“Há um ditado que ensina
"o gênio é uma
grande paciência";
sem pretender ser gênio,
teimei em ser um grande
paciente.
As invenções são, sobretudo,
o resultado de um trabalho teimoso,
em
que não deve haver
lugar para o esmorecimento”.
O que eu vi, o que nós veremos
(1918),
Alberto Santos Dumont.
Conhecido no Brasil como o "Pai da Aviação", na França era chamado de Oiseau de Proie (Ave de Rapina), nos Estados Unidos o chamavam de King of Air (Rei do Ar). O brasileiro Alberto Santos Dumont tornou-se no começo do século XX, um ícone internacional, por ter se engajado na criação de balões, dirigíveis e aviões, numa época na qual tais máquinas voadoras ainda eram raras, imprecisas, inseguras, mas que fascinavam a todos, pois realizavam um antigo sonho do ser humano: o sonho de voar. Santos Dumont foi um dos pouquíssimos brasileiros que adentrou essa disputa tecnológica para criar um modelo de avião que pudesse ser eficiente e comercializado.
Lembrado no Brasil, nos Estados Unidos, na França entre outros países, como um dos grandes inventores da história da aeronáutica mundial, neste texto, contarei um pouco do trabalho desse engenhoso mineiro que quando criança fazia aviõezinhos de papel e balõezinhos, até que adulto decidiu criar as máquinas que havia sonhado na infância.
Introdução:
Ainda hoje existe uma disputa em saber quem inventou o avião. Alguns historiadores das ciências costumam dizer que o avião foi uma criação a partir de vários inventores, os quais cada um contribuiu com alguma parte da mecânica e da estrutura de funcionamento do avião. No entanto, se seguirmos alguns parâmetros estabelecidos pela Federação Aeronáutica Internacional (FAI), e alguns detalhes históricos, a realidade muda.
Desde o século XVIII, balões já eram usados na França, com direito a tripulação de animais ou de pessoas, embora que em alguns voos, houve acidentes e até mesmo vítimas fatais, ainda assim, o início da era do voo começou por essa época propriamente. Pois embora Leonardo da Vinci (1452-1519) tenha projetado máquinas voadoras e antes dele, inventores turcos, árabes e chineses tenham também concebido meios para se voar, nenhum dos projetos deu certo ou chegou a ser construído e testado de forma eficaz.
Em 1799 o engenheiro e inventor inglês George Cayley (1773-1857), construiu um pequeno planador, mas embora Leonardo da Vinci já houvesse concebido um planador, trezentos anos antes, o modelo de Cayley era diferente, ao mesmo tempo em que ele já apresentava preocupação com a física. Na época de Leonardo, a Lei da Gravidade era desconhecida, mas em 1799, ela já era conhecida. Assim, em 1810 o barão Cayley publicou três artigos nos quais apresentou os princípios fundamentais para o voo de máquinas mais pesadas do que o ar: sustentação, propulsão e controle (O POETA VOADOR, 2016, p. 14). Neste sentido, George Cayley pode ser considerado o "Pai da Aviação", por ter sido o primeiro que se conhece na História, a dedicar-se ao estudo científico do voo não com balões, mas com planadores, máquinas que antecedem os aeroplanos e os aviões. Nos anos seguintes, ele continuou a aperfeiçoar seus planadores e até concebeu um protótipo de helicóptero.
No ano de 1852 o inventor francês Henri Gliffard (1825-1882) criou o dirigível, todavia, seu dirigível curiosamente não era dirigível, pois ele seguia a direção do vento, não havendo mecanismo para mudar e controlar sua direção. Mas embora houvesse essa falta de dirigibilidade em sua invenção, Gliffard foi o primeiro a por um motor e hélices num balão, o que permitia aumentar a velocidade da máquina voadora. Enquanto Cayley fazia testes com seus planadores os quais dependiam da velocidade do vento, Gliffard combinava o uso do ar quente ou do hidrogênio, com a potência de um motor a vapor. A ideia de usar motores para propulsionar os aeroplanos foi adotada muito tempo depois.
