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Leandro Vilar

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Napoleão: da glória ao exílio

"Ainda não se cumpriu o meu destino. 
O que existe é apenas um esboço. 
Deve haver um só código, 
um só tribunal de recursos, 
uma só moeda em toda a Europa. 
Devem os países da Europa fundir-se numa só nação, 
e Paris será a capital".
Napoleão Bonaparte, 1812

Dando continuidade a história sobre Napoleão Bonaparte, chegamos a segunda e última parte sobre a história deste polêmico, controverso, famoso e ambicioso homem. Neste texto procurei abordar os aspectos relacionados a época que Napoleão foi cônsul e imperador, passando pela desastrosa campanha na Rússia, o primeiro exílio na ilha de Elba, a frustrante derrota em Waterloo, para finalmente chegar aos últimos anos de solidão do imperador, na remota ilha de Santa Helena no meio do Oceano Atlântico. 

Enquanto no texto anterior vimos sua ascensão no exército e na política, neste texto veremos seu auge e sua derrocada. Sendo assim, deixo o aviso que para aqueles que estão familiarizados com a história de Napoleão, prossigam, no entanto, se você não a conhece bem, então recomendo ler primeiro Napoleão: o caminho para o poder.


O Consulado (1799-1804):

Embora Napoleão tenha sido um dos três cônsules eleitos inicialmente em 1799, na prática ele governou praticamente sozinho e de forma independente, como veremos adiante. Todavia, optei dividir essa parte do governo como cônsul e posteriormente como imperador, em tópicos para melhor organizar a narrativa. Entretanto, antes de adentrarmos as mudanças políticas ocorridas ainda no ano de 1799, faremos uma breve recapitulação. 

Napoleão Bonaparte nasceu em 1769, na ilha da Córsega, anteriormente território genovês o qual foi trocado com a França, para quitar dívidas. Napoleão era o segundo filho de oito filhos do casal Carlo e Maria Letícia, membros da pequena burguesia com descendência nobre italiana. Napoleão foi enviado para a Academia de Brienne no norte da França, onde completou seus estudos, então prestou prova, entrando como segundo tenente no regimento de artilharia, aos 15 anos de idade. A partir em diante iniciou sua carreira militar. Durante a Revolução Francesa nos anos de 1789 a 1794, foi filiado ao partido dos Jacobinos, os mais radicais membros do governo revolucionário. 

Liderou campanhas militares na Itália, Egito e Síria, embora obteve mais sucesso na Itália, porém, os generais que o substituíram no comando, acabaram sendo derrotados e os territórios conquistados foram perdidos. Em 1799, ano do Golpe de 18 de Brumário, Napoleão era um respeitado, importante, influente e temido general de 29 anos. De volta a Paris, em outubro daquele ano, envolveu-se ao lado de seu irmão Luciano, na conspiração proposta pelo diretor Emmanuel Sieyès, autor do golpe de Estado ocorrido em 18 de Brumário (9 de novembro), no que acarretou no fim do governo do Diretório (1795-1799) e a criação do Consulado

O golpe foi um de vários que ocorreram desde 1792, revelando a instabilidade do primeiro governo republicano francês. Napoleão já havia participado de outro golpe de Estado, como também vivenciou as consequências dos outros. Em 1799 ele acreditava que a melhor solução para "salvar a França", a qual desde 1789 vivenciava uma crise econômica, social e política, era instaurar um novo governo, neste caso, um governo que ele estivesse a frente do poder. Patriota devoto, procurou com suas conquistas reerguer a glória francesa, mas vendo que embora seu talento como estrategista lhe garantisse o sucesso na guerra, a corrupção e descaso dos políticos faziam tudo isso ser perdido, e assim Napoleão decidiu intervir. 

a) Consulado recém-formado (1799):

Paris amanhecia o dia 20 de Brumário (11 de novembro) de 1799, com os jornais publicando o comunicado proferido pelo general Bonaparte acerca dos acontecimentos ocorridos nos dois dias anteriores. Embora seja um comunicado breve, Napoleão noticiava que entre os dias 18 e 19 houve uma tentativa de golpe, que ele chegou a ser "ameaçado de morte" por alguns dos deputados do Conselho dos Quinhentos, mas no fim, ele acabou tendo que aplicar um "contragolpe" para "salvar o país". 

Na prática o comunicado era mentira em parte, pois a tentativa de assassinato foi exagero de Bonaparte, além disso, não havia um contragolpe, pois a oposição não planejava realizar um golpe de Estado. Desde o começo Bonaparte e seus aliados eram os que tinham isso em mente, e ao longo do começo de novembro o golpe foi sendo preparado. 

Todavia, enquanto as pessoas amanheciam com aquela notícia de que um golpe havia sido dado, o Diretório havia sido destituído e abolido, para ser substituído por um Consulado; assim como, o Conselho dos Anciãos e o Conselho dos Quinhentos estavam temporariamente suspensos, Napoleão tomava seu café da manhã com certa tranquilidade, depois de vários dias tensos. 

Ainda pela manhã ele mandou seu irmão Luís ir soltar Gohier, outrora um dos cinco diretores do Diretório, e então presidente do mesmo. Como Gohier não aderiu a conspiração, Napoleão havia ordenado a prisão temporária dele no dia 18, agora ele seria solto, não por bondade, mas porque ele ficou em prisão domiciliar no palácio, e Napoleão queria seus aposentos (GOODSPEED, 1967, p. 169). 

Enquanto Luís Bonaparte se encarregava de remover o ex-presidente e diretor Gohier de sua residência, Napoleão posteriormente ainda pela manhã se dirigiu a primeira reunião do Consulado Provisório. Lá os três cônsules provisórios o general Napoleão Bonaparte, o político e clérigo Emmanuel Sieyès e político Roger-Ducos se reuniram para debater a oficialização do novo governo, assim como escolher os nomes para os novos cargos. Sieyès que era o mentor do golpe de 18 de Brumário, esperava se sentar na cadeira presidencial, mas Roger-Ducos a ofereceu a Napoleão. 

Os três cônsules do Consulado Provisório em 1799. Napoleão Bonaparte, Emmanuel-Joseph Sieyès e Pierre Roger-Ducos. 












"Logo ficou claro que Bonaparte tinha idéias muito definidas sobre como reorganizar a França. Berthier substituiu Dubois de Crancé como Ministro da Guerra; Talleyrand tornou-se Ministro das Relações Exteriores; Fouché conservou o controle da Polícia; Gaudin foi feito Ministro das Finanças e Laplace, o famoso astrônomo e matemático, recebeu o Ministério do Interior. Laplace, no entanto, cedo provou ser incompetente como administrador e, então, aquele Ministério foi dado a Lucien Bonaparte, como recompensa por seus serviços. Marmont foi feito Conselheiro de Estado e Murat e Lannes foram, ambos, promovidos na Guarda Consular". (GOODSPEED, 1967, p. 170).

Basicamente quase todos os conspiradores foram de alguma forma beneficiados com a criação do Consulado, sem contar que os irmãos de Napoleão, José, Luciano, Luís e Jerônimo conseguiram novos cargos políticos. O Consulado era um prenúncio do que quatro anos depois viria a ser o império. 

Nas reuniões seguintes continuou-se a demitir e nomear novos nomes para os cargos, então no dia 26 de Brumário, Sieyés sugeriu começar a caçar os opositores, assim foi despachado um mandato de exílio para 59 deputados jacobinos, os quais eram de esquerda e os principais opositores do novo governo. No passado Napoleão havia sido um jacobino, mas após o Terror (1793-1794) empreendidos principalmente pelos jacobinos, Napoleão o qual correu risco de ser preso e até mesmo exilado ou morto, devido a sua associação aos irmãos Robespierre (pois Maximilien de Robespierre era o líder dos jacobinos), rompeu com o partido. 

Assim, 37 deputados foram enviados para exílio na Guiana Francesa, na América do Sul, e o restante foi enviado para a ilha de Oleron, na costa francesa. Desses deputados, três eram importantes generais, os quais não aderiram ao golpe, mas estavam também na mira do exílio. O general Jean-Baptiste Jourdan (1762-1833) o qual tentou convencer Napoleão a retornar ao partido dos Jacobinos, estava escondido na casa de um amigo, nas cercanias de Paris. O general Jean-Baptiste Bernadotte (1763-1844) fugiu com a esposa para Villeneuve St. Georges; no entanto, o general Pierre Augereau (1757-1816) foi o único a se reaproximar de Bonaparte, pois era preferível tê-lo como aliado do que inimigo. 

Embora Sieyès tenha dado ordem para o exílio, Bonaparte achou mais sensato abrandar as penas, então, parte dos 59 deputados não foram deportados, mas permaneceram em prisão domiciliar ou sob vigilância constante. 

Ao longo do mês de dezembro, os três cônsules aguardavam a revisão que estava sendo feita sobre a Constituição do Ano III (1793), pois com essa revisão, o Consulado e o novo governo seria oficialmente e legalmente empossado. Napoleão sabia que muitas das ideias para o novo governo eram próprias de Sieyès, no entanto, ele não concordava com todas, principalmente com as que diziam respeito as funções atribuídas aos cônsules, então ele ordenou que seus aliados que compunham a comissão constituinte, propusessem suas reformas. 

"Por seus termos, haveria um Primeiro Cônsul - obviamente Bonaparte - que promulgaria as leis, nomearia todos os oficiais graduados, controlaria as finanças, decidiria a respeito da paz e conduziria todas as negociações com os países estrangeiros. Dois outros Cônsules nada mais seriam do que consultores do Primeiro Cônsul. Além do Consulado, haveria uma Legislatura, constante de um Senado, um Conselho de Estado, um Tribunato e um Corpo Legislativo, mas essas assembléias não teriam poderes reais. O que estava sendo proposto era, de fato, uma rematada ditadura". (GOODSPEED, 1967, p. 172).

Pela constituição, o governo ganhava uma nova forma: 
  • Consulado: formado por três cônsules, cujo mandato seria de 10 anos, com direito a reeleição. Na prática apenas o Primeiro-cônsul era quem governava de fato, sendo os outros dois meros consultores. O Consulado era o órgão executivo máximo.
  • Conselho de Estado: composto por 30 a 50 membros nomeados pelo Primeiro-cônsul. Atuava como órgão consultivo do Primeiro-cônsul.
  • Senado: composto por 60 membros nomeados pelo Primeiro-cônsul, o qual também era o responsável por demiti-los. O mandato não tinha prazo, podendo ser vitalício.  
  • Tribunado: composto por 100 deputados com mandato de até 10 anos, embora poderiam ficar menos tempo. Era formado a partir das eleições públicas com base na lista de "notabilidades", a qual estipulava os nomes aptos a candidatura (homens com mais de 21 anos de idade e com uma renda média estipulada pelo governo). A cada ano, 1/5 do tribunado era renovado. 
  • Legislatura: composto por 300 deputados com mandato de até 5 anos, embora poderiam ficar menos tempo. Era formado a partir das eleições públicas. A cada ano, 1/5 da legislatura era renovada. 
Na prática as principais funções executivas e legislativas permaneciam com o Primeiro-cônsul. O Conselho de Estado era incumbido de propor leis, por sua vez, o Senado as avaliaria, para que fossem encaminhadas ao Tribunado e a Legislatura, onde seriam debatidas e sancionadas. Neste caso, o Tribunado detinha a autoridade de debater os projetos de lei, antes de votar, já a Legislatura não realizava o debate, apenas sancionava os projetos para o Tribunado. Entretanto, mesmo que o Tribunado aprovasse um projeto de lei, o Primeiro-cônsul detinha autoridade para vetar os artigos que quisesse, modificá-los ou propor outros. 

A nova Constituição embora em teoria devesse oficializar e legalizar o novo governo, foi aprovada de forma ilegal, pois segundo as leis, além da aprovação dos três Cônsules provisórios, ela deveria ser avaliada pelos dois Conselhos, que na época estavam suspensos, além de ser aprovada por plebiscito, mas nada disso ocorreu. 

A Constituição do Ano VIII como ficou conhecida, era o rascunho reescrito segundo os interesses de Napoleão Bonaparte. Na fase de sua revisão, havia sido sugerido que o Primeiro Cônsul não teria tanta autoridade, além disso, sugeriu-se a criação do cargo do "Grande Eleitor", responsável por ser fiscalizado pelo Senado, mas cuja função seria fiscalizar dois cônsules, um responsável pelos assuntos Internos e o outro pelos assuntos Externos. Este "Grande Eleitor" teria cargo vitalício, mas seria passível de demissão pelo Senado, no entanto, teria autoridade para demitir os dois cônsules (MARKHAN, 1963, p. 52). 

Obviamente Napoleão foi contra tal cargo, pois os outros dois cônsules deveriam ser suas "marionetes", e a ideia de que haveria outro homem responsável por interditar as ações deles e até demiti-los, não agradava Napoleão, e assim ele mandou alterar tal sugestão, cancelando a proposta do cargo do "Grande Eleitor", e instaurando que o mandato de cônsul duraria 10 anos e contaria com a reeleição (MARKHAN, 1963, p. 52). 

"Napoleão completou seu golpe de Estado contra Sieyès no modo pelo qual a Constituição foi aprovada e os três Cônsules nomeados. Os comitês legislativos foram levados a assinar o rascunho da Constituição em sua presença e no último instante ele propôs que os Cônsules fossem nomeados por Sieyès, ao invés de escolhidos por voto. Receava que Daunou conseguisse os votos para Terceiro-Cônsul e sabia que Sieyès não teria escolha senão nomear os candidatos de Napoleão, Cambacérès, um advogado competente e cauteloso, e Lebrun, suspeito de ser monarquista". (MARKHAN, 1963, p. 53).

O último ardil de Bonaparte deu certo: Pierre Daunou (1761-1840), um dos integrantes da comissão de revisão e elaboração da constituição, teve a candidatura barrada, pois ele próprio não era simpático a Napoleão; por sua vez, Sieyès que era cônsul provisório, mas não tinha interesse em se candidatar ao consulado, pois o seu golpe era derrubar o governo decadente do Diretório, do qual ele mesmo fazia parte, acabou escolhendo os dois candidatos de Napoleão. 

Os novos três cônsules: Cambacérès, Bonaparte e Lebrun. 

Jean-Jacques-Régis de Cambacérès (1753-1824), era advogado, jurista, político e nobre, sendo um republicano moderado e bastante competente, o qual tornou-se Segundo Cônsul. Como veremos adiante, ele foi responsável por coordenar a comissão que criaria o Código Napoleônico, além de outras reformas legais. Por sua vez, Charles-François Lebrun (1739-1824), era advogado, estadista e político, tendo exercido alguns cargos de inspeção durante a monarquia, daí sua simpatia pelo governo monárquico, todavia com a revolução, acabou aderindo ao republicanismo. Embora não fosse tão notório como Cambacérès sua experiência em assuntos administrativos e financeiros garantiram seu cargo como Terceiro Cônsul. 

De fato, com as manobras maquiavélicas de Napoleão, a nova Constituição aprovada em 22 de Frimário (12 de dezembro) de 1799, concedia a maior autoridade ao Primeiro Cônsul, que na prática seria um presidente com poderes bem mais extensos, ou para alguns, um ditador disfarçado. Mesmo diante de tais mudanças, Sieyès e Roger-Ducos acabaram aceitando e aprovaram a Constituição na noite de 22 de Frimário. No dia de Natal ela começou a valer.

Emmanuel Sieyès foi nomeado para ser presidente do Senado, além de ter recebido uma propriedade do governo, nas cercanias de Versalhes. Já Roger-Ducos foi nomeado vice-presidente do Senado. Percebe-se que Bonaparte procurava garantir que possuísse aliados em todas as esferas do novo governo. 

Em fevereiro de 1800, um plebiscito havia sido convocado para "aprovar" a Constituição do Ano VIII ou a "Constituição de Bonaparte", como alguns andavam dizendo pelas ruas. A votação foi 3 milhões a favor e 1.500 contra (MARKHAN, 1963, p. 53). 

b) Entre ser cônsul e ser general (1800): 

Uma das propostas inicias para o cargo de Primeiro Cônsul, era que este não teria direito a intervir nos assuntos de guerra e não poderia comandar tropas. Evidentemente Napoleão foi contrário a isso, logo ele, um renomado general, impedido de manter sua autoridade sobre o exército. Sendo assim, tal proposta foi descartada, e no ano de 1800, Bonaparte se via diante de problemas financeiros. A gestão corrupta e ineficiente do Diretório havia deixado os cofres públicos praticamente vazios. Napoleão havia nomeado Gaudin como Ministro das Finanças, devido a sua competência, mas mesmo Gaudin não poderia fazer "mágica" para recuperar o tesouro nacional em poucos meses, então Napoleão teve que recorrer a empréstimos, como também mandou alterar a forma de recolhimento dos impostos e a organização administrativa. 

"A maior parte do trabalho do Consulado era conseguir as reformas já projetadas durante a Revolução. No Conselho de Estado que, sob a presidência de Napoleão, produziu a legislação do Consulado, e em seus Ministro e Prefeitos, Napoleão teve colaboradores e técnicos competentes. A contribuição de Napoleão foi a de realizar as coisas. Pela primeira vez, desde 1789, (com a possível exceção do grande Comitê de Salvação Pública em 1793-4), a França sentiu o impulso de uma vontade poderosa e unida". (MARKHAN, 1963, p. 55).

Napoleão transformou a antiga Secretária de Estado do Diretório, no Ministério do Estado, ampliando suas funções e autoridade. O novo ministério seria o responsável por fiscalizar todos os demais ministérios e departamentos, centralizando a administração que durante o governo revolucionário (1789-1799) operou de forma desorganizada. Com a centralização, Napoleão esperava ter assim maior conhecimento sobre as atividades dos ministérios e dos departamentos. 

Bonaparte também reestruturou a organização política dos departamentos (estados). Todos os prefeitos seriam nomeados não por voto, mas pelo Primeiro-Cônsul, ou seja, o próprio Napoleão. Por sua vez os conselhos dos departamentos, comunas e cantões que atuariam como uma espécie de câmara, foram destituídos de sua autoridade, passando a atuar como órgão consultivo, pois os prefeitos deteriam a total autoridade sobre o departamento. No entanto, os prefeitos estavam subordinados diretamente ao governo central, e para isso, foi ordenado a instalação de milhares de quilômetros de linhas de telégrafo, conectando os departamentos à capital. Isso também incidiu na forma de como os tributos passaram a serem recolhidos. 

Anteriormente os impostos eram recolhidos por autoridades locais dos departamentos (estados), porém tal modelo eram ineficaz e suscetível a corrupção. O Ministro das Finanças Gaudin ordenou que a tributação seria centralizada. Funcionários designados diretamente pelo ministério seriam enviados para os departamentos para recolherem os impostos, além disso, foi instituído que um "calção" fosse pago com antecedência, no intuito de precaver o Estado. 

Em 18 de janeiro de 1800, foi fundado o Banco da França, cuja constituição foi elaborada pelo banqueiro Perregaux, um dos mais influentes do país. O banco surgia em momento de extrema urgência para controlar e administrar as finanças do Estado, as quais estavam em crise. Anteriormente não havia um banco estatal que controlasse o tesouro nacional, como também administrasse os juros, depósitos e pensões do governo, isso acabou contribuindo bastante para a crise financeira enfrentada pelo país desde o reinado de Luís XVI. 

Fachada da segunda sede do Banco da França, o I'hotel de Toulose. Sede desde 1811. 

Mas enquanto as reformas administrativas e financeiras prosseguiam ao longo do primeiro semestre de 1800, no entanto, Napoleão não havia esquecido de sua paixão, a conquista. Bonaparte ordenou a realização de empréstimos para munir e abastecer seu exército e assim partir novamente para a Itália, a fim de recuperar os territórios que ele havia conquistado em 1796-1797, mas foram perdidos pela incompetência dos generais que assumiram seu lugar. 

