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Leandro Vilar

terça-feira, 28 de julho de 2015

Uma história sobre o café

Nativo do nordeste africano, o café começou a despontar na Idade Média como sendo um grão apreciado pelos árabes, os quais foram responsáveis por levá-lo à Ásia e a Europa, e popularizar seu consumo e a criação de cafeterias, mesmo antes de que o café caísse no gosto dos europeus. Todavia, foi a partir do século XVII que o café se popularizou como bebida na Europa, levando algumas nações como a Holanda a investirem em cafezais e na sua produção em larga escala. Colônias foram fundadas, florestas foram desmatadas, escravos foram capturados e levados a essas fazendas de café. 

No século XIX, o café se tornou a bebida do trabalhador, embora fosse apreciado desde o mais pobre ao mais rico. O Brasil enriqueceu com o café no século XIX e começo do XX, tornando-se um dos maiores produtores do mundo. 

O café esteve associado a burguesia e as elites; foi iguaria cobiçada, luxuosa e cara. Foi empregado como medicamento e até mesmo usado para se adivinhar o futuro. As cafeterias tornaram-se centros para a difusão de ideias, passando a serem locais de sociabilidade e requinte. O café foi associado a problemas de saúde, e também preocupou os vendedores de cerveja e vinho, devido a sua popularidade crescer rapidamente, ameaçando o consumo de tais bebidas alcoólicas. O café também foi considerado a bebida dos intelectuais no século XVIII. 


Assim como a história do açúcar, a história do café foi marcada por descobertas, inovações, aventuras, alegrias e tragédias, as quais unidas moldaram a história de uma das bebidas mais consumidas e apreciadas hoje em dia. Da próxima vez que você beber café seja em casa ou na rua, pense nisso: o café foi uma das bebidas que moldou a História. 

O cafeeiro: 

A planta do cafeeiro originalmente cultivada pelos árabes era a coffea arabica, sendo uma planta nativa do sudoeste da Etiópia, da região de Kaffa. Não se sabe quando ao certo os homens descobriram os efeitos da cafeína, mesmo que fosse ingerindo os grãos crus. Uma popular lenda datada entre os séculos VIII e IX conta que um pastor etíope chamado Kaldi, observou que suas cabras ficavam mais enérgicas após comerem alguns grãos de um pequeno arbusto, e essas ficavam saltitando de um lado para o outro (CIVITELO, 2008, p. 64-66). Ele continuou a perceber isso por mais algum tempo, até que teria ingerido um daqueles grãos e sentido os efeitos da cafeína. 


Gravura retratando o lendário pastor Kaldi e suas cabras. 
A coffea arabica hoje é a principal espécie de cafeeiro, e a mais cultivada no mundo, embora existam outras como a coffea canephora (ou coffea robusta) e a coffea liberica. A c. arabica é uma planta de folhas bem verdes, crescendo a uma altura de 1 a 1,5 metros. Algumas variações chegam a ser mais altas. Quando madura ela dá várias flores brancas, que exalam uma boa fragrância. Suas frutas quando ainda estão em amadurecimento passam pelas cores verde ou amarelo, até ficarem vermelhos. 


Foto de um cafeeiro pronto para ser colhido. 
A c.arabica é uma planta acostumada a um clima quente, embora consiga se adaptar a temperaturas mais baixas, pois originalmente ela crescia em terrenos montanhosos na Etiópia. Por tal aspecto, o clima mais frio de São Paulo no Brasil, não foi um empecilho para o cultivo dessa árvore, pois até então a maioria dos cafeeiros eram cultivados em climas quentes. São Paulo tornou-se e ainda é o principal produtor de café no Brasil. 

Todavia, embora seja nativa da Etiópia, sua produção começou a aumentar propriamente com a chegada dos árabes os quais levaram algumas mudas para a península arábica, mais especificamente o que hoje é o norte do Iêmen. A Etiópia na Idade Média começou a se islamizar, pois antes disso, ela era cristã (ainda hoje há cristãos etíopes e até uma igreja própria de lá). Todavia, existe uma lenda árabe que diz que o mestre sufista Abul Hasan ash-Shadhili (1196-1258), conhecido por suas peregrinações para difundir os ensinamentos do sufismo (corrente mística e esotérica do islão), teria sido o responsável por levar o café ao Iêmen, após se interessar por aquela planta que concedia energia e supostas virtudes. 



Os árabes acabaram tomando conhecimento do café e se interessaram em cultivá-lo. 
Não se sabe ao certo se o mestre Abul Hasan realmente levou algumas mudas de café, mas registros históricos apontam que por essa época, já havia cafezais no Iêmen. E foram com os árabes que o seu cultivo foi melhor trabalhado e desenvolvido, pois na Etiópia a população inicialmente colhia o café ainda em seu estado selvagem, apenas depois que os etíopes passaram a domesticar aquela planta. 

O café conseguiu se difundir entre os árabes principalmente devido ao fato de que no Alcorão, o profeta Mohammed recomendou que as pessoas deveriam evitar tomar bebidas alcoólicas (CIVITELLO, 2008, p. 64). Em alguns países islâmicos ainda hoje o consumo de álcool é bem restrito e liberado apenas aos estrangeiros. Logo, desde a Idade Média, a principal bebida que os árabes apreciavam eram o chá, com a introdução do café, essa bebida se tornou tão importante quanto o chá, ao ponto de haverem antigas lendas que diziam que o profeta Mohammed, teria descoberto o cafeeiro e teria sido o primeiro a inventar aquela bebida (TOPIK, 1999, p. 648). 


Além dessa importância dada pelos árabes para a difusão do cultivo do café, a palavra café também é de origem árabe. Embora a coffea arabica seja originária da região de Kaffa, a palavra café vem de qah'wa, antiga palavra árabe usada como sinônimo para vinho. Logo, o qah'wa era o "vinho dos muçulmanos". No século XVIII, os holandeses tornaram-se os principais cultivadores de café, tendo plantado latifúndios escravocratas na Indonésia, a partir da língua holandesa passou-se a se chamar coffie, que virou coffee em inglês, até virar café em português. 



Mercadores árabes de café. 
Os usos do café: 

Diferente do açúcar o qual é elemento para a produção de vários tipos de alimentos doces e algumas bebidas, o café em geral tem seu principal uso como bebida, no entanto, ao longo da História ele já foi recitado como medicamento, já foi usado para fazer chá, doces e até mesmo magia. Hoje o café ainda é usado em alguns doces como balas de cafés e torta de café; no caso da farmácia ele não é usado propriamente como medicamento, mas utiliza-se a cafeína em alguns remédios, pois hoje sabe-se que o café pode causar problemas estomacais ou agravar outros como úlceras e gastrite. 

De qualquer forma, inicialmente o café não era bebido, mas consumido puro ao se comer as frutas ainda maduras. No caso dos árabes no Iêmen, entre os séculos XII e XIII era costume usar as folhas do cafeeiro e a casca do café para se fazer chá (TOPIK, 1999, p. 641). Apenas tempos depois ainda em data não precisada é que os árabes começaram a triturar o café e assim misturá-lo com água, para preparar a bebida que hoje conhecemos. Por volta do século XVI começou a se torrar o café, o que proporcionava novos sabores.




A história da difusão do café será contada no tópico seguinte, mas prosseguiremos com seus usos os quais não eram tantos assim. O café no século XVI já era uma bebida amplamente apreciada nas nações islâmicas na Ásia e na África. Até na Índia já se bebia com regularidade café devido a Dinastia Mogol (não confundir com os mongóis) ser muçulmana. No caso da Europa, os europeus tiveram contato com o café ainda na Idade Média, mas foi a partir do XVII que a bebida começou a se espalhar pelo continente. Somado ao açúcar que abundava naquele tempo, começou-se a criar distintas formas de como se beber café e até alguns doces feitos com café, surgiram. 

No âmbito da medicina, o café devido a suas qualidades energéticas por causa da cafeína, era recomendado para se tratar distintos males relacionados ao estômago, intestino, fígado, fadiga, cansaço, dores musculares, dor de cabeça, enemas, fisemas, tosses, escorbuto, hidropisia, gota, etc. (CIVITELLO, 2008, p. 65). Curiosamente ainda no século XVII, médicos franceses recomendavam o consumo de café para vários tipos de doenças (MONTANARI, 2004, p. 112), que hoje na prática, o consumo dessa bebida em nada favorece a melhoria do doente.


"A bebida parece ter sido introduzida na Europa, primeiro, por suas virtudes medicamentosas, desde que, segundo Rauwolf, em 1582 era "muito adequada às doenças do estômago". No mesmo ano, Sir T. H. Hebert dizia que "nada mais apreciado pelo persa do que "cohs" ou "copha", que os turcos chamam "capha", bebida que parece espantar doenças, por ser tão preta, tão grossa e tão amarga, que destrói a melancolia, seca as lágrimas, suaviza os ódios e desperta sentimentos alegres". (ORNELLAS, 1978, p. 86). 

"Um anúncio feito na Turquia, em 1652, afirmava que com a preciosa rubiácea se podiam evitar gota, cálculo, hidropsia e beriberi, além de tornar a pele extraordinariamente clara e limpa. Cinco anos mais tarde, em Londres, o "Public Advertise", anunciava a nova bebida chamada café, mui saudável e medicinal, e que "fecha o orifício do estômago, aumenta o calor interno, ajuda a digestão aviva o espírito e alegra o coração". (ORNELLAS, 1978, p. 86). 

Todavia, o café nem sempre foi visto como possível medicamento, houve casos de que tentou-se proibir o café fosse por causas religiosas ou supostamente médicas. Em 1574, o sultão turco Murad III, ordenou a suspensão da lei que proibia o consumo de café e tinha fechado as cafeterias em seu império, lei essa imposta em algumas das províncias, pois alegava-se que o café consistia entre as bebidas proibidas pelo Profeta Mohammed. Pelo fato do sultão ser um apreciador da bebida e julgando que isso não passava de interesse da classe religiosa, aboliu tal proibição (AMARAL, 1958, p. 181). 


No caso europeu, houve em Veneza, Roma e em outras cidades italianas e em Marselha na França, teorias que diziam que o café incentivaria a luxúria, ou causaria impotência e paralisia (AMARAL, 1958, p. 181). Por outro lado, na Itália houve religiosos que defendiam que o café era uma "bebida de árabe", e não deveria ser consumida pelos cristãos. 


Quanto ao quesito mágico, o café possuía menos empregos do que o açúcar, mas uma prática mágica ainda hoje em uso é a cafeomancia, ou seja, ter visões sobre o futuro a partir da interpretação da borra do café (neste caso o pó de café não pode ser coado), a qual era deixada após tomá-lo numa xícara. Tal prática é bastante antiga e surgiu entre os árabes, sendo difundida pela Ásia, África e Europa. Nos séculos XVII e XVIII, entre a nobreza da França e da Rússia, a cafeomancia foi bem popular. 



Uma mulher predizendo o futuro para outra, através da técnica da cafeomancia.
Mas para além do âmbito culinário, farmacêutico e mágico, o café também contribuiu para mudar hábitos sociais e culturais, assim como foi no caso do açúcar e de outras bebidas. No século XV, já haviam cafeterias (al-maqhah-maqhah) em nações árabes, e no século XVI elas começaram a proliferar, surgindo na Pérsia, Ásia Menor, Egito e no norte da África (CIVITELLO, 2008, p. 66). 

As cafeterias:

A expansão do consumo de café alavancou-se entre as nações árabes a partir do século XVI, algo visível não apenas no crescimento do consumo dessa bebida, mas visto também na quantidade de cafés que foram abertos pela Ásia e pela África. Os cafés daquele tempo não eram tão diferentes de hoje em dia em alguns aspectos: as pessoas iam aos cafés para se alimentar, conversar e relaxar. 



Pintura de um café em Istambul, Turquia, no século XIX. 
Mas devido a popularização dessa bebida, os donos de cafés começaram a propor outros serviços para atrair a clientela. Logo, cafeterias tornaram-se locais para marcar encontros, marcar reuniões, ir fumar, jogar xadrez, gamão, damas; ler livros (pois algumas possuíam bibliotecas ou livrarias), ouvir histórias ou música, ver dançarinas e em alguns casos, havia a disponibilidade de prostitutas. Em 1511, Chair Bey, governador de Meca, ordenou que muitas cafeterias fossem fechadas, pois a população estava se tornando ociosa, a medida que preferiam passar horas nestes locais (CIVITELLO, 2008, p. 66/AMARAL, 1958, p. 181). 


Pintura de uma cafeteria árabe. 
Na Europa do século XVII, as cafeterias ainda eram poucas: em 1645 foi inaugurada a primeira cafeteria na Itália, em 1652 foi a vez da Inglaterra, e em 1672, inaugurava-se a primeira cafeteria na França (BENDINER, 2004, p. 171). Enquanto os cafés ainda estavam se formalizando nas nações europeias, nestes locais apenas a burguesia, a aristocracia e a nobreza os frequentavam. Tal fato mostrava-se como um diferenciador social, pois o restante da população não tinha dinheiro para frequentar estes locais requintados, tendo que se contentar em comprar o café, moê-lo, torrá-lo e consumir em casa. 

“Touted as the beverage of bourgeois intelligence and efficiency, coffee was expected to undo the laziness and obtuseness of the traditional aristocracy. Running parallel with that idea was the opposition of the thin to the fat, and it is certainly not coincidental that this subversive drink was categorized by doctors as “dry” (with reference to Galienus’s classification), and therefore “dehydrating.” As a replacement for wine and beer (“warm” drinks and rich, we would say, in calories), use of coffee also implied an overturning of the most widely held aesthetic canons”. (MONTANARI, 2004, p. 119).

Pintura do café Sadullah Pashah em Viena, Áustria. Fundado por um comandante turco em 1683. 
O café era uma bebida tão popular entre as elites europeias quanto o vinho e a cerveja (MONTANARI, 2004, p. 111-112), ao ponto de que em alguns países houveram restrições para seu consumo, pois o café foi visto como forma subversiva, fosse pelo fato de ameaçar outras indústrias de bebida ou por ser um vetor para reunir pessoas e ideias, que foram consideradas em alguns casos subversivas. 

