A Semana de Arte Moderna de 1922 traz à cena cultural brasileira novos valores estéticos identificados com as vanguardas europeias. Valores esses que, em nosso ambiente, onde passado e presente coexistem com grande proximidade, demonstram-se paradoxais e contraditórios: ao mesmo tempo, crítico das instituições e pregando a ruptura com o passado acadêmico, mas identificado com ideias liberais e conservadoras. O manifesto antropófago de Oswald de Andrade, de 1928, propõe-se a deglutir as formas importadas para produzir uma arte e cultura genuinamente nacionais. O resgate de um Brasil de feição mestiça e desgarrado dos padrões europeus de então, mais indígena, mais africano, mais caboclo e caipira, inicia uma nova síntese cultural que procura abarcar as múltiplas faces da brasilidade. Trata-se de reinventar o País, a partir da valorização de um passado até então desprezado.

O movimento modernista rapidamente se hegemoniza no cenário cultural e político brasileiro. Artes plásticas, literatura, poesia, música, escultura, arquitetura, urbanismo, sociologia, história. Em pouco mais de uma década os cânones foram definitivamente substituídos. Uma nova concepção de cultura e do imaginário nacional, que inicia a incorporação das manifestações populares, surge em um contexto social onde as mazelas centenárias permanecem, mas a modernização é crescente. São as famosas “ideias fora de lugar”,iv para as quais, Roberto Schwarz nos chama a atenção em seu clássico ensaio homônimo. As mudanças sociais, econômicas e políticas, ensejadas pela Revolução de 1930, exigirão uma nova organização do Estado brasileiro, onde a valorização da nacionalidade é essencial para a estruturação de um projeto de país e para a afirmação do regime.

Uma conjunção histórica ímpar une ao governo autoritário de Getúlio Vargas o que se pode chamar, sem exageros, de uma plêiade de intelectuais, cujas obras permanecem referenciais na atualidade: Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freire, Carlos Drummond de Andrade, Rodrigo Mello Franco de AndradeLúcio Costa, Heitor Villa-Lobos, Cândido Portinari e outros tantos de grande importância.

As décadas de 20 e 30 do século passado foram pródigas em realizações e marcos em vários campos do conhecimento. Na história e na sociologia surgem livros ainda hoje centrais na cultura brasileira, como Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire, e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. Manuel Bandeira, Carlos Drummond e Mário de Andrade, autor de Pauliceia Desvairada (1922) e de Macunaíma (1928), já o são, nos anos 30, poetas e literatos modernos bastante consagrados, sendo este último, artista e pensador de múltiplas facetas, um dos principais mentores da Semana de 22. Na literatura, Graça Aranha, Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Jorge Amado promovem uma revolução temática e estilística que irá pautar as letras brasileiras por décadas.

Lúcio Costa, nas palavras de Lauro Cavalcanti, “como estudioso do passado e idealizador de novas formas”v é o formulador do modernismo na arquitetura e no urbanismo e constitui-se, com Rodrigo Mello Franco de Andrade e Mário de Andrade, no principal pilar de estruturação do IPHAN e, consequentemente, de legitimação de um projeto de construção da nacionalidade e da identidade brasileiras. Além das ideias, o elo comum que os une é a figura carismática do ministro da Educação e Saúde Gustavo Capanema, a um só tempo conservador, prócer do regime varguista e mecenas das artes e das letras.

As missivas trocadas entre Mário de Andrade e Gustavo Capanema são documentos reveladores da relação de proximidade entre os intelectuais e o regime de Vargas(vi). Em um mundo onde o totalitarismo era presente sob vários matizes, à esquerda e à direita, a racionalidade e os modelos reducionistas dele decorrentes pareciam capazes de moldar a realidade. O cenário que assistíamos no Brasil, certamente, guardava muitos pontos em comum com esse contexto. O conceito de que tradição e modernidade podem caminhar juntas é um deles. Uma modernidade que, embora ousada em suas formulações estéticas e formais, convive com uma estrutura socioeconômica anacrônica.

3 – GÊNESE – A FASE HEROICA

Desde a segunda década do século XX, uma série de iniciativas de intelectuais foi despertando sensibilidades e gerando acúmulo para a criação de uma instituição nacional de preservação do patrimônio cultural. Minas Gerais era uma espécie de “Meca” para a redescoberta do Brasil. Além dos já citados, são personagens fundamentais: Alceu de Amoroso Lima e o francês Blaise Cendrars, redator dos estatutos da Sociedade dos Amigos dos Monumentos Históricos do Brasil – proposta de instituição que contava com o apoio da aristocracia do café – e também Oswald de Andrade, que sugeriu a criação do Departamento de Organização e Defesa do Patrimônio Artístico do Brasil (Dodepab), ao Presidente da República Washington Luiz, em 1926vii. Na esfera pública, a criação das Inspetorias Estaduais de Monumentos nos estados da Bahia, de Minas Gerais e Pernambuco, ainda nos anos 20, assim como a elevação de Ouro Preto à condição de Monumento Nacional, em 1933, e a criação da Inspetoria de Monumentos Nacionais, em 1934, estabeleceram antecedentes indispensáveis à consolidação da ideia.

O inovador e visionário projeto de Mário de Andrade para a criação do então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), por encomenda do ministro da Educação e Saúde Gustavo Capanema, constituiu-se em referência central para a elaboração do Decreto-Lei Nº 25, de 1937, que estabeleceu o conceito de patrimônio cultural e criou o instrumento do tombamento. Conceitos como o de arte ameríndia e popular, bastante abrangentes, incluindo o que hoje denominamos de saberes, fazeres e falares, bem como o de paisagem cultural – sem ainda receber esta denominação –, estão nele presentes, o que lhe confere impressionante contemporaneidade após tantos anos. As sementes lançadas irão germinar ao longo das últimas oito décadas, antecipando em vários aspectos – especialmente na dimensão imaterial – as iniciativas e convenções da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), referência internacional na preservação do patrimônio cultural, criada em 1946.

O Decreto-Lei Nº 25 caracteriza-se principalmente por sua concisão e objetividade. Sua utilização ao longo de 75 anos, sem modificações em um período de profundas transformações sociais, econômicas e políticas, é o principal testemunho de suas qualidades. Incorpora os principais conceitos do projeto de Mário de Andrade, como os de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, ao mesmo tempo que introduz o possível tombamento das paisagens naturais e a noção de valor excepcional. Sua ênfase principal é na definição e na regulamentação da aplicação do instituto do tombamento, medida inovadora e acertada em uma sociedade cuja elite sempre foi pouco afeita a restrições ao direito pleno de propriedade, em prejuízo de sua função social.

As circunstâncias históricas e políticas que caracterizaram no Brasil a concepção de preservação do patrimônio especialmente no IPHAN, além da ausência de outros instrumentos que não o tombamento, determinaram que as ações de proteção se concentrassem quase que exclusivamente até os anos 1990, na identificação e na proteção de monumentos, edifícios e conjuntos urbanos de relevante interesse histórico e artístico, na denominada “pedra e cal”. Os bens móveis – que desde o Brasil-Colônia, com a criação do Museu Nacional, em 1818, já recebiam certa atenção governamental – foram, antes mesmo da criação do IPHAN, valorizados pela criação de museus, como o do Ipiranga, em 1909, pelo Governo do Estado de São Paulo e o Histórico Nacional, em 1922.

Essa política se amplia em escala, após 1937, e se soma ao esforço de reconhecimento internacional, por intermédio da divulgação de livros e textos de escritores estrangeiros, como o francês German Bazin, o inglês John Bury e o austríaco Stefan Zweig – autores, respectivamente, de Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil, Arquitetura e Arte no Brasil Colonial, e Brasil, País do Futuro. Esse período, acertadamente denominado de “fase heroica”viii, coincide com os 30 anos (1937/1967) que Rodrigo Mello Franco de Andrade dirigiu a Instituição, a ponto de simbolizar o patrimônio no Brasil, e a tornou uma das mais importantes do mundo.

A hegemonia modernista promove uma notável revisão de paradigmas e de ressignificação da herança cultural brasileira. Nessa dialética tradição/modernidade, é fundamental lembrar que as artes em geral e a arquitetura em particular, foram e continuam sendo, entre outras coisas, eficazes instrumentos de irradiação de ideias e conceitos. O resgate do barroco estilo dominante nos séculos XVII e XVIII, especialmente o mineiro, até então relegado por ser considerado excessivo e trágico em sua visão de mundo e metáfora da vida celestial, valoriza aos olhos do País e do mundo um legado que, embora de origem ibérica, revela a contribuição singular de arquitetos, artistas, mestres e músicos – cuja maioria, ao largo de uma formação acadêmica regular, em condições muito peculiares, produziu um conjunto de realizações de grande beleza e apuro técnico. Antônio Francisco Lisboa, “o Aleijadinho”, mestres Ataíde e Valentim, o compositor José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, entre muitos outros, foram reconhecidos por autores como Affonso ÁvilaLúcio Costa e Lourival Gomes Machado, representantes legítimos da originalidade da produção artística aqui desenvolvida, em contraste com uma cultura repetitiva dos padrões europeus, que até então eram a referência de um país que iniciava sua urbanização e procurava no academicismo a sua feição civilizatória.