Napoleão partiu para a Itália antes da metade do ano, marchando com seu exército, algo que desagradou muitos políticos tanto da oposição quanto do seu lado. Embora a nova constituição permitisse que o Primeiro-Cônsul detivesse autoridade militar, não se esperava que Napoleão fosse pessoalmente liderar uma campanha em outro país. Mas mesmo sobre desaprovação ele foi. 

Durante as duas primeiras semanas de junho, Napoleão percorreu a Sardenha, Gênova e até mesmo chegou a Milão. Em Gênova ele negociou com o general Masséna um armistício, então evacuou Gênova, partindo atrás das principais forças dos austríacos, o confronto ocorreu em 14 de junho na Batalha de Marengo na região de Piemonte. O conflito em Marengo foi a principal batalha dessa segunda campanha de Napoleão na Itália. 

A Batalha de Marengo. Louis-François Lejeune. Data desconhecida. 

O exército de Bonaparte era formado por 22 mil soldados e 20 canhões, contra 30 mil e 100 canhões do inimigo. Estando em visível desvantagem, Bonaparte expediu ordens para que as tropas de reserva viessem ao seu auxílio, todavia, apenas o general Louis Charles Antoine Desaix (1768-1800) conseguiu chegar a tempo, a fim de reforçar a frente de batalha de Bonaparte, todavia, isso lhe custou a própria vida. Desaix foi morto em combate, porém Napoleão conseguiu derrotar os austríacos, e o general Michael von Mélas assinou um armísticio com Bonaparte, propondo uma trégua. Os territórios ocupados por Napoleão permaneceriam em sua posse, e os territórios ocupados pela Áustria ainda continuariam com o país. 

A assinatura do armistício conseguiu proporcionar uma trégua que durou até dezembro daquele ano, quando novos conflitos voltaram a ocorrer, mas Napoleão não participou deles, todavia, os franceses saíram vitoriosos. Em 9 de fevereiro de 1801, Luís Bonaparte atuando como embaixador da França, assinou o Tratado de Lunéville, propondo novo acordo de paz entre a República da França e a Áustria. 

Mesmo estando proporcionando melhorias para o país, nem todos eram a favor de Napoleão. Na Véspera de Natal de 1800, ele sofreu um atentando a bomba. Enquanto sua carruagem passava pela rua Saint-Nicaise, uma bomba havia sido deixada para explodir ao lado da carruagem, mas para a sorte de Bonaparte, o dispositivo atrasou questões de segundos, e quando explodiu, a carruagem havia passado, embora a força do impacto chegou a atingi-la (RIVOIRE, 1967, p. 28). Napoleão acreditando que pudessem ser os jacobinos ou monarquistas, reviu a lista de exílio proposta por Sièyes, então ordenou que aqueles que não foram presos e deportados, o fossem dessa vez. Não obstante, ele também achava que os ingleses pudessem está envolvido.

c) A Concordata (1801-1802): 

O ano de 1800 terminava de forma razoável para o novo governo republicano. Reformas haviam sido iniciadas, e Napoleão retornava a França com novas vitórias no campo de batalha, embora que o sucesso não tenha sido o mesmo como da outra vez, ainda assim, ele conseguiu que dinheiro e recursos voltassem a serem enviados para Paris. 

No entanto, entre os acontecimentos ocorridos em 1801, o que será comentado aqui diz respeito a Concordata proposta por Napoleão ao papa Pio VII. Em 1796 e 1797, Napoleão havia evitado conquistar e saquear Roma, ao invés disso apresentou ao papa Pio VI um armísticio, medida que havia sido proposta a outras cidades italianas. No entanto, a Concordata não se devia a esse acordo firmado com Pio VI, mas ao desentendimento entre a República da França com o Papado. 

Retrato do papa Pio VII. Em seu pontificado a França voltou a reconciliar-se com Roma através da Concordata de 1801, proposta por Napoleão Bonaparte. 

Em 1791 foi aprovada a Constituição Civil do Clero, a qual tornou o clero secular como parte do funcionarismo público da república, ou seja, os clérigos legalmente passariam a ser considerados como funcionários do Estado, estando sujeitos ao governo como qualquer outro funcionário público. Além disso, o clero regular foi suspenso; propriedades rurais e urbanas foram confiscadas e vendidas; os privilégios feudais foram cancelados; a administração das dioceses foi alterada; a autoridade dos bispos e vigários foi modificada; a quantidade de paróquias foi limitada (cidades com até seis mil habitantes, não poderia ter mais de uma igreja), etc. 

Mas além dessas mudanças várias outras eram propostas na constituição e uma delas foi o fato de que os clérigos franceses não deveriam se submeter a autoridade de clérigos de outros países, o que significava obedecer ao papa. 

Quando a Constituição Civil do Clero foi aprovada, o papa Pio VI enviou uma carta ao rei Luís XVI (o qual foi obrigado a assinar a constituição) e uma carta ao governo revolucionário, em ambas apresentava suas críticas a tal medida, mas o governo revolucionário não lhe deu ouvidos e o papado cortou relações com a França pelos nove anos seguintes. 

Embora Napoleão Bonaparte e sua família fossem católicos, não foi necessariamente por tal motivo que ele procurou se reconciliar com o papado, mas sim por interesses políticos futuros. Por exemplo, desde o medievo a Igreja Católica era uma instituição que costumava reconhecer a coroação dos monarcas, e tal reconhecimento era bastante necessário para legitimar a coroação perante as monarquias europeias. De certa forma, Napoleão já antevia tal condição para quando fosse se tornar imperador. 

Por outro lado, os relatórios que ele recebia desde 1800 apontavam o desgosto de parte da população quanto ao tratamento dado ao clero. Os franceses daquela época ainda eram bastante religiosos, não sendo a toa que no século XVI ocorreu o Massacre da Noite de São Bartolomeu (1572), um conflito entre católicos e huguenotes (protestantes) que ocasionou a morte de milhares de huguenotes. Mesmo as terríveis lembranças das guerras religiosas terem ficado para trás, os franceses ainda se mantinham bastante ligados a fé católica. Reaproximar-se do papado seria uma jogada bastante oportuna, para que assim garantisse uma melhor imagem perante a população. 

A Concordata assinada em 15 de julho de 1801, propunha alguns acordos: 
  • O catolicismo seria a religião da maioria dos franceses, mas não seria mas a religião oficial do Estado, como era na época da monarquia. A França em 1791 havia se tornado um Estado laico;
  • O protestantismo, o judaísmo e outras seitas menores não seriam perseguidas desde que não atentassem contra a ordem pública;
  • A França voltaria a manter relações com Roma, mas com certas limitações;
  • Foi estabelecido que todos os bispos os quais fossem constitucionais e não-jurados (aqueles que não reconheciam a constituição de 1791), deveriam renunciar aos seus mandatos e um novo episcopado seria eleito pelo Primeiro-cônsul. 
  • Além da eleição de um novo episcopado, foi também estabelecido que a partir daquela concordata, todos os bispos seriam nomeados pelo Primeiro-cônsul e o papa poderia institui-los;
  • As terras da Igreja que foram confiscadas pelo governo revolucionário, as quais acabaram sendo algumas vendidas, não seriam devolvidas;
  • Os clérigos continuariam a serem tratados como funcionários públicos.
Evidentemente nem todas as medidas agradaram o papa Pio VII, mas não apenas ele, os cardeais, bispos, vigários e o restante do clero francês e até mesmo boa parte dos católicos também não foram totalmente a favor de manter o clero francês como parte do funcionalismo público do Estado. Dos 93 bispos não-jurados, 38 se recusaram a aceitar a Concordata e a renunciar ao bispado. Por sua vez, 12 bispos nomeados por Napoleão, foram recusados pelo papa (MARKHAN, 1963, p. 61). 

Alegoria da Concordata de 1801. Pierre Joseph Célestin François, 1802. 

A Concordata foi efetivamente aprovada apenas em abril de 1802, mas sob várias queixas e protestos por parte da população, do clero, mas principalmente do Tribunado e da Legislatura, órgãos responsáveis pela aprovação dos projetos de lei. Dos 100 deputados do Tribunado e dos 300 deputados da Legislatura, havia praticamente uma divisão meio a meio quanto a aprovação da Concordata, ao ponto de que algumas sessões foram suspensas devido a discussões. 

Para contornar tal problema, Napoleão se valeu da lei para isso. A Constituição determinava que a cada ano 1/5 dos deputados do Tribunado e da Legislatura deveriam ser aposentados compulsoriamente, e eleito novos membros. Então Bonaparte ordenou que a aposentadoria fosse expedida e elegeu no lugar 22 novos deputados apenas para o Tribunado, sendo a maioria partidários de sua causa. Como a palavra final cabia a Napoleão, ele a aprovou assim mesmo, e com o detalhe de ter através de "Artigos Orgânicos", alterado parte do acordo, o que gerou ainda mais desagrado ao papa, mas no fim, era melhor do que nada. 

d) Napoleão consolida sua autoridade (1802): 

O ano de 1802 foi importante para o governo de Bonaparte, pois foi o ano que ele consolidou sua autoridade, ao mesmo tempo em que ele tornava-se cada vez mais autoritário e poderoso. 

Em 25 de março foi assinado na cidade de Amiens na França, o importante Tratado de Amiens, o qual foi acordado entre José Bonaparte e o Marquês de Cornwallis. O tratado feito entre França e Inglaterra punha fim a guerra entre os dois países que datava desde 1789. Neste tratado além de se firmar o fim da guerra e propor a paz, vários territórios coloniais foram negociados, além da retirada de tropas francesas de determinadas regiões. 

José Bonaparte, irmão mais velho de Napoleão. Embaixador da França, responsável por assinar o importante Tratado de Amiens. 

Por exemplo, os franceses aceitaram deixar o Egito, ocupado desde 1798 por eles; com isso a Inglaterra assumiu o Egito. Napoleão concordou em retirar suas tropas dos Estados Papais. Não obstante, os ingleses cederam as ilhas de Trinidad e Tobago e o Ceilão (Sri Lanka) para a França. As ilhas de Malta, Gozo e Comino (as três compreendem o arquipélago de Malta, no meio do Mediterrâneo) foram declarados territórios neutros, e os franceses que as haviam ocupado em 1798, as abandonaram. 

O Tratado de Amiens concedeu a Napoleão grande prestígio no país, pois punha fim a guerra contra os ingleses, embora como veremos mais a frente, o tratado não teve uma breve validade. Em abril de 1802 foi aprovado a Concordata, como comentado no tópico anterior, mesmo que através da intervenção legal, mas maquiavélica de Bonaparte em destituir os principais opositores seus no Tribunado. Com a Concordata mesmo não agradando a todos, no geral ela foi bem aceita pela população católica. 

"A instituição da Legião de Honra (maio de 1802) também foi ato pessoal de Napoleão, a que se opôs a maior parte dos conselheiros no Conselho de Estado, e foi aprovada por apenas estreita maioria no Tribunado e na Legislatura. As Ordens e condecorações da monarquia - o Saint Esprit, St. Michel, St. Louis - tinham sido abolidas pela Convenção como restos de privilégio e contrárias à igualdade". (MARKHAN, 1963, p. 62). 

A Legião de Honra foi uma forma de agradar os militares e alguns civis, os quais nem todos estavam contentes com o governo de Bonaparte. Napoleão sabia que havia muitos aliados, mas havia muita gente que não gostava dele, então oferecer honrarias seria uma forma de praticar a "benevolência". No entanto, para alguns historiadores a Legião de Honra instituída por Napoleão em 1802, seria uma antecipação das regalias nobiliárquicas que ele criaria durante seu reinado. 

A Legião de Honra parabenizava os homens que de alguma forma lutaram, defenderam ou contribuíram para o desenvolvimento do país, lhe concedendo espadas de honra, medalhas e coroas cívicas, assim como pensões vitalícias. Além de militares ativos, os inválidos de guerra, cientistas e artistas também receberam as condecorações de honra. Embora a legião tenha sido criada em 1802, apenas em 1804 é que ela começou a atribuir suas condecorações. Ainda hoje ela existe. 

Napoleão usando o traje imperial, mas exibindo a Grão-cruz da Legião de Honra. 

No entanto, um acontecimentos mais significativo ocorrido em 1802 consolidava a autoridade de Napoleão e sua família. Bonaparte desde que assumiu o governo em 1799, tinha em mente que se um dia ele morresse, todo o trabalho que ele desenvolveu para tornar a França um país melhor de se viver, poderia ruir. Napoleão era um patriota como poucos e temia que após sua morte o país poderia retornar a monarquia dos Bourbons ou tornar-se uma república descontrolada como a dos jacobinos. Uma das soluções que ele havia cogitado ainda em 1800, era tornar-se seu cargo vitalício e hereditário. 

Anteriormente com a aprovação da Constituição do Ano VIII em 1799, o cargo de cônsul possuía o mandato de 10 anos e o direito a uma reeleição. Napoleão aqui já ambicionava permanecer no poder não por 10 ou 20 anos, para até o fim da sua vida, porém caso morresse antes de chegar a uma idade avançada, seu governo provavelmente ruiria devido as forças antagônicas e corruptas remanescentes da conturbada Revolução Francesa. 

Garantir o cargo como sendo vitalício e hereditário era um seguro de longo prazo, mas o problema não era nem tanto propor tal mudança, pois Napoleão detinha autoridade para isso, mas achar um herdeiro. Desde que ele casou-se com Josefina em 1796, eles nunca conseguiram ter um filho, embora que Josefina ao se casar, fosse viúva e mãe de dois filhos, Eugênio e Hortênsia. Eugênio serviu o padrasto como secretário em vários momentos, mas Bonaparte não confiava nele e também não o via tendo a capacidade de comandar. 

A situação mudou naquele ano de 1802, quando um dos irmãos mais novos de Napoleão, Luís (1778-1846), casou-se com com Hortênsia (1763-1837), e do casamento tiveram um filho chamado Carlos (1802-1807), o qual nasceu em 10 de outubro. Carlos Bonaparte era não apenas o primeiro filho de Luís e Hortênsia, mas o primeiro sobrinho de Napoleão, logo, ele o escolheu para ser seu herdeiro oficial até que ele tivesse seu próprio filho, mas enquanto isso não ocorresse, Napoleão pretendia educar Carlos para ser um sucessor a sua altura. 

Hortênsia Bonaparte e seu filho Carlos. Hortênsia era enteada de Napoleão, mas casou-se com o irmão dele, Luís. Carlos Bonaparte foi escolhido pelo tio como seu herdeiro legal. 

Escolhido seu herdeiro, Napoleão começou ainda no final de 1802 a iniciar seu "golpe" para tornar seu cargo vitalício e hereditário. Ele propôs ao Conselho de Estado convocar um plebiscito para que a população votasse a favor de tornar o cargo de Primeiro-cônsul como sendo vitalício. Segundo o resultado eleitoral, Napoleão venceu de forma esmagadora: 3,5 milhões de votos a favor e 8 mil contrários (MARKHAN, 1963, p. 66). Todavia, como sugerem alguns historiadores, não é de se admirar que as eleições tenham sido fraudadas, pois embora Napoleão fosse um líder bastante popular, isso não significa a tamanha discrepância entre votos a favor e contra suas pretensões. 

Além dessa aprovação para um cargo vitalício e hereditário, Napoleão também propôs outras medidas as quais foram aprovadas pelo Senado. Criou-se o Conselho Privado, um conselho que agiria em paralelo ao Conselho de Estado, sendo que o primeiro estaria diretamente subordinado aos interesses do Primeiro-cônsul. Napoleão também aumento os poderes do Senado, autorizando que este pudesse rever a constituição, dissolver o Tribunado e a Legislatura quando fosse necessário e nomear os outros dois cônsules (os quais obviamente seriam candidatos indicados pelo próprio Bonaparte). 

Napoleão também aumentou as regalias dos senadores, permitindo que pudessem por seu "mérito" receber propriedades e bens do governo, embora fosse restrito apenas a 1/3 do senado. Além disso, foi permitido que os senadores pudessem exercer outros cargos administrativos ao mesmo tempo, pois antes era obrigatória dedicação exclusiva ao senado. 

Bonaparte também ordenou que o sistema eleitoral fosse modificado. A lista de "notabilidades" aprovada em 1801 foi revogada. Agora as eleições se dariam em duas partes: seriam formadas assembleias votantes, estabelecidas em cantões (municípios) as quais elegeriam os candidatos aptos a disputar os cargos no Tribunado; os candidatos vencedores, teriam que passar por outra eleição, dessa vez em nível de departamento (estado). Vencendo as duas eleições, o candidato tornava-se deputado do Tribunado.

No entanto, quanto ao Senado e a Legislatura, Napoleão instituiu que apenas os homens mais ricos de cada departamento poderiam ser candidatos ao Senado e a Legislatura, te passariam a dispor de cargo vitalício no Senado. Por sua vez, o prefeito de departamento, o presidente e vinte membros dos colégios eleitorais departamentais ainda continuavam a serem nomeados por Napoleão. 

Não obstante, Napoleão foi eleito também presidente da República Italiana (1802-1805), Estado que ajudou a criar em 1797 com o nome de República Cisalpina. A nova república era um Estado dependente da França, e seu governo querendo se aproximar mais dos franceses, convidaram Bonaparte a se tornar seu presidente, embora que na prática, ele governasse o país a partir de Paris. Sendo assim, Napoleão era o chefe de Estado de duas repúblicas, usufruindo de uma autoridade quase monárquica. 

"A constituição do consulado vitalício de 1802 deu praticamente a Napoleão os poderes de um monarca absoluto e faltava apenas acrescentar a fachada da coroa imperial". (MARKHAN, 1963, p. 67). 

e) Tratado de Amiens em xeque (1803):

Embora o Tratado de Amiens tenha sido assinado em março de 1802, no ano seguinte o governo inglês já apresentava mostras de que a duração da paz estabelecida no ano anterior não duraria muito tempo. Os ingleses se sentiam ameaçados pelo crescimento do império colonial francês, e o fato de que Napoleão ainda mantinha autoridade sobre o norte da Itália, Suíça, Bélgica e Holanda. 


"Em poucos meses após a assinatura do tratado, Napoleão anexara o Piemonte e Elba, conseguira sua eleição como Presidente da nova República Italiana, interviera na Alemanha para conseguir a supressão das cidades livres e territórios eclesiásticos, invadira a Suíça para impor uma Constituição e achara pretextos para continuar ocupando a Holanda". (MARKHAN, 1963, p. 72). 

Ainda em 1802, os ingleses que haviam negociado em Amiens que a ilha de Malta e seu arquipélago anteriormente ocupado pelos franceses, o qual havia se tornado território neutro, foi apenas um engodo formal. Meses depois dos franceses deixarem o controle da ilha aos seus habitantes, os ingleses se apossaram daquele arquipélago estratégico no meio do Mediterrâneo. Não obstante, ainda em 1803 haviam tropas francesas no Egito, mas pelo tratado, os franceses já deveriam ter retirado todos seus efetivos militares da colônia britânica. 

E tal fato não foi bem recebido pelos ingleses. Enquanto os franceses viam que a ocupação de Malta era uma transgressão ao tratado, eles deliberadamente deixaram tropas no Egito, como contraponto. A Inglaterra deveria cumprir com o tratado integralmente, no entanto Lorde Whitworth, embaixador inglês em Paris, enviou cartas para o Parlamento dizendo que os franceses pretendiam reconquistar o Egito. Aquilo foi tomado pelo governo inglês como pretexto de manter a ocupação de Malta e renegociar o Tratado de Amiens.