“The seventeenth century marked the opening of the first coffeehouse in Paris in 1686 by an Italian named Procope. Almost everywhere coffee was introduced it met with two responses. The first was overwhelming enthusiasm from the people who drank it. The second was repression by the government. In Mecca, the governor ordered the coffeehouses closed when he heard the patrons were making fun of him. King George II did the same in England for the same reason. The French were going to ban coffee because they were afraid it would replace wine as the national beverage; the Germans feared for their beer. In all these places, people kept drinking coffee and eventually the bans were lifted. An exception was Italy, where coffee was never banned even though Catholic priests appealed to the pope to ban the Muslim beverage. Instead, the pope tried it and gave it his blessing”. (CIVITELLO, 2008, p. 169).

Assim como os cafés no mundo islâmico eram locais para se trocar ideias e tomar conhecimento delas também, na Europa, isso não foi diferente. O mesmo foi visto na Itália, Áustria, Alemanha, Inglaterra, Portugal, Espanha, etc. No caso francês mais especificamente, os cafés no século XVIII em Paris, tiveram um papel importante para difundir as ideias iluministas e revolucionárias (BURKE, 2003, p. 50). 


"Os donos dos cafés frequentemente exibiam jornais e revistas como modo de atrair clientes, encorajando assim a discussão das notícias e o surgimento do que muitas vezes é chamado de "opinião pública" ou "esfera pública". Essas instituições facilitavam encontros entre ideias e indivíduos". (BURKE, 2003, p. 50-51).

No caso de Paris entre suas centenas de cafeterias, um dos mais famosos era e ainda é o Le Procope, fundado em 1686 pelo siciliano Francesco Procopio dei Coltelli. No século XVIII o café Le Procope se tornou local de encontro de importantes pensadores e nomes do iluminismo como TurgotBarão de MontesquieuVoltaireRousseauDiderotd’AlembertCondorcetLa Harpe e até de revolucionários como Robespierre e Danton, e o futuro imperador da França, Napoleão Bonaparte (AMARAL, 1958, p. 182).
Gravura representando os filósofos Voltaire e Diderot reunidos a outros homens no café Le Procope no século XVIII.

“The Café Heinrichhof in Vienna inspired Johannes Brahms and other great composers, as well as merchants who preferred the sound of money. Other coffeehouses (such as this author’s grandmother’s Café Mozart in Vienna) hosted cards and billiards and other such less-inspired diversions.The leisure of the coffeehouse was serious business”. (TOPIK, 1999, p. 643). 

Até mesmo ideias e ações para a futura Revolução Francesa (1789-1799) foram debatidas no Café Procope e em outros cafés da cidade, como o Café Foy, onde no dia 13 de julho de 1789, Casmille Desmoulins planejou o ataque a prisão da Bastilha, algo que ocorreu no dia seguinte, tornando-se marco para o início da revolução em França (TOPIK, 1999, p. 643). 

Enquanto o açúcar esteve associado a gula, chegando a ser motivo de queixas por parte de religiosos, que consideravam tal alimento como incitador desse pecado, e em outros casos, os doces foram vistos como forma de ostentação, principalmente no século XVI e começo do XVII, o café, mais especificamente as cafeterias, tornaram-se locais associados a conversa e trocas de ideias. O café nos séculos XVII e XVIII, foi considerado uma bebida associada a intelectualidade e a civilidade, e por sua vez, a cerveja passou a ser depreciada, sendo considerada a bebida das "classes baixas", da bagunça e da ignorância, pois o café inspirava e a cerveja embriagava (TOPIK, 1999, p. 643). Pessoas se reuniam nas cafeterias para debater sobre artes, filosofia, história, política e ciências (BENDINER, 2004, p. 146). 

Por tais aspectos, as cafeterias foram locais mal vistos em determinadas épocas como mencionado, por serem difusores de ideias que nem sempre agradavam alas do governo, da sociedade e das igrejas (HIGMAN, 2012, p. 152). 


“Em 1671, já seriam aproximadamente três mil os cafés londrinos; e no ano seguinte o rei levantava perante os magistrados a questão da moralidade dessas casas, pontos de concentração de gente pouco recomendável. Depois de três anos de gestões, surgiu a proibição. Contrária ao espírito da Constituição britânica, escreveria Disraeli, muito depois: "Afirmava o rei que, em tais estabelecimentos, se abandonava enorme quantidade de ociosos, ajuntamento o mais pernicioso. E também que ali se reuniam muitos negociantes e outra gente do comércio a perder enorme tempo em conversas inúteis, esquecidos de obrigações e deveres. Também em tais casas correm falsos, maliciosos e escandalosos ditérios que se espalham por fora difamando o governo de Sua Majestade, produzindo assim a quebra da paz e perturbando o sossego da monarquia." O clamor público fez o rei voltar atrás, o que demonstra a popularidade do café em Londres, e faz imaginar exata, sem exagero, a cifra linhas acima dada para exprimir o número de casas onde ele era servido”. (AMARAL, 1958, p. 183). 


Essa visão negativa sobre as cafeterias como locais para a circulação de ideias ousadas e de ideais políticos, também se manteve no século XIX. Por exemplo, nas vésperas das Revoluções de 1848 ocorridas em distintos países da Europa, algo que ficou conhecido como Primavera dos Povos, houve reuniões em cafeterias em Paris, Londres, Berlim, Viena, Veneza e Budapeste (TOPIK, 1999, p. 643). 


Por essa época, as cafeterias já não eram mais locais exclusivos para as elites, as classes baixas em geral formada pelo proletariado que crescia na esteira da Revolução Industrial, passou a frequentar com mais frequência tais locais. Não obstante, nos Estados Unidos, o café no século XIX já era uma das bebidas mais consumidas do país, tendo suplantado o gosto pelo chá, legado esse que os americanos consideravam uma lembrança de seu vínculo como colônia da Inglaterra. Nos EUA, as cafeterias não estavam associadas a locais de ideias subversivas como ocorria na Europa, norte da África e no Oriente Médio (TOPIK, 1999, p. 644). 


No século XX as cafeterias continuariam a se expandir pelo mundo, mas o café não estaria mais presa a estas, passando a ser vendido em lanchonetes, restaurantes, bares e em outros estabelecimentos de alimentos e comerciais. O café tornou-se no século XX o que ele já vinha sendo desenvolvido desde o final do XVIII, a bebida do dia a dia. Durante a Grande Depressão nos EUA, café e um sanduíche de pasta de amendoim com geleia, era a refeição diária de muitos trabalhadores americanos. Devido ao seu baixo custo, tais alimentos impediram que o número de mortos pela fome tivesse sido maior. 


Logo, nos dias de hoje, milhões de pessoas bebem café diariamente, seja apenas na primeira refeição a qual devido a influência dessa bebida passou a ser chamada na língua portuguesa de café da manhã (breakfast). Todavia, o café não é apenas saboreado na primeira refeição do dia, ele também inclui lanches, o popular intervalo para um café ou como se diz na expressão brasileira "vou ali, tomar um cafezinho", algo que equivale ao coffee break dos americanos.



Hoje em dia para muitas pessoas, não ter café durante a primeira refeição do dia, é algo de estranho, pois tal bebida tornou-se tão familiar que muitos sentem sua ausência. 
“The combination of coffee and wake-up time reveals how closely coffee and the first meal of the day are connected in the modern American mind. Whether breakfast is ‘Continental’, consisting of coffee and a roll with butter and jam, or a full American affair, evolved from nineteenth-century English practice, with eggs, bacon, sausage, toast, cereal, juice, potatoes and other heavy items, coffee remains the liquid accompaniment”. (BENDINER, 2004, p. 178). 

Com o advento das cafeteiras e do café espresso isso facilitou a difusão do café seja nos lares, no trabalho e em outros ambientes urbanos. Você chega numa recepção, dependendo do país, há uma garrafa de café ou uma cafeteira; seja esperando numa clínica, hospital, num escritório, numa escola, numa loja de móveis, num banco, etc., quase todos estes locais haverá café o qual seja apenas de consumo dos funcionários ou possa a ser oferecido aos clientes. 

O café se expande pelo mundo:

Como visto anteriormente neste texto, foi por volta do século XII que o cultivo do café teve início entre os árabes no norte do Iêmen. Do século XII até o século XVI, o Iêmen seria o principal produtor de café para o mundo islâmico, tal fato era tão significativo que um dos principais portos da região, chamado de Mocha ou Mocca, tornou-se sinônimo para café, daí encontrar-se referências da época falando acerca do café de Mocha ou café mocha. Embora que ainda hoje, café mocha é sinônimo de café de boa qualidade. 



Localização da cidade de Mocha no Iêmen. Durante séculos foi um dos principais produtores de café no mundo. 
No caso da Europa, ainda na Idade Média, alguns viajantes europeus que frequentavam as terras islâmicas tomaram conhecimento do café, embora não tiveram interesse em levá-lo para suas terras, apenas levaram consigo as histórias que ouviram. Ainda no século XV e XVI, o café era pouco conhecido na Europa, sendo principalmente conhecido em Veneza, Roma, Gênova, Florença, Viena, Paris, Atenas e Constantinopla, devido a proximidade desses lugares com mercadores árabes e turcos. 

Alguns burgueses e nobres que tinham conhecimento dessa bebida, chegavam a comprar alguns grãos com vendedores árabes ou turcos, mas o consumo era caseiro e modesto. 


"O café chegou à França em 1644, com Sieur Jean de la Roque, que o trouxe para Marselha quando voltava de uma visita como embaixador em Constantinopla. Na mesma ocasião, la Roque trouxe também xícaras de porcelana antigas de grande beleza e pequenos guardanapos de delicada musselina bordados de ouro, prata e seda. O hábito de tomar café em seu escritório em estilo turco era considerado "uma verdadeira curiosidade". Foram necessários "cinquenta anos para que fossem vencidos todos os obstáculos" a uma aceitação geral do café como bebida, embora que em uns poucos anos o novo hábito já tivesse seus defensores vanguardistas". (FERNÁNDEZ-ARMESTO, 2004, p. 271). 

Apenas na segunda metade do século XVII é que o café começaria a despontar na Europa, quando cafeterias foram fundadas na Áustria, Itália, França, Inglaterra e Holanda. Todavia, mesmo com a difusão das cafeterias no final do século XVII, o café ainda era uma bebida associada a burguesia e as elites. Por essa época também, o café já era conhecido na Índia e até mesmo ali era cultivado. 


Mapa mostrando as palavras usadas para se referir ao café em distintos países europeus. 
No final do século XVII, os europeus já vinham tentando cultivar café em estufas, mas a produção era pequena e em alguns casos a qualidade do solo e o clima não contribuíram para o desenvolvimento da planta. Neste caso apenas dois países possuíam mudas de café, a Holanda e a França, sendo que as mudas de café dadas de presente para o rei francês Luís XIV em 1713, havia sido presente de um mercador holandês chamado Nicolau Witsen (AMARAL, 1958, p. 183). Por volta de 1699os holandeses decidiram entrar no mercado de produção de café e passarem a concorrer com os árabes. 

Assim, eles aproveitaram suas colônias fundadas através da Companhia das Índias Orientais (Vereenigde Oost-Indische Compagnie), e começaram a plantar cafezais na ilha de Java (hoje parte da Indonésia), fundando grandes latifúndios monocultores e escravocratas. No século XVIII, parte do café consumido pelos europeus era de produção holandesa e advinha da distante ilha de Java, a qual por sua vez tornou-se sinônimo de café, chamando-se café de Java ou café java (CIVITELLO, 2008, p. 66). Até meados do século XIX, o café java era um dos mais requisitados, mesmo que em outras partes do mundo já se produzisse café em larga escala. 



Gravura retratando escravos indonésios colhendo café, numa fazenda holandesa em Java. 
No século XVIII, o café era ao lado do chocolate e do chá, as três principais "drogas das Índias", mais consumidas pelos europeus (BENDINER, 2004, p. 172). Entenda-se que o conceito de droga não tem haver com a noção de hoje em dia propriamente, mas referia-se a plantas cobiçadas pelos europeus e que poderiam gerar vício, pois de fato, o café e o chocolate, mas nem tanto o chá, são alimentos viciantes. Logo, o café, o chocolate, o chá se uniam ao açúcar e outras especiarias asiáticas, africanas e americanas, genericamente chamadas "das Índias". 

Por volta de 1710 os franceses que se tornaram ao lado dos ingleses, vieneses e venezianos, grandes apreciadores de café, desenvolveram um novo método de preparar o café, fazendo uso do coador, para coar o pó por meio da infusão na água quente. Por outro lado, é creditado aos franceses o hábito de tomar café com leite (café au lait) (CIVITELLO, 2008, p. 169). algo que até hoje é comum para muita gente, além do fato de que há pessoas que preferem beber café apenas misturado com leite. 


Assim, com o rápido crescimento da popularização do consumo de café nos principais países europeus, os holandeses o passaram a cultivar na Guiana holandesa (atual Suriname), em data ainda incerta, mas foi na década de 1710. Há também relatos de cafezais na Ilha Bourbon (a leste de Madagáscar), tendo sido plantado pelos franceses, e de cafezais na Jamaica, também plantado pelos franceses (AMARAL, 1958, 184). No entanto, data de 1723, ano no qual o francês Gabriel Mathieu de Cleau, levou algumas mudas de café para a ilha de  Martinica. Posteriormente o café dos francês foi levado para outras como o Haiti. Posteriormente, os ingleses e os franceses também plantariam seus cafezais no continente, nas regiões chamadas de Guianas


Gravura retratando o capitão Gabriel Mathieu de Cleau protegendo uma pequena muda de café, a qual estava sendo levada para a ilha de Martinica. 
No caso do Brasil, conta-se que por volta de 1727, o militar Francisco de Melo Palheta teria conseguido alguns grãos de café na Guiana francesa, e os trazido para a Capitania do Grão-Pará e Maranhão, tendo plantado os primeiros cafeeiros no Brasil. Todavia essa história hoje é considerada como semilendária por alguns historiadores. 

"E, pois, de todo inaceitável a versão, segundo a qual prestimosa senhora da Guiana francesa houvesse enchido de grãos de café os bolsos de Francisco de Melo Palheta. Primeiramente, porque a muda conduzida, penosa e lentamente, em 1723, não poderia ainda haver frutificado em maio de 1727. A seguir, porque, mesmo que isso já houvesse acontecido, não se poderia conceber que os frutos, transportados para a Guiana, também aí já houvessem gerado outros cafeeiros e estes, por sua vez, já dessem safra em 1727". (AMARAL, 1958, p. 184). 