A fase heroica liderada por Rodrigo Mello Franco de Andrade, embora prestigiada politicamente e tendo o concurso de profissionais altamente qualificados e engajados na tarefa de preservar e conservar o acervo colonial/barroco brasileiro foi condicionada por um processo estrutural, cujas forças eram poderosas e velozes: a urbanização. O caso brasileiro, em condições de subdesenvolvimento e dependência, foi dos mais rápidos e intensos em termos de deslocamentos demográficos em escala mundial. Em cinco décadas o País se transformou, tornando-se essencialmente urbano pela migração de dezenas de milhões de pessoas do meio rural para as cidades – e entre as regiões geográficas, especialmente, do Nordeste para o Sudeste.

Tal fenômeno promoveu e ainda promove, com menor intensidade, profundas alterações na sociedade e no território, marcado por disparidades interpessoais e inter-regionais, grandes concentrações metropolitanas, segregação socioespacial e degradação ambiental. Apesar das centenas de tombamentos, desde pequenas capelas a conjuntos urbanos e cidades inteiras, e de terem sido protegidas centenas de milhares de bens móveis de grande valor histórico e artístico, muito se perdeu. Como a urbanização até os anos 60 se concentra nas grandes cidades da região Sudeste, especialmente São Paulo e Rio de Janeiro, a assimetria desenvolvimentista inter-regional acaba por ajudar a preservar, em um primeiro momento, conjuntos urbanos, em especial na região Nordeste, em cidades como Salvador, Cachoeira, São Cristóvão, Recife e Olinda, entre outras.

Foram importantes para a evolução da abrangência do conceito de patrimônio cultural, nesse período, a descaracterização e a perda de qualidade dos espaços públicos, bem como o reconhecimento de aspectos psicossociais ligados à memória urbana, não relacionados especificamente a critérios históricos ou de excepcionalidade, mas a referências espaciais e vivências afetivas reconhecidas como o “espírito do lugar”. Essa sensibilidade ampliada iria promover uma revisão de critérios que, durante a “fase heroica”, impediram um olhar mais generoso sobre a produção cultural – arquitetônica em particular – do último quartel do século XIX e início do XX, embora se deva reconhecer, tardiamente.

Principalmente São Paulo, mas também o Rio de Janeiro perderam testemunhos relevantes de sua memória citadina. Da São Paulo colonial e pré-industrial, muito pouco se salvou. O Rio de Janeiro, pela extensão de seu patrimônio e pelo fato de ter sido capital do País por quase 200 anos, teve menos perdas. A Avenida Paulista, em São Paulo, e a atual Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, cuja abertura data de 1905, são exemplos desse processo. Ceifados pela especulação imobiliária, sobreviveram raros exemplares dos edifícios ecléticos que compunham as duas importantes artérias, a primeira de caráter residencial e a segunda, eminentemente comercial.

Como já havia ocorrido com o barroco em relação ao neoclássico, durante muito tempo sinônimo de extravagante e por tanto desprezado, o ecletismo foi desprezado por suas vinculações com os estilos históricos e por seu descompasso com os rumos de uma nova ordem econômica e cultural, caracterizada pela industrialização e pela urbanização, em um momento onde ocorria uma ruptura com o passado que ele simbolizava.

O fim da fase heroica coincide com o término da longa e profícua gestão de Rodrigo Mello Franco de Andrade e com uma retomada gradual do projeto inicial de Mário de Andrade. O IPHAN era uma instituição consolidada e de grande autonomia administrativa, com notável autoridade e reconhecimento público em seu campo de atuação, em decorrência do êxito de suas políticas e de suas realizações voltadas para a preservação do patrimônio cultural.ix Todavia, a dinâmica da sociedade brasileira nos anos 1970 era bem mais complexa, e havia a percepção, já fundada, de que o patrimônio cultural ia além da pedra e cal e da herança lusa; e que demandava novas formulações e instrumentos, capazes de abranger a diversidade cultural do País, especialmente as manifestações das culturas ameríndia e africana, fortemente presentes no cotidiano e no imaginário nacional e que, até então, não obtinham um reconhecimento proporcional à sua importância.

4 – NOVOS PARADIGMAS DO CONCEITO DE PATRIMÔNIO CULTURAL

Por paradoxal que pareça, a preservação do patrimônio cultural vive, durante os anos 1970, em plena ditadura militar, um ciclo de renovação e de ampliação conceitual que seriam determinantes no papel do IPHAN até a atualidade. Duas novas instituições são criadas para atuar de forma complementar no contexto da estrutura governamental responsável pela política de preservação. Em 1973, surge o Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas (PCH), que articula ações de quatro ministérios – Educação e Cultura, Planejamento, Interior e Indústria e Comércio –, com o objetivo de coordenar a política do governo federal para fomentar o potencial econômico e turístico das cidades históricas e incluí-las no processo de crescimento econômico, então em curso, denominado “milagre brasileiro”.

O PCH ampliou a capacidade administrativa e financeira do IPHAN, com resultados positivos quanto à proteção dos conjuntos urbanos beneficiados e à melhoria da qualidade da infraestrutura e da gestão pública dos estados e das cidades participantes do Programa. Criado em 1975, o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) promove uma revisão das noções de preservação e patrimônio e agrega novos conceitos, como os de referência e bem cultural.

A ideia de referência cultural admite que diferentes visões possam coexistir acerca de um bem, e que os valores e as práticas sociais a ele atribuídos o tornem uma representação coletiva reconhecida por um grupo ou mais, pelo sentido de identidade que desperta, transformando-o em um bem cultural. São conceitos capazes de reconhecer significados e de promover a salvaguarda e o acautelamento de uma variedade de manifestações que não encontravam respaldo nos instrumentos de gestão, então vigentes, como o tombamento. Simultaneamente, em um momento onde havia a supressão de liberdades individuais e um clima de autoritarismo que permeava toda a sociedade, a participação popular era estimulada, como estratégia de compartilhar e produzir conhecimento. A crítica ao imperialismo, seja no campo econômico seja no cultural, foi utilizada como uma espécie de estratagema para introduzir questões até então relegadas, como a valorização do saber e do fazer populares.

Em 1979, IPHAN, PCH e CNRC são unificados e passam a constituir a Fundação Nacional Pró-Memória (FNpM), subordinada a um órgão normativo também criado na mesma ocasião, a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), ambas vinculadas ao Ministério da Educação e Cultura (MEC)x. Esta iniciativa, além dos aspectos inerentes à racionalização administrativa e econômico-financeira, foi realizada com a expectativa de que as diferentes visões conceituais de IPHAN e CNRC, auxiliados pela capacidade financeira e técnica do PCH, fossem capazes de fazer frente aos desafios de implementar uma política de preservação do patrimônio cultural, ampliada em sua dimensão temporal e territorial, e que além de se integrar à vida econômica e social do País e às demais políticas públicas, estivesse menos apegada às noções tradicionais de excepcionalidade, arte e história.

A exemplo da fase heroica, cuja referência inconteste é Rodrigo Mello Franco de Andrade, a fase denominada moderna tem na figura criativa e inquieta de Aloísio Magalhães o seu grande pensador, formulador e gestor. Em um período sombrio, ele conseguiu articular ideias e mobilizar pessoas e instituições, como poucos o fizeram no País e, com uma percepção clara da dialética da história, tornar passado e presente contemporâneos. O conceito de patrimônio cultural se expressa como um dos caminhos do desenvolvimento sustentável – conforme hoje entendido –, em oposição a uma compreensão, até então vigente, de que eram processos com muitos pontos de conflito.

Em concepção muito próxima ao pensamento de Celso Furtado, que identifica a dimensão cultural como superveniente ao processo de desenvolvimento, Aloísio Magalhães aposta na criatividade para romper com o estabelecido. O seu desaparecimento prematuro ocorre em um momento no qual olhares distintos sobre o patrimônio cultural estavam coexistindo e interagindo. A adoção de conceito antropológico de cultura e de referência cultural, bem como a ampliação dos objetos de especulação criativa, oriundos das ideias e formulações do CNRC permitiram a valorização e a releitura dos saberes e dos fazeres tradicionais, como o artesanato, a cerâmica e a tecelagem, mediante o conhecimento e o fomento das cadeias produtivas.

Essa nova postura tinha como objetivo conferir às manifestações culturais um caráter dinâmico, processual e transformador. As formulações do CNRC e de Aloísio Magalhães resgataram propostas do projeto de Mário de Andrade, até então latentes e esparsamente desenvolvidas, e apontavam para novos, mais amplos e diversos rumos. O Brasil caminhava para a redemocratização, e a sociedade ansiava por maior participação.