Nos meses seguintes, Whitworth e Napoleão se desentenderam em algumas ocasiões. O Parlamento inglês exigia que as tropas francesas fossem retiradas imediatamente do Egito, e posteriormente exigiu o mesmo para a Holanda e a Suíça, num ultimato em 26 de abril. Napoleão recusou todas essas contrapropostas alegando que foram os ingleses os primeiros a descumprir o acordo, logo, não cederia a chantagens políticas, embora também dissesse que não entraria em guerra contra eles por causa disso. Em 12 de maio o embaixador Whitworth deixou Paris (MARKHAN, 1963, p. 73). 

Embora Napoleão não quisesse entrar em guerra com os ingleses, ele não era tão tolo assim. Entre 1803 e 1804, ele mandou que navios de guerra e barcaças fossem construídos, embora visivelmente a frota em construção em nada se comparava ao poderio naval da Marinha Real Inglesa, ainda assim era uma força a ser temida.

"Já se disse muitas vezes que os preparativos de Napoleão para invadir a Inglaterra entre 1803 e 1805 foram um simulacro que lhe permitiram montar e treinar o Grande Exército, cujo objetivo real era derrubar as potências continentais". (MARKHAN, 1963, p. 75).

De fato, quando Napoleão já coroado imperador, ele deu início a atacar as potências continentais e não a Inglaterra propriamente. Todavia, a tensão entre os dois países se manteria, pois em 1804 começaram a ocorrer alguns pequenos conflitos, os quais retornariam em 1805, algo que veremos adiante quando chegarmos ao período do reinado de Bonaparte. 

f) A Conspiração de Cadoudal (1803-1804): 

Senão bastasse a falta de palavra do governo inglês quanto ao cumprimento do Tratado de Amiens, alguns como o general Georges Cadoudal (1771-1804), francês de nascença, instaurou uma conspiração que visou desde sequestrar o Primeiro-cônsul Bonaparte, até mesmo tentar assassiná-lo.


Retrato de Georges Cadoudal. 

O general Cadoudal era um monarquista e líder do grupo Chouannerie, um grupo de monarquistas que atuava nos departamentos da Britânia e Maine. Desde a eclosão da revolução em 1789, Cadoudal se mostrou opositor a república revolucionária, o que incluiu além de militar contra a Primeira República, o fato de aderir a Guerra civil da Vendeia a qual durou mais de três anos. Um conflito entre monarquistas e anti-jacobinos contra as forças da república. 

Durante a revolta ou guerra da Vendeia, Cadoudal acabou sendo preso, mas conseguiu fugir e escapou para a Inglaterra, onde permaneceu em exílio nos anos seguintes. Após Napoleão tomar o poder em 1799, Cadoudal como monarquista apresentou opinião contrária pela manutenção da república. Em 1803, depois de algum tempo planejando um atentado contra a pessoa de Bonaparte, Cadoudal decidiu agir. 

A ideia era ganhar o apoio do general francês Jean-Charles Pichegru (1761-1804), republicano devoto, responsável por campanhas na Bélgica e na Holanda, no entanto devido ao fato de discordar do governo do Diretório e posteriormente do governo de Napoleão, permaneceu em exílio, chegando a trabalhar para os russos e ingleses. Cadoudal acreditava que Pichegru o qual não gostava da política de Bonaparte, o pudesse apoiar em sua conspiração. 

Retrato do general Jean-Charles Pichegru. 

O terceiro aliado em potencial cogitado por Cadoudal era o general Jean Victor Marie Moreau (1763-1813), responsável pelo Exército do Reno e por um curto período de tempo, pelo Exército da Itália. Moreau combateu os alemãs, austríacos e russos pela posse das fronteiras francesas ao longo do rio Reno, inclusive apoiou Napoleão durante o Golpe de 18 de Brumário. Embora tenha fornecido o apoio para o golpe, anos depois ao perceber que Bonaparte havia se tornado uma espécie de ditador, ele começou a vê-lo com outros olhos.

Retrato do general Jean Victor Moreau.

Entrando em contato com tais homens, entre outros mais o que incluiu alguns ingleses, Cadoudal se pôs a agir em 1803, cujo plano era chegar a Paris e com ajuda dos generais desferir um golpe de Estado, derrubar a república e empossar um novo Bourbon no poder, assim restituindo a monarquia na França. Ele iria desembarcar secretamente na França. O desembarque ocorreu na noite de 23 de agosto em Biville, no entanto para a infelicidade de Cadoudal, um de seus comparsas o traiu. O jacobino Mehée de la Touche, delatou a Napoleão o plano de Cadoudal, então o Primeiro-cônsul expediu voz de prisão para ele e seus conspiradores. 

Cadoudal chegou a ser preso em Paris, mas conseguiu fugir, no entanto foi recapturado, sendo sentenciado a dois anos de prisão, para depois ser enviado ao exílio, todavia, durante seu interrogatório, confessou que o general Pichegru era seu aliado, e o mesmo foi preso, mas em 5 de abril de 1804 ele foi achado morto em sua cela. Na época a polícia disse que ele cometeu suicídio, mas o provável é que tenha sido assassinado. 

Por sua vez, Napoleão decidiu mudar de ideia quanto a sentença de Cadoudal, então ordenou que ele fosse executado na guilhotina junto com outros de seus conspiradores. No caso do general Moreau, como este não teve grande participação na conspiração, além de ter apoiado Bonaparte no passado, ele decidiu enviá-lo para o exílio, e assim Moreau foi exilado nos Estados Unidos. 

g) O Código Civil (1804): 

O último grande feito de Napoleão ainda na época que era cônsul, foi aprovar o Código Civil, projeto que a anos tramitava na justiça sem ter um veredito. Quando Bonaparte assumiu como cônsul em 1799, tratou de retomar a conclusão desse código, que posteriormente foi adotado também para seu reinado. 

"O Código Civil, promulgado em 18014 e intitulado Código Napoleônico em 1807, foi a realização de um projeto concebido no início da Revolução. Em 1792, a Convenção nomeara um comitê redator, que fez progressos rápidos e apresentou um plano para um código de 779 artigos. Em 1796, um novo plano para um código de 1.104 artigos foi apresentado. Ao todo, cinco planos foram debatidos antes que o Código final fosse iniciado em 1800". (MARKHAN, 1963, p. 57).


Primeira página do Código Civil Francês, aprovado em 21 de março de 1804. 

O Código Civil era de extrema urgência e necessidade, pois antes de 1792 quando teve início a sua elaboração, na França não havia um sistema civil nacional, cada província, comuna e cantão possuía em prática seu código civil ou adotava da de territórios vizinhos. Sendo assim, havia 366 códigos civis no país, além do fato de que os códigos se baseavam em preceitos antigos e diferentes: as províncias do norte pautavam a propriedade no código germânico, já as províncias do sul, usavam o código romano (MARKHAM, 1963, p. 57).

Criar um Código Civil geral ou nacional era necessário para unificar o país, torná-lo mais coeso e administrável. Se em 1792 a primeira proposta contava com 779 artigos, a proposta aprovada em 1804, dispunha de 2.287 artigos, os quais a maioria aboliram ou atualizaram as antigas normas romanas e germânicas. O próprio Bonaparte participou de 36 das 84 sessões que debateram a elaboração do código, mas embora participasse dos debates, suas opiniões não foram de grande significância e até mesmo foram bastante contrariadas. De qualquer forma o Código Civil tornou-se um dos marcos de seu governo

O Império (1804-1814): 

Pelo fato que abordar dez anos de reinado consista em bastante história, optei em comentar alguns acontecimentos mais específicos, voltados para a história política e militar, as quais foram onde Napoleão se destacou neste período, como também consistiu no limite das fontes apuradas para tal pesquisa.

a) Viva o imperador! (1804): 

O ano de 1804 foi conturbado para o governo napoleônico. Embora em março tenha se aprovado o Código Civil, um grande feito para o país e a história francesa, Napoleão teve que tratar da Conspiração de Cadoudal, como também das provocações dos ingleses que estavam descumprindo o Tratado de Amiens (1802), e para completar, o czar Alexandre I da Rússia (1777-1825) conspirava contra os franceses. Tal conspiração viria a formar a Terceira Coalização contra França, algo que será comentado adiante.

Ainda em 1804, Bonaparte cogitava uma invasão a Inglaterra, no intuito de subjugar seu grande adversário, mas sua frota era fraca e pouco numerosa, além disso, a morte do almirante Latouche-Tréville naquele ano, o levou a adiar tais planos. Latouche-Tréville era um almirante veterano e o homem a quem Napoleão confiou liderar a sua marinha. 

No primeiro semestre Bonaparte ordenou a execução dos conspiradores que apoiaram Cadoudal, no entanto, no segundo semestre ele começou a se desentender ainda mais com os russos, ao ponto de não receber bem o embaixador russo, embora que no ano anterior ele havia mandado o embaixador russo anterior, em bora. Sendo assim, em setembro o czar Alexandre I enviou embaixadores para a Inglaterra, Prússia e Áustria a fim de apresentar seus planos para uma aliança militar. Alexandre I tinha a pretensão de se tornar "juiz" sobre a Europa, e Napoleão era o seu grande adversário (MARKHAN, 1963, p. 79). 

Sendo assim, após desbaratar um complô contra sua vida e que planejava um golpe de Estado; de descobrir que além dos ingleses que tramavam contra ele, os austríacos e russos também conspiravam entre si para declarar guerra a França, Napoleão decidiu agir e fez o que muitos não imaginavam: proclamar-se imperador. 

Ainda em maio, o Senado havia aprovado o projeto que criava o cargo de imperador hereditário e transformava a república numa monarquia. Obviamente o projeto foi proposto por Napoleão, porém faltava ser aprovado pelo Tribunado e ratificado por um plebiscito. De fato nos meses seguintes houve muita oposição contra a aprovação de tal projeto, mas Napoleão maquiavélico como sempre soube ser, usou sua influência e poder para retirar de seu caminho seus opositores, e quanto ao plebiscito, ele venceu com 60% dos votos (RIVOIRE, 1966, p. 31). 

Com a aprovação do Tribunado e do povo, a data da coroação foi marcada. O dia escolhido foi 2 de novembro, o local: a célebre Catedral de Notre-Dame de Paris. Aquele dia amanheceu de forma esplendorosa e toda a cidade comentava apenas uma única coisa: a coroação do general Napoleão Bonaparte e de sua esposa, Josefina de Beauharnais. 

Catedral de Notre-Dame de Paris, palco da coração de Napoleão Bonaparte em 2 de dezembro de 1804. 

Neste ponto entramos numa contradição na vida de Napoleão. Na sua adolescência e juventude, ele era um republicano e opositor a monarquia. Era um defensor das ideias filosóficas e políticas de Montesquieu e Jean-Jacques Rousseau; não admirava Júlio César e nem Alexandre, o Grande. A partir de 1800, quando estava no poder, tudo se inverteu. A monarquia não era mais uma forma de governo condenável; diziam que Napoleão queria imitar César, quando este foi ditador de Roma (48-44 a.C); além disso, Bonaparte tinha grandes ambições de conquista, o que o comparava a Alexandre. Quanto a Montesquieu e Rousseau, ele ainda os admirava, mas não como antes. 

A alta sociedade francesa foi convocada para a coroação, além de representantes de outras casas reais europeias, embaixadores, diplomatas, chefes de Estado; a família Bonaparte e a família Beauharnais compareceram em grande júbilo; representantes da Igreja francesa e italiana também estiveram presentes, o que incluiu o próprio papa Pio VII, convidado para abençoar os novos monarcas, uma tradição instaurada na França pelo rei Carlos Magno, o qual em 800, foi coroado imperador dos romanos pelo papa Leão III. Além de Carlos Magno outros monarcas de outros países também aderiram a cerimônia de serem coroados por papas, ou cardeais ou bispos, pois representava a ligação do governo com a Igreja de Deus, assim como, os legitimava como soberanos cristãos. 

Imperador Napoleão I em regalia. François Gérard, 1805. 

Embora o papa Pio VII não fosse totalmente a favor da política napoleônica principalmente após o desentendimento que tiveram em se aprovar a Concordata (1801-1802), ele aceitou o convite de participar da coroação e abençoar os novos monarcas franceses: "Imperador e Imperatriz da França, graças a Deus e a Constituição da República", como se dizia oficialmente na época. Todavia, reza uma lenda que Napoleão não teria deixado o papa coroar ele, mas ao invés disso, pegou a coroa e se "autocorou"; e além de tal afronta ao sumo pontífice, Napoleão também teria coroado sua esposa. 

Detalhe do quadro Coroação do imperador Napoleão e da imperatriz Josefina na Catedral de Notre-Dame de Paris, a 2 de dezembro de 1804. Jacques-Louis David, 1805-1807.

O gigantesco quadro de David encomendado pelo próprio imperador, então amigo do pintor, emoldurou na História aquele importante dia, com direito as lendas sobre a cerimônia de coroação. 

A coroação de Napoleão não foi apenas um choque para o papa Pio VII, e os franceses, mas os ingleses, russos, austríacos e outros países da Europa, receberam aquilo com bastante surpresa. Uns sabiam da autoridade do Primeiro-cônsul Bonaparte; outros sabiam que era um homem de grande ambição, mas praticamente ninguém imaginasse que ele seria capaz de se tornar um imperador, já que ao longo de mais de dez anos defendeu o republicanismo, no entanto, Napoleão tornava-se imperador aos 35 anos. 

b) Guerra contra a Inglaterra (1805): 

O ano de 1804 havia terminado com Napoleão coroado imperador, agora ele possuía uma coroa, um trono, um título e súditos, mas lhe faltava algo essencial: um império. Um título nada lhe valeria sem um império, e para isso, Napoleão decidiu iniciar suas campanhas, as quais ficaram conhecidas como Guerras Napoleônicas. 

Sendo assim, o primeiro inimigo que ele confrontou foram os velhos rivais dos franceses, os ingleses. Como dito anteriormente, o Parlamento não estava cumprindo com o Tratado de Amiens, inclusive estava de provocação com o Primeiro-cônsul Bonaparte, neste meio tempo, Napoleão decidiu agir, ordenando o aumento da frota francesa. Todavia, no final de 1804, a Espanha que estava tendo problemas com os ingleses principalmente devido a disputas territoriais e comerciais nas Américas, decidiu se aliar a França para combater a Coroa britânica. 

O plano era dispersar a frota inglesa, e assim enviar uma flotilha de barcaças que transportariam o grosso do exército francês através do Canal da Mancha, e assim Londres seria sitiada. No entanto, a frota inglesa do século XIX, era a maior e mais poderosa do mundo, e mesmo as frotas francesa e espanhola unidas não eram capazes de um confronto equilibrado, daí o plano de tentar ludibriar os ingleses, e com isso o almirante Pierre Villeneuve (1763-1806) pretendia atrair a atenção do almirante Horatio Nelson (1758-1805), fazendo o persegui-lo até a América, enquanto Napoleão poderia assim cruzar o Canal da Mancha. 

Retrato de Horatio Nelson, proeminente almirante inglês. Entre seus feitos militares estão o fato de ter barrado os planos de Napoleão por duas vezes. 

Villeneuve partiu com sua parte da frota em 30 de março, com atraso devido ao mau tempo. Então seguiu rumo a ilha de Martinica no Caribe, vindo chegar nesta em 14 de maio. O almirante Nelson ficou sabendo da partida da frota de Villenueve apenas em 18 de abril, então seguiu para Martinica, chegando lá em 4 de junho. Ele acreditava que os franceses pretendessem atacar as possessões inglesas no Caribe, Bahamas ou nas Antilhas. A primeira parte do plano havia dado certo, o almirante Nelson, o principal comandante da Marinha Real Inglesa, se encontrava no outro lado do Atlântico (MARKHAN, 1963, p. 73). 

Então o vice-almirante Honoré Ganteaume (1755-1818) entrou em ação, indo combater os ingleses na costa de Brest, no Departamento da Britânia, todavia, Ganteaume foi derrotado pelos ingleses. Nesta parte do plano, Ganteaume caso tivesse vencido, deveria avisar Villeneuve para que retornasse a Europa, porém como isso não ocorreu, o almirante Villeneuve retornou para a Europa, seguindo para a Espanha. Nelson descobriu a partida dele, então o seguiu com atraso, chegando alguns dias depois, em 18 de julho a costa inglesa, onde se reuniu com outras frotas. 

Um impasse estava instaurado. O plano de dispersar a frota inglesa havia fracassado, e Napoleão passou quase o mês todo de agosto em Boulogne, aguardando o momento de poder atravessar o Canal da Mancha, mas a frota franco-espanhola era menor, e visivelmente mais fraca. Villeneuve relutou em tomar alguma decisão, e permaneceu em Cádis na Espanha. Setembro transcorreu sem novas manobras, até que em outubro, o imperador Bonaparte cansado da demora e incompetência de seus almirantes, ordenou que algo fosse feito, mas era tarde de mais. Nelson havia descoberto que Villeneuve e o grosso da armada franco-espanhola estava em Cádis, então seguiu para lá. 

Em 21 de outubro de 1805, ocorreu a Batalha de Trafalgar diante de Cádis. 28 navios ingleses confrontaram 33 navios franco-espanhóis. Embora em menor número os ingleses venceram, destruindo 22 navios do inimigo, sem perder nenhum dos céus. Se no passado Nelson havia barrado o avanço de Napoleão na Síria em 1799, tornando-se uma "pedra em seu calcanhar", agora anos depois, em 1805, novamente ele voltava ser um entrave para os planos do então imperador francês, embora que nesta batalha ele veio a falecer em combate. Gravemente ferido, o almirante Horatio Nelson faleceu, e foi recebido em seu país como um herói de guerra, o qual mesmo tendo morrido em batalha, ainda assim garantiu que a França fosse derrotada, e neste caso, derrotou Napoleão duas vezes. 

A Batalha de Trafalgar. Joseph Mallord William Turner, 1806. 

O primeiro ano das Guerras Napoleônicas terminava com a derrota para Napoleão e seu exército. Os ingleses confirmavam novamente que eram os "senhores dos mares". Com tal derrota, Bonaparte começou a repensar seus planos militares, passando a ter em mente que seria mais vantajoso e cômodo conquistar os países continentais. A Inglaterra era uma potência naval, mas em terra, a França era quem ditava as regras. 

c) A Terceira Coligação (1805-1806): 

A guerra contra a Inglaterra repercutiu mal para a França, pois significava claramente que o Tratado de Amiens, no qual determinava a paz, havia definitivamente sido rompido, no entanto, outras medidas tomadas por Napoleão ainda em 1805, levaram a Áustria e a Rússia a se desentenderem com ele.

Nos últimos quinze anos, a França havia enfrentado duas coligações ou coalizações formadas por outros países contra eles. A Primeira Coligação (1792-1797) e a Segunda Coligação (1798-1802). A primeira foi findada com a paz proposta pelo Diretório e Bonaparte no Tratado de Campoformio (1797), logo após Napoleão ter conquistado o norte da Itália, tendo combatido italianos e austríacos. A segunda foi findada pelo Tratado de Amiens (1802), assinado entre Inglaterra e França. Todavia, como já foi visto, os ingleses não estavam cumprindo com os acordos propostos em Amiens, e em 1805 eles confrontaram os franceses na França e na Espanha. 

Mas ainda em 1805, novos acontecimentos ocorridos na Itália envolvendo o imperador Napoleão, levaram a Áustria e a Rússia a se mobilizarem. Durante as campanhas napoleônicas no norte da Itália em 1796-1797, Napoleão conquistou vários daqueles Estados, e fundou por intermédio do Diretório, a República Cisalpina (1797-1802), cujas terras compreendiam o sul da Suíça, e as regiões italianas da Lombardia, Módena e Parma. O antigo Reino da Sardenha e a República de Gênova foram posteriormente anexados a França. Na prática a República Cisalpina mantinha sua autonomia administrativa, mas era um território subordinado a República Francesa. 

Mapa da República Cisalpina (1797-1802). 