Em 1890 o inventor francês Clément Ader (1841-1925), fabricou seu próprio motor a vapor, o qual nomeou de Éole. Em seguida ele projetou um aeroplano cujas asas foram inspiradas nas asas dos morcegos. Sua invenção foi chamada de Avión, palavra que deu origem a palavra avião em algumas línguas. Ader criou três modelos de seu Avión, corrigindo alguns problemas, além de ter realizado testes de voos, embora que a potência do motor não fosse suficiente para fazê-lo decolar e tampouco, os Avión possuíam dirigibilidade e estabilidade no ar, ainda assim, conseguiram voar por poucos metros (BARROS, 2006, p. 10). Por tal viés de ter pego um planador, juntado com um motor, e batizado a invenção de "avión", talvez Clément Ader possa ser considerado o "inventor do avião".
Na década seguinte inventores franceses, ingleses, alemãs e americanos aperfeiçoaram a invenção de Ader, embora tenham criado seus próprios modelos, mas a ideia básica de uma estrutura leve e simples, com duas asas, um motor e hélices, já estava estabelecida. Os demais inventores projetaram novos motores, formatos, sistemas de controle, etc. Diante dessa breve explicação, espero ter apresentado três inventores que fazem parte da lista de inventores que contribuíram para a aviação, sendo que George Clayley talvez seja o "Pai da Aviação", enquanto Clément Ader seja o "inventor do avião". Agora passemos para a história do brasileiro que entrou nessa corrida aérea.
1) Homem voa?
Henrique Dumont (1832-1892) era filho de franceses que haviam se mudado para o Brasil, mais especificamente para a Província de Minas Gerais. Henrique e mais dois irmãos tinham interesse em mineração, embora que Henrique acabou se formando em engenharia. No ano de 1853, os irmãos Dumont ficaram sabendo que em Bagagem, uma escrava havia encontrado um diamante de 254 quilates. O diamante foi batizado de Estrela do Sul. Eles compraram o diamante da escrava, então viajaram para a França, na tentativa de vendê-lo para o imperador Napoleão III, mas o monarca não teve interesse na joia brasileira. Henrique concluiu seus estudos em Paris, então retornou para Minas Gerais, voltando a trabalhar na construção civil e no transporte, projetando pontes e estradas de ferro. Foi nesta época que conheceu Francisca de Paula Santos, filha do Comendador Paula Santos (FONTES; FONTES; 1967, p. 16).
Henrique acabou despojando Francisca posteriormente. Do casamento eles tiveram oito filhos: Henrique, Maria, Virgínia, Luís, Gabriela, Alberto, Sofia e Francisca. Os Santos Dumont se mudaram para uma casa de fazenda em Cabangu, Minas Gerais. Onde a maioria dos filhos nasceram, o que incluiu o nascimento do sexto filho do casal (o terceiro varão), Alberto Santos Dumont, em 20 de julho de 1873.
Seis anos após Alberto ter nascido, seu pai reuniu a família e se mudou para a Província de São Paulo, passando pela Estação de Casal, seguindo para a capital São Paulo, até finalmente retornar para o interior, estabelecendo-se nos sertões de Ribeirão Preto, onde comprou a Fazenda Arindeúva da família Silva Prado. Onde iniciou uma plantação de café, e assim fundando a Fazenda Dumont. Henrique Dumont havia passado anos projetando pontes e estradas de ferro, reuniu o dinheiro então comprou terras. Na década de 1890, a Fazenda Dumont era a maior produtora de café do Brasil, dispondo de cerca de 5 milhões de cafeeiros, centenas de trabalhadores, sete locomotivas e cerca de 100 km de linha férrea, projetadas pelo próprio Henrique.