A Assembleia Nacional Constituinte de 1988 mobilizou a sociedade brasileira. Foram tempos de intensos debates e reflexões sobre nossa trajetória como país e nação e sobre o futuro que queríamos construir, livre dos resquícios do autoritarismo. Os artigos 215 e 216, que tratam da cultura no âmbito constitucional, promoveram importante atualização conceitual, especialmente no que diz respeito ao reconhecimento da dimensão imaterial do patrimônio cultural; de explicitar a proteção às manifestações populares, indígenas e afro-brasileiras, incorporando o conceito de representatividade; e de estabelecer, no texto legal, instrumentos de proteção e salvaguarda já em uso, como o inventário, o tombamento e a desapropriação, e de criar novos, como o registro. Afora os aspectos mencionados, os conceitos encerrados nos artigos 215 e 216 já estavam presentes, tanto no projeto de Mário de Andrade quanto no Decreto-Lei Nº 25, evidenciando a qualidade e a atualidade de ambos, capazes de se manterem contemporâneos em meio a diferentes quadros político-institucionais e em uma cena cultural bem mais diversa e complexa à da época de sua concepção.

A euforia advinda da democratização consagrada no novo texto constitucional não durou muito. O governo do presidente Fernando Collor, primeiro a ser eleito democraticamente após a ditadura militar, promove o desmonte da área cultural no governo federal. A Fundação Nacional Pró-Memória é extinta em 1990 e para substituí-la é criado o Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC), no bojo de uma política de minimização do papel do Estado. Os importantes avanços institucionais e conceituais obtidos nos anos 70 e 80 foram comprometidos com a “reforma administrativa” patrocinada pelo governo, que teve forte impacto sobre a área cultural, com extinção e reorganização de instituições, cortes orçamentários e demissões em massa.

O resultado foi o desmantelamento da ação governamental no segmento, o que se faria sentir ao longo de toda uma década, com a paralisia e o retardo da máquina pública, mentora e principal agente técnico e financeiro das políticas preservacionistas. Por exemplo, o registro de bens culturais de natureza imaterial, conquista importante da Constituição de 1988, só foi regulamentado 12 anos depois, em agosto de 2000, pelo Decreto-Lei Nº 3.551, e o primeiro bem imaterial a ser registrado como patrimônio nacional, o “Ofício das Paneleiras de Goiabeiras”, no estado do Espírito Santo, em 2002, 14 anos depois. Felizmente, nos últimos anos houve grande esforço de proteção e salvaguarda dos bens de natureza imaterial, com elevada participação da sociedade civil e dos governos locais. Atualmente são 25, representativos das mais diversas manifestações culturais do povo brasileiro.

5 - OS DESAFIOS DA ATUALIDADE

Nosso tempo é de crescentes e velozes mudanças. Transformações que demoravam gerações ou décadas ocorrem em poucos meses ou dias. Graças às novas tecnologias e mídias, as informações e os conteúdos circulam instantaneamente. Cada vez mais a economia e a política se entrelaçam e se tornam globalizadas, onde fatos e decisões que nos afetam ocorrem a milhares de quilômetros. A cultura faz parte desse processo de globalização e tende a perder, como a economia, suas características nacionais, regionais e locais, se as manifestações autênticas e genuínas não forem protegidas e incentivadas.

A recente crise econômica dos países da zona do euro é um exemplo. Embora tenha seu epicentro na Europa, as repercussões se fazem sentir em todo o mundo e as medidas de proteção adotadas pelos países individualmente não são capazes de amenizar integralmente suas consequências. Como nos recorda Celso Furtado, a cultura é uma dimensão superveniente do desenvolvimento, quando está voltada para a percepção dos fins, dos objetivos que os indivíduos e a comunidade se propõem alcançar. É a sua dimensão política transformadora que está presente, mesmo em situações onde as condições de sobrevivência são escassas, mas que se potencializa onde há melhoria da qualidade de vida.

Sem combate à pobreza, à desigualdade, ao desemprego, sem acesso a saúde e educação de qualidade, sem garantia de liberdades políticas, étnicas, culturais e religiosas, sem respeito à preservação ambiental, não teremos desenvolvimento. A experiência recente do Brasil e de outros países já mostrou que pode haver crescimento econômico, sem que haja desenvolvimento. Pior, pode haver um agravamento da desigualdade e da concentração de renda, com aumento da pobreza e do desemprego.

Desde sua criação, o IPHAN manteve-se em situação de quase isolamento dentro da estrutura governamental, usufruindo de grande autonomia, reconhecem autores como Maria Cecília Londres Fonsecaxi e Sergio Miceli. Tal situação é decorrente principalmente de sua missão institucional e do conceito de patrimônio cultural então vigente, onde as noções de excepcionalidade, arte e história eram predominantes e o esforço de preservação era voltado em sua maior parte para atender demandas de uma elite culta, preocupada principalmente com os monumentos civis e religiosos e com a arte erudita.

Durante muito tempo, esses símbolos é que interessavam ao conceito de nação que se construía. Não que houvesse uma negativa em valorizar, por exemplo, a arte ameríndia e popular, presentes tanto no projeto de Mário de Andrade como no Decreto-Lei Nº 25 e na própria organização do IPHAN. É que a gênese da instituição foi concebida tendo no barroco, e consequentemente na pedra e cal, sua principal referência. Naquele momento e nas décadas subsequentes, não haveria condições materiais, políticas e sociais para ir além do que era aceito como central no patrimônio cultural: sua dimensão materialxii.

É muito ilustrativo desse processo o depoimento do antropólogo Gilberto Velho, à época membro do Conselho Consultivo do IPHAN, sobre a polêmica que se estabeleceu por ocasião do tombamento pioneiro do Terreiro de Candomblé Casa Branca, em 1984, em Salvador, Bahia.xiii Este acontecimento se constituiu em um marco na história da preservação do patrimônio cultural no Brasil. Primeiro, por aplicar o instrumento do tombamento a um bem não ligado à tradição luso-brasileira, cuja expressão material não se enquadrava nos critérios de excepcionalidade então vigentes; segundo, por reconhecer a importância do candomblé como manifestação cultural e religiosa de parcelas significativas da população, especialmente na cidade de Salvador.

Tema quase sempre reservado a especialistas, a preservação acaba por se circunscrever a um raio menor do que suas atribuições e competências legais. Se essa circunstância limita as ações da Instituição em sua articulação com as demais políticas públicas e a sociedade civil, gera em contrapartida, em muitos círculos de iniciados, um reconhecimento de sua especialidade e de sua experiência diretamente relacionadas à sua continuidade temporal, independente do viés político dos governos. O IPHAN seguramente é a instituição pública federal que há mais tempo mantém os princípios de suas ações e o senso comum de que elas são relevantes, pois são calcadas em significativa experiência e em procedimentos técnicos meticulosos.

Podemos sem exageros afirmar que é uma instituição canônica, graças em especial à qualidade de seu projeto inicial e do brilhantismo intelectual de seus fundadores, alguns deles, gestores da mesma por longa data, como Rodrigo Mello Franco de Andrade e Lúcio Costa. Feito esse registro inquestionável, é importante lembrar que o peso da tradição, embora aponte rumos mais conhecidos e, portanto, menos polêmicos, por vezes, inibe a procura de novas alternativas e possibilidades, indispensáveis para acompanhar uma realidade complexa em permanente transformação.

Se, durante muito tempo, o tombamento se constituiu como o principal e quase único instrumento de preservação do patrimônio cultural – embora o planejamento urbano e territorial já dispusesse de ferramentas para ser um importante aliado –, dispomos hoje de um número maior de possibilidades de intervenção. Desde 1988, com a nova Constituição Federal, obteve-se, além de um conceito de patrimônio mais abrangente, sem a tônica da excepcionalidade, a notável conquista do registro como instrumento de proteção e salvaguarda do patrimônio imaterial.

Com o reconhecimento da função social da propriedade “quando atende as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”xiv, também, em 1988, abriu-se a possibilidade de aprovação da Lei Nº 10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade. Nela está presente um conjunto de importantes instrumentos urbanísticos, jurídicos e tributários capazes de colaborar na preservação do patrimônio cultural, junto ou isoladamente com o tombamento. Infelizmente sua utilização por parte dos municípios, aos quais cabe a responsabilidade de elaboração dos planos diretores, tem ficado aquém do necessário.

O planejamento do uso do solo para atender à função social da propriedade, como é o caso da preservação do patrimônio cultural, não ocorre apenas por medidas restritivas, com controle do uso e intensidade de ocupação, a exemplo das áreas de proteção de interesse histórico, artístico, paisagístico e arqueológico. Pode ser realizado também por medidas compensatórias e de incentivo, que passam, por exemplo, pela transferência do direito de construir, pela desoneração fiscal, pelo financiamento incentivado e pela valorização dos imóveis e dos espaços públicos, na revitalização de áreas históricas degradadas. A qualificação para a gestão e o planejamento dos municípios como principais agentes da preservação é tarefa sempre atual e necessária, pois são frequentes as situações onde existem recursos financeiros disponíveis, mas falta capacidade de gestão.