Embora não se saiba quando o café chegou propriamente ao Brasil, em carta datada de 1731, escrita por Alexandre de Sousa Freire, governador e capitão-general do Estado do Maranhão, ao rei D. João V, o governador solicitava de Sua Majestade a isenção de impostos pelo prazo de doze anos, para desenvolver o cultivo da canela e do café. De fato naquele mesmo ano, chegou um carregamento de café ao porto de Lisboa, carga essa advinda do Brasil (AMARAL, 1958, p. 187). De qualquer forma, o café só passaria a ter influência na economia brasileira, mais de um século depois.

Ainda pelo século XVIII, os holandeses, árabes e os franceses seriam os principais produtores de café no mundo; disputando mercados internacionais com os turcos, ingleses e indianos. No século XIX, novas ilhas e regiões do continente americano passaram a cultivar café: Colômbia, México, Equador, VenezuelaGuatemala, Nicarágua, Honduras, Bolívia, Cuba, El Salvador, Jamaica, etc., no entanto, principalmente a partir da sua segunda metade do XIX, o Brasil estaria a frente dessa produção, pois embora os americanos estivessem entre os maiores consumidores de café, eles ainda naquele século não haviam conseguido estabelecer uma produção apropriada para seu cultivo, dependendo da importação. Em compensação, os americanos disputavam com os ingleses a maior produção de algodão no mundo. 

“Se começarmos pelo continente negro, pátria do café, passando daí à Ásia, como ele mesmo e de onde se divulgou, e depois à América central, descendo, enfim, à do Sul, onde chegou por último e estabeleceu quartel-general, faremos a seguinte distribuição perfunctória da cultura cafeeira: Etiópia e Somália, Uganda, Quênia, Tanganica, Congo-Belga, Madagáscar, Angola — na África; Áden, Índia inglesa, Malásia, Índias holandesas — na Ásia; Suriname (Guiana Holandesa), onde provavelmente se cultivou primeiro nas Américas; Porto Rico, São Domingos, Haiti, Cuba, Jamaica, Guatemala, El Salvador, Nicarágua, Costa Rica — na América Central; México — na América do Norte; Equador, Colômbia, Bolívia, Venezuela e Brasil — na do Sul”. (AMARAL, 1958, p. 189). 


Mapa atual com os produtores de café no mundo. As variações de cores indicam o tipo de café cultivado. Verde escuro = c. cenaphora; verde claro = c. cenaphora e arabica; amarelo = c. arabica
A partir de 1820, a produção de café no Brasil tornou-se significativa, pois já constam em registros nacionais e internacionais uma boa quantidade desse produto sendo exportado, tendo como um dos principais clientes, os Estados Unidos.

"O café só começou a aparecer, como valor nacional apreciável, em 1820. Em 1850 a sua exportação estava representada por cerca de 1.500.000 sacas, menos de seis milhões de arrobas. A exportação total, no período em que havia tráfico africano, não atingiu a 150 milhões de arrobas". (SIMONSEN, 1937, p. 204). 

Café sendo posto para a secagem. Fotografia tirada em 1902, na Fazenda Dumont, São Paulo, Brasil.
Da segunda metade do século XIX ao presente século XXI, o Brasil figura como um dos maiores produtores da café do mundo, tendo assumido o primeiro lugar por vários anos consecutivos (AMARAL, 1958, p. 213). Graças a riqueza do café, a Província de São Paulo pôde se modernizar, e a Vila de São Paulo do Piratininga pôde tornar-se uma cidade. A riqueza do café incentivou os "barões do café" a investirem em ferroviais, aumentar o porto de Santos e trazer indústrias para São Paulo e o Rio de Janeiro. 

No século XX, após a crise de 1929 com a "quebra" da Bolsa de Valores de Nova York, muitos cafeicultores no Brasil e no mundo chegaram a falência ou bem próximo disso. No entanto, nas décadas seguintes, outros países da África e da Ásia passaram a cultivar café também, e o Brasil foi recobrando seu posto como principal produtor de café no mundo. Até 1940, dos 28.318.200 sacas de 60 quilos de café produzidas no mundo, desse total, 19.343.000 sacas foram produzidas no Brasil, representando para aquele ano, a parcela de 68,31% da produção mundial de café (AMARAL, 1958, p. 213). 

Considerações finais:

Embora sua "descoberta" ainda seja envolta em lendas sobre um pastor etíope e suas "cabras dançantes", o café de fato ganhou o mundo em cinco séculos. Um percurso longo, mas devemos nos lembrar que bebidas como a cerveja, o vinho e o chá, são consumidos a milhares de anos. A avassaladora guinada do café como bebida diária ocorreu entre os séculos XVIII e XIX, consolidando-se no século XX, tornando-se uma das bebidas mais diárias da humanidade, inclusive em países nos quais se oferecem alimentos tidos básicos, o café figura entre esses alimentos. 

Fotografia de uma etíope ao lado de uma cesta com grãos de café. Partindo da Etiópia, o café ganhou o mundo. 
No entanto, não podemos negar o papel fundamental dos árabes em se difundir o cultivo do café, em se elaborar as primeiras técnicas de seu preparo como bebida, além de criarem as cafeterias, as quais tiveram aspectos sociais e culturais que contribuíram para moldar a sociedade Ocidental, e até mesmo estiveram relacionadas a grandes mudanças na História, como debates filosóficos, artísticos, científicos e políticos, dos quais alguns repercutiram em planejamento de importantes revoluções.

O café como o açúcar foi considerado uma "droga do Oriente" por seus fatores viciantes. Foi visto por alguns como um medicamento para os mais diversos males, mas para outros, foi considerado algo perigoso, por supostamente criar alguns males, além de levar a ociosidade e a vadiagem. 

Símbolo de lazer, sociabilidade, requinte, luxo, civilidade, inteligência, subversão, revolução, trabalho e do cotidiano, o café nos últimos quatrocentos anos veio moldando o mundo em distintos aspectos, da economia, agricultura, comércio, alimentação, lazer, sociabilidade, política, costumes e até artísticos, de forma direta ou indireta. 

Cup of Coffee. Pablo Picasso, 1913. 
Assim como foi o caso do açúcar, o café em parte só conseguiu ser amplamente produzido antes da Revolução Industrial, mediante a escravidão de asiáticos, africanos e ameríndios. Fossem dos cafezais árabes, aos indianos, holandeses, franceses e brasileiros, o escravos foram responsáveis por séculos para cultivar e colher o café, embora que no século XIX em muitos países que já haviam abolido a escravidão, trabalhadores assalariados assumiram tal posto.

Embora eu não goste de café, fato esse no qual faz mais de dez anos que eu não consumo essa bebida, mas como historiador, não posso negar o papel dessa árvore, alimento, bebida e mercadoria que mobilizaram a vida de milhões de pessoas pelos quatro cantos do país. 

NOTA: Em 2009, de acordo com a Organização Nacional do Café, o Brasil naquele ano produziu 39,4 milhões de sacas de café, estando em primeiro lugar no ranking mundial de produção de café. Em 2014, de acordo com a Expocafé, o Brasil produziu 50,2 milhões de sacas. Atualmente o país é o maior produtor de café do mundo, responsável por 1/3 do café produzido no planeta. 
NOTA 2: Embora a palavra cappucino seja de origem italiana e date pelo menos do século XVI, a bebida cappucino é uma invenção do século XX. 
NOTA 3: Sobre o problema da história da introdução do café no Brasil, em 1727, entre algumas obras que abordam o tema, recomendo ler a explicação e análise de Luís Amaral em seu livro História geral da agricultura brasileira no tríplice aspecto: político-social-econômico, volume 2. 
NOTA 4: Acerca da expansão do café pelo mundo, Luís Amaral no livro mencionado acima, traz bastantes dados interessantes sobre esse processo. Acabei não usando boa parte deles, pois estenderia demasiadamente esse texto. 
NOTA 5: Na década de 1890, a Fazenda Dumont, fundada por Henrique Dumont, pai do famoso pioneiro da aviação Alberto Santos Dumont, chegou a ser a maior produtora de café do Brasil. A fazenda possuía quase 5 milhões de cafeeiros e se estendia por dezenas de quilômetros. 

Referências Bibliográficas:

AMARAL, Luís. História geral da agricultura brasileira no tríplice aspecto: político-social-econômico - vol. 2. 2a ed, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1958. 
BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: De Gutenberg a Diderot. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2003. 
BENDINER, Kenneth. Food in painting: from renaissence to the present. Hong Kong, Reaktion Booksm Ltd., 2004. 
CIVITELLO, Linda. Cuisine and Culture: a history of food and people. 2a ed. Hoboken, John Wiley & Sons, Inc., 2008. 
FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe. Comida: uma história. Tradução de Vera Joscelyn. Rio de Janeiro, Record, 2004. 
HIGMAN, B. W. How Food Made History. West Essex, Wiley-Blackwell, 2012. 
MONTANARI, Massimo. Food is Culture. Translated from the italian by Albert Sonnenfeld. New York, Columbia University Press, 2004. 
ORNELLAS, Lieselotte Hoeschl. A alimentação através dos tempos. Rio de Janeiro, FENAME, 1978. (Série Cadernos Didáticos). 
SCHAMA, Simon. O desconforto da riqueza: a cultura holandesa na época do ouro. Tradução Hildegard Feist. São Paulo, Companhia das Letras, 1992.  
SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil: 1500-1820. São Paulo, Companhia da Editora Nacional, 1937. (Série 5, vol. 100).
TOPIK, Steven C. Coffee. In: KIPLE, Kenneth F; ORNELAS, Kriemhild Coneè (editors). The Cambridge World History of Food - vol. 1. Cambridge, Cambridge University Press, 2000. 2v. p. 641-653. 

Link relacionado: 

O "ouro branco" chamado açúcar
Uma história sobre o chocolate
A expansão islâmica: VII-XII

LINKS:
International Coffee Organization
Expocafé

segunda-feira, 20 de julho de 2015

O "ouro branco" chamado açúcar

Hoje quando compramos um quilo de açúcar no mercado, fazemos no máximo escolher a marca e ver o preço mais barato, alguns procuram escolher entre seus tipos e até mesmo procurar por um açúcar light. Outros preferem os adoçantes artificiais e há aqueles que tiraram o excesso de açúcar da dieta. Comprar açúcar hoje é algo tão banal como comprar sal. Na maioria das vezes não pensamos na sua surpreendente história. Eu como historiador, quando visito um mercado, me vem em mente a história por trás daqueles produtos, pois alguns deles moldaram o mundo. 

Todavia, há cinco séculos o açúcar era mercadoria luxuosa e preciosa, em alguns momentos poderia valer seu peso em ouro. No entanto, a história do açúcar vai muito além desse fator econômico, o açúcar foi uma das mais importantes especiarias orientais que levou a criação de um mercado internacional. Empresas, companhias, lojas, refinarias, engenhos, entrepostos, depósitos, etc., foram fundados em várias partes do mundo; rotas comerciais foram criadas; os europeus se lançaram aos oceanos e desbravaram águas antes desconhecidas para eles. Terras "foram descobertas" ou "redescobertas". Povos foram atacados, subjugados, conquistados, escravizados, destruídos ou colonizados. 

Colônias surgiram, e algumas se tornaram países. O açúcar criou um próspero comércio que se espalhava pelos quatro cantos do mundo, influenciando direta ou indiretamente a vida de milhões de pessoas, de distintas línguas, crenças e etnias. Carregadores, agricultores, marinheiros, piratas, senhores de engenho, banqueiros, mercadores e escravos estiveram envolvidos no cultivo da cana de açúcar, na sua produção e venda. 

O açúcar de alguma forma influenciou importantes mudanças econômicas, políticas e sociais na Idade Moderna, tornando-se entre os séculos XVI e XIX uma das principais mercadorias a serem comercializadas no Ocidente. A história do açúcar foi marcada por inovações tecnológicas, aventuras, descobertas, perigos, desastres, guerras, revoltas, desenvolvimento, esforço, trabalho e escravidão. 

Neste texto procurei contar alguns aspectos dessa fascinante história sobre o açúcar, o qual na Idade Moderna foi o "ouro branco" de sua época. Logo, depois que terminar de ler esse texto, espero que da próxima vez que você comprar um quilo de açúcar ou for adoçar alguma comida ou bebida, pense nisso, aqueles grãos brancos moldaram a História moderna. 

A cana de açúcar: 

A cana de açúcar é uma planta nativa de regiões tropicais, adaptada ao clima quente e úmido, necessitando de uma boa quantidade de chuvas regulares e de iluminação, para que assim possa se desenvolver bem. A cana ao longo dos séculos acabou se adaptando a distintos terrenos e tipos de solo, proliferando-se desde solos lamacentos na Ásia, à solos fofos e ricos em húmus nas Américas. A cana dependendo da espécie, em geral são plantas finas, com hastes longas de onde brotam as folhas. Algumas espécies chegam a passar dos quatro metros de altura (GALLOWAY, 2000, p. 437)

"A cana sacarina não atinge a altura de uma árvore, mas a do milho e de outras canas, erguendo-se em calamos de sete a oito pés, com uma polegada de grossura. É esponjosa, suculenta e cheia de um miolo doce e branco. Teem as folhas dois côvados de comprimento, a flor é filamentosa e a raiz macia e pouco lenhosa. Desta saem rebentos para a esperança de nova safra. Gosta de solo úmido, clima quente e ar mais tépido. A índia Ocidental é feracíssima destas canas, conquanto também as produza a Oriental". (BARLÉUS, 1940, p. 74).

Fotografia do interior de um canavial. 

A matéria-bruta da cana, encontra-se em sua haste ou caule, e dependendo da espécie, pode ser facilmente aberta com uma faca, machado, ou até com os próprios dentes. No entanto, o uso de máquinas para moê-la é a forma mais eficiente de extrair seu sumo, chamado de caldo de cana

A cana de açúcar é uma planta originária do sudeste asiático, pertencendo ao gênero Saccarum, que desde os tempos antigos vem sofrendo modificações genéticas, devido a miscigenação entre distintas espécies de Saccarum. Hoje a maioria das canas cultivadas, pertencem a uma espécie hibrida, resultado de séculos de intervenções agrícolas. Algumas das principais espécies de canas, registradas em livros antigos são: a S. robustum, S. edule, S. barberi, S. sinense, S. spontaneum e a S. officinarum


As espécies Saccarum barberi e Saccarum sinense são originárias respectivamente da Índia e da China, no entanto, a espécie que se proliferou mais, foi a Saccarum oficcinarum, oriunda da ilha de Nova Guiné, na Indonésia. Além da S. officinarum a Saccarum edule e a Saccarum robustum, também são originárias dessa ilha. 