Em 1802, o Primeiro-cônsul Napoleão Bonaparte concorreu as eleições presidenciais na República Italiana (1802-1805), nome pelo qual a República Cisalpina foi rebatizada. Napoleão era senhor de duas repúblicas. Sendo assim, após ele ser coroado imperador, o governo da República Italiana decidiu aderir também a causa monárquica, e em 1805 foi votado para que o país se tornasse uma monarquia, surgindo assim o Reino da Itália (1805-1814). 

O imperador Napoleão foi convidado a assumir o trono do reino italiano, sendo coroado com Josefina, em 26 de maio de 1805. Todavia, ele governaria os dois países a partir de Paris, porém, em 1806 nomeou seu enteado Eugênio de Beauharnais (1781-1824) como Vice-rei da Itália. No passado Eugênio já tinha sido motivo de problemas para Napoleão, mas isso se deveu a sua falta de maturidade e as questões conjugais entre seu padrasto e sua mãe, pois em 1799, Napoleão chegou a cogitar o divórcio, mas passado esses problemas familiares, Eugênio se tornou um dos homens de mais confiança de Napoleão, e com isso foi nomeado para importante cargo na Itália. 

Retrato de Eugênio de Beauharnais, enteado de Napoleão. Príncipe da França e Vice-rei da Itália (1805-1814). 

"Foi a nomeação de Napoleão como Rei da Itália e a anexação de Gênova à França que precipitaram a formação da coalização, pois eram infrações claras do Tratado de Lunéville e levaram a Áustria a juntar-se à Rússia e Inglaterra. Em janeiro de 1805 foi anunciado que a República Italiana se tornaria um reino hereditário; em março, Napoleão aceitou a coroa para si mesmo. Tentou acalmar as suspeitas da Áustria explicando que só a aceitava provisoriamente, devido à recusa de seus dois irmãos, José e Luís. Em abril de 1805, a Convenção anglo-russa foi assinada em São Petersburgo". (MARKHAN, 1963, p. 80).

O Tratado de Lunéville (1801) havia posto fim a Segunda Coligação contra a França, embora que a Inglaterra ainda se manteve em guerra, no entanto, a Áustria havia decretado paz. Mas além dessa quebra de acordo, é preciso recordar que desde 1804, o czar Alexandre I estava sondando os austríacos, ingleses e prussianos para formar uma nova coalização. Os acontecimentos de 1805, foram o pretexto final para o acordo ser feito. 

Em agosto após Gênova tornar-se parte do império francês, a Áustria aceitou a aliança anglo-russa, faltava agora os prussianos aderirem a causa, mas estes desde 1795 mantinham-se neutros. Bonaparte estando ciente de que os russos, austríacos e ingleses estavam aliados, decidiu ir procurar a Prússia, oferecendo uma proposta de aliança e algumas promessas, mas o rei Frederico Guilherme III (1770-1840), novamente se negou a fazer acordo, então Napoleão foi buscar apoio de alguns Estados Alemãs, dentre os quais, a Baviera, Württemberg e Baden aceitaram a aliança. A saída pensada por Napoleão naquele momento era conseguir mais apoio com os alemãs e assim se fortalecer para um embate contra os países da coalização. 

Mas enquanto Napoleão prosseguia com a diplomacia para conseguir aliados, os austríacos e russos decidiram começar a guerra. O general Mack invadiu a Baviera, e o arquiduque Carlos seguiu com seu exército para a Itália. A guerra da Terceira Coalizão contra a França, havia começado. 

"O plano de Mack era reunir-se à guarda avançada russa sob o comando de Kutusov, mas errou por completo em seus cálculos quanto aos movimentos de Napoleão. Insistiu em que Napoleão não poderia apresentar mais do que 70.000 homens do outro lado do Reno e que não poderia atingir o Danúbio em menos de oitenta dias. Na verdade, as primeiras colunas de Napoleão tinham deixado Boulogne em 26 de agosto e em fins de setembro ele atravessava o Reno com 190.000 homens". (MARKHAN, 1963, p. 80).

Em 20 de outubro, Napoleão encurralava na cidade de Ulm (atualmente na Alemanha), o exército de 50 mil homens do general Mack, o levando a se render. Por sua vez, ele havia dado ordens para o comandante Masséna, deixar Nápoles e encurralar a movimentação do arquiduque Carlos. Dois inimigos foram interceptados, faltava agora o general russo Kutusov, o qual se encontrava na Áustria. Mas querendo evitar um confronto direto contra o Grande Exército, Kutusov abandou sua posição e se retirou com seu exército, em 14 de novembro Napoleão chegava a Viena, capital da Áustria. 

Mas antes que chegasse a Viena, o czar Alexandre I havia viajado para Berlim, indo conversar pessoalmente com o rei Frederico Guilherme da Prússia. Em 3 de novembro o czar propôs a Convenção de Postdam, a qual convocava a Prússia a aderir a coalização. O rei Frederico solicitou um prazo para tomar uma decisão, preferindo obter uma contra-proposta de Napoleão, então soube que esse seguia para a Viena. O prazo solicitado era até o dia 15 de dezembro (MARKHAN, 1963, P. 81).

Alexandre I, czar da Rússia, rei da Polônia e grão-príncipe da Finlândia. Foi o principal mentor da Terceira Coalização contra a França. 

O czar Alexandre não querendo esperar por tanto tempo, deixou Berlim e foi se reunir ao exército de Kutusov na Áustria, decidido a confrontar Napoleão pessoalmente. Neste tempo, o imperador Bonaparte usufruiu da beleza da cidade de Viena, onde conheceu a charmosa Condessa Maria Waleska (1786-1817), na época ainda casada, mas Bonaparte como não se importava com esses detalhes, a tomou como amante. 

Das várias amantes que Napoleão teve, Maria Waleska foi a que mais durou como companheira, permanecendo como sua amante até 1810. Segundo os relatos da época e até do próprio Bonaparte, ele ficou perdidamente apaixonado pela condessa de origem polonesa. E havia quem defendesse que o próprio marido de Maria Waleska, o Conde Philippe Antoine d'Ornano teria incentivado a esposa a cometer adultério, a fim de que ela conseguisse pela parte do imperador, que ele declarasse a independência da Polônia, a qual era governada pelos russos. Bom, Napoleão nunca chegou a fazer isso, mas o relacionamento se manteve por quatro anos. 

Retrato da Condessa Maria Waleska, uma das mais famosas amantes de Napoleão. 

Enquanto Napoleão usufruía da encantadora companhia da condessa, os russos se mobilizavam para a batalha, mas antes disso finalmente vir a ocorrer, o czar enviou um emissário para "entrevistar" o imperador francês. Isso ocorreu em 30 de novembro. Não se sabe ao certo o que eles conversaram, mas o emissário ao retornar ao quartel-general, comunicou que as tropas francesas estavam dispersadas, e o imperador estava perdidamente apaixonado por uma condessa polonesa. Isso nublava sua perspicácia para a guerra. 

Em 2 de dezembro, Napoleão reuniu-se ao seu exército e partiu de Viena, mas os russos viram nisso o momento para atacar, então o interceptá-lo próximo a cidade de Austerlitz. Os russos estavam confiantes que derrotariam Bonaparte, o qual contava com 73 mil homens, contra 87 mil soldados do czar. Mas tudo não passava de um ardil, Bonaparte havia escondido tropas nas cercanias de Austerlitz, e fez os russos virem até ele. Pelo menos 27 mil russos morreram naquele conflito, e o czar bateu em retirada. 

Napoleão em Austerliz, 1805. François Gérard, 1809. Na imagem um dos comandantes russos se apresenta a Napoleão apresentando os termos de rendição. 

A derrota para os russos foi humilhante, mas foi mais desastrosa para os austríacos. Em 27 de dezembro foi assinado o Tratado de Pressburg, no qual a Áustria cedia o controle dos territórios de Veneza, Tirol e Vorarlberg para a França, mas permaneceria com Salzburgo. Não obstante, a Áustria foi forçada a reconhecer a independência dos Estados alemãs da Baviera, Württemberg e Baden, assim como, reconhecer que eram aliados dos franceses e não deveriam ser atacados. 

A Terceira Coligação ainda duraria até o ano seguinte, pois se a Prússia havia se mantido até então neutra, o rei Frederico Guilherme decidiu agir, e arriscar-se num conflito contra o imperador Bonaparte. 

d) A Guerra contra a Prússia (1806):

A decisão do rei Frederico Guilherme III de declarar guerra a Napoleão Bonaparte não foi imediata, inclusive demorou alguns meses. Inicialmente ele ainda havia ficado de confirmar o aliança com a França, mas da mesma forma que havia adiado a resposta ao czar Alexandre I, que no fim acabou na não ratificação do Tratado de Postdam, o rei prussiano também deixou Bonaparte esperando, e este com a paciência esgotada, em fevereiro de 1806, ameaçou o rei Frederico com sanções, entre as quais entregar parte do ducado de Cleves para a França, e cortar relações comerciais com a Inglaterra (MARKHAN, 1963, p. 82).

Retrato de Frederico Guilherme III, rei da Prússia. 

As sanções não foram o suficiente para fazer o difícil rei prussiano a tomar uma decisão. Em julho ocorreu a Confederação do Reno, na qual dezesseis príncipes alemãs romperam com o Sacro Império Romano-Germânico e se aliaram a França. Aquilo foi um duro golpe para Frederico, o qual tinha pretensões de conquistar o Sacro Império. Mas se não bastasse essa aliança de príncipes, ainda naquele mês, a Inglaterra e a Rússia oficialmente informavam que a Terceira Coalizão havia sido desfeita, embora que ambos os países continuassem em guerra com a França, mas agora sem serem aliados. 

Em 17 de agosto, Napoleão mandou que seus exércitos deixassem a Alemanha e voltassem a França, mas em setembro ele cancelou a ordem devido a mudança na postura do rei Frederico, o qual tramava para combater Bonaparte. Em 1 de outubro o governo prussiano enviou um ultimato obrigando que o exército francês deixasse imediatamente as terras alemãs. Napoleão viu que não haveria outra alternativa: Frederico o chamava para a batalha, e ele aceitou. 

O imperador ordenou que o exército estacionado na Alemanha oriental, fosse dividido em três frentes de batalha e com isso ordenou que seguissem em direção ao exército prussiano. No final de outubro, as tropas francesas haviam derrotado os prussianos em Honhenlohe, Davout e Auerstadt. Em 25 de outubro, tropas francesas adentravam Berlim. O rei Frederico refugiou-se na cidade de Koenigsberg, famosa por ter sido o lar do filósofo Immanuel Kant (1724-1804), o último grande filósofo iluminista, e um dos maiores nomes da filosofia na História. 

Napoleão em Berlim. Charles Meynier, 1810. 

Napoleão chegou em novembro a Berlim, onde se pôs a tratar dos termos de rendição ao rei Frederico. Pelo fato de ter sabido que os russos o haviam contatado, e até mesmo ele havia cogitado se aliar a eles, endureceu seus termos de rendição, os quais o rei não aceitou, mas os representantes políticos em Berlim acataram. Napoleão em resposta, decidiu ocupar a Prússia e o Sacro Império (Alemanha). As fortalezas prussianas e alemãs foram ocupadas pelos franceses, assim como, ele deu início a um novo plano.

Sabendo que os russos estavam querendo atacá-lo a partir da Polônia, decidiu prometer ajuda aos poloneses, caso eles o auxiliassem na guerra, em troca, libertaria o país do jugo russo. Alguns governantes poloneses enviaram um efetivo militar de 30 mil homens para apoiar o imperador francês.

e) A Quarta Coligação (1806-1807):

A guerra contra a Prússia havia por hora terminado, não resultando muito trabalho para Napoleão, pois embora as tropas prussianas fossem razoavelmente numerosas, seus métodos e movimentação eram arcaicos. Napoleão se valeu da lerdeza do exército prussiano para derrotá-lo. Todavia, ele se deparava com uma nova coalizão formada pela Rússia, Inglaterra e agora a Suécia. A Áustria havia desistido de apoiar, depois de ter sido derrotada em Austerlitz, onde havia apoiado o czar Alexandre I, além do fato de ter perdido outras batalhas na Alemanha e na Itália para os franceses. 

Mas embora essa coligação contassem com três aliados, majoritariamente foram principalmente os russos e alguns prussianos que lutaram por conta própria, a combater os franceses. Os conflitos começaram em dezembro, mas foram bastante difíceis para ambos os lados por se tratar de época de inverno na Europa. O frio e lamacento inverno polonês dificultou os combates ocorridos na Batalha de Pultusk em 26 de dezembro. Não houve uma vitória propriamente, pois ambos os lados se retiraram devido as dificuldades do terreno. 

Com isso, esperou-se passar o frio mês de janeiro, para que em fevereiro os combates voltassem a serem travados, neste caso, Napoleão teve dificuldades para lutar contra o general Bennigsen. Nos conflitos de fevereiro e março, os franceses sofreram muitas baixas, e aquilo preocupou Napoleão, pois corria o risco de ser derrotado, e com isso teria que desocupar a Prússia e a Alemanha. 

Entre março e abril, Bonaparte tentou convencer o teimoso e indeciso rei Frederico a se aliar a ele, e com isso poderia derrotar os russos, mas ao mesmo tempo que ele pressionava de um lado, do outro, o czar fazia o mesmo, tentando convencer o monarca prussiano que seria melhor aderir a coalizão dele. Mas enquanto esse impasse não tomava uma decisão, Alexandre criticava a falta de apoio dos ingleses, os quais concordaram em se aliar, mas até agora não haviam enviado homens ou recursos. 

Todavia, algo a mais passou a preocupar o czar. A Rússia estava em guerra com a Turquia e a Pérsia, então emissários turcos e persas foram enviados para conversar com Napoleão, sobre uma possível aliança para combater os russos (MARKHAN, 1963, p. 85). Mas para a felicidade do czar, ambos os países não chegaram num consenso. Bonaparte não tinha interesse no Oriente naquela época, como também não confiava nos turcos e persas. 

Em 14 de junho de 1807, após atrasos, várias batalhas o que incluiu algumas derrotas para os franceses, Napoleão voltou a confrontar os russos na Batalha de Friedland, estando em desvantagem, mas isso não o impediu de ter uma vitória esmagadora sobre seu adversário. Apenas o exército do general Bennigsen perdeu pelo menos 25 mil homens (MARKHAN, 1963, p. 86). 

Napoleão despachando ordens para o general Nicolas Oudnet, durante a Batalha de Friedland em 14 de junho de 1807. 

Com a esmagadora derrota em Friedland, o czar Alexandre pediu rendição e decidiu propor um armistício para o imperador Bonaparte. O armísticio tornou-se o Tratado de Tilsit (1807). Entre os vários pontos acordados no tratado, ambos os impérios se comprometiam fazer uma trégua, não voltando a levantar armas um contra o outro; por sua vez, Napoleão exigiu que Alexandre reconhecesse a fundação do Reino da Vestfália (1807-1813), pequeno reino criado por Bonaparte no norte da Alemanha, e dado de presente ao seu irmão caçula Jerônimo, o qual foi feito rei. 

O imperador também exigiu o reconhecimento sobre a criação do Ducado de Varsóvia, o qual compreendia grande parte da Polônia, a qual tornava-se uma nação independente do jugo russo e prussiano, embora que alguns prussianos e russos ainda continuaram a viver lá. Também foi exigido que o seu irmão José, fosse reconhecido como Rei da Sicília

Além da criação destes dois Estados monárquicos, Napoleão também fez outras exigências, como solicitar que a Rússia colaborasse em seus planos de bloquear a Inglaterra nos mares, barrando o acesso deles aos portos no continente. Além disso, Napoleão estipulava que não tinha interesse na Europa oriental, e os russos estavam livres para conquistá-la se fosse seu interesse. E caso fosse necessário ele cooperaria na guerra contra a Turquia. Tais exigências espantaram o czar, ainda mais depois dele ter se encontrado diante de Napoleão, tendo se deparado com aquele homem de 1,58 m de altura, mas de uma altividade e imponência espantosas. 

f) Invasão de Portugal e guerra na Espanha (1807-1808):

Anteriormente entre 1804 e 1805, a Espanha havia sido aliada dos franceses, chegando a cooperar na frustrada tentativa de invadir a Inglaterra. Depois daquilo, os espanhóis se mantiveram neutros a política napoleônica, no entanto, da mesma forma que havia estendido seus domínios sobre a Itália, Alemanha e Prússia, Napoleão visava a Espanha e Portugal. Se não fosse para conquistá-los, que estes se tornassem seus aliados ou Estados vassalos.

Após algumas cláusulas secretas do Tratado de Tilsit, negociado entre Napoleão e Alexandre em julho de 1807, o governo português foi informado que neste tratado, Napoleão exigia que os portugueses aderissem ao Bloqueio Continental, ou seja, cortar ligações econômicas e diplomáticas com a Inglaterra, assim como, lhe declarar guerra. Entretanto, Portugal era aliada da Inglaterra de longa data, e o príncipe-regente D. João VI (1767-1826), não estava convencido que se aliar a França seria uma escolha boa para o país. Naquele tempo, já se sabia o que havia ocorrido com os outros países como os Estados italianos e alemãs, os quais em alguns casos foram usurpados pelo imperador, desmantelados e distribuídos aos seus marechais, generais, comandantes, nobres da corte e familiares. 

Então ao longo do mês de agosto, foram convocadas seções para se debater a intimação de Napoleão, o qual havia exigido uma resposta até setembro. Neste meio tempo, parte dos políticos portugueses apoiavam aderir ao Bloqueio Continental dos franceses, sendo esses liderados por D. Antônio de Araújo e Azevedomas outra parte, alegava que isso era um ardil, e o melhor era manter a aliança com os ingleses, como defendia o líder dessa ala, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Conde de Linhares. 

Neste caso, o Conde de Linhares defendia que o exército português fosse posto de prontidão, e caso houvesse uma eminente ameaça de derrota, o plano de evacuação deveria ser tomado. Neste caso, já se cogitava ir para o Brasil há bastante tempo, não sendo a toa, que quando optou-se pela fuga, tudo já estava pronto, e não foi feito as pressas, como chegou a ser sugerido por alguns historiadores portugueses e brasileiros. 

Em outubro a resposta que Napoleão aguardava, ainda não havia sido dada, embora que a ala que apoiava o Bloqueio Continental acabou vencendo nas seções. Então em 22 de outubro, o príncipe-regente D. João comunicou o fechamento dos portos portugueses para a Inglaterra, mas tudo não passava de um engodo, pois ainda em outubro, os embaixadores ingleses em Lisboa foram comunicados que o apoio da Marinha Real Britânica havia sido solicitado, pois a transferência da Corte lusitana para o Brasil, seria feita. 

Entretanto, da mesma forma que os portugueses secretamente negociavam com os ingleses, os franceses faziam o mesmo com os espanhóis. Em 27 de outubro foi assinado o Tratado de Fontainebleau, acordado entre o imperador Napoleão e o duque Manuel de Godoy (1767-1851), chamado de o "Príncipe da Paz"

Retrato do duque Manuel de Godoy, cognominado o "Príncipe da Paz".  

Basicamente o tratado determinava que Portugal seria capturada e dividida em três regiões administrativas: Reino da Lusitânia Setentrional, governada por um descendente do rei da Etrútria; o Principado de Algarves, que seria governado por Manuel de Godoy. Ambos estariam sujeitos ao governo espanhol, enquanto o restante do país ficaria sujeito ao governo francês, podendo ser negociado sua "devolução" a Corte dos Bragança, então dinastia reinante em Portugal, ou ser anexada de vez ao império napoleônico. 

Divisão de Portugal segundo o Tratado de Fontainebleau (1807), acordado entre Napoleão e o duque Manuel de Godoy, no qual Portugal seria partilhado entre França e Espanha. 