Após anos de verdadeira penúria, onde o orçamento do Ministério da Cultura era voltado apenas para a manutenção da máquina e o atendimento de emergências, um incremento substancial de recursos na última década permitiu diversificação e maior volume de ações de preservação, embora ainda muito aquém do necessário. De 2002 a 2011, o orçamento do IPHAN para investimentos finalísticos cresceu 474,26%, passando de R$ 19,443 milhões para R$ 92,211 milhões (valores nominais). As leis de incentivo a cultura, seja no plano federal (Lei Nº 8313/2001) ou no estadual, já que muitos estados também as possuem, têm colaborado com um crescimento significativo, que se somam aos investimentos promovidos pelo IPHAN.

Entre 2006 e 2011, apenas na Lei Rouanet, foram captados R$ 217,67 milhões para preservação do patrimônio cultural, excetuando-se os museus, o que significa uma média de R$ 36,28 milhões, por ano (fonte: IPHAN). Todavia, há uma distribuição territorial desigual dos mesmos, sendo os estados da região Sudeste, em especial Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, os principais beneficiários, embora concentrem expressiva parcela do patrimônio cultural protegido. Os projetos de elevado valor, como por exemplo, restauração do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, drenam parcela substancial dos recursos, concentrando-os, geograficamente.

Há bastante tempo, o Ministério da Cultura promove um debate público, com o objetivo de modificar a lei, para que uma parcela dos recursos possa ser destinada ao Fundo Nacional de Cultura, visando atender projetos de menor porte e viabilizar uma distribuição mais equânime entre entes federados. Infelizmente, essa necessária revisão tem enfrentado resistências, tanto no Congresso Nacional como dentro das próprias empresas, que se valem da renúncia fiscal como um dos seus instrumentos de marketing. Algumas empresas públicas, como a Petrobras, o BNDES, a Eletrobras e a CAIXA – maiores investidores na área cultural, no País – têm se utilizado de editais para a seleção dos projetos. Este procedimento reduz a concentração, mas não a ponto de promover a justiça distributiva.

A experiência do programa Monumenta, do IPHAN, voltado à preservação do patrimônio cultural em cidades e conjuntos históricos, evidenciou a necessária articulação da política de preservação às demais políticas públicas, pelos resultados positivos no contexto socioeconômico local dos investimentos em recuperação e conservação do patrimônio cultural, crescentes na última década, especialmente quando simultâneos ou complementares aos de outros programas setoriais de infraestrutura, educação, saúde e geração de emprego e renda. Além disso, os resultados foram importantes para constatar que as ações reforçavam a lógica do desenvolvimento sustentável, produto da relação contínua entre as comunidades e seu ambiente, com reflexos sensíveis sobre a qualidade de vida.

A utilização dos instrumentos citados que se uniram ao tombamento no esforço de preservação é essencial para que se possa imprimir uma ação sistêmica, ao invés de soluções isoladas, que não envolvam as comunidades direta e indiretamente beneficiadas. Igualmente importante foi o aumento substancial dos recursos financeiros nos últimos anos, o que tem permitido investimentos de maior complexidade, capazes de se integrarem às demais políticas públicas e de estabelecer um contexto favorável à implementação de uma concepção mais ampla e diversa de reconhecimento e proteção do patrimônio.

6 – O CONCEITO DE PATRIMÔNIO CULTURAL HOJE

Conforme já mencionado, o conceito de patrimônio cultural consagrado na Constituição Federal de 1988 representou grande avanço ao reconhecer a dimensão imaterial e, principalmente, por relativizar a noção de excepcionalidade – substituída em parte pela de representatividade, bem mais includente e capaz de destacar a importância das contribuições dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Essa mudança incorpora o conceito de referência cultural e significa uma ampliação inestimável dos bens passíveis de serem reconhecidos como patrimônio cultural brasileiro. É importante comentar as implicações que as novas possibilidades, afirmadas pela Constituição, podem permitir, passados 24 anos de sua promulgação.

Inicialmente, é necessário reconhecer que o conceito que o antecedia, expressos no anteprojeto de Mário de Andrade e no Decreto-Lei Nº 25, já previam as possibilidades depois expressas no texto constitucional. Podemos afirmar que esses dois documentos resistiram à passagem do tempo. Não é à toa, como já destacado, que celebram juntos com o IPHAN 75 anos de idade. Na verdade, as dificuldades que impediram uma maior abrangência do patrimônio cultural vão além das questões políticas e ideológicas, embora estas estejam sempre presentes e fazem parte de um mal que atinge outras políticas públicas: a insuficiência de recursos financeiros e a reduzida capacidade de gestão, frente a um desafio que tem como parâmetro a diversidade cultural do País e suas dimensões continentais. Esse quadro é agravado pela velocidade desproporcional dos meios de difusão de valores dissociados das nossas manifestações e tradições culturais – sem que essa afirmativa se constitua em um preceito xenófobo – das quais, muitas mínguam e morrem sem que possam nem mesmo ser conhecidas, quanto mais salvaguardadas e protegidas como é o caso de muitas manifestações populares de origem indígena e afro-brasileira.

Um segundo aspecto relevante diz respeito à delimitação do que vem a ser patrimônio cultural. Como nos lembra Roque de Barros Laraia, em Cultura: um conceito antropológico:

"Concluindo, cada sistema cultural está sempre em mudança. Entender esta dinâmica é importante para atenuar o choque entre gerações e evitar comportamentos preconceituosos. Da mesma forma que é fundamental para a humanidade a compreensão das diferenças entre povos de cultura diferentes, é necessário saber entender as diferenças que ocorrem dentro do mesmo sistema".

Na medida em que a cultura é dinâmica e mutante, o conceito de patrimônio também o será. Difícil estabelecer fronteiras para o que é permanentemente concebido, criado, recriado, ampliado. Como o conceito de cultura, o de patrimônio é um conceito aberto, decorrente de longo processo acumulativo, independente de ser passível de construções ideológicas casuísticas – o que de forma alguma quer dizer que todo bem cultural deva ser patrimonializado ou protegido. O reconhecimento de um bem ou manifestação cultural por parte do Estado é feito com base em critérios, que por mais objetivos e democráticos que sejam, sempre serão passiveis de subjetividade e discricionariedade. Contudo, é importante salientar que quanto mais abrangente for o conceito de patrimônio, maior será a diversidade e riqueza cultural. Daí a relevância da substituição do conceito de excepcionalidade, elitista e propenso a estabelecer uma hegemonia cultural, pelo de representatividade, capaz de assegurar aos diferentes segmentos socioculturais seu referenciamento.

O que hoje temos de distinto em relação à concepção original dos anos 20 e 30 do século passado é, na verdade, o esforço adaptativo para acompanhar a veloz dialética da história, o tempo todo a nos exigir mudanças. A abordagem territorial, a substituição gradativa do conceito de excepcionalidade pelo de representatividade, a transversalidade temática, o compromisso com a cidadania e com o desenvolvimento sustentável, na acepção que lhe foi conferida na recente Conferência da ONU Rio+20(xv), são necessidades inadiáveis frente a uma realidade em que os limites impostos pela capacidade de regeneração da natureza começam a ser superados e colocam em ameaça a sobrevivência da espécie humana. A chancela da Paisagem Cultural, estabelecida pela Portaria IPHAN Nº 127/2009 “como uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores”, é um instrumento em que encontramos muitas das possibilidades de promover a gestão pactuada do patrimônio em uma abordagem holística, sem lançar mão de taxionomias que, em muitos casos, facilitam a operacionalidade de proteção dos bens culturais mas, por outro, podem sedimentar visões parciais.

A exemplo do que já havia ocorrido com o reconhecimento de Brasília como Patrimônio Mundial, em 1987, pela Unesco – não por acaso, obra concebida por Lúcio Costa, um dos idealizadores no Brasil, tanto do modernismo na arquitetura e no urbanismo, como do resgate de nossa herança barroca –, o Rio de Janeiro foi inscrito recentemente como Paisagem Cultural na lista do Patrimônio Mundial.

Nos dois casos, percebe-se a presença do inusitado, do novo, de formulações que ampliam os significados vigentes. Brasília, por ser uma das grandes realizações culturais do século XX, marco do urbanismo e da arquitetura modernista; e o Rio de Janeiro, por sua especial conjunção de cultura e natura, onde a aplicação do conceito de paisagem cultural, em vários recortes significativos de uma metrópole, que envolvem tanto a orla marítima(xvi) como parques urbanos, parques nacionais, serras e montanhas que conferem singularidade ao “skyline” carioca, representa uma nova postura em relação ao planejamento urbano e territorial.

A paisagem cultural, como instrumento de gestão, pode se configurar como uma estratégia para a promoção do desenvolvimento sustentável e, simultaneamente, como proteção do patrimônio cultural e natural. O êxito de sua aplicabilidade, a exemplo de outros mecanismos de planejamento, depende da participação das três instâncias de governo; de um conjunto de políticas governamentais articuladas; de um pacto entre a esfera pública, a sociedade e a iniciativa privada; e de coesão e participação social. Especialmente no caso do Rio de Janeiro, teremos uma situação complexa pela extensão da “zona tampão”xvii, que abrange bairros densamente ocupados, como Lagoa, Humaitá, Botafogo, Copacabana, Flamengo, Catete e Glória, todos com elevada densidade demográfica e a presença de diferentes tipologias urbanas – inclusive de favelas com graves carências de infraestrutura e equipamentos urbanos e dos problemas dela decorrentes, que determinam o estigma da segregação social e suas inevitáveis consequências, como a violência urbana.