"S. officinarum is the species of basic importance to the history of the sugarcane industry. In New Guinea its evolution into an exceptionally sweet cane led to wide diffusion throughout the Pacific islands and eastward through southern Asia to Mediterranean Europe and America". (GALLOWAY, 2000, p. 438). 

A espécie S. officinarum tornou-se a mais importante no cultivo mundial de açúcar, sendo amplamente difundida pela Indonésia, e levada ao continente. Posteriormente, levada a Europa, África e as Américas. 

Não se sabe quando o ser humano domesticou as diferentes espécies de cana de açúcar. De acordo com Civitello (2008, p. 123), a cana começou a se espalhar na Nova Guiné por volta de 8.000 a.C. Galloway (2000, p. 438) por sua vez, menciona que inicialmente a cana era usada como comida de porcos desde a pré-história, pois sua alta quantidade de carboidratos e glicose, o que ajudava os porcos a ganharem peso mais rápido. No entanto, quando as pessoas descobriram que se poderia também comer o doce caule da cana, passaram a empregá-lo como alimento. 

Origem das espécies de cana de açúcar. 

Logo, desde tempos antigos, os asiáticos da Índia a China, e da China a Indonésia, estavam familiarizados com tais plantas, inclusive até as usavam como oferendas em seus ritos. Aqui se percebe que a cana deixou de ser usada apenas como alimento para animais e pessoas, mas também passou a ser usada para questões religiosas, como oferendas a deuses, espíritos e outras divindades.

A cana foi cultivada por séculos até que da Índia, em dado momento da História, ela foi levada para o Oriente Médio. De acordo com Amaral (1953, p. 326), foi na época de Alexandre, o Grande no século IV a.C, que mudas de cana foram levadas à Pérsia, e se espalharam pelo império. Séculos depois, quando os árabes deram início a sua expansão pelo Oriente Médio, eles difundiram o cultivo da cana, e acabaram levando a planta em suas viagens para a África e a Europa. Assim, encontramos menções a cana no norte e leste da África, na Sicília, em Creta, em Chipre, na Espanha e Portugal. Por volta do ano 1000, uma grande refinaria de açúcar foi construída na ilha de Creta, chamada pelos árabes de Candia, do qual originou-se o termo "candy" em inglês. Dessa refinaria, os árabes vendiam açúcar para todo o Mediterrâneo (BENDINER, 2004, p. 65).


"The new profession of pastry chef was made possible by a new food, one the Arabs had that the Europeans had never seen before and wanted very much. They called it “white salt.” Its grains were approximately the same size as those of salt, but it was pure white, unlike salt, which varied from grayish to greenish depending on the minerals it contained. And it was sweet. The Arabs had learned from people in India how to take the sugarcane stalk, remove the juice and leave only the sweet dry crystals. The process was time-consuming and labor-intensive. Sugar— exotic, expensive, tasty—was highly prized by the upper classes in Europe as a medicine. Apothecaries shaved flakes off cones of sugar and sold them by the gram like other drugs. Medieval physicians considered sugar the perfect medicine for treating toothaches". (CIVITELLO, 2008, p. 73). 


Foi ainda na Idade Média que a cana tornou-se mais familiarizada aos europeus, pois na Antiguidade, há relatos gregos e romanos mencionando tal planta, que eles achavam ser originária da Ásia Menor ou do Oriente Médio. Na Idade Média, bizantinos, italianos, portugueses, espanhóis, etc., passaram a ter um maior contato com o cultivo da cana e a produção de açúcar graças ao comércio com os árabes. (LEMPS, 1998, p. 611).

Pintura medieval mostrando um mercador pesando açúcar em uma balança. 

"Ora, o gosto pelo açúcar não cessava de se difundir pela Europa ocidental. Para satisfazer esse mercado nascente, as refinarias multiplicaram-se no século XV nas planícies da Sicília, reconquistada pelos normandos no século XI; foi igualmente na primeira metade do século XV que novas plantações foram criadas na Espanha, no Levante de Valência, o que permitiu ativas exportações para os país do Norte". (LEMPS, 1998, p. 612). 

Os usos do açúcar:

Antes de prosseguir para falar como o açúcar tornou-se o vetor de uma indústria global, é preciso conhecer seus usos como produto. Os antigos egípcios por volta de 2500 a.C, desconheciam o fabrico do açúcar, no entanto, tinham ciência da sua utilidade para além da alimentação. No processo de mumificação, os sacerdotes usavam mel para extrair a umidade do tecido humano, assim, matando as bactérias que iriam decompor o corpo (CIVITELLO, 2008, p. 15). 


Como foi dito anteriormente, o açúcar como conhecemos, não é algo natural, é necessário ser fabricado. Foi com os indianos que se encontraram os primeiros indícios da fabricação de açúcar por volta de 800 a.C, onde se encontra em relatos escritos a menção da fabricação de um produto granulado, proveniente da cana de açúcar. Por sua vez, a própria palavra açúcar é de origem indiana, advindo da palavra sharkar (CIVITELLO, 2008, p. 22). 


Nessa época em que os indianos haviam desenvolvido uma técnica para criar-se açúcar, o produto não apenas era usado para a alimentação, mas também para intuito ritualístico, mágico e medicinal. Atribuições essas que seriam também usadas por outros povos ao longo da História, das quais algumas serão apresentadas adiante. 
No Mahabaratha, importante poema hindu, o deus do amor Kama, é descrito usando um arco feito de cana de açúcar. 

O deus hindu Kama, usando seu arco feito de cana de açúcar. 

Todavia, o consumo de açúcar pelos europeus em geral adveio da ingestão de mel e de frutas, pois o fabrico de açúcar era algo raro na Europa antiga e medieval, e neste caso apenas os ricos é quem possuíam dinheiro para comprar açúcar geralmente de mercadores árabes, condição essa que continuou ao longo de toda a Idade Média, sendo a partir do século XV, que os portugueses entraram no agronegócio canavieiro, passando a competir com os árabes e os italianos (os quais revendiam a mercadoria). Neste caso, a cozinha árabe estava mais familiarizada com o uso de açúcar como tempero e especiaria (CIVITELLO, 2008, p. 64). 

Mas além dessa função alimentícia como já assinalado (e na qual voltarei a mencionar novamente), o açúcar também passou a possuir funções ligadas a medicina e a magia (AMARAL, 1958, p. 327). Se na Ásia ele já possuía tais empregos, ao ser levado a África e a Europa, ele também manteve tais características. 


O açúcar era receitado por médicos e curandeiros como medicamento para distintos tipos de problemas de saúde. Ele poderia ser ingerido puro, misturado com alguma bebida, misturado em uma poção, beberagem, ou numa pasta ou em forma de emplastro. E até mesmo receitado para ser consumido como biscoito, bolo ou algum tipo de doce, pois os médicos da época o consideravam um alimento nutritivo (CIVITELLO, 2008, p. 141). O açúcar geralmente era receitado para tratar de males relacionados como dor de dente (algo que hoje não faz nenhum sentido, e pelo contrário, o excesso de açúcar gera cáries), e males relacionados a digestão, estômago, intestino, fígado, etc (BARLÉUS, 1940, p. 74). 


Para usos mágicos e de bruxaria, o açúcar poderia ser usado para distintos tipos de feitiços e poções, das quais seriam benignas ou malignas. No entanto, não encontrei nada mais detalhado sobre isso. Suas virtudes adocicantes, teriam um elemento de atração, de sedução; algo que auxiliaria na hora de efetivar o uso de tal magia. De fato em termos biológicos, as papilas gustativas do seres humanos e de outros primatas, referentes ao sabor doce, se sobressaem comparadas ao salgado, azedo e amargo. Embora haja pessoas que não gostem de comidas doces, em geral a espécie humana e tencionada biologicamente a apreciar comidas e bebidas doces. 

Outro uso que o açúcar possuía era o de conservante. Normalmente se pensa no sal, para essa utilidade, mas o açúcar quando misturado com frutas, massas, pastas e geleias, contribui para aumentar a durabilidade de tais alimentos (SILVA, 2000). Dessa forma, frutas glaceadas, cristalizadas e em conserva, duram mais do que frutas normais. E numa época na qual não havia formas de refrigeração eficazes, fazer tais comidas doces, era uma maneira de garantir alimento para a casa, por alguns dias. 


“The quantities of sugar increased considerably with its use in the conserving of fruits and jam making. This method of preserving fruits was admittedly not unknown in the Middle Ages, but it spread from royal and princely courts to the kitchens of more modest and more numerous social groups such as shopkeepers, artisans, and peasants. Later, the making of these preserves became a supplementary job, a rather important one for this new bourgeoisie, often of rural origin, that still possessed several acres of pleasure gardens and orchards at the gates of the city”. (STOLS, 2004, p. 240). 


Com tal uso, o açúcar também contribuiu para modificar a culinária em todo o mundo e a desenvolver novos hábitos alimentares. 


“It is curious that since the Middle Ages the French have considered other nationalities, especially the Italians, as people with excessively sweet tastes, who drink too heavily fortified (sugared) wines and who use too much sugar in the preparation of foods”. (MONTANARI, 2004, p. 87). 


“What appears particular to Portugal is that the abundance of sugar permitted the use of those fruits and legumes that were heavy and bulky, inexpensive and bland, and did not lend themselves to the use of honey, much too expensive and difficult to use in such large quantity. Thus, the Portuguese did not hesitate to conserve in syrup the omnipresent chestnuts, known as the fruit of the poor, or to cook in sugar the astringent quince or different varieties of squashes and gourds, the cabaças [calabashes], jirimuns, and chila. These, similar to the doces de abóbora (Brazilian sweet pumpkins) and relatives of the Mexican camotes (sweet potatoes), seem almost unique in Europe and do not appear as abundantly elsewhere. Le cuisinier français (1651) mentions only sugared pumpkins and marrons glacés (iced chestnuts).π In addition, in Portugal, sugar even served to salvage leftover rice as arroz doce (sweet rice), or slices of stale bread as rabanadas (French toast)”. (STOLS, 2004, p. 241). 

Os europeus não descobriram o gosto por doces com o açúcar, eles já o tinham devido ao uso do mel, porém a apicultura não era bem desenvolvida e dependia muito da coleta natural, trabalho difícil e perigoso. Mas com o desenvolvimento das plantações açucareiras, o gosto pelo açúcar antes restrito as classes abastadas se difundiu pela sociedade. E o mel foi perdendo espaço nas receitas, para o açúcar. 

"O açúcar ampliara a doçaria, fazendo-a variada, determinando as espécies procuradas e provocando vocações inventivas. O jesuíta Duarte de Sande acompanhara à Europa a primeira embaixada enviada pelo Japão ao Ocidente; quatro príncipes nipônicos que vistaram o Papa Gregório XIII (1572-1585). Duarte de Sande esteve em Lisboa e escreveu exaltada descrição. Admirara a Rua dos Confeiteiros, desaparecida no terremoto de 1755: "como todos os anos da ilha de S. Tomé, de muitos portos do Brasil, ilhas Canárias e da Madeira é importada para Lisboa, em muitíssimos navios, inumerável quantidade de finíssimo açúcar, é tal a abundância de doces e bolos expostos à venda n'esta rua, que não somente dá para o consumo da idade, mas se exporta para muitas outras da Europa". (CASCUDO, 2004, p. 301). 

A partir do século XV, a produção açucareira começou a crescer no Mediterrâneo e na costa ocidental africana, através das colônias insulares de Portugal, localizadas na MadeiraAçoresCabo Verde e São Tome e Príncipe. O infante D. Henrique (1394-1460) um dos principais responsáveis pela política expansionista marítima de Portugal foi quem expediu as ordens para se iniciar o cultivo de cana na Madeira, nos Açores, no Cabo Verde e em outras localidades. D. Henrique viu que o açúcar era um produto rentável, e decidiu ampliar os canaviais nos domínios portugueses. 

Na Ilha da Madeira onde surgiram os primeiros engenhos portugueses, neste caso em 1452Diogo Vaz de Teive, escudeiro do infante D. Henrique, construiu o primeiro engenho na ilha, na Capitania do Funchal. Seu engenho era movido a água. Em 1590Gaspar Frutuoso, autor de Saudades da Terra, apontava a existência de mais de 30 engenhos apenas na Madeira, embora salienta-se que a produção açucareira madeirense estivesse em declínio devido a produção brasileira que a ultrapassara. 

"Em 1440 uma arroba valia, na Inglaterra, 18,30 gramas de ouro, que representam 1:120$000 em poder aquisitivo de hoje, ou sejam 75$000 o quilo. Em 1470, este preço havia baixado para 45$000, e, em 1501, valia apenas 8$500 o quilo.  A produção portuguesa, principalmente a da Ilha da Madeira, provocou a destruição das culturas do Mediterrâneo e o desequilíbrio no comércio". (SIMONSEN, 1937, p. 145).

"Em 1498, para evitar a queda dos preços do açúcar, o rei D. Manuel decidiu limitar as exportações da ilha a 120.000 arrobas (1.780 toneladas); além disso, a ordenação fixou uma quota por destino, preciosa indicação sobre os clientes do açúcar da Madeira nessa época: 40.000 arrobas para Flandres, 15.000 para Veneza, 13.000 para Gênova e 6.000 para Livorno, ou seja, um total de 34.000 para os três grandes portos redistribuidores do Mediterrâneo; Aigues-Mortes e Rouen tinham direito a 6.000 arrobas, La Rochelle a 2.000, Lisboa e Londres a 7.000; Constantinopla chegou a receber até 15.000 arrobas". (LEMPS, 1998, p. 612). 

No entanto, do século XV ao começo do XVII o açúcar ainda era mercadoria luxuosa, e somente a nobreza e a burguesia tinham dinheiro para comprá-los. Logo, o açúcar como outras especiarias, eram mercadorias de luxo, e aqueles que a possuíam atestavam sua prosperidade perante a sociedade. Pois tais alimentos serviam de indicadores de distinção social (BENDINER, 2004, p. 64). 

Pintura alemã retratando uma mesa com um bule de chá, uma xícara, um vaso com leite, algumas tortinhas e um açucareiro. Autor desconhecido, 1873. 