Foi na Fazenda Dumont, onde Alberto descobriu seu interesse pela mecânica, pelas máquinas e pela tecnologia.
"A criança franzina e solitária dividia o tempo entre as leituras de livros de Júlio Verne à sombra das árvores e o fascínio com as máquinas de beneficiar o café. "Dificilmente se conceberia meio mais sugestivo para a imaginação de uma criança que sonha com invenções mecânicas", diz ele em sua autobiografia Os meus balões, de 1904, na qual descreve longamente o funcionamento das máquinas da fazenda, suas engrenagens e as inspirações que elas lhe traziam. Fascinado com o movimento, começou a fazer pequenas rodas d'água e pipas com papel". (O POETA VOADOR, 2016, p. 28).
Santos Dumont conta em sua autobiografia que na infância, ele além de ser fascinado pelas obras de Júlio Verne, um dos primeiros grandes escritores de ficção científica, ele também fazia aviõezinhos de papel, pipas e na época de junho, quando se comemorava a Festa de São João, havia a tradição de fazer balõezinhos, e o pequeno Santos Dumont fazia isso. Projetava seus balõezinhos, os enchia com o ar quente e os soltava aos montes nas noites juninas.
Ainda na infância ele nos conta que costumava brincar com seus irmãos e outras crianças, de uma brincadeira chamada "passarinho voa?".
"O divertimento é muito conhecido. As crianças colocam-se em torno de uma mesa, e uma delas vai perguntando, em voz alta: "Pombo voa?"... "Galinha voa"... "Urubu voa?"... "Abelha voa?"... E assim sucessivamente. A cada chamada todos nós devíamos levantar o dedo e responder. Acontecia porém que de quando em quando gritavam! "Cachorro voa?"... "Raposa voa?"... ou algum disparate semelhante, a fim de nos surpreender. Si algum levantasse o dedo tinha de pagar uma prenda. E meus companheiros não deixavam de piscar o olho e sorrir maliciosamente cada vez que perguntavam: "Homem voa?"... E que no mesmo instante eu erguia o meu dedo bem alto, e respondia: "Voa!"... Com entonação de certeza absoluta, e me recusava obstinadamente a pagar prenda". (DUMONT, 1986, p. 27).
No entanto, além desse fascínio por aparelhos voadores, Alberto conta que aos 7 anos, ele já guiava locomóveis e aos 12 os maquinistas os deixavam comandar as locomotivas da fazenda, as quais eram sete. Nessa mesma época ele também se interessava por mecânica, e com isso os mecânicos da fazenda o ensinaram algumas coisas. Na adolescência, Alberto já consertava alguns problemas simples e até mesmo faziam manutenções nas máquinas que cuidavam do processamento do café. (DUMONT, 1986, p. 23).
2) A emancipação e o início dos estudos:
Em 1888, a família Dumont visitava uma feira em São Paulo, Alberto tinha 15 anos na época, e ali na capital da província paulista, ele viu seu primeiro balão, o qual na ocasião foi testado diante do público que estava fascinado com aquilo. Santo Dumont já havia lido nos livros de Júlio Verne, histórias de voos em balões e até mesmo de viagens, mas nunca havia visto um balão tripulável, aquilo o maravilhou.
Em 1891, Henrique Dumont sofreu um acidente, tendo caindo do cavalo, e ficou com parte do corpo parcialmente paralisada. No mesmo ano, ele decidiu viajar com a família e ir se tratar em Paris. Nem todos os filhos foram nesta viagem, mas Alberto foi um dos quais viajou para a Cidade Luz. Anos depois em sua autobiografia ele relatou suas expectativas sobre a viagem, e o que mais o interessava era ver as máquinas voadoras, embora que isso se mostrou algo frustrante.