O tratado foi aceito, mas para que viesse ser posto em prática, Portugal deveria ser capturada. Em novembro, tropas francesas e espanholas haviam chegado as fronteiras portuguesas, ao mesmo tempo em que os portugueses recebiam a notícia de que dias antes, o rei Carlos IV havia sido deposto por ordem de Napoleão, o qual cogitava colocar seu irmão José no trono espanhol. No final de novembro a Corte portuguesa já se encontrava embarcada nos navios da esquadra que os conduziria até a colônia do Brasil. No dia 29 eles partiram pela manhã. 

Embarque da Família Real portuguesa no cais de Belém. Henry L'Evêque, 1814. 

O príncipe D. João havia dado ordens para que uma Junta Governativa fosse estabelecida para administrar o país na ausência da Coroa. Assim a Corte portuguesa escapava de Napoleão, indo mudar a história do Brasil. 

Em 22 de janeiro de 1808, a esquadra portuguesa, escoltada por navios ingleses, chegou a Baía de Todos os Santos, ancorando diante de Salvador. Depois de alguns poucos dias ali ancorados, a esquadra seguiu para o sul, rumo a Baía de Guanabara, indo desembarcar no Rio de Janeiro, então capital da colônia, local escolhido pelo monarca para ser a sede da Coroa lusitana no Brasil. 

Bonaparte ficou bastante indignado pelo fato que o exército liderado pelo general Jean-Adoche Junot, não tenha chegado a tempo de impedir a fuga da Família Real Portuguesa. Embora a Junta Governativa foi solidária a chegada do general Junot, na prática, tomar o governo português não seria um ato legítimo, pois a rainha D. Maria I e seu filho o príncipe-regente D. João VI, ainda eram os monarcas do país e não tinham abdicado a esse direito. Por outro lado, o acordo entre a corte e o parlamento britânico, assegurava que a Inglaterra se comprometia a defender Portugal.

No entanto, não foi apenas a fuga da Família Real Portuguesa para o Brasil que enfureceu Napoleão, pois isso lhe fazia perder as possibilidades de tomar Portugal como aliada, fosse pela via diplomática ou pela força. A Inglaterra sondando a costa portuguesa era uma grave ameaça, no entanto, se ele conseguisse mobilizar o exército espanhol como pretendia de acordo com o Tratado de Fontainebleau, talvez valesse a tentativa de tomar Portugal mesmo a força. O problema, é que o governo espanhol não estava muito satisfeito com Napoleão em 1808.

O rei Carlos IV de Espanha era visto como um péssimo governante, por sua vez, seu filho Fernando, desconfiava das verdadeiras intenções do "Príncipe da Paz", suspeitando que esse quisesse usurpar o trono. Na prática, tanto o rei Carlos quanto o príncipe Fernando, desconheciam o Tratado de Fontainebleau. O príncipe Fernando chegou a entrar em contato com o imperador franceses, apresentando sua preocupação acerca de um possível golpe de Estado, por parte do duque Godoy, todavia, como Napoleão já havia enviado tropas francesas para atacar Portugal, essas continuavam em território espanhol, então ele decidiu agir.

Em março ele enviou seu cunhado, o marechal Joaquim Murat (1767-1815), casado com Carolina Bonaparte. Murat era um aliado de longa data de Napoleão, inclusive cooperou prontamente durante o Golpe do 18 de Brumário. O marechal Murat deixou a França em março, e nos idos de maio, entre o dia 2 e 3 ocorreu uma forte revolta em Madri. Na ocasião Murat já estava no país e interveio de maneira repressora e agressiva. 

A população espanhola estava descontente com a constante presença francesa no país, além de haver boatos que diziam que a Família Real Espanhola estava sendo mantida como refém, pois alguns membros da nobreza eram levados para a França. Além disso, parte da população não aprovava a aliança do rei Carlos IV com o imperador Napoleão. A revolta de 2 e 3 de maio na qual ocasionou a agressão e assassinato de algumas soldados franceses, foi retalhada pelo marechal Murat, que ordenou o fuzilamento dos rebeldes. 

Três de maio de 1808 ou os fuzilamentos de Príncipe Pio. Francisco Goya, 1814. 

A retaliação promovida pelo marechal francês, acabou levando o monarca Carlos IV a abdicar o trono. No dia 5 de maio, na cidade francesa de Baiona, próximo a fronteira com a Espanha, Carlos e seu filho Fernando se encontravam pessoalmente com Napoleão, lá o imperador francês apresentou uma saída para o monarca que havia perdido sua credibilidade e autoridade perante o país. A saída era que ele renunciasse a coroa, assim como, Fernando fizesse o mesmo, e todos os demais herdeiros direto ao trono, e no lugar, reconhecessem José Bonaparte, como novo monarca da Espanha. 

O rei Carlos IV e o príncipe Fernando, assim como, outros membros da Corte, o que incluia o duque Godoy, aceitaram os termos de Napoleão, e isso originou o Tratado de Baiona, assinado naquele mesmo dia. O fato é que a monarquia espanhola dos Bourbons estava em uma profunda crise. 

O governo era acusado de corrupção, o rei era visto como incompetente, assim como, o herdeiro direto, o príncipe Fernando também não apresentava capacidade para ser um bom governante, sendo visto da mesma forma que seu pai. Por outro lado, o país vivenciava uma crise política que já durava anos. Diante disso tudo, Napoleão com sua astúcia maquiavélica, agiu. Ainda em maio foi publicado em Madri e em outras cidades, que o rei e o príncipe abdicavam de seu direito ao trono, e concediam ao imperador da França, rei da Itália e protetor da Confederação do Reno, Napoleão Bonaparte, o direito de intervir sobre o país, nomeando um sucessor ao trono espanhol. 

As assembleias e câmaras foram convocadas para reconhecer o novo governo, mas nem todos os políticos aceitavam a "traição" do rei Carlos IV de ter "cedido" o trono. No entanto, não foram apenas os políticos que se revoltaram, parte da população também se rebelou, e revoltas começaram a eclodir em vários locais. Em junho, José Bonaparte então Rei de Nápoles, renunciou o trono napolitano e se mudou para Madri, tornando-se o novo rei de Espanha. 

Retrato de José Bonaparte, rei de Nápoles (1806-1808), posteriormente rei da Espanha (1808-1813). 

As revoltas prolongaram-se por maio e junho, mas foram duramente derrotadas em julho, e com isso Napoleão pensava que havia posto um fim naquelas insurreições, mas para sua infelicidade, as revoltas ainda continuaram a eclodir, então no final de 1808, ele foi pessoalmente a Espanha para comandar as tropas, o que incluiu convocar o Grande Exército, o qual estava estacionado na Alemanha, mandando-o descer para a Espanha. Porém, enquanto ele estava na Espanha, ele sofreu um ataque pelas costas, a Áustria havia se rebelado mais uma vez. 

g) Napoleão desafia o papa (1809): 

Enquanto Napoleão retornava a Paris e se punha a preparar-se para lutar novamente contra a Áustria, ele aproveitou para despachar ordens de anexação de territórios na Itália, o que significou apoderar-se territórios neutros. Naquele tempo a maior parte da Itália já estava sob o domínio de Napoleão de forma direta através dos domínios franceses e dos domínios ditos do "Reino da Itália"; por sua vez, seu cunhado Joaquim Murat e sua esposa Carolina, governavam o Reino de Nápoles, o qual por si só já englobava grande parte da península italiana. Sendo assim, as terras que ainda estavam livres do governo napoleônico, eram o Ducado da ToscanaEstados Papais, a ilha da Sardenha e o Reino da Sicília

O Reino da Sicília se manteve neutro, e Napoleão não decidiu mexer nele, pois poderia ser usado como fator de negociação; é irônico dizer isso, mas naquele tempo, os grandes líderes negociavam países e territórios como se fossem lotes de terra. A população não tinha vontade contra isso. Todavia, o Ducado da Toscana foi anexado a França, e sua irmã, Elisa Bonaparte foi feita Grã-Duquesa da província da Toscana. Quanto aos Estados Papais, ele decidiu também anexá-los, e para isso passaria por cima do papa. 

Embora em 1802, Napoleão tenha através da Concordata voltado a aproximar a França da Santa Sé, os dois líderes de Estado nunca se entenderam. Em 1805 e 1806, Pio VII se irou com Bonaparte por ele ter enviado exércitos para os territórios papais, o que foi considerado uma afronta, embora que isso foi apenas para remanejar as tropas na época da guerra contra a Áustria. Para completar, em 1806, o imperador descobriu que o papa havia tido reuniões com os inimigos dos franceses, então Bonaparte considerou aquilo um insulto, e escreveu uma carta: "Sua Santidade é soberano em Roma, mas eu sou Imperador. Os meus inimigos devem ser igualmente os seus". (MARKHAN, 1963, p. 98). 

Quando Napoleão partiu para lutar na Áustria, havia enviado ordens para seu cunhado Murat, que desse voz de prisão ao papa. Murat as acatou, e de início Pio VII ficou preso na Santa Sé, mas depois foi transferido para Savona e depois para Fontainebleau, onde permaneceu preso até 1814. Os Estados Papais foram anexados ao império francês e o papa tornou-se prisioneiro do imperador Bonaparte. 

Pintura retratando a prisão do papa Pio VII em 6 de julho de 1809. Na imagem ver-se um oficial francês conduzindo o pontífice para sua carruagem. Atrás nota-se alguns soldados, cardeais e o camerlengo. 

A notícia de que Napoleão havia usurpado as terras da Igreja Católica e mantinha o papa como seu prisioneiro foi um alarde. E a popularidade do imperador decaiu em vários lugares, principalmente na Itália e na Espanha, onde ele não dispunha de grande simpatia por parte da população. Todavia, parte do clero francês não foi contra as medidas do imperador, pois Napoleão não havia destituído o papa de suas funções religiosas, apenas o destituiu de suas funções políticas. Além disso, o papa passou esses anos em conforto em Fontainebleau; ele era um preso político com privilégios. 

Em 1810, durante uma conferência entre o clero católico e protestante em Breda, Napoleão questionado por seu ato de prender o papa e por outras atitudes, respondeu: "Eu sou um monarca criado por Deus, e vocês répteis terrestres não ousem me opor. Não darei justificativa de meu governo para ninguém, exceto para Deus e Jesus Cristo". 

h) Guerra, divórcio, casamento e um herdeiro (1809-1810): 

"Quando a Prússia recaiu em submissão a Napoleão em fins de 1808, os patriotas alemãs voltaram-se para a Áustria em busca de direção. O levante espanhol e a transferência do Grande Exército, retirado da Alemanha, incentivaram a Áustria a tentar mais uma vez contra Napoleão. O Arquiduque Carlos e Stadion, chanceler desde 1806, tinham conseguido grandes progressos na modernização do exército, culminando na formação de uma Ladwehr de reserva em 1808. A cessão do Tirol à Baviera em 1806 sob o Tratado de Pressburg causara ressentimento especial na Áustria em uma torrente de propaganda patriótica, desencadeada sob direção de Hormayr, atiçou o entusiasmo em favor de uma guerra de desforra". (MARKHAN, 1963, p. 114). 

Os ingleses eram os grandes rivais de Napoleão; os russos, os penetras da briga, mas os austríacos eram para Napoleão, um grande incômodo. Desde 1796 ele vinha em tempos em tempos travando guerra contra eles. Ao saber que a Áustria se rebelava, Napoleão deixou imediatamente a Espanha e retornou a França, estava decidido em por um basta naquilo: ou os austríacos assinariam uma rendição duradoura e se comprometeriam com a trégua, ou seriam conquistados de vez e anexados ao império continental francês. 

Enquanto Bonaparte convocava e despachava ordens aos seus marechais e generais, assim como, convocava tropas alemãs e italianas para enviá-las a Áustria, problemas pessoais também o incomodavam naquele momento. Napoleão estava com 40 anos, e ainda não havia tido filhos. E na sua posição como o mais poderoso monarca da Europa, ter um herdeiro era essencial para que caso morresse em batalha ou fosse assassinado em alguma conspiração, garantiria que seu império não ruísse, pois embora tivesse cinco irmãos, Napoleão não os via como competentes o suficiente. 

Josefina Bonaparte, Imperatriz da França e Rainha da Itália. François Gérard, 1808. 

Sendo assim, em um dos últimos jantares que ele teve com a imperatriz Josefina, apresentou seu desapontamento. Seu herdeiro oficial, o seu sobrinho Carlo Bonaparte havia falecido em 1807, aos sete anos. Aqui abalou a família e bastante Napoleão, pois perdia seu promissor herdeiro, mas embora Luís e Hortênsia tenham tido outro filho em 1808, Napoleão não ficou tão contente como da primeira vez. Enquanto ele tinha 40 anos, sua esposa tinha 46 anos, e na época, uma mulher naquela idade ter filhos era pouco improvável. 

Além disso, a mãe de Napoleão, Maria Letícia nunca gostou de Josefina, e sempre apoiou o divórcio do filho, e naquela altura, Bonaparte estava pensando realmente e se divorciar e arranjar uma esposa mais nova, embora que também lhe assombrava a preocupação que fosse estéril, e caso isso fosse verdade, teria que procurar outro de seus sobrinhos para eleger como sucessor. 

Se em 1796, ano em que se casou com Josefina, dois dias depois durante a lua-de-mel, Napoleão teve que interrompê-la, pois foi escolhido para comandar as tropas francesas na Campanha da Itália, indo lutar com os austríacos que lá disputavam terras. Em 1809, o mesmo ocorria. Napoleão deixava Josefina, para ir à Itália e de lá seguir para a Áustria. Mas se na primeira vez ele tenha feito isso, tendo deixado sua amada esposa, na segunda vez, ele já não a amava tanto, e considerava a possibilidade de ela ser sua ex-esposa quando voltasse. 

"A série de batalhas, conhecidas em seu todo como Eckmühl, que iniciou a campanha em abril de 1809, ocupa lugar de destaque entre os exemplos do gênio militar de Napoleão. Reagrupando rapidamente suas forças que Berthier havia colocado defeituosamente antes da sua chegada à Alemanha, Napoleão abriu o caminho para Viena, onde entrou em 12 de maio. Um forte exército austríaco achava-se na margem norte do Danúbio e Napoleão, ocupando a linha de Lobau em meio ao rio, atravessou o Danúbio na noite de 20 de maio. Numa dura batalha de dois dias (Essling-Aspern), não conseguiu bater os austríacos e teve de retirar-se para a ilha de Lobau". (MARKHAN, 1963, p. 115). 

As primeiras batalhas contra os austríacos em 1809, foram bem mais difíceis do que as travadas na campanha de 1806, inclusive as vitórias obtidas por Napoleão não foram o suficientes para desmantelar de uma única vez o exército austríaco. Em 14 de junho, o vice-rei da Itália Eugênio derrotou o inimigo na Batalha de Raab, indo se reunir com Napoleão em Viena. Posteriormente em julho eles seguiram novamente para o confronto, lutando por dois dias seguidos (5-6 de julho) na Batalha de Wagram, a qual se mostrou ser a vitória decisiva. 

Napoleão na Batalha de Wagram (1809). Horace Vernet, 1835. 

"Embora os austríacos não estivessem de modo algum esmagados, foi assinado um armistício em 12 de julho, seguido pelo Tratado de Schoenbrunn (outubro de 1809), que retirou à Áustria 3,5 milhões de súditos, inclusive as províncias da Ilíria e mais Salzburgo, dado à Baviera". (MARKHAN, 1963, p. 116). 

No entanto, além dos territórios que a Áustria teve que conceder a França, Rússia, Baviera e ao Ducado de Varsóvia, Bonaparte cobrou uma indenização e exigiu que o contingente militar austríaco fosse reduzido para no máximo 150 mil soldados. Além disso obrigava que os austríacos reconhecessem os tratados anteriores e se comprometessem em permanecer em paz com a França e seus aliados. Entretanto, Napoleão tomou outra medida, decidiu fomentar um casamento entre as duas monarquias. 

No tempo que Napoleão permaneceu em Viena, ele reencontrou sua antiga amante, a condessa Maria Waleska, na ocasião ela acabou engravidando, dando à luz a um menino chamado Alexandre Florian Joseph (1810-1868). Na época na qual a criança ainda não havia nascido, ela dissera ao imperador que o filho era dele. O imperador por um momento ficou em dúvida se realmente Alexandre seria seu filho, pois até então ele havia tido várias amantes e nunca as engravidou, além disso, a condessa ainda era casada, a criança poderia ser filho do marido dela. 

Por outro lado, ele ficou contente de saber que tinha um herdeiro a caminho, mesmo que bastardo, neste caso, a condessa disse que iria se divorciar e pediu para Napoleão fazer o mesmo, pois ela queria se casar com ele, no entanto, Bonaparte negou o pedido de casamento, dizendo que já havia dado entrada no divórcio, mas iria se casar com uma princesa, Maria Luísa de Áustria (1791-1847), filha do rei Francisco I da Áustria e da rainha Maria Teresa da Sicília

Retrato de Maria Luísa, princesa da Áustria, duquesa de Parma. Tornou-se a segunda esposa de Napoleão, logo, imperatriz da França e rainha da Itália. 

Maria Luísa era sobrinha-neta da rainha Maria Antonieta, esposa do rei Luís XVI da França, ambos guilhotinados em 1793, durante a Revolução. Além disso, ela era também irmã de Maria Leopoldina, a qual se casou com D. Pedro I, imperador do Brasil, e por sua vez, foi tia de D. Pedro II. Quando D. Pedro I casou-se com D. Maria Leopoldina em 1819, ele se tornou cunhado de Napoleão. 

O casamento entre o imperador Napoleão Bonaparte e a princesa Maria Luísa foi decidido em março de 1810, mas ambos se casaram em Paris, no civil e no religioso em abril. Em 4 de maio de 1810, nasceu Alexandre, filho bastardo de Napoleão com Maria Waleska, o qual ele tinha dúvidas de ser o pai, todavia, meses depois, a imperatriz Maria Luísa engravidou, e deu à luz a um filho varão, chamado Francisco Carlos José Bonaparte (1811-1832), cognominado de Napoleão II. Com o nascimento de Francisco, Napoleão começou a considerar que Alexandre fosse seu filho, mas por se tratar de um bastardo, preferiu não reconhecer a paternidade, pois agora tinha um herdeiro legítimo. 


Retrato do príncipe Francisco Carlo Bonaparte, conhecido como Napoleão II.
 
i) Um imperador e seu império: 

Antes de prosseguirmos para os novos conflitos que Napoleão teria com o czar Alexandre, faremos uma recapitulação de alguns aspectos do império napoleônico nestes últimos anos. 

Ainda em 1804, ano que foi coroado imperador, Napoleão criou novos cargos: Grande Eleitor, Arquichancheler, Arquitesoureiro, Marechal do Império, etc. Tais cargos de início foram dados aos seus aliados e amigos que o ajudaram durante o Golpe de 18 de Brumário e durante o governo como cônsul, posteriormente os cargos públicos foram sendo concedidos a nobres, pois com a fundação da Casa Bonaparte, Napoleão abriu espaço para que a antiga nobreza francesa retornasse de vez ao país e fosse assumindo suas terras e posições. 

Mas além do retorno da nobreza francesa, Napoleão criou uma nova nobreza. Em 1808 ele regularizou a nobiliarquia do país, além de tornar alguns de seus marechais condes e duques. O marechal Lefèbvre foi o primeiro duque hereditário, ou seja, todos seus descendentes automaticamente seriam duques. Não obstante, ainda em 1804-1805, todos os irmãos, irmãs, primos, enteados e demais parentes de Napoleão foram feitos nobres. 