"Antigamente um pão de açúcar (cada pão tinha pouco mais de dois quilos) era arrolado como bem precioso, nos tesouros reais. Atribuía-se ao produto da cana virtudes miraculosas para a saúde. Sete pães de açúcar (14 quilos), deixa a mulher de Carlos V da França, no seu testamento, entre joias preciosas. E o sucessor deste rei dá a outro soberano, como presente real, mais alguns quilos da mágica mercadoria". À época do descobrimento do Brasil, a Europa tomava tudo com açúcar: a carne, o vinho, o peixe". (AMARAL, 1958, p. 327).

Na Inglaterra do governo dos Tudor no século XVI, o açúcar era tão caro, que apenas os ricos o compravam. O rei Henrique VIII, conhecido pelo seu grande apetite, era um grande apreciador de doces, fazendo questão de que em seus banquetes, abundassem tais guloseimas. No século XVII, o rei francês Luís XIV também era um apreciador de tais guloseimas, além de gostar de consumir café e chocolate quente, bebidas que eram tomadas apenas se fossem adocicadas. 

“During the same period at Hampton Court Palace, King Henry VIII also succumbed to the costly new taste for sugar. His cooks furnished the royal table and receptions with all kinds of confectionery, spices coated in sugar, marmalades, marzipan, sugar plates, and subtleties such as figures of soldiers, saints, and even a St. George on horseback or a St. Paul’s Cathedral. Under Elizabeth and James I, the sugar banquet evolved into a standard element in court entertainment”. (STOLS, 2004, p. 239).

Um fato curioso dessa época, é que como as pessoas não tinham o hábito de escovar os dentes, ou usar outro meio para limpá-los; de tanto consumirem açúcar e doces, os dentes acabavam ficando escuros devido as cáries. Contudo, a nobreza soube contornar essa consequência. Os dentes cariados passaram a ser sinônimo de "riqueza", pois significava que para ter dentes escuros devido ao açúcar, você deveria ter muito dinheiro para comprar tal mercadoria. Logo, havia casos de pessoas menos abastadas, que passavam fuligem e outras substâncias para escurecerem os dentes. 

Foi a partir do século XVII que com o grande crescimento do comércio açucareiro, principalmente no Brasil, nas Antilhas, Bahamas e Caribe, é que o açúcar começou a baixar de preço devido a sua abundância, com isso, ele tornou-se mais acessível a população em geral, e as receitas proliferaram. Todavia, mesmo durante o período que ele custava caro, havia outras formas de se conseguir essa açucarada iguaria: era através de xaropes, melaço, açúcar mascavo ou de outros tipos de menor qualidade. O açúcar chegou a ser considerado uma das "drogas do Oriente", por ser uma substância viciante (STOLS, 2004, p. 275). 

Além de mudar gostos culinários, o açúcar também alterou comportamentos e costumes. Sobre isso Câmara Cascudo menciona como o hábito de preparar bolos em Portugal se tornou algo tão comum e sendo feito para distintas ocasiões. Embora haja bolos salgados, ainda hoje os tipos de bolos mais consumidos são doces.

"O bolo possuía uma função social indispensável na vida portuguesa. Representava a solidariedade humana. Os inumeráveis tipos figuravam no noivado, casamento (o bolo de noiva), visita de parida, aniversários, convalescença, enfermidade, condolências. Era a saudação mais profunda, significativa, insubstituível. Oferta, lembrança, prêmio, homenagem, traduziam-se pela bandeja de doces. Ao rei, ao cardeal, aos príncipes, fidalgos, compadres, vizinhos, conhecidos. O doce visitava, fazia amizades, carpia, festejava. Não podia haver outra delegação mais legítima na plenitude simbólica da doçura. Completava a liturgia sagrada e o cerimonial soberano". (CASCUDO, 2004, p. 302).

No final do século XVII, bebidas como o café e o chá, tornaram-se populares, e por sua vez, as pessoas passaram a usar açúcar para melhorar seu sabores, embora que antes disso, já fosse hábito em alguns lugares, adoçar o vinho também. 

“Após a vulgarização do chocolate, foi o café, cujo uso se espalhou desde 1650, um dos produtos que mais contribuiu para a expansão do açúcar, sabido como é que o consumo de café obriga ao do açúcar em peso pelo menos igual ao daquele”. (SIMONSEN, 1937, p. 173).

Pintura de uma cafeteria londrina em 1688. 

“The introduction of chocolate, coffee, and tea into Europe caused a rise in the demand for sugar, while the availability of sugar increased the demand for chocolate, coffee, and tea. A sugar spiral developed: as sugar became more available, its price dropped; as its price dropped, it became more available to more people. What had been a medicine for the rich in the Middle Ages was a staple for even the poor by the middle of the eighteenth century”. (CIVITELLO, 2008, p. 122). 

Enquanto os europeus e árabes apreciavam o uso do açúcar para melhorar o gosto forte do café, ou preferiam misturá-lo com leite, foi graças ao açúcar que o chocolate tornou-se um doce popular, pois o cacau é naturalmente amargo. Logo, com o uso do açúcar ele tornou-se um dos mais amados doces do mundo. 

O chocolate foi apenas um dos doces que destacou-se na Idade Moderna, outras guloseimas passaram a serem mais recorrentes como: pães doces, tortas, cremes, caldas, coberturas, caramelos, pudins, suflês, balas, biscoitos, bolos, panquecas, compotas de frutas, frutas açucaradas, mingais, geleias, bebidas adocicadas, etc. 

Pintura retratando monges espanhóis produzindo chocolate na Idade Moderna.

"Mas o grande inimigo, agente incansável de Satanás, era o açúcar. Entrando na República em quantidades adequadas para reduzir suficientemente o fator custo e chegar às mesas das camadas médias, o açúcar brasileiro alimentava o apetite dos holandeses por doces - apetite então já sedimentado. Na década de 1640, havia mais de cinquenta refinarias de açúcar operando em Amsterdã, e petiscos tradicionais como waffles, panquecas e poffertjes podiam ser complementados com açúcar polvilhado ou caldas caramelizadas. Bolos e biscoitos que antes não recebiam nenhum tipo de tempero, a não ser um pouco de mel ou, nas cozinhas ricas, açafrão e anis, agora podiam incluir pedaços de frutas cristalizadas ou misturas até então inéditas de gengibre oriental e melaço ocidental". (SCHAMA, 1992, p. 169). 

O açúcar também contribuiu para origem de algumas bebidas como o chocolate quente e a limonada. Por outro lado, a cana de açúcar tornou-se matéria-prima para a elaboração de algumas bebidas alcoólicas feitas a base de seu caldo, como o aguardente de cana (mais conhecido no Brasil como cachaça), o rum e a garapa. Não obstante, o próprio caldo de cana é consumível, embora não fosse apreciado na Idade Moderna pelas elites. 

Essas três bebidas alcoólicas tiveram um papel importante na história colonial. A cachaça foi usada pelos portugueses como moeda de troca para se conseguir mercadorias dentre as quais, escravos africanos; por sua vez, o rum tornou-se a principal bebida alcoólica no Caribe, Antilhas e Bahamas, tornando-se mercadoria bastante procurada, a ponto de ser contrabandeada, e gerar conflitos entre as autoridades e os piratas. No caso da garapa, por ser uma bebida de baixa qualidade, feita com as sobras do caldo de cana, tornou-se a bebida popular dos pobres e dos escravos. 

"Os negros fazem, às vêzes, uma mistura detestável de açúcar preto e água, sem a mínima fermentação, à qual dão o nome de Garapa. Bebida barata, os negros usam-na em suas festas que chegam a durar 24 horas entre dansas, cantos e beberagem. Só brigam, nessas ocasiões, por ciúmes. Às vêzes adicionam à garapa, folhas de cajueiro que, dada a sua natureza quente, torna a bebida mais forte". (NIEUHOF, 1682, p. 304). 


"O café, o chá e o chocolate seguiram a trilha do açúcar; mas o açúcar foi o mais importante, em parte porque era essencial para o sucesso dos demais; pois, enquanto nenhum dos povos que produziram aquelas bebidas necessariamente incluía o açúcar em suas receitas, os europeus que as provavam só raramente as aceitavam sem açúcar. O açúcar esteve na vanguarda da "revolução das bebidas quentes" do século XVIII". (FERNÁNDEZ-ARMESTO, 2004, p. 270). 

Na Idade Moderna, o açúcar começou cada vez mais a ser um produto regular nas cozinhas de diversas casas espalhadas em alguns cantos do mundo. Se tomarmos o caso da Europa e das Américas, dependendo das condições financeiras de uma família, poderia-se encontrar na cozinha, na parte dos condimentos, açúcar, sal, canela, gengibre, cravo, salsa, orégano, grão de mostarda, coentro, açafrão, pimenta, etc. 


"O consumo de açúcar pelos ingleses - que, segundo um texto da época, tinham "a boca mais adoçada da Europa" - aumentou consideravelmente no decorrer do século XVIII: de 2 kg por habitante e por ano, em 1700-1709, passou para 6,7 kg em 1792 e para 9 kg em 1800-1809. Como bem foi demonstrado por Sidney Mintz, o açúcar - reservado, antes de tudo, à classe abastada - tornou-se o complemento do cup of tea até mesmo entre os operários". (LEMPS, 1998, p. 623). 

Além de se tornar um alimento regular, o açúcar também contribuiu para o desenvolvimento de uma indústria alimentícia: a fabricação de doces e derivados, além de tornar o ofício do confeiteiro algo comum. Todavia, a indústria alimentícia só se desenvolveu propriamente no século XIX, quando a industrialização estava estabelecida, antes disso, tivemos uma produção artesanal e manufatureira em baixa escala, mas o suficiente para abrir docerias e pastelarias


“While Lisbon seemed to be the capital of this rapid expansion of the new art of preserving that was at once aristocratic and more quotidian, the first, more concrete indications of the art’s economic and social importance were also found in the Portuguese capital. In his inventory of the economic riches of the city in 1552, João Brandão counted no fewer than thirty tendas de confeiteiros (confectionery shops), each employing four to five people, amounting to a hundred fifty in total, including fifty women, making marmalade (açúcar rosado e laranjadas), which they sold to those going to the Indies or Guinea. There were ten more tendas de pastéis (pastry shops), where more than thirty people busied themselves with making small pastries or morsels, often lightly sugared”. (STOLS, 2004, p. 242). 

Essa renovação na cozinha não se deu apenas nas receitas que se podiam produzir tendo o açúcar como ingrediente, mas também agiu no surgimento de novos utensílios domésticos. Com a difusão do consumo de açúcar pela Europa, foi se tornando mais comum caixas de açúcar, açucareiros, colheres de açúcar, xícaras, bules de café e de chá, novos tipos de panelas e fôrmas para se fazer doces, etc. (STOLS, 2004, p. 257). 


O açúcar também influenciou os artistas da época, principalmente no século XVI e XVII, especialmente os pintores flamengos e holandeses, os quais estiveram familiarizados com as extravagâncias dos banquetes promovidos pelos ricos e burgueses em seus países. Por outro lado, o açúcar também serviu para dar nome a lugares. Stols (2004, p. 257) aponta que em cidades como Amsterdã, Antuérpia e Lisboa, havia "rua do açúcar", "rua dos doces", "rua dos confeiteiros", sendo essa última, uma rua bem famosa em Lisboa. 



Rua dos Bacalhoeiros em Lisboa, antiga Rua dos Confeiteiros. 

Com a profusão do açúcar, várias receitas foram criadas, e consequentemente uma profusão de nomes para doces começaram a serem inventados, ampliando em muito o vocabulário culinário europeu. Um dos casos mais conhecidos advém da culinária portuguesa, uma das mais expressivas quando o quesito é fazer doces. Os portugueses começaram a usar o nome de lugares, de santos, títulos reais, títulos eclesiásticos, entre outras palavras comuns do vocabulário para nomear os doces. 

"Bolinhos de amor, esquecidos, melindres, paciências, raivas, sonhos, beijos, suspiros, abraços, caladinhos, saudades. E os que traziam aromas de cela mística de freira letrada: beijos-de-freira, triunfos-de-freira, fatias-de-freira, capela-de-freira, creme-de-abadessa, toucinho-do-céu, cabelos-de-Virgem, papo-de-anjo, celestes, queijinho-de-hóstia. Satíricos: barriga-de-freira, conselheiros, velhotes, orelhas-de-abade, galhofas, lérias, casadinhos, viúvas, jesuítas arrufadas, sopapos. E os cerimoniáticos: capelos-de-Coimbra, manjar-real, bolo-rei, manjar-imperial, príncipes, marqueses, morgados. Bolos com os nomes dos conventos, santos, cidades, vilas, lugares, talvez de criadores da guloseima ou vênia anônima ao apelido do preclaro de senhores e damas que só deixaram no mundo esse vestígio no bojo dourado das gemas amarelas, revestidas pela poeira do açúcar, das amêndoas, risco à canela cheirosa". (CASCUDO, 2004, p. 303). 

O açúcar conquista o Novo Mundo: 

Como anteriormente salientado, foi ainda no século XV que Portugal ingressou com maior presença na produção açucareira, estabelecendo engenhos nas ilhas da Madeira, Açores, Cabo Verde e posteriormente em São Tomé e Príncipe. Tais ilhas localizadas na costa ocidental africana, eram desabitadas, e de início os portugueses trataram deles mesmo trabalharem nos canaviais, mas constatando que era um trabalho bastante árduo, decidiram empregar mão de obra escrava, advinda do continente. 


Diferente do que alguns pensam, não foram os europeus que introduziram o comércio e o tráfico de escravos em África, esse já existia desde a Antiguidade. Os portugueses simplesmente descobriram essa rica oportunidade, e passaram a visitar as "feiras de trato", para adquirir cativos e os levá-los as suas ilhas, nas quais estes homens e mulheres foram ensinados a trabalhar no cultivo da cana e na produção do açúcar. Logo, quando os portugueses decidiram construir engenhos no Brasil no século XVI, eles já dispunham de uma longa experiência quanto ao comércio açucareiro. 


Três escravos africanos, trabalhando numa engenhoca, para se extrair o caldo da cana.

Assim, Portugal inaugurava na Idade Moderna, o sistema de latifúndios monocultores escravocratas (chamado pelos ingleses de plantation), o qual foi bastante difundido no cultivo da cana, do algodão e do café. Mas embora, Portugal tenha saído na vanguarda da produção açucareira, passando a rivalizar com os árabes, foram os espanhóis os responsáveis por levarem a cana de açúcar ao Novo Mundo. 