"Na França é que fora lançado o primeiro balão cheio com hidrogênio, que voara a primeira aeronave com sua máquina a vapor, seu propulsor de hélice e seu leme. Naturalmente eu acreditava desde a data em que, em 1852, Henri Giffard, com uma coragem tão grande quanto a sua ciência, havia demonstrado de maneira magistral a possibilidade de dirigir um balão. Eu dizia a mim mesmo "Vou encontrar novidades em Paris - balões, dirigíveis e automóveis!" - Com esta disposição, assim que chegamos ao nosso destino e consegui uma tarde livre, fiz um reconhecimento. Com grande surpresa soube que não existiam ainda balões dirigíveis, mas apenas balões esféricos como o de Charles, 1783! Ninguém havia, depois de Giffard, prosseguido com as experiências com balões alongados, propelidos por motor térmico". (DUMONT, 1986, p. 33-34).
Na época que Santos Dumont visitou a França, Clèment Ader ainda realiza seus experimentos com seu Avión, os quais ainda não haviam sido apresentados inteiramente ao público. Além disso, a maioria dos balonistas não eram inventores, mas homens que usavam os balões para lazer ou conseguir dinheiro, geralmente se apresentando em feiras e exposições. Santos Dumont conta que viu um destes balonistas o qual dispunha seu balão para um passeio de 2 horas, mas ele cobrava absurdos 1.200 francos, além de solicitar que um termo de seguro fosse assinado, envolvendo questões de indenização por acidente ou morte. Alberto declinou a oportunidade.
Entretanto, se por um lado ele se decepcionou devido aos passeios de balões serem muito caros, se decepcionou por não ter novos inventos voadores, mas por outro lado, se encantou com a beleza de Paris e seus monumentos, como a Torre Eiffel, inaugurada apenas há dois anos. Todavia, certo dia, Alberto e seu pai foram visitar uma exposição de máquinas no Palácio das Indústrias, onde ele ficou maravilhado ao ver um motor a petróleo, como costumavam chamar os motores a combustão, usados nos automóveis.
"Sobre seu contato com o pequeno motor a petróleo, pois naquela época, os motores a vapor e os motores elétricos eram muito grandes, Alberto disse o seguinte: "Parei diante dele como que pregado pelo destino. Estava completamente fascinado"". (O POETA VOADOR, 2016, p. 28).
Antes de retornar para o Brasil, Santos Dumont pediu ao seu pai para comprar um carro. Ele esperava ver vários automóveis em Paris, mas ficou surpreso que mesmo naquela cidade, os carros fossem raros. Para adquirir um automóvel, ele viajou até a cidade de Valentigney, onde havia uma fábrica da Peugeot. No ano de 1891, Armand Peugeot havia lançado seu novo modelo de automóvel, o Peugeot Tipo 3, e este foi o modelo que Santos Dumont comprou.
"Era uma curiosidade. Nesse tempo não existia ainda nem licença de automóvel, nem exame de motorista. Quando alguém dirigia a nova invenção pelas ruas da capital era por sua própria conta e risco. E tal era o interesse popular que eu não podia parar em certas praças, como a da Opera, com receio de juntar a multidão e interromper o trânsito. De então em diante tornei-me adepto fervoro do automóvel. Entretive-me a estudar os seus diversos órgãos e a ação de cada um. Aprendi a tratar e concertar a máquina". (DUMONT, 1986, p. 36).
Os Dumont retornaram para São Paulo em 1892, e Alberto foi a primeira pessoa a andar de carro pelas ruas da capital paulista e do Brasil, e talvez até da América Latina. Os paulistanos assim como os parisienses ficaram surpresos e encantados com um automóvel andando ao lado de charretes, carruagens e carroças. Naquele mesmo ano, Henrique Dumont decidiu emancipar seu filho, e lhe disse que se o sonho dele era construir balões, que ele voltasse para a França, pois foi lá que tudo começou.