A proteção da paisagem cultural do Rio de Janeiro estará inaugurando uma modalidade de gestão que pretende, em um cenário com características metropolitanas, onde atuam múltiplos agentes públicos e privados, conciliar desenvolvimento econômico e social com preservação do patrimônio cultural e natural. O arranjo institucional que envolverá Prefeitura, Estado e União, com a participação de diversas autarquias como IPHAN, IBAMA e Instituto Chico Mendes, será com certeza uma experiência desafiadora, onde podem se somar instrumentos como o tombamento, o zoneamento do uso e a ocupação do solo – que tem nas Áreas de Proteção do Ambiente Cultural (APACs) uma experiência relevante –, o registro e outras formas de acautelamento, com o plano diretor e seus instrumentos jurídicos, urbanísticos e tributários, bem como com as demais políticas públicas e investimentos privados que determinam a dinâmica urbana. É uma oportunidade exemplar para a efetivação de uma política integrada de preservação e desenvolvimento econômico e social que consolide os avanços recentes e inaugure uma nova era, onde a preservação do patrimônio cultural e natural sejam protagonistas do desenvolvimento sustentável e da justiça social.

NOTAS
i - FURTADO, Celso. Ensaios sobre cultura e o Ministério da Cultura. Rio de Janeiro: Contraponto: Centro Internacional Celso Furtado, 2012, p. 64.
ii - Frase do Manifesto Comunista publicado em 1848, de autoria de Karl Marx e Friedrich Engels. Utilizada como título do livro de Marshall Berman, publicado em 1986, pela Editora Companhia das Letras.
iii - HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.
iv - SCHWARZ, Roberto. As ideias fora de lugar. Ao Vencedor as Batatas. São Paulo: Duas Cidades: Ed. 34, 2000.
v - CAVALCANTI, Lauro Pereira. Moderno e brasileiro: a história de uma nova linguagem na arquitetura (1930-60). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006, p. 227.
vi - BOMENY, Helena. Um poeta na política – Mário de Andrade, paixão e compromisso. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2012.
vii - CALIL, Carlos Augusto Machado. Sob o Signo do Aleijadinho – Blaise Cendrars, precursor do Patrimônio Histórico. Patrimônio: Atualizando o Debate. São Paulo: IPHAN, 2006.
viii - FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2009. O livro de Maria Cecilia Londres Fonseca é leitura obrigatória para o entendimento da gênese e do desenvolvimento da política de preservação do patrimônio cultural no Brasil.
ix - FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2009.
x - MEC/SPHAN/FNpM. Proteção e revitalização do patrimônio cultural no Brasil: uma trajetória. Brasília, 1980.
xi - FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2009.
xii - MICELI, Sergio. SPHAN: refrigério da cultura oficial. Rio de Janeiro. Revista do Patrimônio: SPHAN, 1987.
xiii - VELHO, Gilberto. Patrimônio, negociação e conflito. O patrimônio cultural dos templos afro-brasileiros. IPHAN: Salvador, 2011.
xiv - Constituição Federal, artigo Nº 182.
xv - O documento final de recomendações da Conferência está disponível em www.rio20.gov.br
xvi - A paisagem cultural do Rio de Janeiro é composta por: 1) Floresta da Tijuca, Serra dos Pretos Forros e Covanca do Parque Nacional da Tijuca; 2) Pedra Bonita e Pedra da Gávea; 3) Serra da Carioca e Jardim Botânico; 4) Entrada da Baía de Guanabara, Passeio Público, Parque do Flamengo, Fortes Históricos de Niterói e Rio de Janeiro, Pão de Açúcar e Praia de Copacabana.
xvii - A expressão “zona tampão” diz respeito às áreas situadas no entorno imediato daqueles objetos de proteção. Estão também submetidas a restrições de uso e ocupação do solo, com vistas a evitar a sua descaracterização e mitigar impactos negativos sobre as áreas protegidas.

REFERÊNCIAS
ANASTASSAKIS, Zoy. Dentro e fora da política de preservação do patrimônio cultural no Brasil: Aloísio Magalhães e o Centro Nacional de Referência Cultural. Rio de Janeiro: UFRJ, Museu Nacional, PPGAS, 2007.
ANDRADE, Mário de. Anteprojeto para criação do Serviço do Patrimônio Artístico Nacional. Revista do Patrimônio, Nº30, 2002.
BOMENY, Helena. Um poeta na políticaMário de Andrade, paixão e compromisso. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2012.
BOSI, Alfredo, Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
BRAYNER, Natália Guerra. Patrimônio cultural imaterial: para saber mais. Brasília: IPHAN, 2007.
BURY, John. Arquitetura e arte no Brasil Colonial. In: OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de (Org.). Brasília: Iphan/Monumenta, 2006.
CALIL, Carlos Augusto Machado. Sob o signo do Aleijadinho – Blaise Cendrars, precursor do Patrimônio Histórico. Patrimônio: Atualizando o Debate. São Paulo: IPHAN, 2006.
CAMPOFIORITO, Ítalo. Muda o mundo do patrimônio: notas para um balanço crítico. Rio de Janeiro: Secretaria de Ciência e Cultura, s/d.
CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a história de uma nova linguagem na arquitetura (1930-60). Rio de Janeiro, 2006.
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Ed. Unesp, 2001.
CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro, 2009.
COHN, Gabriel. Concepção oficial de cultura e processo cultural. Revista do Patrimônio, n. 22, 1987.
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro, 2009.
FONSECA, Maria Cecília Londres. Referências culturais: bases para novas políticas de patrimônio. Boletim de Políticas Setoriais. Brasília: IPEA, n. 02, 2001.
FURTADO, Celso. O capitalismo global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
FURTADO, Celso. Ensaios sobre cultura e o Ministério da Cultura. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.
GONÇALVES, Marcos Augusto. 1922: a semana que não terminou. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.
KONDER, Leandro. O Estado e os problemas da política cultural no Brasil de hoje. Revista do Patrimônio, n. 22, 1987.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Ed. Unicamp, 2012.
MEC/SPHAN/FNpM. Proteção e revitalização do patrimônio cultural no Brasil: uma trajetória. Brasília, 1980.
MICELI, Sergio. Sphan: Refrigério da cultura oficial. Revista do Patrimônio, n. 22, 1987.
RISÉRIO, Antonio. A cidade no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2012.
SANTOS, Milton. Da cultura à indústria cultural. Folha Online. Disponível em www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/dc. Acesso em 08/08/2012.
SCHWARZ, Roberto. As ideias fora de lugar. Ao Vencedor as Batatas. São Paulo: Duas Cidades: Ed. 34, 2000.
TORELLY, Luiz Philippe (Org.) Patrimônio Cultural e Desenvolvimento Sustentável.
Brasília: Iphan, 2012.
VELHO, Gilberto. Patrimônio, negociação e conflito. O patrimônio cultural dos templos afro-brasileiros. Salvador: Iphan, 2011.


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segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O Instituto Smithsonian: arquivos e a história da ciência

O Instituto Smithsonian: arquivos e a história da ciência


Pamela M. Henson
Diretora da Institutional History Division do Smithsonian Institution Archives

Tradução de Maria Elisa Bustamante. 
Revisão da tradução José Claudio Mattar


NOTA: Os grifos foram feitos por mim, assim como a escolha das imagens, como forma de ilustrar menções feitas neste texto.


O Instituto Smithsonian é o maior complexo de museus e institutos de pesquisa do mundo. Foi fundado por um legado do inglês James Smithson (1765-1829), que deixou seu espólio para o povo dos Estados Unidos para a fundação de uma instituição, na cidade de Washington, que deveria ser chamada de Instituto Smithsonian e dedicada “ao aumento e difusão do conhecimento” (Ewing, 2007). Criado por ato do Congresso Nacional dos Estados Unidos, em 1846, o Instituto é uma “agência governamental norte-americana criada por um fideicomisso” e financiada tanto por doações privadas quanto por fundos federais.

James Smithson 
A frase vaga de Smithson, de aumentar e difundir o conhecimento, proporcionou um amplo mandato para o Instituto Smithsonian. O instituto serve como museu nacional dos Estados Unidos e desenvolve programas de pesquisa em arte, cultura, história e ciências (Oehser, 1970). Na década de 1970, começou a automação do acesso a suas pesquisas e coleções, que continua a ser seu principal foco no século XXI. Este texto apresentará ao leitor sua complexa organização e oferecerá uma visão geral de seus recursos de pesquisa.

O físico Joseph Henry (1797-1878) foi o primeiro secretário ou chefe executivo do Smithsonian, no período de 1846 a 1878, tendo dado prioridade à pesquisa básica e ao compartilhamento de informações, criando laboratórios de física, química e história natural. Ele estabeleceu um projeto de meteorologia para registrar e analisar padrões climáticos, que posteriormente levou à criação do U. S. National Weather Service (NWS).