Brasão da Dinastia Bonaparte. 
A Dinastia Bonaparte:
  • Napoleão I: Imperador da França (1804-1814), Rei da Itália (1805-1814) e Protetor da Confederação do Reno (1806-1814).
  • José: Rei de Nápoles (1806-1808), Rei da Espanha e das Índias (1808-1813).
  • Luciano: Príncipe de Canino (1814-1840) e Príncipe de Musignano (1827-1840). 
  • Luís I: Rei da Holanda (1806-1810).
  • Jerônimo: Rei da Vestefália (1807-1813).
  • Carolina: Rainha de Nápoles (1808-1815).
  • Elisa: Princesa de Piombino e Luca (1805-1814), Grã-duquesa da Toscana (1809-1814).
  • Paulina: Duquesa de Guastalla (1806), Princesa de Sulmano e Rossano (1803-1825). 
  • Josefina (1 esposa): Imperatriz da França (1804-1810), Rainha da Itália (1805-1810).
  • Eugênio (enteado): Vice-rei da Itália (1806-1814), Príncipe de Veneza (1807-1814), Duque de Leuchtenberg e Príncipe de Eichstätt (1817-1824). 
  • Hortênsia (enteada): Rainha da Holanda (1806-1810). 
  • Maria Luísa (2 esposa): Imperatriz da França (1810-1814, manteve o título mesmo com o fim do império), Rainha da Itália (1810-1814).
  • Napoleão II (filho): Imperador da França (1815), Rei da Itália (1810-1815, apenas simbolicamente).  
  • Napoleão III (sobrinho): Presidente da França (1848-1852), Imperador da França (1852-1870).
Napoleão I teve outros sobrinhos e sobrinhas que foram nobres, além de terem se casado com indivíduos de outras famílias nobres da Europa, todavia, na lista acima mencionei os principais nomes. Porém, é preciso fazer uma ressalva; Luciano Bonaparte foi feito príncipe não por seu irmão, mas pelo papa Pio VII e depois pelo papa Leão XII. Ainda durante o Consulado, Luciano se desentendeu profundamente com seu irmão, então foi demitido do cargo que ocupava no governo, em seguida retirou-se para a Itália, onde casou-se e manteve contato com o Papado. Napoleão quando foi coroado imperador, concedeu títulos de nobreza a todos seus irmãos e irmãs, menos a Luciano. 

Ao tornar seus irmãos e irmãs senhores de outros Estados, ao mesmo tempo incentivar que seus sobrinhos e sobrinhas se casassem com membros das famílias reais europeias, Napoleão consolidava a Dinastia Bonaparte. Todavia, o Napoleão imperador já se apresentava bem diferente do Napoleão cônsul. 

Na época do Consulado (1799-1804) Napoleão chegava a trabalhar em alguns dias, mais de 14 horas, além do fato de dormir poucas horas diariamente, como também dedicava pouco tempo a família e o lazer. Obcecado em reorganizar o país, Napoleão não mediu esforços para controlar tudo (MARKHAN, 1963, p. 89). No entanto, após se tornar imperador sua postura para a política mudou. Napoleão começou a dar menor a atenção a política interna, passando a ficar cada vez mais obcecado por conquistar e fazer guerra; como também passou a ser mais intransigente e sério (a nobreza havia lhe subido a cabeça). 

Por sua vez, ele também passou a trabalhar menos horas por dia, como também começou a ficar relaxado com a saúde. Napoleão quando completou 42 anos, era um homem atarracado e gorducho, diferente do esbelto cônsul de antes. Além disso, ele se tornou mais mulherengo. Durante o Consulado, sabia-se que ele teve casos com algumas atrizes de teatro, agora como imperador, os casos aumentaram. Era fácil conseguir várias mulheres, quando bem quisesse. 

Mas além desse relapso consigo e para o governo, Napoleão passou a intimidar os seus funcionários, inimigos e o seu próprio povo. 

"O desejo de encontrar obediência absoluta crescia nele, juntamente com o poder. Um por um, seus conselheiros mais independentes foram dispensados - Roederer, Chaptal, Talleyrand, Fouché - e substituídos por homens de segunda classe, que apenas sabiam obedecer. Chaptal disse que "ele queria valetes e não conselheiros". (MARKHAN, 1963, p. 90).

Se durante o Consulado e nas vezes que estava exercendo o cargo de general, ele cobrava disciplina como ditava a conduta, como imperador, Napoleão tornou-se bastante sério e as vezes impaciente. Além de demitir seus conselheiros mais antigos, também despachou aqueles que discordavam dele ou eram considerados incompetentes, mesmo que as vezes não o fossem. Bonaparte também dissolveu o Tribunado e a Legislatura, mas manteve o Senado, ampliando suas funções; além disso criou outros dois comitês: Comitê para Liberdade Individual e o Comitê da Liberdade de Imprensa. Órgãos que atuavam sob seus desígnios para fiscalizar a sociedade. 

Deixando de ser favorável as críticas jornalísticas, Napoleão instaurou uma censura em todo o país, ao ponto de que além do Comitê da Liberdade de Imprensa, o Ministério da Polícia também detinha autoridade para fiscalizar, autuar e até mesmo dar voz de prisão a quem desobedecesse as normas da censura. A censura foi implantada ainda em 1800, mas foi com o império que ela chegou ao seu auge. 

"Em 1811, havia apenas quatro jornais em Paris e um para cada Departamento. Em 1810, insatisfeito com o controle da censura aos livros pela polícia, criou uma censura oficial separada com um diretor-geral; no ano seguinte, ordenou que a mesma fosse mais tolerante e menos arbitrária e mesquinha em seus métodos. O teatro também se encontrava sob controle policial e as artes achavam-se arregimentadas pelos favores e recompensas conferidos pelo governo". (MARKHAN, 1963, p. 96). 

Após a derrocada de Bonaparte, a censura instaurada por ele, foi mantida pelo governo da Restauração, contudo, ela não foi severa a maior parte do tempo, pois como assinalado por Markhan (1963), em dados momentos ele ordenou que ela fosse mais branda. Entretanto, a censura incidiu sobre a educação do povo francês. Por mais que o imperador tenha mandado construir novas escolas e academias militares, como também ordenou a reestruturação do "Ministério da Educação. 

As reformas para a educação básica (infância e adolescência) pouco foram úteis, e o ensino básico francês comparado a outros países do continente estava atrasado e estagnado. Neste caso, quem sofreu mais foi o ensino feminino, o qual Napoleão não investiu e até mesmo mandou cancelar turmas de mulheres, pois para ele, mulheres não deveriam ter formação escolar. Entretanto, o ensino universitário era um dos melhores a partir de 1813. O problema é que foram necessários quase 13 anos para que isso acontecesse, e Napoleão não poderia colher os frutos disso (MARKHAN, 1963, p. 97). 

No âmbito econômico, ainda no Consulado, Napoleão havia dado início no resgate financeiro do país, e ele conseguiu reavê-lo de três formas: a primeira com o aumento dos impostos, principalmente na época imperial, na qual aumentou-se significativamente a tributação sobre o sal, bebidas alcoólicas e o tabaco, três itens bastante consumidos no país naquela época; a segunda forma, adveio do sistema tributário reformulado por Gaudin, Ministro das Finanças, ainda no Consulado, o qual foi mantido para o império, com algumas variações. Por fim, a terceira forma que se obteve dinheiro, adveio da guerra: indenizações, saques, confisco e extorsão. 

"As indenizações e contribuições de guerra impostas por Napoleão aos Estados conquistados e vassalos eram recolhidas a um fundo separado, o domaine extraordinaire, sob controle pessoal do Imperador. Foi desse fundo particular, que em 1811 podia estar por volta de 2 bilhões de francos, que Napoleão pôde fazer doações generosas a seus generais e subsidiar as finanças do Estado francês". (MARKHAN, 1963, p. 99). 

Em termos administrativos e judiciais, em 1807 ele transformou o Código Civil no Código Napoleônico, e estendeu sua aplicação a todo o império, o que incluía os domínios indiretamente sobre seu controle. Tal medida agradou alguns, mas a outros foi duramente combatida, pois eram leis francesas, sendo aplicadas para espanhóis, italianos e alemãs. No entanto, em locais onde a legislação civil era atrasada ou estava sucateada, o código veio a ser bastante útil, e assim, Napoleão nos anos de 1811 e 1812 chegava ao auge de seu império.


O Império Napoleônico em seu auge em 1812. Em azul escuro os territórios diretamente sob seu domínio. Em azul claro, os territórios governados indiretamente. 

Em meio a reformas justas e ao autoritarismo e soberba desenvolvidos pelo monarca, Napoleão chegava ao auge de seu reinado como o soberano mais poderoso da Europa e talvez do mundo. Todavia, para os grandes conquistadores a ambição as vezes nunca tem limite, e Napoleão decidiu confrontar seu suspeito aliado: a Rússia. Caso tivesse conquistado os russos, Napoleão teria formado um império europeu maior do que o Império Romano.

j) A Guerra contra a Rússia (1812):

A guerra contra a Rússia foi mais motivada como veremos, pela ambição, arrogância e ego de Napoleão do que por outros motivos. Napoleão cegado por sua sede de conquista e de glória, e confiante que após ter vencido os russos em 1806-1807, não seria difícil de vencê-los novamente, mas o seu erro foi invadir a Rússia durante o outono e o inverno, e combater o inimigo em seu próprio território. 

"O verdadeiro motivo que levou Napoleão a atacar a Rússia consiste no fato de que ele a temia e nutria ressentimento contra sua rivalidade; a razão que declarou foi que ela se recusou a cooperar inteiramente com sua estratégia de, por meio da fome e da bancarrota, obrigar a Inglaterra a submeter-se. Não era uma estratégia que pudesse alcançar êxito, e a cooperação morna da Rússia não foi o motivo principal para que fracassasse. Isso exige alguma explicação". (NICOLSON, 1987, p. 27). 

Em 1807, Napoleão havia instaurado o Bloqueio Continental e exigiu que seus aliados aderissem ao bloqueio. Neste caso, naquele mesmo ano a Prússia e a Rússia após serem derrotadas por ele, aderiram ao bloqueio. Posteriormente foi imposto para a Espanha e para Portugal, mas como visto, os portugueses se negaram a aderir ao bloqueio e os espanhóis a contra-gosto foram forçados a aceitá-lo. Três anos depois, o bloqueio cujo a ideia era instalar um estado de fome e levar a uma crise financeira a Inglaterra, não havia surtido o efeito desejado; além disso, Napoleão teve que abrandar o bloqueio em algumas regiões costeiras, as quais dependiam do comércio com os ingleses. Em 1811 quando ele reclamou com os russos que estes não estavam seguindo arrisca o bloqueio, Alexandre em tom de revolta retrucou dizendo que Napoleão não poderia ficar exigindo dos outros o que ele mesmo não cumpria plenamente (NICOLSON, 1987, p. 29). 

O bloqueio continental afetou a economia russa em 1810, e se não bastasse os desaforos proferidos por Bonaparte injuriarem o czar Alexandre, este mandou temporariamente suspender a importação de mercadorias de luxo da França, como também alguns outros produtos como açúcar e vinho. Napoleão não gostou de saber disso, mas por hora não tomou uma medida de crítica ao seu aliado.

Outro suposto motivo que teria levado Bonaparte a desentender-se com Alexandre, foi uma desfeita de casamento. Antes de propor a mão em casamento da princesa Maria Luísa em 1810, Napoleão havia cogitado casar-se com uma das irmãs de Alexandre, na época duas estavam solteiras: Catarina com 20 anos, e Ana com 15 anos. Napoleão cogitava casar com Catarina, mas aceitaria Ana, todavia, a mãe delas, a imperatriz-mãe Sofia, não gostava do imperador francês, e proibiu que as filhas se casassem com ele. 

A verdade é que Napoleão estava interessado num casamento político para gerar um herdeiro e formar uma aliança com algum Estado poderoso, como no caso a Rússia, mas devido a proibição da imperatriz-mãe, alegando que Catarina foi prometida ao Duque Jorge de Oldemburgo e Ana só se casaria quando fizesse 18 anos, Bonaparte desistiu de procurar as princesas russas, então encontrou resposta na monarquia austríaca, vindo em 1810 a se casar com Maria Luísa, na época com seus 19 anos. 

Mas se não bastasse a desfeita dos russos com Napoleão, ele meio que deu o troco, quando ainda em 1810, conquistou o Ducado de Oldemburgo, na época pertencente ao cunhado do czar Alexandre, o qual desaprovou tal ato, considerando-o uma falta de respeito, afinal, eles eram aliados, e nem por isso Napoleão levou em consideração antes de decidir conquistar o Estado de um parente do czar. 

"Na primavera de 1811, Napoleão foi avisado por seus aliados poloneses de que os russos estavam concentrando tropas na fronteira e planejando um ataque de surpresa contra as poucas forças franco-polonesas na Alemanha. Alexandre pretendera atacar em 1811, mas recuara, depois de receber informações desfavorável a suas tentativas de aliança em Viena, Berlim e Varsóvia. Napoleão decidiu, no fim de 1811, que "mais uma boa batalha" resolveria todos os seus problemas, pois convenceria a Europa da inutilidade de maior resistência, cobrindo as lacunas do Sistema Continental e assim fazendo a Inglaterra pedir misericórdia. Isso seria menos que o domínio do mundo". (MARKHAN, 1963, p. 119). 

A aliança entre França e Rússia datava de 1807, mas em 1811, ela estava bastante fragilizada. Alexandre já não encontrava motivos para manter a aliança e voltou a planejar atacar Napoleão, por sua vez, Bonaparte procurava apenas um pretexto para atacar os russos e impor sua soberania sobre eles. A aliança através do Tratado de Tilsit (1807) foi apenas uma saída rápida para manter a trégua entre as duas potências continentais. 

Ainda em 1811, o general Armand Augustin Louis de Caulaincourt, era embaixador da França na Rússia, desde 1807. Em 1811, Napoleão o chamou de volta para Paris, era o prenúncio de que as ligações políticas seriam cortadas. Durante várias conversas com o imperador, Caulaincourt tentou dissuadi-lo de declarar guerra a Rússia, apontando os problemas climatológicos, como o rigoroso inverno, as grandes distâncias, o território vasto e pouco povoado, o que prejudicaria conseguir recursos; etc. Napoleão na maioria das vezes não deu atenção as palavras do embaixador como também desdenhava dele, dizendo: "Você serve a mim ou a Alexandre?", "Você é meu amigo ou amigo dele?" (NICOLSON, 1987, p. 34-35). 


Retrato do general Armand Caulaincourt, um dos principais homens que tentaram dissuadir Napoleão de invadir a Rússia em 1812. 

Sendo assim, em 1812 Napoleão estava decidido a atacar os russos, mesmo que seu embaixador e outros conselheiros o aconselhassem a não fazer isso. Bonaparte ordenou que as tropas fossem organizadas, mantimentos fossem preparados para uma longa marcha. Ele exigiu que os prussianos e austríacos disponibilizassem seus exércitos para ele. De fato os reis Frederico Guilherme III e Francisco I o fizeram, no entanto, os austríacos acabaram voltando atrás, pois na hora de fornecer apoio aos franceses já durante a campanha na Rússia, eles simplesmente não apareceram. 

Em maio Napoleão seguiu para Dresden na Alemanha, depois continuaria cruzando a Alemanha até chegar ao Ducado de Varsóvia na Polônia, de onde entraria na Rússia. 

"A viagem imperial para Dresden pareceu um carnaval. Trezentas novas carruagens tinham sido encomendadas por oficiais superiores franceses aos construtores de carruagens, em Paris. Além da escolta militar, era uma corte sobre rodas, com pajens para o imperador, aias para Maria Luísa e carroças inumeráveis para transportar prata e tapeçarias destinadas a montar um cenário brilhante em Dresden. Viajaram expeditamente, pois as estradas haviam sido especialmente reparadas com antecipação, cruzando o Reno em Mogúncia, três dias depois que deixaram Paris, atingindo então Würzburg (13 de maio) e Bayreuth (14 de maio)". (NICOLSON, 1987, p. 43).

Napoleão cruzava a Alemanha com enorme pompa. Vários nobres o saudaram durante a viagem, embora a maioria soubesse que aquela extravagante viagem da corte imperial francesa fosse para um único motivo: a guerra. Em junho ele chegou as fronteiras russas a frente de um exército de 450 mil soldados, e pelo menos 200 mil soldados de reforço, um dos maiores já mais mobilizados naquele século apenas na Europa. Napoleão acreditava que o tamanho de suas forças imporia medo no czar, porém Alexandre I não era tão tolo e despreparado assim. 

Da mesma forma que seu inimigo preparava-se para a guerra, ele fez o mesmo. Meses antes ele formou um acordo com o rei Carlos XIV da Suécia, o outrora marechal francês Bernadotte, o qual no passado foi rival e depois aliado de Napoleão. Em 1810, Bernadotte foi escolhido para ser eleito rei da Suécia, pois a ideia era formar uma aliança com o imperador Bonaparte, e como o então rei sueco havia morrido sem deixar herdeiros, decidiram escolher um estrangeiro para assumir o trono. Escolheu-se um de seus mais antigos marechais. 

Todavia, Bernadotte nunca foi totalmente fiel a Napoleão, e estando no poder, assinou em segredo um acordo de não agredir a Rússia (pois anteriormente os dois estavam em conflito pelo fato dos russos terem usurpado a Finlândia dos suecos), assim como, não participar dessa guerra, permanecendo neutro. Posteriormente em 1813, ele se uniria a Alexandre e declararia guerra a Napoleão. 

Mas além do pacto com a Suécia, Alexandre conseguiu em abril fechar um armistício com o sultão Mahmud II da Turquia. Assim, a Rússia poderia redistribuir seus exércitos que se mantinham anteriormente em conflito com os suecos e os otomanos, podendo concentrá-los para lutar unicamente contra os franceses e seus aliados. O exército russo era estimado em 320 mil homens, um número bem inferior ao de Napoleão, mesmo assim o suficiente para derrotá-lo. 

Já se disse que Napoleão não foi derrotado na Rússia, mas bateu em retirada. Na verdade ele se retirou porque realmente foi derrotado. Derrotado por seu ego. Bonaparte esperava que seu Grande Exército massacrasse o exército russo, porém os principais generais russos Mikhail Bogdanovich Barclay de Tolly, Pyotr Bagration e Pyotr Tomasov decidiram adotar a estratégia que o general inglês Wellington usou na Espanha nos últimos anos, a fim de derrotar o rei José Bonaparte: evitar confrontar diretamente as tropas francesas, e atacá-los em confrontos menores, ao mesmo tempo em que se fosse necessário, destruiria-se celeiros e plantações, deixando o inimigo sem alimento.

De fato ao longo dos seis meses que Napoleão permaneceu na Rússia, ele se deparou pessoalmente o com notícias de que vilas e aldeias estavam abandonadas e a comida havia sido levada e o que não pode ser transportado foi queimado. Por outro lado, os três generais que estavam com suas forças divididas evitaram de confrontarem pessoalmente Napoleão, optando em atacar seus generais, além de realizarem ataques relâmpagos aos comboios e a retaguarda. 

"A chuva torrencial e trovejante no início de julho foi seguida por um calor abafado em agosto, com falta crônica de água. As retaguardas russas lutavam com uma coragem e obstinação que espantavam até mesmo os veteranos franceses. Todos esses fatores se combinaram para embotar a precisão das manobras de Napoleão e permitiram aos russos desvencilhar-se rapidamente". (MARKHAN, 1963, p. 121).  

Napoleão havia chegado a Rússia em junho, mas apenas em setembro ele alcançou Moscou. Em 28 de julho na cidade de Vitebsk, os generais Berthier, Murat e Eugênio tentaram convencer o imperador de abandonar tal campanha, pois os russos sempre se esquivavam deles e os evitavam, os atraindo cada vez mais para longe das cidades e vilas, e para o interior do país. Além disso, o território na sua maior parte era desconhecido. 