Em 1493, Cristóvão Colombo retornava pela segunda vez ao Novo Mundo, e nessa viagem ele levava consigo algumas mudas de cana, as quais plantou na ilha de Hispaniola (atual ilha de São Domingos, onde se localizam a República Dominicana e o Haiti). O primeiro canavial das Américas havia sido plantado naquele ano. A ideia naquele momento, era ver se o solo era adequável ao cultivo da cana, e esse se mostrou bem receptivo. Como o comércio açucareiro estava crescendo gradativamente, os Reis Católicos de Espanha tinham interesse de também colonizar novas terras, a fim de plantarem canaviais e produzirem açúcar. 


"Houve nas novas possessões ibéricas a primeira tentativa séria de colonização, em 1502, dirigida por Nicolás de Ovando; e o primeiro engenho americano parece ter funcionado na Antilha espanhola no ano de 1506. Até 1520 havia instalados 20 engenhos; em 1550 funcionavam, em Espaniola, cerca de 40. Depois de 1553, o México começou também a exportar açúcar para a metrópole. Apesar desse bom início, devido ao êxodo das populações das Ilhas para o México e Peru, ao desvio das atenções para a mineração de metais preciosos, e às grandes lutas e revoluções que caracterizam os primeiros tempos das ilhas do Mediterrâneo americano, arrefeceu ali a indústria açucareira, que só tomou novo impulso em meados do século posterior, quando se verificou a grande alta e considerável aumento na procura do artigo". (SIMONSEN, 1937, p. 146).

Embora os espanhóis em meados do século XVI, já dispusessem de dezenas de engenhos apenas no México, em São Domingos e alguns que seriam fundados posteriormente em Cuba e na Jamaica, a produção não eram voltada necessariamente para uma exportação massiva. A maior parte era consumida localmente nas colônias e o restante enviado para a Espanha. Os espanhóis não se importaram de investir massivamente no comércio açucareiro por muito tempo, devido a riqueza que conseguiram com os saques dos impérios asteca e inca, além das minas de prata nos Andes. 

Embora os primeiros engenhos das Américas, datem do começo do XVI, foi a partir da segunda metade do XVI que começou o "boom" açucareiro, no qual alavancou a produção, venda e consumo dessa iguaria na Europa. Devido ao apreço pelo açúcar, a demanda por tal especiaria aumentou muito, e os governos e particulares vendo que esse mercado era um grande potencial para se investir capital, começou-se a criar companhias, empresas, lojas, etc., para investir-se em engenhos, canaviais, refinarias e no transporte e venda do açúcar. 

“Com a descoberta de terras até então desconhecidas, era natural que indústrias completamente novas, como a refinação de açúcar, a do tabaco etc., surgissem. Os governos concediam monopólios aos que ousavam arriscar seu dinheiro nessas novas empresas. As novas indústrias foram, desde o início, organizadas cm bases capitalistas. Do século XVI ao XVIII os artesãos independentes da Idade Média tendem a desaparecer, e cm seu lugar surgem os assalariados, que cada vez dependem mais do capitalista-mercador-intermediário-empreendedor”. (HUBERMAN, 1981, p. 108-109). 

Todavia, o açúcar não é produto natural que se encontra ao cortar a cana, ele precisa ser fabricado, algo que será comentado no próximo tópico, porém, mesmo depois de pronto, o açúcar para ter uma aparência melhor e uma "pureza" também, ele teria que ser refinado. Assim, da mesma forma que se proliferaram engenhos nas Américas, na Europa em alguns locais como a região dos Países Baixos (não confundir com o atual Países Baixos), proliferaram-se refinarias de açúcar. 

Os flamengos, principalmente oriundos da cidade da Antuérpia (atualmente na Bélgica), eram os principais responsáveis pelo comércio e refino do açúcar português, pois Amsterdã e outras cidades holandesas ingressaram somente no final do XVI nessa rendosa indústria (MELLO, 2002, p. 104). E mesmo após o ingresso de Amsterdã no comércio açucareiro, a Antuérpia ainda manteve o posto como uma das principais cidades que comercializavam tal produto (STOLS, 2004, p. 269). Também é válido mencionar que Londres em 1585 era o maior refinador de açúcar da Europa, comprando parte da produção portuguesa (CIVITELLO, 2008, p. 123). 

Enquanto os espanhóis ficaram mais interessados na extração de ouro e prata, respectivamente no México e no Peru (e com razão), daí nesse primeiro momento, pouco investiram nos canaviais; Portugal não dispondo da mesma sorte (pois as minas auríferas só seriam descobertas no final do XVII), investiu massivamente na extração do pau-brasil e na produção de açúcar. 

“Em 1576, Pernambuco exportava cerca de 70 mil arrobas de açúcar e em 1583 a cifra subia a 200 mil arrobas. "Nos princípios do século XVII, diz Carli, possuindo o Brasil 200 engenhos, a sua produção era de 25 mil a 35 mil caixas de açúcar de 35 arrobas cada uma. É o tempo áureo do açúcar no Brasil”. (AMARAL, 1958, p. 329).
Detalhe de um engenho real em Pernambuco. Pintura de Frans Post, c. 1647. 
 
Em 1609, o então governador-geral do Brasil, D. Diogo de Meneses e Siqueira, em carta redigida ao rei Filipe III de Espanha (II de Portugal), escrevia que "as verdadeiras minas do Brasil, são o açúcar e o pau-brasil" (MENESES, 1935, p. 51). E de fato até que a descoberta das minas gerais ocorre-se, o açúcar seria o pilar econômico da colônia brasileira. 

E esse lucrativo produto atraiu o interesse dos franceses, mas principalmente dos holandeses. Enquanto os franceses estiveram mais interessados em contrabandear pau-brasil, os holandeses, os quais no final do XVI, eram um dos responsáveis pelo refino do açúcar português, começaram a planejar no começo do século XVII, a possibilidade de constituir colônias e tomar o controle da produção açucareira. 

Na primeira metade do XVII, a Holanda criou a Companhia das Índias Orientais (1602) e a Companhia das Índias Ocidentais (1621). A primeira focou-se no comércio de especiarias na Ásia, e posteriormente fundou colônias na ilha de Java (atualmente na Indonésia), passando a plantar cana de açúcar e café. Já a segunda, teve como meta, controlar até onde fosse possível os negócios no Atlântico, neste caso, o comércio açucareiro era o mais lucrativo, e sendo o Brasil o então maior produtor naquele canto do mundo, os holandeses decidiram investir massivamente em exércitos, armas e navios para dar início as "guerras do açúcar"


Navios holandeses da Companhia das Índias Ocidentais. Por décadas, os holandeses disputaram com Portugal, Espanha, França e Inglaterra, o comércio açucareiro no Ocidente. 

No entanto, não foram apenas os holandeses que fundaram grandes companhias mercantis, nações como Inglaterra, França, Portugal, Espanha, Dinamarca, Suécia, também dispunham de suas companhias mercantis, as quais tinham em comum o intuito de monopolizar o comércio. 

“Os nomes de algumas dessas companhias organizadas nos séculos XVI e XVII mostram onde realizaram suas empresas de comércio ou de colonização, ou ambas. Havia sete companhias das "Índias Orientais", sendo as mais famosas as britânica e holandesa; havia quatro companhias das "Índias Ocidentais", organizadas na Holanda, França, Suécia e Dinamarca; companhias do "Levante" e companhias "Africanas" também eram populares; e de interesse particular para nós, na América, eram as companhias "Plymouth" e "Virginia", organizadas na Inglaterra. Fácil é adivinhar que qualquer companhia criada com o objetivo de levar a cabo essas aventuras dispendiosas e arriscadas estava certa de receber, de seu governo, todas as vantagens comerciais possíveis. Uma das mais importantes, sem dúvida, era o direito a um monopólio do comércio”. (HUBERMAN, 1981, p. 87). 

“O que aconteceu com o petróleo aconteceu também com o aço, açúcar, uísque, carvão e outros produtos. Os trustes foram formados em toda parte, tentando colocar a ordem monopolista no caos da concorrência. Eram gigantescos. Eram eficientes. Eram poderosos. Por serem tudo isso, podiam reduzir os custos pela economia de produção, venda e administração. Fizeram o possível para eliminar a concorrência. Tentaram obter o controle da produção das mercadorias para poder fixar a distribuição e o preço. Fizeram uma coisa ou outra, ou ambas - desde que houvesse maior lucro”. (HUBERMAN, 1981, p. 221-222). 

Algumas dessas companhias não possuíam um caráter bélico propriamente, embora dispusessem de navios de guerra e soldados, mas no caso da Companhia das Índias Ocidentais da Holanda (West Indische Compagnie), ela teve um massivo investimento militar por parte do governo, quanto de seus investidores e assessores. Para se tomar os engenhos brasileiros, era preciso confrontar o poderio de Portugal e Espanha, que na época estavam unidos sob o mesmo governo, a União Ibérica (1580-1640). 

Dessa forma, em 1624 a WIC atacou a capital do Brasil, a cidade de SalvadorApós os holandeses permanecerem quase um ano de posse de Salvador, a poderosa Jornada dos Vassalos enviada pelo rei Filipe III, composta por 56 navios e 12.463 homens, os expulsou (SCHWARTZ, 1991, p. 735). Mesmo tendo sofrido essa derrota, isso era apenas o começo das "guerras do açúcar", pois os holandeses cinco anos depois retornaram ao Brasil, dessa vez tendo como alvo a Capitania de Pernambuco, a maior produtora de açúcar da colônia na época. 


"A decisão de atacar Pernambuco foi das mais fáceis, por isso que os holandeses estavam singularmente bem informados sobre as condições em que se encontrava aquela capitania. Pelas cartas do governador, Matias de Albuquerque, interceptadas durante a campanha da Bahia, ficaram eles conhecedores de que as fortificações de Olinda e Recife estavam desaparelhadas. Albuquerque dava também conhecimento de que a milícia local não excedia a 400 homens pouco experimentados, na sua maioria cristãos-novos, em que se não podia depositar confiança. Os holandeses ficaram também sabendo que as três capitanias do Nordeste possuíam 137 engenhos de açúcar, cuja produção montava a cerca de 700 000 arrobas em média, nos anos bons". (BOXER, 1961, p. 45).

Por 24 anos os holandeses permaneceram no Brasil, tendo chegado a controlar sete capitanias: Pernambuco, Itamaracá, Paraíba, Rio Grande, Sergipe, Ceará e Maranhão. Nessas duas décadas, houveram vários conflitos por esses territórios, mobilizando milhares de homens do lado luso-espanhol e do lado holandês. Mas se as guerras do açúcar começaram propriamente no Brasil, após os holandeses aceitarem o acordo de abandoná-lo, tais guerras não acabaram por aí, elas se dirigiram para novos territórios: indo para a costa ocidental da África e as ilhas da América Central. 


Em laranja os domínios da Nova Holanda (1630-1654) no Brasil. 

Com o declínio da produção açucareira portuguesa, a produção de açúcar no Caribe e nas Antilhas cresceu vertiginosamente na segunda metade do século XVII. Passando a ser duramente disputado entre os ingleses, franceses, holandeses e dinamarqueses, os quais colonizaram ilhas, plantaram canaviais, ergueram fazendas, engenhos, vilas, cidades, e levaram centenas de milhares de africanos para trabalharem ali. Entre 1650 a 1850 a região caribenha seria a maior produtora de açúcar no Ocidente (CIVITELLO, 2008, p. 123), ficando o Brasil em segundo lugar, as ilhas portuguesas em África em terceiro, e depois delas vinham outros territórios nas Américas e no continente africano. Ainda assim, o consumo e as exportações não foram abalados pelas guerras, e continuou a crescer nos séculos seguintes. 

"No total, a Europa importou 75.000 toneladas de açúcar por volta de 1730 e 250.000 no final do século: o açúcar tornou-se a principal mercadoria do comércio marítimo e, desde o século XVII, desempenhou um papel essencial nas políticas coloniais das grandes potências". (LEMPS, 1998, p. 623). 

Em 1813, o imperador Napoleão Bonaparte ordenou a criação da primeira refinaria de açúcar de beterraba na França. Napoleão visando romper a dependência do governo francês do açúcar das suas ex-colônias e de outras nações, decidiu incentivar massivamente o cultivo da beterraba e dela se extrair o açúcar. 


"Em 1860, para uma produção mundial de 1.725.000 tonelada, o açúcar de beterraba representava apenas 352.000 toneladas; em 1880, sua produção atingiu 1.857.000 toneladas num total de 3.832.000 e, em 1900, 5.489.000 toneladas para 8.385.000. A Alemanha, a França, Áustria-Hungria e  Rússia se impuseram-se como os grandes produtores e consumidores". (LEMPS, 1998, p. 624).  

Todavia, a produção de açúcar de beterraba e posteriormente de batata doce, não conseguiu competir a altura do açúcar produzido a partir da cana. Ainda hoje, a maior parte do açúcar consumido no mundo, advém da cana de açúcar.  

As etapas da produção do açúcar na Idade Moderna: 


a) o engenho

Produzir açúcar antes da industrialização era algo caro, trabalhoso e demorado. Neste texto apresentarei alguns aspectos da produção do açúcar entre os séculos XVI e XVIII, período do qual consegui encontrar fontes que descrevem o processo do fabrico do açúcar e seu translado a Europa e depois sua distribuição. 


Mesmo que na Idade Moderna a produção de açúcar tenha aumentado no mundo em uma grande escala nunca vista antes, ainda assim, o açúcar era uma produto que vinha de terras distantes, pois nesse caso abordarei a perspectiva ocidental, deixando de fora os asiáticos neste mercado. Logo, em termos do Ocidente, os grandes consumidores de açúcar eram os europeus, mas seus canaviais ficavam em outros continentes, neste caso a África, mas principalmente as Américas. Entre os séculos XVI e XVIII as Américas eram o maior produtor de açúcar no mundo. Regiões como Caribe, Antilhas e o Brasil estavam na ponta dessa produção.


Sendo assim, o açúcar que os europeus consumiam advinha da sua maioria do outro lado do Oceano Atlântico, e antes desse precioso produto chegar aos açucareiros de vidro ou porcelana, ele possuía um grande caminho a percorrer. 