Joseph Henry foi o primeiro secretário do Instituto Smithsonian.
Também criou o International Exchange Service (IES), um programa global de exportação de publicações de pesquisa norte-americanas para outros países e de importação de publicações estrangeiras para serem distribuídas às academias de ensino e universidades dos Estados Unidos. O IES gerou conexões, que continuam até hoje, entre o Smithsonian e instituições de estudos em todo o mundo. Na década de 1980, o IES foi desligado do Smithsonian ao ser transferido para a Library of Congress (Reingold, 2008).

O ato de criação do Smithsonian já indicava o estabelecimento de um museu nacional norte-americano como parte da nova instituição. No entanto, Joseph Henry relutava em criar o museu dentro do Smithsonian, porque achava que ele poderia consumir a doação de Smithson e relutava em aceitar fundos do governo federal. Apesar de suas preocupações, o U. S. National Museum cresceu rapidamente e foi muito apoiado pelo segundo secretário, Spencer Fullerton Baird (1823-1887), um naturalista que estimulou um programa internacional de intercâmbio de espécimes com colecionadores do mundo todo. Com fundos do governo federal, o museu se expandiu, servindo como fonte para pesquisadores, cientistas do governo e o público em geral. Com seu amplo mandato, nos 160 anos seguintes, a instituição desenvolveu uma variedade de centros de pesquisa e museus.

No final do século XIX, foi criado pelo secretário assistente Samuel P. Langley, o Observatório de Astrofísica do Smithsonian para estudar a nova astrofísica. A pesquisa deste Observatório concentrava-se no estudo da radiação solar e da constante solar – a quantidade de energia do sol que atinge a camada externa da atmosfera terrestre. Hoje, a pesquisa prioriza o sistema solar, estrelas, planetas e galáxias, o laboratório de astrofísica e astrofísica extrema, com instalações em Cambridge (Massachusetts); Amado (Arizona); Mauna Kea (Havaí); e no Chile. Em 1879, foi criado o Bureau of American Ethnology para estudar culturas norte-americanas nativas que estavam declinando rapidamente, o qual se fundiu com o Departamento de Antropologia na década de 1960. Em 1890, é aberto para o público o National Zoological Park, para condução de pesquisa, exibição e ensino sobre a fauna norte-americana que estava em processo de desaparecimento.

Uma das entradas do Smithsonian National Zoological Park em Washington D.C.
No século XX, os centros de pesquisa científicos expandiram-se para novas áreas de estudo, incluindo a conservação biológica, ecologia, biologia evolucionária, biologia marinha, oceanografia, biologia tropical e ciências dos materiais. Hoje o Smithsonian tem nove centros de pesquisa: o Archives of American Art; o Center for Folk Life and Cultural Studies; o Conservation Biology Institute, afiliado ao National Zoological Park e devotado à preservação de espécies ameaçadas; o Museum Conservation Institute, onde objetos materiais e de conservação/preservação são estudados; o Smithsonian Astrophysical Observatory; o Smithsonian Environmental Research Center, localizado junto a baía de Chesapeake, que concentra-se na ecologia da região; as Smithsonian Institution Libraries; a Smithsonian Marine Station, em Fort Pierce, Flórida, onde organismos marinhos são estudados; e o Smithsonian Tropical Research Institute, no Panamá, dedicado a biologia tropical, etologia, estudos culturais, e ciências do meio ambiente. Os centros de pesquisa estão localizados tanto nos Estados Unidos (Washington, D. C.; Cambridge, Massachusetts; Fort Pierce, Flórida; Amado, Arizona; Mauna Kea, Havaí) como fora dos Estados Unidos, em instalações no Chile, Panamá, Quênia e muitos outros locais.

Destacam-se entre as bibliotecas do Smithsonian, a Library of the History of Science and Technology (http://library.si.edu/libraries/dibner), que mantém uma coleção de muitos dos principais trabalhos da história da ciência e tecnologia, produzidos entre os séculos XV e XIX, incluindo obras sobre engenharia, transportes, química, matemática, física, eletricidade e astronomia, e a Joseph F. Cullman III Library (http://library.si.edu/libraries/cullman), com sua excelente coleção de trabalhos de história natural, incluindo dez mil volumes publicados antes de 1840 nos campos da antropologia física e cultural, etnologia, linguística norte-americana nativa e arqueologia, botânica, ornitologia, mamologia, herpetologia, ictiologia, entomologia, malacologia, e outros campos da zoologia, paleontologia, e geologia e mineralogia.

As publicações de viagens de exploração do período, dos séculos XVII ao XIX, são um ponto forte desta biblioteca, assim como a história dos museus e do colecionismo científico (Smithsonian Institution, 2012).

O Smithsonian é mais conhecido por seus dezenove museus na região de Washington, D. C. e Nova Iorque. Os museus de arte incluem o Cooper-Hewitt National Design Museum, a Freer Gallery of Art, o Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, o National Museum of African Art, a National Portrait Gallery, a Sackler Gallery, o Renwick Museum e o Smithsonian American Art Museum.


São museus de história e cultura o Anacostia Community Museum, o Arts and Industries Building, o National Museum of African American History and Culture, atualmente em construção, o National Air and Space Museum, o National Museum of the American Indian, o National Museum of American History, o National Postal Museum, o Smithsonian Castle e o Udvar-Hazy Center.

Museus de ciência são o National Museum of Natural History e o National Zoological Park. Em conjunto, os museus mantêm cerca de 137 milhões de espécimes e artefatos, e receberam trinta milhões de visitantes em 2012. Todos os museus do Smithsonian, exceto o Cooper-Hewitt, têm entrada gratuita. Em 2012, foram apresentadas exibições itinerantes em quinhentos locais, em todos os cinquenta estados dos Estados Unidos e no exterior (Smithsonian Institution, 2012; News Room, 2013).

Em seus primeiros anos, a instituição priorizou principalmente a pesquisa científica. O museu original, o U. S. National Museum, colecionava, sobretudo, espécimes de história natural e artefatos da história da ciência e tecnologia. Os museus de arte e cultura foram estabelecidos apenas no século XX. Assim, o registro documental do Smithsonian é fortemente voltado para a história da ciência, documentando tanto as pesquisas científicas do próprio Smithsonian, quanto da história da ciência, tecnologia e medicina americanas.

No século XX, o U. S. National Museum foi dividido em National Air and Space Museum (1946), National Museum of American History (1964), National Museum of Natural History (1910), National Postal Museum (1990) e Smithsonian American Art Museum (1906). Outros foram estabelecidos pelo Congresso americano, inclusive o National Museum of African American History and Culture (2003) e a National Portrait Gallery (1962).

Alguns dos aviões exibidos no National Air and Space Museum em Washington D.C.
Em outros casos, os museus foram estabelecidos para custodiarem coleções privadas adquiridas pelo Smithsonian, em especial o Cooper-Hewitt National Design Museum (1967), o Freer Gallery of Art (1906), o Hirshhorn Museum and Sculpture Garden (1968), o National Museum of African Art (1979), o National Museum of the American Indian (1989), e a Sackler Gallery (1982) (Oehser, 1970). O National Museum of American History tem grandes coleções sobre a história da ciência, tecnologia e medicina, além de documentos sobre a história norte-americana. O National Air and Space Museum custodia a principal coleção que documenta a história da aviação e da exploração espacial, do voo de Wright ao ônibus espacial Discovery.

RECURSOS ARQUIVÍSTICOS

O Smithsonian também abriga os seguintes doze centros arquivísticos especializados em arte, cultura, história e ciência: Archives of American Art, Archives Center of the National Museum of American History, Archives of American Gardens, Eliot Elisofon Archives no National Museum of African Art, Freer-Sackler Archives, Hirshhorn Museum and Sculpture Garden Archives, National Air and Space Museum Archives, National Anthropological Archives, Human Studies Film Archives, National Museum of the American Indian Archives, Ralph Rinzler Archives do Center for Folklife, Cultural Heritage Archives e o Smithsonian Institution Archives. Todos esses arquivos possuem um catálogo comum sobre suas coleções, disponível em www.siris.si.edu.

O Smithsonian Institution Archives (SIA) (http://siarchives.si.edu/) custodia os documentos oficiais do Smithsonian Institution, os documentos de pesquisadores do Smithsonian e outros membros de sua equipe e documentos de organizações profissionais relacionadas.

Oferece serviços de referência ao público em geral, a pesquisadores e à equipe do Smithsonian Institution. O SIA mantém mais de 1.085 m3 de acervo, os quais contêm documentos institucionais, papéis pessoais e coleções especiais. Documentos oficiais oferecem uma história abrangente do desenvolvimento e das atividades do Smithsonian; seu papel na ciência norte-americana do século XIX, especialmente da história natural; o envolvimento do Smithsonian em questões culturais e sociais; e o desenvolvimento dos museus como instituições.

As coleções contêm correspondência entre o Smithsonian e cientistas brasileiros e documentam a coleção de artefatos e espécimes brasileiros. Índices automatizados e descrições em nível de coleção estão acessíveis no sítio eletrônico englobando as 4.265 coleções do Arquivo.