Bonaparte acreditava que Alexandre I se intimidaria com seu exército, logo aceitaria uma rendição, mas isso nunca foi uma opção para o czar. Dois dias depois o imperador deixou Vitebsk e seguiu viagem para Smolensk, chegando lá em 17 de agosto. O imperador acreditava que pudesse encurralar o general Bagration, mas este se retirou e deixou a cidade abandonada. Novamente um confronto direto contra as principais forças russas foi evitado, então Napoleão ordenou seguir para Moscou, pois acreditava que lá os russo iriam lutar para defender Moscou, que embora não fosse a capital naquela época, era uma das cidades mais importantes do país, e antiga capital. 

De fato Napoleão estava certo. Tropas russas estavam posicionadas de um dos lados do rio Moscou (ou rio Moscovo), além de contar com apoio da aldeia de Borodino. As tropas russas eram comandadas naquela ocasião pelo marechal Mikhail Kutuzov (1745-1813). 

Retrato do marechal Mikhail Kutuzov. 

"Ambos os lados tinham sofrido reduções enormes nos dois meses anteriores. Kutusov tinha 120.000 homens, inclusive 10.000 milicianos de Moscou, e Napoleão tinha apenas 130.000 disponíveis. Os russos possuíam canhões ligeiramente maiores e mais numerosos, em posições preparadas, e Napoleão não dispunha de superioridade numérica bastante para envolver as posições russas e teve de lançar um custoso ataque frontal". (MARKHAN, 1963, p. 122). 

Embora tenha chegado com 450 mil soldados na Rússia em junho, em 7 de setembro na Batalha de Moscou (também chamada de Batalha de Borondino), ele dispunha de 130 mil soldados, sendo tal número devido as baixas por morte, acarretadas aos combates rápidos, deserção e mortes por ferimentos e doenças, além do fato de que ele teve que dividir tropas para proteger sua retaguarda e as cidades capturadas, como também assegurar uma reserva de soldados descansados para prosseguir campanha. 

Napoleão assistindo a Batalha de Moscou ou Batalha de Morondino em 7 de setembro de 1812. Nessa pintura o autor se valeu de liberdade artística para mostrar um Napoleão acomodado enquanto assistia o conflito. 

O conflito foi bastante acirrado, mas Napoleão derrotou Kutuzov, o forçando a se retirar do campo de batalha e se reposicionar no outro lado de Moscou. Os franceses tiveram 30 mil baixas, já os russos perderam pelo menos 58 mil homens. Kutuzov após essa grande derrota, vendo que não era viável continuar a proteger Moscou, decidiu abandoná-la. 

O imperador entrou na cidade em 14 de setembro, a encontrando abandonada. Os soldados aproveitaram para saquearem o quanto pudessem. No entanto pela noite começaram incêndios os quais se seguiram pelos dias seguintes. Russos infiltrados na cidade, começaram a tacar fogo em determinados bairros como meio de forçar os franceses a se retirarem ou pelo menos destruir o que pudesse ser útil para eles. Bonaparte permaneceu na cidade por mais de um mês, e neste tempo esperou que Alexandre enviasse alguém para apresentar os termos de rendição, pois ele acreditava que com a captura de Moscou, o czar definitivamente se renderia, mas isso não ocorreu. 

A medida que Napoleão passava o final do outono em Moscou, começou a cogitar se o melhor não seria marchar até São Petersburgo no norte, onde se encontrava Alexandre, e ali cercá-lo, mas para isso, tinham um longo caminho pela frente e o grosso do exército russo, além do problema de que o inverno estava se aproximando e os suprimentos estavam baixos. Diante de tais problemas, Napoleão achou que o melhor era se retirar de Moscou e retornar para Smolensk onde contava com abastecimento e um apoio de 40 mil soldados. Assim em 19 de outubro ele deixou a cidade sob forte frustração. 

Retirada de Napoleão de Moscou. Adolph Northen, séc. XIX. 

Para infortúnio do imperador, ao retornar a Smolensk em 8 de novembro, o inverno já havia chegado, e nos últimos dias vinha nevando, mesmo que pouco. Todavia o problema não era a chegada do inverno, pois Bonaparte pretendia passar este na cidade, a questão é que a guarnição de 40 mil soldados que permaneceu ali, tinha consumido quase todo o suprimento. Logo, não havia meios de manter-se até o final do inverno e conseguir alimentar 140 mil bocas. 

Sendo assim, o monarca solicitou que suas outras bases enviassem alimentos, assim como, ordenou que seus generais que estavam combatendo os russos em outras localidades recuassem para mais perto dele. Todavia, a base francesa em Minsk foi atacada pelos russos e destruída. Os suprimentos ali estocados pelos franceses foram levados embora e o que não pôde ser carregado, foi queimado. A ponte de Beresina, uma da rota dos franceses, foi destruída (MARKHAN, 1963, p. 124). 

Em novembro os russos começaram a pressionar cada vez mais os franceses. Os pontos de apoio foram sendo atacados, os suprimentos interceptados, pontes demolidas e estradas bloqueadas. Os reforços austríacos não haviam sido enviados, e até mesmo o socorro dos prussianos também não foi enviado por completo. 

Tudo isso forçava Napoleão a ter que se retirar. De fato naquele momento ele só tinha três escolhas: permanecer na Rússia até o final do inverno, mas correndo o risco de perder a maior parte de seus soldados devido a fome e o frio, e ele mesmo vir a morrer, pois havia adoecido em alguns momentos; continuar na Rússia, mas caso não fosse subjugado pelo frio e a fome, poderia ser encurralado pelas forças inimigas. Por fim, bater em retirada e abandonar a campanha. 

Napoleão deixou Smolensk e tentou ir para Minsk, mas devido ao ataque ao comboio de suprimentos lá, mudou a rota para Beresina, mas a ponte que levava a cidade havia sido destruída, então teve que pegar outro caminho, indo para Vilna. A viagem ocorreu entre 27 de novembro a 9 de dezembro. Neste período o inverno definitivamente havia chegado. 

"Em 12 de dezembro, Berthier informou a Napoleão que "uma geada de 35 graus e a neve abundante que cobre o chão trouxeram o desastre ao exército, que não existe mais". Ney atravessou o rio Niémen em 14 de dezembro com apenas 1.000 homens prontos a lutar e quando os remanescentes se reagruparam atrás do Niémen, 30.000 tinham restado dos 600.000 usados por Napoleão na Rússia em 1812". (MARKHAN, 1963, p. 124).

Napoleão retirando-se da Rússia. 

Bonaparte ordenou a retirada em dezembro. Saindo bastante desmoralizado. Nessa época ele disse uma de suas mais célebres frases: "Há apenas um passo do sublime ao ridículo e caberá à posteridade o julgamento". As consequências de sua derrota foram ainda maiores. Corriam boatos em Paris que ele havia morrido na Rússia, e um complô começou a se instaurar, por sua vez, Alexandre começou em 1813 a mobilizar seus aliados para um contra-ataque. Napoleão estava fraco e com a saúde debilitada, e ainda teria que atravessar a Polônia e a Alemanha para voltar a França. 

K) A Sexta Coligação (1813-1814):

A Quinta Coligação (1809) foi uma aliança efêmera na frustrada tentativa do rei Francisco I da Áustria de tentar derrotar Napoleão. Todavia, anos depois, a Sexta Coligação seria a mais poderosa já mais vista anteriormente. Rússia, Inglaterra, Prússia, Suécia, Espanha, Portugal, Sardenha e as Duas Sicílias se uniram, e posteriormente alguns Estados alemãs também se aliaram e para a grande surpresa de Napoleão, seu sogro, o rei Francisco I também aderiu a aliança. Bonaparte não esperava que seu sogro fosse se rebelar contra ele, pelo visto o casamento político havia falhado. 

Na primeira metade de 1813, Napoleão ainda continuava a dispor de apoio de seu irmão o rei Jerônimo, do Ducado de Varsóvia e de vários Estados alemãs. Naquele primeiro momento, apenas Alexandre, Frederico Guilherme e Carlos XIV haviam aderido a Sexta Coligação. Napoleão sabia que os três pretendiam encurralá-lo e os conflitos se desenrolaram entre em abril e junho. O rei da Saxônia se aliou a Napoleão, reforçando suas tropas, porém os generais franceses como Ney, Berthier e Eugênio não conseguiram obter grandes vitórias, ao mesmo tempo em que muitas foram as baixas. Napoleão sabia que por hora estava em equilíbrio, porém deveria voltar o quanto antes a França. 

Em 4 de junho foi assinado o Armísticio de Pleiswitz, uma trégua temporária válida até 20 de agosto, o que deu tempo para Bonaparte redefinir seus planos e reorganizar seu exército. Ainda em junho, a Rússia e a Prússia se aliaram a Inglaterra e posteriormente no final do mês de junho a Áustria entrou na coligação. Napoleão dispunha ao todo de 470 mil soldados a sua disposição, mas o inimigo dispunha de 510 mil soldados. A traição de seu sogro foi um duro golpe para ele, pois esperava que este ficaria ao seu lado. 

Entre 26 e 27 de agosto, Napoleão venceu a Batalha de Dresden, obtendo uma importante vitória, a qual ele considerava que iria desmoralizar os inimigos, porém com a chegada de setembro a situação voltou a piorar. 

"Em meados de setembro, as derrotas sucessivas dos generais de Napoleão reduziam as forças francesas a 100.000 homens e o equilíbrio dos números favorecia inapelavelmente os aliados". (MARKHAN, 1963, p. 129). 

Em outubro ocorreu a batalha derradeira. Em Leipzig foi travada entre 16 e 19 de outubro, a sangrenta Batalha das Nações ou Batalha de Leipzig. Napoleão e seus marechais de confiança Louis-Alexander Berthier, Michel Ney e Joaquim Murat estavam em sua companhia. O conflito contou com a mobilização de centenas de milhares de combates. Os franceses estavam em menor número, mas Napoleão confiava em seu gênio estratégico, porém a situação piorou quando no dia 17, dois de seus aliados, a Saxônia e Württemberg se debandaram para o lado inimigo, e posteriormente a Baviera fez o mesmo. 

Batalha de Leipzig. Vladimir Moskhov, 1815. 

Com a mudança de lado, o contingente militar de Napoleão caiu drasticamente. As forças se tornaram muito desiguais, ele foi duramente derrotado. Embora conseguiu retirar-se e seguir de volta a França. Mas o fim de seu reinado se anunciava. 

L) A rendição de Napoleão e o exílio (1813-1814):

"A derrota em Leipzig era o fim do Grande Império e abria as portas da França à invasão. Em dezembro de 1813, Napoleão tinha apenas 50.000 homens para defender a fronteira oriental, mas, ainda assim, os aliados relutavam em invadir, a despeito de sua superioridade numérica esmagadora, graças à lembrança da resistência nacional em 1793 e à desconfiança mútua entre si". (MARKHAN, 1963, p. 130).


Embora os inimigos relutassem em invadir a França ainda em 1813, Napoleão sabia que uma hora isso aconteceria, então ele ordenou que um recrutamento massivo fosse feito em todo o país. A França dispunha de uma população de 28 milhões de habitantes, a maior da Europa naquele tempo. De outubro de 1813 a fevereiro de 1814, 300 mil homens foram alistados, o problema é que a grande maioria eram de novatos, inexperientes quanto a arte da guerra e alguns nunca haviam lutado antes. Mas essa era a única solução. 

Em dezembro foi proposto o Tratado de Frankfurt, o qual não consistiu num acordo de paz e nem num armistício. O Tratado exigia que Napoleão liberasse a Holanda e a Bélgica de seu domínio. Nessa época, seu irmão Luís, outrora rei da Holanda, havia saído do trono, e os holandeses se rebelavam. Por sua vez, José abdicou o trono espanhol e o mesmo também aconteceu com Jerônimo. Os três irmãos de Napoleão, que eram reis, haviam renunciado diante das revoltas e das ameaças externas. 

Bonaparte nomeou Caulaincourt como seu Ministro do Exterior e o autorizou a tratar do Tratado de Frankfurt, assinado em 4 de dezembro. Todavia, os ingleses não acharam-se satisfeitos com tais termos, para eles a França deveria retomar seus domínios originais em 1789, o que significava que Napoleão teria que ceder todas as suas conquistas. 

Em fevereiro de 1814, os russos, prussianos, austríacos e alemãs invadiram a França. De fevereiro até abril, ele gastou quase toda a reserva de ouro do país para financiar a guerra de defesa. Inicialmente cotada em 75 milhões, foi reduzida em abril para 10 milhões. Embora tenha obtido algumas importantes vitórias, o que manteve seus inimigos afastados de Paris por quase dois meses, o que revela o gênio estrategista de Napoleão, pois mesmo diante de um exército inexperiente, ele conseguia fazer milagres no campo de batalha, ele falhou em confiar naqueles que não mereciam confiança ou eram incompetentes. 

Em Paris, ele havia nomeado seu irmão José e o ministro Talleyrand para cuidarem da proteção da cidade. José era incompetente, se tivesse sido Luciano, talvez a realidade fosse outra, mas Luciano estava brigado com Napoleão, e naquela época era prisioneiro dos ingleses. Por sua vez, Talleyrand, embora tenha apoiado Napoleão nos últimos 12 anos, ele nunca foi um homem de total confiança, embora fosse bastante competente. 

No final de março, o czar Alexandre I chegou a Paris, e Talleyrand rapidamente se debandou para o lado dele. Em 1 de abril Talleyrand convocou o Senado e votou a instituição de um governo provisório; cinco dias depois, o Senado votou pela abdicação de Napoleão e a convocação de Luís XVIII para assumir o trono. A monarquia seria mantida, mas a Casa Bonaparte não mais voltaria a governar (MARKHAN, 1963, p. 136). 

Charles-Maurice de Talleyrand, provavelmente o mais controverso dos funcionários de Napoleão. Maquiavélico, hipócrita e dissimulado, conspirou constantemente contra o imperador, e seu trunfo foi o fato de que Napoleão nunca teve coragem suficiente para demiti-lo, exilá-lo ou matá-lo. 

Napoleão quando soube que seu irmão havia fracassado em defender Paris, e que o traiçoeiro do Talleyrand havia realizado sua traição máxima, ele viu que tudo estava perdido. A capital estava ocupada pelos russos, e os reforços da Sexta Coligação seguiam em sua direção. Novos termos de rendição foram ofertados, então Napoleão decidiu aceitá-los para seu bem, além do fato, de que ele procuraria garantir que ele só aceitaria renunciar a coroa, caso seu filho fosse reconhecido como Napoleão II, e governasse em regência com sua mãe até alcançar a maior-idade. 

Partindo para seu palácio em Fontainebleau, ali Napoleão decidiu aceitar os termos de abdicação propostos em 6 de abril. Lá ele renunciava ao trono, concordava em devolver alguns dos territórios na Alemanha, na Ilíria, na Itália e algumas ilhas. Ele havia solicitado que seu filho o sucedesse, mas parte dos aliados não eram favoráveis a entronizar Napoleão II, queriam colocar um Bourbon, e a sugestão era Luís XVIII. Todavia, Napoleão ainda manteve vários privilégios: foi eleito senhor de Elba, sua esposa Maria Luíza tornou-se duquesa de Parma, ambos receberiam renda vitalícia. Napoleão poderia dispor de uma guarda e de serviçais. 

Napoleão abdicando em Fontainebleau. Paul Delaroche, 1855. 

Em Fontainebleau, Napoleão tentou cometer suicídio. Na noite de 12 de abril, ele jantou em companhia de Caulaincourt, um de seus mais leais generais. Após a refeição ele se retirou para o quarto, lá ainda chegou a conversar com o general, dizendo que havia tomado veneno, mas caso não fizesse efeito, ele daria um tiro na cabeça. Caulaincourt alarmado com isso, ordenou que as armas fossem retiradas do quarto e proibiu que os empregados acatassem tal ordem. 

Para sorte ou infelicidade de Napoleão, o veneno que ele tomou, estava vencido, havia perdido o efeito letal. Ele teve febre, convulsões e vomitou bastante, mas conseguiu sobreviver. Depois daquela fracassada tentativa de se matar, ele nunca mais tentou fazer isso de novo. Tal relato foi registrado por Caulaincourt em seu diário oficial. 

Alguns dias depois, os ingleses chegaram para escoltar Napoleão até a ilha de Elba. A jornada até o mar levou uma semana, e no caminho alguns de seus súditos o ovacionavam e gritavam vivas para o imperador, embora que outros o vaiassem. 

"Sir Neil Campbell, nomeado comissário inglês para acompanhar Napoleão a Elba, registra com as seguintes palavras sua primeira entrevista com ele, quando chegou a Fontainebleau com seus colegas, os comissários austríaco, prussiano e russo: "Vi à minha frente um homem baixo, de aparência ativa, andando rapidamente de um para outro lado em seu apartamento, como um animal selvagem em sua jaula. Trajava um velho uniforme verde, com rapé espalhado em profusão sobre o seu lábio superior e peito". A conversa travada entre eles passou rapidamente em revistas campanhas de Wellington e terminou com a observação feita por Napoleão, afirmando: "Sua nação é a maior de todas. Fui seu maior inimigo, abertamente, mas não o sou mais. Tentei levantar a nação francesa, mas meus planos falharam; é o destino". (MARKHAN, 1963, p. 139). 

Bonaparte deixou Fontainebleau em 20 de abril, chegando em 4 de maio a Elba. Durante todo o trajeto ele foi muito simpático e cortês com os ingleses, os quais ficaram surpresos com aquilo, pois imaginavam Napoleão como um tirano cruel. 

Localização da ilha de Elba na costa italiana. Napoleão permaneceu seu primeiro exílio de maio de 1814 a fevereiro de 1815, quando escapou. 

Nos meses que permaneceu em Elba, em confortável posição, o que incluía ser chamado de imperador, Napoleão recebeu a visita de sua mãe, de sua irmã Paulina, de Eugênio, de Caulaincourt, de amigos, funcionários, colegas, comissários da Sexta Coligação, e até mesmo sua amante polonesa, a condessa Maria Waleska o visitou. Todavia, ele lamentou bastante pelo fato de sua esposa não ter ido ficar ao seu lado. A imperatriz Maria Luísa e o pequeno Napoleão II foram levados para Viena, por ordem do rei Francisco I. Lá, eles foram proibidos de irem visitar Napoleão (MARKHAN, 1963, p. 141). 

Enquanto permanecia em seu enfadonho exílio, mesmo com toda a mordomia (pois quanto maior o luxo de outrora, mais enfadonha é a vida, quando se perde toda a ostentação), Napoleão recebia notícias sobre os acontecimentos exteriores. Luís XVIII foi coroado rei da França no lugar da regência de Napoleão II. O papa Pio VII havia sido solto e retornou para Roma, por sua vez, os Estados Papais foram lhe devolvido. O Reino da Itália foi desmanchado em quatro Estados. O Reino de Vestfália e o Ducado de Varsóvia, também foram divididos e repartidos. Tudo isso na maioria foi proposto no Congresso de Viena ocorrido em outubro de 1814. O império de Napoleão havia ruído e sido repartido como espólios entre a Sexta Coligação.

M) O governo dos Cem dias (1815):


Diz um provérbio português que "Quem foi rei, nunca perde a majestade". Tal ditado foi aplicável a Napoleão. Cansado de viver como um "derrotado" em exílio, pois devemos nos recordar que ele era um homem de grande ambição, tendo sido o mais poderoso e temido monarca na Europa nos últimos anos, neste ponto, o ego fala alto, e o cativeiro em Elba, dilacerava a soberba de conquistador e imperador de Napoleão. Assim, em 1815 ele decidiu tentar fugir e recuperar seu trono, mesmo que isso significasse entrar em guerra novamente. 

Durante metade de fevereiro, o comissário Sir Campbell permaneceu em Elba, em companhia de Napoleão, ele costumava ir a ilha para averiguar a situação do imperador e se este não havia tentado fugir. Mas tendo deixado a ilha no dia 16, Napoleão entrou em ação: o navio Inconstant foi escolhido para levá-lo de volta a França. No dia 26 ele zarpou, chegando ao porto de Antibes em 1 de março. No dia 28 de fevereiro, Campbell havia retornado a ilha em suas visitas de rotina, então soube que Napoleão havia escapado (RIVOIRE, 1966, p. 64). 