"Já lhe dei a liberdade; aqui está mais este capital... Tenho ainda alguns anos de vida; quero ver como você se conduz. Vai para Paris, o lugar mais perigoso para um rapaz. Vamos ver se você se faz um homem! Prefiro que não se faça doutor. Em Paris, com o auxílio de nossos primos, você procurará um especialista em Física, Química, Mecânica, Eletricidade, etc.; estude essas matérias e não se esqueça que o futuro do mundo está na Mecânica! Você não precisará pensar em ganhar a vida; eu lhe deixarei o necessário para viver". (FONTES; FONTES, 1967, p. 34).
No mesmo ano Alberto Santos Dumont retornou a Paris, agora para morar. Lá, seus parentes arranjaram aulas particulares com um renomado professor de origem espanhola, chamado Garcia, o qual se tornou seu mestre nas ciências da física e química e suas demais áreas. Nesse tempo também, o jovem Santos Dumont viajou para a Inglaterra, para aperfeiçoar seu inglês e retornou para a França, onde participou de uma expedição para escalar Monte Branco, com seus 4.803 metros de altitude. De volta a capital francesa, prosseguia com seus estudos com o professor Garcia. Curiosamente, enquanto seus irmãos Henrique Filho e Luís formaram-se em engenharia, Alberto nunca se formou em engenharia.
3) O primeiro voo:
Em 1894, Santos Dumont viajou a primeira vez aos Estados Unidos, país que retornaria em outras ocasiões. De volta a França, passou a participar de corridas de carro e de moto, assistindo, apostando, patrocinando, como no caso da vez que alugou o velódromo do Parc des Princes, para organizar uma corrida de motocicletas. As vezes competia nas corridas como amador. O jovem Alberto mostrava-se um piloto. Todavia, sua vida deu uma nova guinada em 1897, quando se encontrava no Brasil, visitando a família.
"Em 1897, em viagem ao Rio de Janeiro, deparou-se numa livraria, por acaso, com um livro que mudou seu curso. Andrée - Au Pôle Nord en Ballon descrevia o balão que os suecos Salomon-Auguste Andrée, Nils Strindberg e Knut Fraenkel haviam usado em uma malograda viagem ao Polo Norte naquele ano. Os autores eram sues construtores, os franceses Henri Lachambre e Alexis Machuron. Santos Dumont diz que o livro foi uma revelação. "Acabei decorando-o como se fora um manual escolar. Detalhes de construção e preço abriram-me os olhos".
De volta a França, Alberto foi procurar Henri Lachambre e seu sobrinho Alexis Machuron. Para sua surpresa o senhor Lachambre ao preço de 250 francos, incluindo todas as despesas com um passeio de 3 a 4 horas de duração, ofereceu essa que foi a primeira oportunidade que Santos Dumont teve de viajar de balão. Ele havia aguardado seis anos para isso, e nesse tempo, ocupado com os estudos, as corridas e as viagens, havia deixado por um momento seu antigo sonho de voar.
"Guardo uma recordação indelével das deliciosas sensações de minha primeira tentativa aérea. Cheguei cedo ao parque de aerostação de Vaugirard, a fim de não perder nenhum dos preparativos. O balão, de uma capacidade de 750 metros cúbicos, jazia estendido sobre a grama. A uma ordem do sr. Lachambre, os homens começaram a enchê-lo de gás. E em pouco a massa informe começou a se transformar numa vasta esfera. As 11 horas tudo estava terminado. Uma brisa fresca acariciava a barquinha, que se balançava suavemente sob o balão. A um dos cantos dela, com um saco de lastro na mão, eu aguardava com impaciência o momento da partida". (DUMONT, 1986, p. 41).