Um projeto do SIA e do National Museum of Natural History, o Field Book Project (http://www.mnh.si.edu/rc/fieldbooks/), catalogou cadernetas de campo de cientistas, disponíveis em http://collections.si.edu/search/results.htm?q=unit_code%3AFBR&tag.cstype=all, que estão sendo conservadas e digitalizadas para serem disponibilizadas na Biodiversity Heritage Library (http://www.biodiversitylibrary.org/). Esse projeto descreve mais de 6.600 cadernetas de campo, pertencentes a 542 coleções custodiadas no Smithsonian Institution, que documentam trabalhos de campo nas Américas do Norte e do Sul e em todo o mundo.

O National Hall é a sede do Instituto Smithsonian. Conhecido também pelo nome popular de "castelo".
A Institutional History Division (IHD) do SIA é o centro consagrado à história do próprio Smithsonian. Historiadores e a equipe oferecem informações sobre a história do Instituto para a administração e para o resto da equipe, para pesquisadores e o público em geral, além de liderarem o projeto de história oral do Smithsonian (http://siarchives.si.edu/research/oralvidhistory_intro.html). Também preparam exposições (http://siarchives.si.edu/history/exhibits), inclusive uma exposição sobre a relação do Smithsonian com a América Latina, disponível em http://siarchives.si.edu/history/exhibits/150-years-smithsonian-research-latin-america, apresentam programas públicos e publicam a história da instituição em publicações científicas e de divulgação. 

O IHD ainda recebe visitas de pesquisadores, estagiários e bolsistas de graduação e pós-graduação que realizam pesquisas sobre a história do Smithsonian, e mantém um abrangente sítio eletrônico sobre a história do Smithsonian disponível em http://siarchives.si.edu/history. O IHD também mantém um catálogo da história do Smithsonian no SIRIS (http://sirismm.si.edu/siris/sihistory.htm), que contém uma bibliografia anotada sobre a história do Smithsonian; uma cronologia de eventos importantes de sua história, com citação de fontes; uma base de dados com cerca de sete mil imagens históricas digitalizadas, com legendas e metadados detalhados. O catálogo também provê uma base de dados de documentos legais, que oferece citações dos documentos legais mais importantes que regulam o Smithsonian, e uma base de dados biográfica sobre todos os membros do comitê que preside o Smithsonian.

Informações sobre a história do Smithsonian e as coleções do SIA podem ser encontradas no blog do SIA, The Bigger Picture, em http://siarchives.si.edu/blog. Os pesquisadores interessados também podem subscrever a página do Facebook do SIA (https://www.facebook.com/SmithsonianInstitutionArchives), ou de seu Twitter (https://twitter.com/smithsonian).

O SIA tem postado conjuntos de imagens em sua página no Flickr (http://www.flickr.com/photos/smithsonian) e pedido aos visitantes que adicionem informações sobre elas no sítio eletrônico. O SIA tem ainda imagens históricas das instalações do Smithsonian no sítio HistoryPin (http://www.historypin.com/channels/view/6146388/) e recebe imagens históricas do público nestes sítio. Imagens em movimento históricas e educativas podem ser vistas no canal do SIA no YouTube em http://www.youtube.com/siarchives.

Dada sua importância na história da ciência dos Estados Unidos, não é de surpreender que o National Museum of American History tenha amplas coleções documentando a história da ciência, da tecnologia e da medicina. Seu Centro de Arquivos (http://amhistory.si.edu/archives/b-1.htm) preserva e oferece acesso a evidências documentais sobre o passado norte-americano, complementando os artefatos do Museu. O Centro de Arquivos mantém uma ampla variedade de coleções que documentam tecnologia, invenções e inovações dos séculos XIX e XX.

Tanto indivíduos quanto empresas estão documentados em áreas temáticas, entre as quais ferrovias, pianos, televisão, rádio, plásticos, marfim e equipamentos esportivos. A maior coleção é a do Western Union Telegraph Company Records, de 1840-1994. Outras coleções significativas incluem os Earl S. Tupper Papers (http://amhistory.si.edu/archives/d-8470a.htm), de 1914-1982, documentando a invenção do Tupperware; a SmartLevel Collection, de 1985-1996, que documenta a história da engenharia e a invenção de uma eletrônica de alta tecnologia no Vale do Silício; e a Darby Windsurfing Collection, de 1946-1998, documentando a invenção da prancha de windsurf. Mais de 1.200 coleções ocupam cerca de 365 metros de estantes. Além de documentos textuais em papel, muitas coleções contêm fotografias, filmes em movimento, videotapes e gravações sonoras.

O National Museum of American History também abriga o Lemelson Center (http://invention.smithsonian.org/home/), dedicado à história da invenção nos Estados Unidos. A missão do Lemelson Center é documentar, interpretar e disseminar informação sobre invenções e inovações, encorajando a criatividade inventiva nos jovens e estimulando a apreciação do papel central da invenção e inovação na história dos Estados Unidos. Através de eventos públicos, programas para estudantes, publicações, oportunidades de pesquisa, exposições e sítio eletrônico, o Centro registra o passado – ao preservar e aumentar o acesso aos documentos e artefatos, ampliando nosso entendimento da história, por meio da pesquisa, discussão e disseminação de ideias – e planeja o futuro, ao engajar-se com os jovens no estudo e exploração da invenção e inovação. O Centro tem bolsas disponíveis para financiar professores visitantes (http://invention.smithsonian.org/resources/research_fellowships.aspx).

O National Museum of American History. 
O National Museum of Natural History abriga o National Anthropological Archives (NAA) e o Human Studies Film Archives (HSFA). O NAA é dedicado a preservar anotações de campo etnográficas, arqueológicas e linguísticas, dados de antropologia física, fotografias e gravações sonoras e outras mídias criadas por antropólogos norte-americanos. O acervo do Arquivo inclui quase 635 mil fotografias etnológicas e arqueológicas (incluindo algumas das mais antigas imagens de povos indígenas do mundo); vinte mil peças de arte nativa (principalmente norte-americanas, asiáticas e da Oceania); 11.400 gravações sonoras; e mais de 2.438.400 metros de materiais filmográficos e em vídeo. As coleções documentam o trabalho de pesquisadores como Betty Meggers, que requereu dos antropólogos que levassem em conta o meio ambiente em suas análises de culturas antigas.

Ela trabalhou durante décadas no Brasil, especialmente na Amazônia. A ampla política de coleções e apoio a pesquisas antropológicas do Smithsonian, nos últimos 150 anos, fizeram do NAA e do HSFA recursos incomparáveis para os estudiosos interessados nas culturas da América do Norte, América Latina, Oceania, África, Ásia e Europa. O HSFA é dedicado a coletar, preservar, documentar e disseminar uma ampla gama de materiais de etnografia histórica e contemporânea e imagens em movimento relacionadas à antropologia, além de colecionar documentos relacionados, incluindo gravações sonoras, fotografias, manuscritos e outros textos associados, anotações de campo e registros de câmeras, gravadores e produção.

O National Air and Space Museum (NASM), localizado no Mall, em Washington, D. C., mantém a maior coleção da história aérea e de veículos espaciais do mundo. Também é um centro de pesquisa em história, ciência e tecnologia da aviação e voos espaciais, assim como das ciências planetárias e geologia terrestre e geofísica. O Arquivo do NASM (http://airandspace.si.edu/research/arch/), localizado no Udvar-Hazy Center, contém materiais documentando a história da aeronáutica e dos voos espaciais, incluindo uma ampla gama de material iconográfico e textual, muitos dos quais enfatizam os aspectos técnicos dos veículos aéreos e espaciais. 

A coleção arquivística ocupa mais de 340 metros cúbicos, contendo mais de novecentas coleções individuais, dois milhões de fotografias, 2.895.600 metros de películas, 3.500 horas de vídeo, e mais de dois milhões de gravuras técnicas. O museu Mall abriga objetos tão icônicos quanto a aeronave de 1903 dos irmãos Wright e o avião Spirit of St. Louis de Charles Lindberg, o módulo de comando do Apollo 11, e rochas lunares. Em 2004, o Steven F. Udvar-Hazy Center foi inaugurado, próximo ao aeroporto de Dulles, na Virginia, para exibir coleções que não podiam ser vistas no Mall, inclusive a superfortaleza aérea Enola Gay (um Boeing B-29) e o ônibus espacial Enterprise.

RECURSOS EM REDE

Desde a década de 1970, a Instituição tem automatizado o acesso a suas coleções e desde 1995 dissemina informações por meio de seu sítio eletrônico em www.smithsonian.org. Todos os centros de pesquisa, museus e zoológicos têm ricos sítios eletrônicos, com 102 milhões e 600 mil visitantes singulares em 2012 (News Room, 2013).

As exposições dos museus são apresentadas simultaneamente em formato online. Palestras e programas públicos são disponibilizados por meio de gravações para serem baixadas. Informações sobre as coleções da Instituição são disponibilizadas por meio de bases de dados online e projetos de digitalização, como o do Smithsonian Collections Search Center (www.collections.si.edu).