Enquanto Campbell se desesperava-se para alertar acerca da fuga de Napoleão, ele na França, seguia caminho rumo a Paris. Em Grenoble ocorreu um dos momentos memoráveis, a guarnição que protegia a estrada era superior a guarda que escoltava o imperador, então Napoleão evitando um conflito que evidentemente perderia, se dirigiu até os homens e perguntou quem deles teria coragem de matar seu imperador. Os homens baixaram as armas e deixaram passá-lo. É preciso recordar que Napoleão possuía prestígio entre o exército e o povo, ou pelo menos parte dele. 

Enquanto ele seguia caminho, a notícia de sua fuga chegou a Paris, alarmando o rei Luís XVIII, o qual ordenou que o Conde d'Artois fosse capturar Napoleão. Na ocasião, o conde que escolheu como comandante o marechal Ney, amigo de Napoleão. Quando chegou em Lyons para confrontar Napoleão, simplesmente sua tropa não obedecia, então ele se retirou. Por sua vez, Napoleão foi falar com Ney, o qual aceitou a se aliar ao seu imperador e seu amigo. Com a notícia de que o marechal Ney estava ao lado de Napoleão, Luís XVIII fugiu de Paris, e Napoleão entrou na cidade triunfante, nem preciso se esforçar ou guerrear para isso. 

Retrato do rei Luís XVIII da França. Com a abdicação de Napoleão, ele assumiu o trono em 1814, todavia, com o retorno de Bonaparte, Luís permaneceu 100 dias ausente, até retomar o trono após a derrota de Bonaparte. 

Nestes cem dias de governo, Napoleão voltou a aproveitar da "liberdade" e do luxo de seu palácio, assim como da companhia de parte de sua família (sua esposa e filho, estavam na Áustria). Todavia três questões o preocupavam naquele momento e ele tinha pouco tempo para agir. 

Primeiro, era necessário destituir o rei Luís XVIII e legitimar seu retorno ao trono francês, para isso ele teria que não apenas convencer a população, mas todo o governo, o qual naquele momento era na sua maioria composto por liberais os quais eram opositores de Napoleão. Para isso ele entrou com uma petição no Senado, para se alterar a Constituição aprovada durante o governo de Luís XVIII, a fim de retomar a constituição imperial, como também foi convocado um plebiscito para votar seu retorno ao poder. Todavia, ele perdeu o plebiscito, e as Câmaras de Deputados barraram seus processos e petições. 

Segundo, ele sabia que em breve seus inimigos o atacaria, logo, ele teria que organizar um novo exército, então ordenou um novo recrutamento e a mobilização de todo o efetivo militar do país. Era não fosse legitimamente reconhecido como governante, Napoleão detinha autoridade sobre o exército. 

Terceiro, ele só contaria com o apoio do próprio exército francês, pois seu cunhado, o rei Joaquim Murat havia falecido em março e Eugênio já não era mais vice-rei da Itália, e seus irmãos José, Luís e Jerônimo desde 1813 haviam perdido seus reinos. Neste ponto uma Sétima Coligação foi formada, sendo composta na sua maioria pelos ingleses, russos, austríacos e prussianos.

N) A Batalha de Waterloo e o exílio em Santa Helena (1815):

Em junho os conflitos tiveram início, o plano de Napoleão era conseguir derrotar seus inimigos enquanto eles estavam separados e em marcha, derrotando-os um a um, mas ele não obteve êxito em tal tática, então veio o confronto derradeiro, a Batalha de Waterloo, a qual durou quatro dias. 

O marechal duque de Wellington (1769-1852), o qual havia confrontado os franceses na Espanha, estava de volta como principal comandante das tropas inglesas, além de comandar as tropas holandesas, belgas e hanoverianas. Wellington dispunha de 90 mil homens. Por sua vez, seu aliado, o marechal prussiano Gebhard Leberecht von Blücher (1742-1819), o qual lutou contra Napoleão em 1813 e 1814, liderava um exército de 120 mil homens. Napoleão e Ney dispunham de 72 mil soldados. Se Bonaparte conseguisse vencer Wellington em Waterloo, localidade situada no que hoje é a Bélgica, antes que Blücher chegasse com seus homens, aquela história poderia ter tomado um outro rumo. 

A Batalha de Waterloo. William Sadler II. 

Sobre Waterloo, o escritor, dramaturgo e político Victor Hugo, em sua monumental obra Os Miseráveis (1862), dedicou vários capítulos a comentar aquela marcante batalha que pôs fim a carreira avassaladora de Napoleão Bonaparte. Selecionei dois trechos do romance, no qual Hugo comenta sobre o conflito, pois como ele visitou o local da batalha, escreve com minúcias a paisagem, além do fato de ter lido a respeito em jornais e livros da época, a história daquele conflito, ao ponto de até mesmo explicar a movimentação das tropas. 

"Quem quiser ter uma ideia clara da batalha de Waterloo só precisa imaginar um A maiúsculo deitado no chão. A perna esquerda do A é a estrada de Nivelles, a perna direita é a estrada de Genappe e a travessa do A o caminho de Ohain a Braine-l'Alleud. O vértice do A é Mont-Saint-Jean, onde está Wellington; a extremidade inferior esquerda, Hougomont, onde está Reille com Jérôme Bonaparte; a extremidade inferior direita é Belle-Alliance, onde está Napoleão. Um pouco abaixo do ponto em que a travessa do A encontra e corta a perna direita, fica Haie-Sainte. [...]. O triângulo compreendido entre o vértice, as duas pernas e a travessa do A é o planalto de Mont-Saint-Jean. A batalha toda se resumiu à disputa por esse planalto". (HUGO, 2015, p. 355). 

Nesta foto temos a sobreposição do mapa retratando a localização das tropas francesas, inglesas e prussianas na Batalha de Waterloo. Por sua vez no restante da imagem se ver a partir do Monte São João o campo no qual a batalha foi travada em Waterloo, entre 15 e 19 de junho de 1815. Por fim, acrescentei o A, pelo qual Victor Hugo se referiu em seu livro. 

Não entrarei em detalhes sobre o conflito, mas o que é preciso saber é que Napoleão e Ney estavam psicologicamente afetados, e acabaram tomando decisões precipitadas e falhas. Por sua vez, Napoleão subestimou Wellington, o qual considerava um comandante incompetente e sem talento (Wellington era apenas alguns poucos anos mais novo que Bonaparte). Não obstante, a chuva que encharcou o campo em um dos dias do conflito, contribuiu negativamente para a mobilização das tropas francesas, pois as tropas inglesas e seus aliados estavam em vantagem de se encontrar num terreno mais elevado. Por fim, a falha de Ney e dos outros comandantes em interceptar a chegada de Blücher e mobilizar a cavalaria com eficiência para atacar os flancos, levou Bonaparte a perder a batalha e se retirar para Paris. 

A esperança de ainda continuar lutando estava praticamente perdida. Napoleão havia perdido vários homens, e estava abalado pela derrota. Mesmo que tentasse se fortificar em Paris, não tardaria para que Wellington e Blücher cercassem a capital e pressionassem ele para que se rende-se. Napoleão acabou apresentando a Câmara em 22 de junho sua abdicação em favor de seu filho, mas o governo aceitou a abdicação mas negou a Napoleão II o reconhecimento, então convocou um governo provisório até que o rei Luís XVIII retornasse. Bonaparte ser retirou para o Chateau de Malmaison.

O Chateau de Malmaison, comprado por Josefina vários anos antes, foi um dos últimos locais que Napoleão residiu antes de nunca mais voltar para França.

Depois de alguns dias em Malmaison, Napoleão se mudou para a cidade de Rochefort, de onde embarcaria para a Inglaterra. Com sua abdicação, ele também aceitava os termos de rendição, dentre os quais, torna-se prisioneiro de guerra da Inglaterra, como anteriormente ocorreu. Em julho Napoleão embarcou no navio Bellerophon e seguiu para a Inglaterra, onde passou algumas semanas até que fosse decidido o seu local de exílio. 

Antes de partir para a Inglaterra, seus amigos cogitaram pedir asilo político aos Estados Unidos, mas para isso ele teria que fugir para lá, pois já estava sob custódia dos ingleses, logo, Bonaparte descartou tal ideia. Não obstante, alguns nobres ingleses temiam que se Napoleão permanecesse no país, poderia gerar comoção na população, pois sabia-se publicamente que no Parlamento ele possuía admiradores, inclusive em sua passagem por Liverpool, a população se reuniu no cais para vê-lo descer do navio; curiosos em ver o famoso Napoleão Bonaparte. Por fim, escolheu exilá-lo na ilha de Santa Helena

Localização das duas ilhas onde Napoleão foi exilado. Em Elba ele permaneceu de 1814 a 1815. Em Santa Helena ele permaneceu de 1815 a 1821. 

A Ilha de Santa Helena situado no sul do Oceano Atlântico, é uma das ilhas mais remotas do mundo, estando quase que no meio do caminho entre a América do Sul e a África. A ilha foi descoberta pelos portugueses no começo do século XVI, desde então era habitada. Os ingleses em sua expansão global a conquistaram. Santa Helena era o local perfeito para se enviar Napoleão: longe de tudo e controlada pelos ingleses. 

A bordo do Northumberland, Napoleão embarcou em companhia de Bertrand, um de seus melhores e mais leais amigos; os camareiros reais Montholon e Lascases, o general Gourgaud e doze servos. Bertrand, Montholon e Lascases levaram suas famílias, embora que eles não permaneceriam muitos anos da vida, pois a política inglesa era apartar Napoleão de seus amigos e possíveis aliados. No final, ele só contava com empregados ingleses e alguns colegas que fez na ilha (MARKHAN, 1963, p. 154). 

A viagem a Santa Helena durou quase três meses, e Napoleão nunca mais voltaria a pisar na Europa ou em outro continente, tão pouco pode ver sua esposa, filho, irmãs, irmãs, mãe e demais parentes. Na ilha ele passou a ser vigiado de perto pelos soldados ingleses e o governador, além do fato de que foi restrito inicialmente a propriedade dos Balcombe, os quais se tornaram seus amigos, principalmente suas filhas adolescentes, as quais tornaram Napoleão seu "tio". Bonaparte gostava de conversar com Betsy a mais nova, a qual era a mais engraçada e sabia falar francês. 

"A família Balcombe continuou amiga ferrenha de Napoleão até deixar Santa Helena em 1820, quando ele deu a Betsy um tufo de seu cabelo, ocasião em que a jovem achou que ele tinha a expressão de um homem à morte". (MARKHAN, 1963, p. 155). 

Depois de reformada a casa que seria a moradia de Napoleão pelos próximos anos, ele se mudou para lá. Se comparado a casa em Elba, a residência em Santa Helena era bem mais modesta para um ex-imperador, inclusive Napoleão se aborreceu com os ingleses, pois estes se negavam a a chamá-lo de imperador, mas o tratavam apenas de senhor. Napoleão era visto como um general aposentado, mas não como um ex-monarca. Todo o luxo e privilégio real que ele dispunha em Elba, foi retirado em Santa Helena. 

Longwood, a casa que abrigou Napoleão em seus últimos anos de vida. 

Napoleão passou grande parte do tempo em Longwood, escrevendo suas memórias, principalmente sobre sua carreira militar, embora que em dados momentos ele falasse sobre a família e outros assuntos. Em suas memórias ele fala bastante de Josefina, por sua vez, mal menciona Maria Luísa, pela qual nutriu desgosto. Embora Josefina o traísse, assim como, ele a traia também, Napoleão casou com Josefina por amor, e manteve esse sentimento por vários anos, ao mesmo tempo em que os filhos dela, Hortênsia e Eugênio foram adotados por ele, e Eugênio foi um de seus homens de confiança, tendo o acompanhado até na Rússia. 

Em 1818, sua mãe Maria Letícia tentou com o apoio do papa Pio VII, pedir que os ingleses abrandassem a pena de seu filho ou pelo menos o trouxesse para mais perto, onde ele pudesse ser visitado, mas o Parlamento se negou a mudar os termos de exílio. Em 1819, Napoleão começou a ter problemas de fígado e no ano seguinte, problemas de estômago. Como mencionado, quando os Balcombe partiram em 1820, Napoleão já exibia o semblante de um homem doente. 

Com problemas hepáticos e gastros; solitário e depressivo, aquele que uma vez havia sido o homem mais poderoso da Europa (e talvez do mundo em sua época), faleceu aos 51 anos em 5 de maio de 1821, pela tarde. 

Morte de Napoleão em Santa Helena. Charles de Steuben, 1828. 

Considerações finais: 

A morte de Napoleão Bonaparte tomou a família em pranto, os amigos e alguns dos quais foram próximos a ele, e até mesmo admiradores, pois Napoleão era admirado dentro e fora da França. Por outro lado, seus inimigos puderam se sentir mais aliviados. Aquela grande ameaça havia partido deste mundo. 

Em 1823, foi publicado suas memórias, as quais deram início a "Lenda Napoleônica", conjunto de relatos e ideias pelas quais a lembrança de Bonaparte ganharam fama para além de sua vida e feitos. Além de suas memórias, relatos de familiares, amigos, de figuras militares, políticas e nobres que tiveram contanto com o imperador, foram posteriormente publicados. Por sua vez, escritores, poetas e pintores começaram a romantizar sua vida, e os historiadores e biógrafos a narrá-la. 

Napoleão II não conseguiu ser imperador dos franceses, e embora tenha virado duque na Áustria teve uma vida breve. Faleceu em 1832, aos 21 anos, vítima de tuberculose. O filho bastardo, Alexandre, viveu até a velhice, tendo virado conde. Os outros filhos bastardos de Napoleão, não se sabe que vida tiveram, pois Bonaparte somente "reconheceu" um único bastardo, sendo este fruto de sua amante preferida, a condessa Maria Waleska. 

No ano de 1840, o rei Luís Filipe da França ordenou que o corpo de Napoleão, sepultado em Santa Helena, fosse trazido de volta para a França. O corpo foi sepultado na cúpula do Hotel dos Inválidos, em Paris. Posteriormente José, Jerônimo e Napoleão II também foram sepultados lá. 

Túmulo de Napoleão no Hotel dos Inválidos, Paris. O túmulo foi projetado para que as pessoas tivessem que erguer a cabeça ou abaixá-la, para poder vê-lo. Você baixa a cabeça diante do soberano, e a ergue diante de alguém grande. 

No ano de 1852, seu sobrinho Napoleão III, tornou-se imperador da França, sendo o único que manteve vivo o legado de seu tio. Napoleão III não foi um exímio estrategista e comandante militar, mas foi um hábil político. Enquanto seu tio governou por um pouco mais de 9 anos, ele governou por 21 anos. Napoleão III concedeu a Casa Bonaparte um último alento de vida. 

"Em 1855, a Rainha Vitória esteve com Napoleão III nos Inválidos e ordenou a seu filhinho o futuro Eduardo VII, que se ajoelhasse "diante do túmulo do grande Napoleão". (MARKHAN, 1963, p. 160). 

Talleyrand, o traiçoeiro e cínico amigo e inimigo de Napoleão certa vez em suas memórias declarou o seguinte: "Seu gênio era inacreditável. Foi a carreira mais espantosa já testemunhada nos últimos mil anos. Foi certamente o homem mais extraordinário que viveu em muitos séculos". (MARKHAN, 1963, p. 160). 

Napoleão Bonaparte chamado de tirano, déspota, carrasco, conquistador, revolucionário, cruel, monstro (como tantas vezes foi difamado em alguns jornais espanhóis, italianos, franceses, ingleses, etc.), inegavelmente foi um homem de grande ambição, gênio militar e político, sagacidade, ego e determinação. Em cujas ideias ele não mediu esforços para conquistar o que almejava, mesmo que para isso tivesse que passar por cima de amigos, familiares e da própria nação, executando golpes de Estado, fazendo ameaças e declarando guerras. 

O historiador Eric Hobsbawm chegou a dizer que a Revolução Francesa moldou o caráter que a Europa do século XIX viria a ter, de fato isso foi verdade, mas podemos acrescentar que depois da Revolução, Napoleão foi quem contribuiu para esse caráter se formar. Sob seu império ele não apenas alterou a história e a vida na França, mas influenciou a história da Itália, Alemanha, Prússia, Áustria, Rússia, Inglaterra, Egito, Espanha, Portugal e até do Brasil. Odiado, temido, amado, adorado e admirado, o que é que seja, não podemos desconsiderar sua influência na História, qual tenha sido.

NOTA 1: Embora fosse de caráter sério, Napoleão sabia ser amigável e cortês com quem queria. Seus familiares, amigos e os funcionários mais próximos, conheciam um outro lado do imperador: o lado bem humorado, irônico e simpático. Napoleão a quem o agradasse, oferecia ajuda. Forneceu pensões para alguns de seus antigos professores e até mesmo para alguns de seus empregados; doou terras para seus marechais e generais, entre outros dos quais o ajudaram. Gostava de conversar sobre vários assuntos, principalmente sobre política, artes, filosofia e ciências; gostava de até mesmo brincar com seu sobrinho Carlo (o seu primeiro herdeiro), e depois com seu próprio filho Francisco. Bonaparte também sabia como motivar as pessoas, não sendo a toa que tinha presença no exército; embora fosse sério e exigente, os soldados o olhavam com confiança e admiração. Na Batalha de Waterloo (1815), o general inglês Wellington disse que a presença de Napoleão era um símbolo de motivação para seus homens (MARKHAN, 1963, p. 93). 
NOTA 2: O famoso Arco do Triunfo de Paris começou a ser construído por Napoleão em 1806, mas somente ficou pronto 30 anos depois. 
NOTA 3: Das Sete Coligações armadas contra a França, Napoleão enfrentou seis e venceu quatro. 
NOTA 4: O famoso romance histórico russo, Guerra e Paz (1865-1869), escrito por Leon Tolstói, traz Napoleão e outros nobres e generais como personagens. Neste longo romance, Napoleão aparece principalmente nos capítulos referentes a 1805-1806, onde ele invade a Polônia e Prússia, e chega a confrontar tropas russas que apoiavam os poloneses e depois os prussianos, e depois ele aparece nos capítulos referentes a invasão de 1812, que o levou até Moscou e marcou uma de suas grandes derrotas. 
NOTA 5: O filme Napoleão (2023) mostra a carreira político-militar de Napoleão Bonaparte entre 1793 e 1815, focando-se em alguns momentos mais importantes como o cerco de Toulon (1793), a campanha no Egito (1798-1799), o golpe de 18 de Brumário de 1799, a coroação como imperador em 1804, a Batalha de Austerlitz (1805), campanha na Rússia em 1812, o exílio em Elba em 1813, a Batalha de Waterloo (1815). 

Referências Bibliográficas:
GOODSPEED, D. J. Baionetas em St. Cloud: a história do 18 de Brumário. Tradução de Maria Clara Forster. Rio de Janeiro, Editora Saga S.A. 1968. 
HUGO, Victor. Os Miseráveis. Tradução e notas de Regina Célia de Oliveira. São Paulo, Editora Martin Claret, 2015. (Segunda Parte - Cosette, Livro I - Waterloo). 
MARKHAN, F. M. H. Napoleão e o despertar da Europa. Tradução de Affonso Blacheyre. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1963. (Coleção Homens que fizeram época). 
NICOLSON, Nigel. Napoleão: 1812. Tradução de Henrique de Araujo Mesquita. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1987. 
RIVOIRE, Mario. The Life & Times of Napoleon. Philadelphia, Curtis Book, 1967. 

Um comentário:

diversao120 disse...

incrível realmente o site é rico em vários aspectos está de parabéns..continue assim obrigado