"No mesmo instante, o vento deixou de soprar. Era como si o ar em volta de nós tivesse imobilizado. E que havíamos partido, e a corrente de ar que atravessávamos nos comunicava sua própria velocidade. Eis o primeiro grande fato que se observa quando só sabe num balão esférico. [...]. Aldeias e bosques, prados e castelos desfilavam como quadros movediços, em cima dos quais os apitos das locomotivas desferiam notas agudas e longínquas. Com os latidos dos cães, eram os únicos sons que chegavam ao alto. A voz humana não vai a essas solidões sem limites. As pessoas apresentavam o aspecto de formigas caminhando sobre linhas brancas, as estradas; as filas de casas assemelhavam-se a brinquedos de crianças". (DUMONT, 1986, p. 42)
Santos Dumont tornou-se amigo de Lachambre e Machuron, e assim viajou várias outras vezes, em algumas ocasiões ele viajou sozinho. Mas esse foi o início que ele buscava, e com isso, decidiu construir seus próprios balões.
4) O mestre dos balões:
Após algumas viagens de balão, Santos Dumont estava decidido criar o seu próprio balão. Na época os balões eram enormes, possuíam de 500 a 2.000 metros cúbicos de capacidade, o que demandava uma grande quantidade de ar quente ou de gás, o que acarretava num preço elevadíssimo. Para se ter noção, saía bem mais caro encher um balão do que mandar fabricá-lo. (O POETA, VOADOR, 2016, p. 30). Assim, Santos Dumont teve a ideia de reduzir drasticamente os tamanhos dos balões, tentando trabalhar com a margem dos 100 metros cúbicos de capacidade. Lachambre e outros balonistas disseram que era algo enviável, pois um balão deste tamanho não seria capaz de erguer uma pessoa do chão.
Santos Dumont não se deixou desanimar e iniciou seus experimentos. Aos 25 anos de idade ele criou um balão com 6 metros de diâmetro, com capacidade de 113 metros cúbicos, pequeno o suficiente, ao ponto que poderia ser dobrado e guardado dentro de uma mala. Muitos duvidaram que aquele balão feito de uma seda japonesa super-resistente pudesse alçar voo carregando o cesto e mais um tripulante. O balão o qual na época era o menor balão do mundo tripulável, foi nomeado de Brasil (Brésil no original em francês).
Santos Dumont não apenas conseguiu levantar voo com seu pequeno balão, mas passeou três vezes sobre o Jardim de Aclimação em Paris, aos olhos de todo mundo. O balão pesava cerca de 27,5 kg, que somado a rede, a âncora de ferro e a cesta de vime, passava a pesar 43,5 kg, que por sua vez unia-se ao peso do seu tripulante, o qual pesava em torno de 50 kg. Santos Dumont era um homem baixo, medindo 1,60 m de altura, fato que lhe rendeu os apelidos de "Le petit Santos" (O pequeno Santos) e "Le petit brésilien" (O pequeno brasileiro). Assim, o balão Brasil não chegava a pesar no total nem 100 quilos! Um feito para a época, já que os balões eram pesados até então.
No entanto, o engenho de Santos Dumont não parou por aí. No mesmo ano ele começou a projetar seu próprio motor a combustão, baseado na mecânica dos automóveis que o fascinavam desde seus 17 anos. Com o motor concluído, ele decidiu uni-lo a um balão, e construir seu próprio dirigível como Henri Gliffard havia feito quase cinco décadas antes. Novamente os balonistas foram contrários a ideia, pois o motor a combustão soltava faíscas para queimar o combustível, para que assim movesse os cilindros e pistões, a fagulha poderia causar um incêndio no balão. Por outro lado, alguns alegavam que um motor a combustão não geraria potência suficiente para movimentar o dirigível. Mas novamente, Santos Dumont decidiu correr o risco e criou o América (Amérique no original), seu primeiro dirigível.
"Com o "América", o jovem aeronauta entrou galhardamente para o noticiário dos jornais. Concorreu com 11 balões a um prêmio destinado a quem fizesse o melhor estudo das correntes atmosféricas. O "América" foi o balão que subiu mais alto e que se demorou mais tempo, manobrando nos ares durante 23 horas! Era a sua primeira vitória pública". (FONTES; FONTES, 1967, p. 47).