Tudo começava em uma fazenda nos trópicos, no qual o canavial era plantado, e este levava de um a dois anos para amadurecer, dependendo das condições climáticas, como regularidade de boas chuvas e da fertilidade do solo. O canavial poderia ser de pequena, média ou grande proporção. Os canaviais dos pequenos e médios agricultores não dispunham de engenhos, embora pudessem dispor de engenhocas, pequenas máquinas usadas para extrair o caldo de cana, o qual permitia se fabricar aguardente, garapa, rapadura e até mesmo açúcar em pequena quantidade. 


Foto de uma engenhoca. Máquinas do tipo ainda existem em algumas fazendas brasileiras, onde são usadas para a produção artesanal. 

No entanto, para uma produção em escala, era necessário se possuir um engenho. E os engenhos consistiram em pequenas fábricas as quais permitiram que os europeus produzissem toneladas de açúcar anualmente. Os engenhos são oriundos da tecnologia dos árabes em empregar moinhos de água e moinhos de vento para gerar suas prensas e assim extrair o caldo de cana. Sendo os portugueses os pioneiros no cultivo e fabricação de açúcar no final da Idade Média e começo da Idade Moderna, eles criaram o que hoje conhecemos como engenho. 

"Quem chamou as oficinas, em que se fabrica o açúcar, engenhos, acertou verdadeiramente no nome. Porque quem quer que as vê, e considera com reflexão, que merecem, é obrigado a confessar, que são uns dos principais partos, e invenções do engenho humano, o qual com pequena porção do Divino, sempre se mostra no seu modo de obrar, admirável. Dos engenhos uns se chamam reais, outros inferiores vulgarmente engenhocas. Os reais ganharam este apelido, por terem todas as partes, de que se compõem, e todas as oficinas perfeitas, cheias de grande número de escravos, com muitos canaviais próprios, e outros obrigados à moenda; e principalmente por terem a realeza de moerem com água, à diferença, de outros, que moem com cavalos e bois, e são menos providos e aparelhados; ou pelo menos com menor perfeição, e largueza, das oficinas necessárias, e com pouco número de escravos, para fazerem como dizem, o engenho moente e corrente”. (ANTONIL, 1711, p. 13-14).

Pintura retratando um engenho. 

"Que seria um engenho, no século do descobrimento? A mesma coisa ainda descrita por Saint-Hilaire, no século XIX. Descreve-o Fernão Cardim: "Cada um deles é uma máquina e fábrica incrível; uns são de água rasteiros, outros de água copeiros, os quais moem mais e com menos gastos; outros não são de água, mas moem com bois, e chamam-se trapiches; estes têm muito maior fábrica e gasto, ainda que moem menos, moem todo o tempo do ano, o que não têm os de água, porque às vezes lhes falta. Em cada um deles, de ordinário há seis, oito e mais fogos brancos e ao menos 60 escravos, que se requerem para o serviço ordinário, mas os mais deles têm cento e duzentos escravos de Guiné e da terra. Os trapiches requerem 60 bois, os quais moem de 12 em 12 revezados; começa-se de ordinário a tarefa à meia-noite e acaba-se ao dia seguinte às três ou quatro horas depois do meio-dia. Em cada tarefa se gasta uma barcada de lenha que tem 12 camadas, e deita 60 fôrmas de açúcar branco, mascavado, mole e alto. Cada fôrma tem pouco mais de meia arroba, ainda que em Pernambuco se usam já grandes de arroba." (AMARAL, 1958, p. 329).

Engenhos eram construções bastante caras na época, apenas os ricos dispunham de capital para construí-los e comprar os escravos para poder operá-lo. Dependendo do tamanho da fazenda de cana, o número de escravos poderia variar de 20 e até mesmo chegar a 100 indivíduos, entre homens e mulheres. Se inicialmente os europeus e colonos trabalharam no cultivo, colheita e no fabrico do açúcar, a medida que a colonização foi se desenvolvendo nas Américas, primeiro os índios foram escravizados, pois esses abundavam em quantidade naquelas terras que lhe foram invadidas e usurpadas. É nesse ponto que se inicia a história sombria e violenta do açúcar; a escravidão, e depois a guerra. 


b) mão de obra escrava


"Em primeiro lugar, à medida que afluíam mais colonos, e portanto as solicitações de trabalho, ia decrescendo o interesse dos índios pelos insignificantes objetos com que eram dantes pagos pelo serviço. Tornam-se aos poucos mais exigentes, e a margem de lucro do negócio ia diminuindo em proporção. Chegou-se a entregar-lhes armas, inclusive de fogo, o que foi rigorosamente proibido, por motivos que se compreendem. Além disto, se o índio, por natureza nômade, se dera mais ou menos bem com o trabalho esporádico e livre da extração do pau-brasil, já não acontecia o mesmo com a disciplina, o método e os rigores de uma atividade organizada e sedentária como a agricultura. Aos poucos foi-se tornando necessário forçá-lo ao trabalho, manter vigilância estreita sobre ele e impedir sua fuga e abandono da tarefa em que estava ocupado. Daí para a escravidão pura e simples foi apenas um passo. Não eram passados ainda 30 anos do início da ocupação efetiva do Brasil e do estabelecimento da agricultura, e já a escravidão dos índios se generalizara e instituíra firmemente em toda parte". (PRADO JR, 1981, p. 21).

Percebendo que os indígenas tornaram-se arredios ao trabalho forçado, optou-se em trazer escravos africanos, os quais estavam melhor familiarizados com aquele tipo de trabalho, além do fato, de que os portugueses e espanhóis desde o século XV já vinham fazendo negócios em África, e usando escravos negros em suas fazendas. Assim, no final do século XVI muitos dos canaviais nas Américas já empregavam mão de obra escrava, fossem índios ou africanos. 

Essa demanda por mão de obra escravizada gerou duas consequências catastróficas: para os povos indígenas, suas civilizações foram extintas, suas culturas em alguns casos foram exterminadas, e num período de dois séculos, por toda a América, milhões de indígenas foram mortos devido a lutas, guerras, fome, escravidão e doenças. No Brasil estima-se que pelo menos 2 milhões tenham sido mortos durante o período colonial. No caso da Mesoamérica, uma das regiões mais populosas do continente antes da chegada dos europeus, estima-se que no século XVI, de 10 a 20 milhões de indígenas tenham ali sido extintos. 


Interior de um navio negreiro. Pintura de Rugendas, 1835. 

No que diz respeito aos africanos, a grande quantidade de homens e mulheres que eram levadas em navios negreiros ao Novo Mundo, originou um comércio bastante lucrativo, o tráfico negreiro ou tráfico de escravos. Baseado nos relatórios de algumas companhias e indivíduos que trabalhavam neste funesto comércio de pessoas, dispomos dos assombrosos valores que chegam a casa do milhão. Tais dados se encontram no Trans-Atlantic Slave Trade database, e consistem em números estimados, variando para mais ou para menos. Neste caso, optei em apresentar os totais de forma arrendondada. 
  • Brasil: 1501-1866 - pelo menos 5,8 milhões de escravos. 
  • América Espanhola: 1501-1866 - pelo menos 1 milhão de escravos.
  • Colônias britânicas: 1551-1825 - pelo menos 3,2 milhões de escravos.
  • Colônias francesas: 1626-1850 - pelo menos 1,3 milhão de escravos
  • Colônias holandesas: 1576-1850 - pelo menos 550 mil escravos.
  • Estados Unidos: 1628-1866 - pelo menos 300 mil escravos.
  • Possessões dinamarquesas: 1626-1825 - cerca de 111 mil escravos.
O auge do tráfico negreiro transatlântico ocorreu entre 1701 a 1866, fase essa que corresponde a mais da metade de um total de cerca de 12 milhões de escravos transportados da África para as Américas. E no topo desse comércio estiveram os portugueses, tendo traficado quase a metade de todo o contingente que foi levado a força da África. 

No entanto, embora tais números sejam assombrosos, o emprego de mão de obra escrava no cultivo da cana de açúcar, não começou nessa época. Ele data desde a Idade Antiga, pois os povos asiáticos já faziam emprego de escravos para trabalharem nos canaviais. No caso da Idade Média, os árabes empregavam também escravos, e no caso de alguns europeus que possuíam pequenas plantações de cana, usava-se os servos. O que marca a escravidão moderna, é o fato dela ter mobilizado milhões de vidas numa forma nunca antes vista, e ser exclusiva para os índios e negros. 


Além disso, é preciso explicar que o açúcar não foi o único fator para a vinda de escravos, parte deles foram enviadas para trabalharem nas minas, nas plantações de tabaco, algodão, cacau, café, etc., além de exercerem os mais distintos afazeres no dia a dia. Mas na primeira fase do tráfico, ainda no século XVI, o açúcar foi a principal prerrogativa para levar-se escravos de África as Américas.


c) o fabrico do açúcar

Com essa abundância de trabalhadores oprimidos, eles cultivavam a terra e quando estava no período de colheita, os homens e mulheres davam início a derrubada da cana. Um trabalho físico bastante intenso, pois os canaviais possuíam centenas de hectares, levando-se dias para colher tudo. Tais escravos chegavam a trabalhar do raiar do sol até o anoitecer. 

Pintura representando escravos trabalhando na colheita da cana de açúcar. 

A cana deveria ser cortada próximo a sua base, e depois remover-se suas folhas e caules, para que fosse levada até um depósito ou local de armazenamento, para depois ser encaminhada quanto antes ao engenho, onde seria moída. Devido ao fato da cana após ser bastante perecível, se ela não fosse encaminhada ao engenho dentro de 24 horas, perderia seu sumo, vindo a produzir menos caldo do que se esperava, e sua qualidade estaria ruim, vindo a produzir um açúcar inferior. Logo, era necessário que os escravos transportassem a cana de forma rápida e eficiente do canavial ao engenho, assim como, o fato de que não se derrubasse cana em excesso naquele dia, pois poderia acabar estragando o produto, gerando prejuízo (GALLOWAY, 2000, p. 439). 

Tendo se cortado a cana e a limpado das folhas, galhos, insetos e terra, o caule era encaminhado a casa da moenda, área do engenho, na qual o caule seria moído, para se extrair o caldo de cana. Após o caldo ser extraído, ele era conduzido a outra ala do engenho, chamada de casa das caldeiras, onde existiam vários tachos e panelas, que compreendiam as etapas pelas quais o caldo de cana recém extraído seria fervido, filtrado, coado, cozido e batido várias vezes, até até se tornar o que se conhece como melaço, uma substância açucarada de cor marrom, a qual é usada para se fazer rapadura. Esse melaço era batido até cristalizar, então era encaminhado para a próxima etapa, a da purgação


Açúcar sendo produzido de forma artesanal. Nota-se alguns dos tachos usados no processo. Aqui o caldo de cana que é naturalmente de cor verde clara, após as várias fervuras adquiri uma coloração escura. Esse caldo escuro ainda passará por outras fervuras, será coado, cozido e batido, antes de ser resfriado e encaminhado para a purgação. 

Na casa de purgação, terceira e última fase da produção de açúcar, o melaço, era depositado em potes chamados de fôrma, pão de açúcar ou sino-de-mel, os quais consistiam em recipientes feitos de barro em formato cônico. A quantidade interna que um um pão de açúcar poderia comportar variava, mas normalmente ele pesava duas arrobas, algo em torno de 30 kg. 

"No espaço de 24 horas fazem num engenho de bois, 20 a 30 fôrmas, 40, 50 ou 60 num engenho d'água e 40, 50, 60 ou 70 e mais fôrmas se o engenho fôr capaz de moer muita cana e se esta fôr rica em açúcar, o que depende, como já ficou dito, do tempo e dos cuidados no cultivo. A fôrma comporta uma arroba de açúcar se êste fôr mais ou menos bom, se fôr inferior, menos. O melhor açúcar pesa mais e uma fôrma chega a ter 40 ou mais libras até 50 e 60". (DUSSEN, 1947, p. 94).


“São as formas do açúcar uns vasos de barro queimado na fornalha das telhas, e tem alguma semelhança com os sinos, altas três palmos e meio, e proporcionalmente largas, com maior circunferência na boca, e mais apertadas no fim, aonde são furadas, para se lavar, e purgar o açúcar por este buraco” (ANTONIL, 1711, p. 75). 

Pintura retratando pães de açúcar.

Esses pães de açúcar eram levados a casa de purgação, recinto amplo e bem arejado, para que favorece que o açúcar secasse e os últimos resíduos fossem expelidos para fora. O fato do pote ser em forma cônica devia-se a condição de que a gravidade forçava toda a umidade e líquidos restantes da fervura, irem para o fundo do ponte e assim, vazarem numa recipiente que era usado para coletá-lo. Esse caldo ou mel como era chamado, poderia ser usado para fazer rapadura e até mesmo açúcar de baixa qualidade, pois nada era perdido. No entanto, dependendo da temperatura, da ventilação da casa de purgar e da umidade, o açúcar poderia levar de uma a duas semanas para poder estar livre de suas impurezas e finalmente ficar seco, assumindo uma coloração branca e uma textura granulada. 

Todavia, quando se quebrava um pão de açúcar, o açúcar branco (o de melhor qualidade) se encontrava no topo do pote; o açúcar no meio do pote, era de segunda qualidade, mas ainda era boa; e o açúcar na base, era de coloração escura, sendo mais conhecido como açúcar mascavo (brown sugar ou dark brown sugar). Considerado na época de qualidade inferior, e ficava de fora das vendas e exportações, sendo dado ou vendido aos pobres.

Para maiores detalhes sobre a produção de açúcar, consultar o meu artigo O engenho e o fabrico de açúcar no Brasil colonial


d) armazenamento e transporte


Após ser removido dos pães de açúcar, o açúcar era pesado e depois encaixotado, para assim ser transportado aos compradores. Não irei entrar em detalhes quanto a essa parte, mas a venda de açúcar poderia ser feita de forma direta entre produtor e comprador, ou através de intermediários, pois algumas companhias e empresas, enviavam funcionários a tais colônias, a fim de tratarem diretamente da compra do açúcar. Pois havia casos que tais companhias enviavam seus funcionários para cidades como Lisboa, onde compravam o açúcar quando ele estava acabando de chegar no continente europeu, e por tal questão, o preço era mais caro. Logo, na tentativa de baixar o custo do produto bruto, era melhor ir comprá-lo no local de produção.