A National Portrait Gallery, por exemplo, tem uma base de dados online, o Catálogo de Retratos Americanos, que é um levantamento em coleções públicas e privadas nos Estados Unidos e no exterior, com informações sobre o retrato e, frequentemente, uma imagem digital do trabalho de arte (http://npgportraits.si.edu/eMuseumNPG/code/emuseum.asp). Os retratos incluem imagens de cientistas e inventores notáveis.

As coleções de pesquisa do National Museum of Natural History são acessíveis ao público, por meio de uma interface de rede padrão, com um total de 5.707.469 registros de espécimes atualmente disponíveis. Desses registros, 292 mil são registros de espécimes sobreviventes, que representam mais de 55% dos tipos de espécimes biológicos sobreviventes do museu (http://collections.mnh.si.edu/search/).

Muitos dos museus instituíram diários em vídeos, ao vivo, sobre tópicos relacionados a suas coleções, tais como a câmara voltada para a jaula do mico-leão-dourado no National Zoological Park (http://nationalzoo.si.edu/Animals/SmallMammals/default.cfm?cam=GLT). Os micos-leões são reproduzidos no Zoológico e preparados para serem posteriormente enviados às florestas tropicais brasileiras. As Smithsonian Libraries Galaxy of Knowledge (http://www.sil.si.edu/) contêm cópias digitais de muitos recursos, incluindo livros raros da história da ciência.

O Smithsonian Astrophysical Observatory torna acessível a pesquisadores um amplo conjunto de recursos científicos, mas também opera o Chandra X-ray Observatory Center para professores, estudantes e astrônomos amadores (http://chandra.harvard.edu/).

O Smithsonian Environmental Research Center estabeleceu um centro de ensino à distância com viagens de campo eletrônicas sobre ecologia, que podem ser usadas nas salas de aula do ensino fundamental e médio (http://www.serc.si.edu/education/).

 O Smithsonian Tropical Research Institute tem um programa, de longo prazo, de monitoramento de meio ambiente marinho e terrestre, que disponibiliza seus dados para pesquisadores em tempo real (https://ctfs.arnarb.harvard.edu/webatlas/datasets/bci/).

A instituição adotou as mídias sociais como um modo de atingir uma audiência mais ampla em sua missão de difundir o conhecimento. O Smithsonian Central e cada uma de suas unidades mantêm páginas de Facebook, Twitter e conteúdo RSS, sítios de vídeo no YouTube, sítios de imagem Flickr, Pinterest e sítios HistoryPin, acessíveis em www.si.edu. Todos os centros de pesquisa, museus e arquivos proveem apoio à pesquisa online para ajudar pesquisadores à distância. Cada um tem amplos recursos para professores de escolas do ensino fundamental e médio, coordenados por um escritório central, o Smithsonian Center for Education and Museum Studies (http://www.si.edu/Educators).

Todas as imagens e vídeos nos sítios do Smithsonian, a menos que de outra forma assinalado, estão acessíveis para uso em sala de aula. Para estudiosos à distância, todas as organizações do Smithsonian oferecem referências por meio de seus sítios ou correio eletrônico. Estudiosos visitantes também são bem-vindos a todas as instalações do Smithsonian, mas são fortemente encorajados a contatarem previamente o centro de pesquisa, museu ou arquivo, usando os recursos de contato listados acima.

Bandeira do Instituto Smithsonian.
A assistência financeira para pesquisadores visitantes é oferecida por meio de concurso ao programa de bolsas (http://www.si.edu/ofi). As bolsas pré e pós-doutorado são disponibilizadas para trabalhos de pesquisa em todas as organizações do Smithsonian e algumas unidades também têm programas especializados de bolsas (http://www.si.edu/OFI/Fellowships), tais como a de evolução molecular e a Guggenheim, do Air and Space National Museum.

Há bolsas de visitante de curto período de duas semanas, para pós-graduação, de dez semanas, e de pré e pós-doutorado, de um ano. Os estudantes universitários também podem candidatar-se para estágios no intuito de ganharem experiência prática em vários campos de estudo (http://www.si.edu/OFI/Internships).

Centenas de estagiários ganham experiência prática em pesquisa, gerenciamento de coleções ou programação pública a cada semestre. Os estágios podem se concentrar no tratamento de coleções de artefatos dos primórdios da aviação, no National Air and Space Museum, na condução de pesquisa de campo em paleontologia, no National Museum of Natural History, na catalogação de pinturas de cientistas, na National Portrait Gallery, no rastreamento da dinâmica em um trecho de floresta, no Panamá, no Tropical Research Institute, ou no planejamento de um ambiente com fins de conservação para o Mpala Research Center, no Quênia. Tais estágios oferecem remunerações e podem ser usados para ganhar créditos acadêmicos.

TRABALHOS QUE UTILIZAM OS RECURSOS DO SMITHSONIAN

Dado o tamanho e a gama da atuação do Instituto Smithsonian, é impossível listar todos os trabalhos recentes que utilizaram seus recursos. Cada unidade do Smithsonian tem numerosos artigos e livros publicados a cada ano. Muitas das publicações das equipes do Smithsonian estão disponíveis em formato digital em seu repositório digital e a pesquisa de publicações relevantes pode ser feita diretamente lá, em http://si-pddr.si.edu/dspace/community-list.

Um bom exemplo recente de uso das coleções do Smithsonian pode ser encontrado no trabalho de Marcel LaFollette. Na última década, como pesquisadora associada dos arquivos do Instituto Smithsonian, LaFollette tem estudado a Science Service Collection, disponível em http://siarchives.si.edu/collections/siris_arc_217249. O Science Service, uma organização sem fins lucrativos, foi fundada para aumentar e melhorar a disseminação pública de informação técnica e científica, e começou seu trabalho em 1921.

Embora inicialmente orientado para ser um serviço de notícias, o Science Service produziu um amplo leque de filmes noticiosos, programas de rádio, filmes, registros fonográficos, e atuou também em várias atividades educacionais, de tradução e de pesquisa. Hoje sobrevive como o Science Service, Inc., uma organização que publica a Science News e promove a educação científica. Uma pesquisadora da história das comunicações científicas, LaFollette primeiramente ofereceu-se como voluntária para ajudar o processamento técnico da coleção e torná-la mais acessível.

Ela encontrou uma série de fotografias, previamente não publicadas, do julgamento Scopes – ocorrido na década de 1920, em Dayton, Tennessee, sobre o ensino da teoria evolucionária de Darwin em escolas americana. Tiradas por membros da equipe do Science Service, essas fotografias informais capturam o impacto da atenção sobre essa pequena cidade. Quando essas imagens foram colocadas no Flickr, muitos residentes idosos de Dayton contataram o SIA para identificarem a si próprios, vizinhos e familiares, e isto abriu um canal de diálogo entre o SIA e os residentes. LaFollette, então, publicou um livro, Reframing scopes: journalists, scientists, and lost photographs from the trial of the century, que analisava a descoberta das fotografias e sua relação com o histórico julgamento.

LaFollette também ofereceu metadados para milhares de imagens digitalizadas da Science Service Collection. Uma grande coleção de retratos de cientistas não possuía muitas informações sobre estes indivíduos, especialmente as mulheres cientistas. Estas foram colocadas no Flickr juntamente com um pedido de informação sobre as faces anônimas. Numerosas identificações foram oferecidas por familiares, estudantes, colaboradores e colegas das cientistas, tornando a coleção bem mais valiosa para pesquisas (http://www.flickr.com/photos/smithsonian/sets/72157614810586267/comments/).

Ademais, a partir de sua pesquisa na Science Service Collection e em muitas outras fontes, ela também produziu um elogiado livro sobre a ciência na comunicação, Science on the air: popularizers and personalities on radio and early television, e o recente Science on American Television: a history.

Referências Bibliográficas: 
EWING, Heather P. The Lost World of James Smithson: Science, Revolution, and the Birth of the Smithsonian. New York: Bloomsbury USA, apr. 2007.
HENSON, Pamela M. A National Science and a National Museum. In: LEVITON, Alan E.; ALDRICH, Michele L. (eds.). Museums and Other Institutions of Natural History: Past, Present, and Future. San
Francisco: California Academy of Sciences, 2004, p. 34-57.
NEWS ROOM. Smithsonian Institution Website. Disponível em: .Acesso em: 2 set. 2012.
OEHSER, Paul H. The Smithsonian Institution. New York: Praeger Publishers, 1970.
REINGOLD, Nathan et al. The Papers of Joseph Henry, v. 1-12. Washington, D. C.: Smithsonian Institution, 1972-2008.
SMITHSONIAN INSTITUTION. Smithsonian Institution Annual Report for 2011. Come Closer. Washington,
D. C.: Smithsonian Institution, 2012. Disponível em: .


FONTE: Revista Acervo, Rio de Janeiro, v. 26, n. 1, p. 113-122, jan/jun. 2013http://revistaacervo.an.gov.br/seer/index.php/info/issue/view/42.