Com o sucesso obtido com os balões Brasil e América, Santos Dumont não voltaria a dar mais nomes aos seus inventos, nomeando-os apenas com números, no entanto, iniciava-se em 1898, sua carreira como aeronauta, balonista e projetor de balões e dirigíveis.
Alberto Santos Dumont junto a outros patrocinadores das ciências e da tecnologia da época como o advogado e balonista Ernest Archdeacon, o industrial e inventor Léon Serpollet, o industrial André Michelin, o industrial do ramo automobilístico o marquês Jules-Albert de Dion, o magnata do petróleo Henry Deutsch de la Meurthe, o famoso escritor Júlio Verne, entre outros, fundaram em 28 de outubro de 1898, o Aéro-Club de France. Um dos mais antigos e importantes do mundo. Santos Dumont havia ingressado no hall da fama dos pioneiros das indústrias, balonismo e automobilismo.
Ainda no mesmo ano ele criou outro dirigível, o N. 1.
"A 18 de setembro [de 1898], minha primeira aeronave, o "Santos Dumont N. 1" - como a denominaram depois, para distinguir das que seguiram - estava estendida sobre a relva, entre as lindas árvores do jardim". (DUMONT, 1986, p. 80).
O América foi apenas um teste, já que Santos Dumont não usou o motor em todos os voos, mas com o N. 1 ele decidiu testar o motor, embora tenha encontrado problemas de funcionamento e outras questões técnicas. Ao longo da sua carreira, Alberto passou por avarias, falhas e até acidentes, alguns quase o vitimaram, mas ele estava ciente que isso fazia parte do risco da profissão que havia escolhido. Em todos os seus inventos ele foi piloto de testes, somente quando teve certeza que tudo estava seguro, deixou outras pessoas voarem em seus balões, dirigíveis e aviões.
"Parti do local, que eles me indicaram, e no mesmo segundo, tal como eu receava, meu navio aéreo foi se rasgar contra as árvores. O acidente serviu, pelo menos, para demonstrar aos incrédulos a eficiência do meu motor e do meu propulsor. Não perdi tempo em lamentações. Dois dias depois mais tarde, a 20 de setembro, largava do mesmo campo, desta vez porém, do ponto escolhido por mim. Transpus sem acidentes o cimo das árvores, e logo em seguida comecei a fazer evoluções para a demonstração da aeronave aos parisienses acorridos em multidão. Tive então, como sem cessar, daí por diante, os aplausos e a simpatia do povo de Paris, em quem meus esforços sempre encontraram um testemunho generoso e entusiasta". (DUMONT, 1986, p. 81-82).
Santos Dumont teve alguns problemas para pousar o N. 1, pois a bomba de ar falhou, então o balão começou a murchar, o atirando em direção ao chão. O N. 1 teria colidido com a terra, se não fosse a ajuda de alguns garotos que soltavam pipas no Campo de Bagatelle. Do cesto, Santos Dumont gritou aos garotos que pegassem as cordas do dirigível e as puxassem contra o vento. Todos os meninos em um árduo esforço fizeram isso, amortecendo o impacto da queda. Santos Dumont não se feriu, mas evitou de ter sofrido ferimentos mais graves ou até mesmo morrido. (DUMONT, 1986, p. 83).
Novamente o acidente não o desmotivou, mas o motivou a solucionar o problema da descompressão do hidrogênio e o pouso. Ele fez algumas alterações e em 1899 voou com o N. 2, dirigível bem similar ao anterior, apenas um pouco maior e com algumas poucas diferenças, todavia, as alterações não foram suficientes e Santos Dumont limitou sua exibição pelos ares de Paris, para evitar um novo acidente.