Estando encaixotado, o açúcar era conduzido em carroças, ou em barcos por rios, e em alguns casos, carregados por escravos, até os portos, de onde seguiriam de navio para a Europa. Das Américas para a Europa, dependendo de onde o navio partisse, das condições climáticas e dos ventos, a carga poderia levar de um a dois meses para chegar ao seu destino, normalmente cidades como Lisboa, Antuérpia, Amsterdã e Londres. 

Após cruzarem o oceano, o "ouro branco" chegava ao continente de seu destino, mas ainda não estava pronto para ser vendido ao público, era necessário refiná-lo, pois o açúcar produzido nos engenhos era bruto, sendo mais grosso. E para a requintada cozinha europeia, o açúcar fino era o mais requisitado. Logo, o açúcar recém chegado do outro lado do oceano, era conduzido para refinarias, onde se tornaria fino, mais branco, mais doce e dito "mais puro". 


e) o refino


Embora Lisboa tenha sido um dos principais portos de entrada de açúcar na Europa, em Portugal havia poucas refinarias. As principais refinarias da Europa se concentravam em Londres, Antuérpia e Amsterdã, os quais eram os polos de refino de açúcar no continente. Para se ter noção basta ver alguns dados sobre a quantidade de refinarias que havia em algumas dessas cidades, como no caso de Amsterdã. 



“The first refinery in Amsterdam was reported in 1597. From three refineries in 1605, the number increased to twenty-five in 1622, forty in 1650, and fifty or sixty in 1661. Each refinery could process nearly 1,500 chests per year, and could have stocks in reserve that were worth two tons of gold. At the time of the fire at the Nuyts refinery in 1660, the sugar burned was worth three tons of gold”. (STOLS, 2004, p. 273). 

Com base nesse dado fornecido por Stols, em Amsterdã num período de cerca de cinquenta anos, tivemos a construção de pelo menos 50 ou 60 refinarias, o que significa que a cada ano se erguia uma nova fábrica na cidade. 

Todavia, surge uma pergunta, como era refinado o açúcar naquele tempo? O refino de açúcar era feito com base na adição de alguns produtos os quais iriam absorvem parte de seus nutrientes, acentuar sua coloração branca, mudar sua configuração granular, o deixando mais fino, e até mesmo modificar o seu gosto, pois quem já comeu açúcar sem ser refinado, açúcar mascavo ou outro tipo de açúcar que não seja branco, já deve ter percebido que o sabor é diferente. No entanto, a preferência por açúcar branco refinado não é algo somente da Idade Moderna, ainda hoje, esse é o tipo de açúcar mais consumido no mundo. 

A refinaria de açúcar consistia numa pequena fábrica, inicialmente predominavam em Veneza e Cremona (antigo polos manufatureiros da Europa desde o século XIII pelo menos), mas quando tal conhecimento e tecnologia foi difundido, Portugal, Inglaterra, Alemanha, França e os Países Baixos do Norte e Sul (respectivamente Holanda e Bélgica, hoje em dia), começaram a construir suas fábricas de refino. 

Tais fábricas necessitavam de grandes tachos de cobre, caldeiras, filtros, peneiras, pás, etc. Uma boa quantidade de lenha, vários equipamentos para o manuseio e controle de qualidade, pois tal procedimento era de caráter químico, caso não fosse devidamente feito, poderia se deixar um lote com dezenas ou centenas de quilos de açúcar, estragar. Embora que naquele tempo, o sistema de qualidade não fosse eficaz, se já houvesse gente que burlava isso. 

Trabalhadores numa refinaria de açúcar em Bristol, Inglaterra, no século XIX. 

Assim, construir-se uma refinaria era um investimento bastante caro, e geralmente apenas ricos comerciantes possuíam o capital necessário para fazer isso, embora houveram algumas refinarias de médio porte. Mas na maioria das vezes nota-se sociedades de comerciantes que uniam seus capitais para erguer uma refinaria. As despesas poderiam ser caras, mas dependendo da época, o lucro de retorno era bastante alto. 

"No século XIX, a expansão foi ainda mais acelerada: o açúcar constituía uma das bases da alimentação mais diversificada, sobretudo nas cidades. O consumo, por habitante e por ano, atingiu cifras consideráveis no final do século, mais de 40 kg na Inglaterra, 15 na França, 14 na Alemanha, mas somente 5,5 na Espanha e três na Itália; deve-se acrescentar a América do Norte (Estados Unidos: 30 kg). Como o crescimento demográfico era rápido, a demanda explodiu e, para acompanhá-la, a produção de açúcar comercializada, que superou 1.000.000 de toneladas em 1850, atingiu 8.350.000 em 1900!". (LEMPS, 1998, p. 624). 

Hoje em dia os procedimentos para o refino são mais rápidos e mais eficazes, mas na Idade Moderna, a fase de produção do açúcar mais demorada não dizia respeito a sua criação, purgação ou transporte pelo oceano, mas ao seu refino. Stols (2004, p. 268), salienta que dependendo da forma como o açúcar era refinado e as condições climáticas dentro da fábrica, como temperatura e umidade, o refino poderia levar até nove meses. Com o aumento da procura por essa mercadoria, algo que cresceu absurdamente no século XIX, novas técnicas de refino foram desenvolvidas para encurtar o longo tempo de processo do refino do açúcar, mas antes disso ocorrer, os métodos para o refino chegavam a beirar o estranho. 

O açúcar ao chegar numa refinaria, ele era filtrados várias vezes, e para essa filtração usava-se distintos tipos de ingredientes como suco de limão, enxofre, clara de ovo, sangue de boi, ossos de boi, etc. Tais ingredientes ajudavam a absorver as impurezas existente no açúcar bruto e a clarear sua cor. Por sua vez o açúcar era também fervido pelo menos três vezes, desnatado e purificado (STOLS, 2004, p. 268). 

Após passar por esse processo inicial, o açúcar era peneirado, depois encaminhado para a secagem, a qual era controlada para que a temperatura e a umidade não interferissem. O processo de secagem poderia levar alguns dias. Depois ele seria novamente peneirado para deixá-lo o mais fino possível. Por fim, atestando que ele atingiu os padrões de qualidade da época, o açúcar era carregado em caixas e enviado para os mercados, confeitarias, lojas, casas, etc. 

Pintura retratando a American Sugar-Refining Company em Nova York, no século XIX. Nessa época os Estados Unidos haviam se tornado os maiores responsáveis pelo refino de açúcar no mundo. Além de serem um dos principais produtores e comercializadores de açúcar.

Stols (2004, p. 273) salienta que entre 1672 a 1700 pelo menos 1.500 homens trabalhavam em ofícios relacionados a refinarias na Holanda. Sendo que nesse período o comércio açucareiro mobilizava pelo menos 100 navios e consistia em 1/5 dos impostos alfandegários arrecadados no país. Tais números, modestos na opinião dele, ainda assim, eram significativos para ver com tal comércio era vantajoso. 

“Clearly, sugar trade and refining developed much earlier and had an economic and cultural importance that was much greater than is generally admitted in the majority of works that synthesize the European economy during the period 1500–1650. Too often sugar is ranked behind the other colonial commodities, especially spices. However, among the ‘‘rich trades,’’ it was the only one to have continued and expanded so remarkably, successively enriching the various European economies, from Italy and the Iberian Peninsula to Flanders, from the United Provinces to France and England”. (STOLS, 2004, p. 275). 

Em termos temporais, o açúcar até chegar à casa dos consumidores poderia ter sido produzido no ano anterior, e dependendo de quanto tempo levasse para ser refinado, uma nova safra já pudesse estar sendo colhida naquele momento, na mesma fazenda de onde aquele açúcar havia sido produzido. 

Com base nessa demora de se produzir e finalmente vender o açúcar ao público, realmente se dar para perceber porque até o século XVII o açúcar era mercadoria cara. Pois foi no XVII com o aumento no número de engenhos, canaviais e refinarias que os gastos com produção e transporte diminuíram, e assim o açúcar passou a ser consumido em maior quantidade e estando também acessível as classes mais baixas. 

Considerações finais: 

Entre algumas considerações finais vimos que o comércio açucareiro contribuiu para acelerar e movimentar o mercantilismo europeu entre os séculos XVI e XVIII, principalmente na sua primeira fase. O açúcar alterou hábitos alimentícios como desenvolvendo uma nova culinária, novos gostos, novos tipos de alimentos e bebidas; novos utensílios; originou a confeitaria, inspirou poetas e pintores; tornou-se mercadoria de luxo e depois condimento rotineiro nas cozinhas. 

Tornou-se um dos catalisadores para a colonização das Américas e o advento do tráfico negreiro, tendo assim, sido em parte responsável pelo translado de milhões de pessoas da África as Américas e Europa, tornando especialmente o continente americano, um dos locais mais miscigenados do mundo, originando nações posteriormente. Além disso, essa movimentação de pessoas e mercadorias foi tão intensa, que o Atlântico por séculos foi o oceano mais navegado no mundo. 

Sua importância como lucrativo produto, levou a criação de grandes companhias mercantis na Holanda, Inglaterra e França, a mobilização de navios e exércitos para empreender-se guerras pelo seu domínio, como no caso das guerras luso-holandesas no Brasil (1624-1625/1630-1654) e posteriormente nas guerras do açúcar no Caribe, Antilhas, Bahamas, na costa ocidental africana e em algumas das Treze Colônias. 


Portugueses, espanhóis, franceses, ingleses, holandeses, indígenas e africanos estiveram envolvidos direta ou indiretamente nestes conflitos. Sem contar, que no final do século XVII e começo do XVIII, os piratas assolaram o Caribe e as Antilhas, tornando-se uma praga para as autoridades coloniais, principalmente para os ingleses e franceses. A pirataria em alguns anos se mostrou um problema para a produção açucareira e de outros produtos nessas ilhas. 


O açúcar também contribuiu no desenvolvimento tecnológico com a criação de engenhos e refinarias, e nas técnicas para sua produção e refino. As quais massificaram sua produção em larga escala, pois pensamos que foi apenas com a Revolução Industrial que produções em larga escala tiveram início, mas não foi bem assim. Relatórios portugueses e holandeses já assinalavam no século XVII que o Brasil produzia centenas de milhares de arrobas de açúcar. Por exemplo, em 1630, as capitanias de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba teriam produzido pelo menos 700 mil arrobas de açúcar (BOXER, 1961, p. 45). 


700 mil arrobas equivalem aproximadamente a 1.050 toneladas de açúcar, apenas produzidas em três capitanias, só que o Brasil possuía mais de dez naquela época. E embora nem todas produzissem açúcar, ainda assim, imagine quantas mil toneladas eram exportadas anualmente para Portugal? E se isso não for considerado produção em larga escala, então não sei o que pode ser. 


Não obstante, a riqueza oriunda da produção e do comércio açucareiro por um lado contribuiu para enriquecer imensamente alguns poucos, por outro, forneceu emprego a milhares de trabalhadores livres (isso sem contar os escravos, pois eles não eram trabalhadores no sentido de hoje). No entanto, parte do lucro gerado era recolhido pelo Estado a partir dos impostos, e parte desse dinheiro foi usado em melhorias públicas como a construção de portos, canais, estradas, armazéns, mercados, engenhos, refinarias, etc. Mas isso não apenas na Europa, mas nas colônias também. 


Pois se pensarmos bem, no século XV, XVI e XVII em diferentes cantos do Ocidente, fosse na América do Sul, Central ou em África, em dado momento, o interesse na produção de açúcar levou a criação de feitorias, mercados, armazéns, portos, vilas, cidades e até mesmo de colônias. Terras antes desabitadas como algumas ilhas caribenhas e africanas foram colonizadas; por outro lado, terras já ocupadas foram "recolonizadas". O açúcar moldou a geografia em termos ambientais com o desmatamento e em termos territoriais; afetou a fauna e a flora e a vida dos povos nativos e dos povos escravizados. Para alguns o "ouro branco" foi uma fonte de dádivas, para outros, ele foi o motivo de seus tormentos. 

NOTA: O açúcar originou alguns sobrenomes ingleses Sugar e Sugarman, o sobrenome francês Sucre, e os sobrenomes alemãs Zucker e Zuckerman
NOTA 2: O marzipã é um doce medieval de origem persa, no entanto, foram os árabes que o introduziu na Europa. No século XVI e na metade do XVII, era comum ver marzipãs dados como presentes aos ricos, além do fato, dele ser um doce no qual é possível fazer esculturas. Sendo assim, há relatos de nobres recebendo esculturas em marzipã. 
NOTA 3: O morro do Pão de Açúcar no Rio de Janeiro, recebeu esse nome por se parecer com um pão de açúcar. Hoje consiste num nos pontos turísticos mais famosos do Rio e do Brasil. 
NOTA 4: Devido ao gigantesco aumento de consumo de açúcar e do uso desse nos mais diversos tipos de alimentos e bebidas, no século XX os índices de pessoas com problemas de obesidade, diabetes, cáries, pressão alta, etc., aumentaram quase que na mesma proporção. 
NOTA 5: O escritor brasileiro José Lins do Rego (1901-1957), nasceu no Engenho Corredor na Paraíba. Tendo passado sua infância neste engenho, teve contato direto com os últimos resquícios dos engenhos de açúcar, antes que fossem substituídos pelas usinas. Baseado nessa sua vivência, José Lins escreveu cinco romances os quais foram chamados de "Ciclo da cana de açúcar", pois contam a história de Carlos, um garoto nascido num engenho. Os livros que compõem o ciclo são: Menino de Engenho (1932), Doidinho (1933), Banguê (1934), Usina (1936) e Fogo Morto (1943), da primeira obra a última vemos o fim da "era dos engenhos" no Nordeste. 
NOTA 6: "Ilhas do Açúcar" é o nome dado não as ilhas onde originou-se tal planta, mas aos locais onde o seu cultivo foi realizado para a produção em massa. Neste caso podemos destacar as ilhas de Creta, Sicília, Madeira, Açores, Cabo Verde, Canárias, São Tomé e Príncipe, Antilhas, Bahamas, Cuba, Jamaica, São Domingos, etc. 

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Links relacionados:

O engenho e o fabrico de açúcar no Brasil colonial
A Paraíba e os "ouros brancos"
Equiano e Baquaqua: relatos de escravizados
Piratas e Corsários na Idade Moderna
A Companhia das Índias Ocidentais da Holanda: alguns aspectos administrativos
Uma história do café
Uma história sobre o chocolate

LINKS:
Tabela do número de escravos transportados no tráfico negreiro entre 1501 a 1866
Trans-Atlantic Slave Trade Database