Ainda em 1899, Santos Dumont lançou o N. 3, com 20 metros de comprimento, 7,5 metros de diâmetro, cubagem de 500 metros cúbicos, motor Dion-Bouton modificado, com potência de 4,5 cavalos a vapor (cv) e velocidade estimada em 25 km/h. Ao invés de usar hidrogênio, ele o substituiu por gás de iluminação o qual era mais barato, mas tinha menos potência de ascensão, o que o obrigou a aumentar a cubagem do balão de 200 metros cúbicos para 500 metros cúbicos. De qualquer forma, deu certo. Naquele ano, ele conseguiu contornar a Torre Eiffel. Esse era o Santos Dumont - N. 3, seu primeiro sucesso. (O POETA VOADOR, 2016, p. 62-63).
No ano de 1900, o empresário francês Henri Deutsch de La Meurthe (1846-1919), o qual viria se tornar amigo de Santos Dumont, propôs uma competição. Aquele que realizasse um voo controlado e cronometrado por uma comissão técnica do Aeroclube da França, receberia o prêmio de 100 mil francos. Santos Dumont se interessou não pelo prêmio, como veremos, mas pela oportunidade de provar que havia encontrado um meio de controlar a dirigibilidade dos dirigíveis.
Santos Dumont construiu o N. 4, para a competição do Prêmio Deutsch, fazendo-o maior e mais potente que seu antecessor, para que assim pudesse percorrer o trajeto dentro do tempo estipulado. Todavia, Santos Dumont não conseguiu percorrer o trajeto no tempo estipulado pela comissão. No entanto, ele foi parabenizado, pois foi o único aeronauta a ter entrado na competição, já que ninguém mesmo diante da vultuosa quantia do prêmio, havia se arriscado em competir. O Aeroclube ofereceu 4 mil francos para Alberto, como forma de incentivá-lo. Ele usou o dinheiro para promover um desafio; queria que alguém tentasse participar da disputa, e se ganhasse, levaria além dos 100 mil francos, os seus 4 mil francos, mas ninguém se habilitou.
No ano seguinte, Alberto Santos Dumont voltaria a disputar o Prêmio Deutsch dessa vez com um dirigível mais rápido, o N. 5. O novo dirigível era um pouco maior do que seu antecessor, possuindo 500 metros cúbicos de cubagem, mas um motor mais potente. Além disso, ele mudou a posição da hélice, a qual ficava apontada para a frente, a colocando-a apontada para trás e retornou a usar o cesto, o qual havia deixado de lado anteriormente. Ele trocou algumas das cordas, por cordas de piano trançadas, bem mais resistentes. Também projetou uma estrutura de madeira mais rígida e decidiu usar hidrogênio ao invés de gás de iluminação como usado no N. 3.
Todavia, os voos no N. 5 não foram satisfatórios. No primeiro voo realizado em 13 de julho de 1901, Santos Dumont conseguiu novamente contornar a Torre Eiffel, mas um vento forte o tirou do rumo, atirando-o contra as árvores da propriedade do barão Edmond de Rothschild. Santos Dumont não sofreu ferimentos no acidente.
Em 1 de agosto, Santos Dumont recebeu uma carta da princesa D. Isabel, filha de D. Pedro II, ex-imperador do Brasil. A princesa ficou sabendo pelos jornais do acidente ocorrido, preocupada com o conterrâneo, lhe enviou uma carta com alguns dizeres e uma medalhinha de São Bento, a qual a princesa disse que ajudaria a protegê-lo contra acidentes. Se Santos Dumont tinha fé ou não nestas crenças, uma coisa se sabe, ele passou a usar a medalhinha. (DUMONT, 1986, p. 134-135).
Santos Dumont realizou seu segundo voo no dia 8 de agosto, mas novamente sofreu novo acidente. Novamente Santos Dumont circulou a Torre Eiffel, o cartão postal de Paris, e prosseguiu com seu voo teste, até que certa altura, a bomba de gás começou a falhar e o N. 5 começou a murchar e perder altitude indo colidir com o Hotel Trocadero. O balão entrou em chamas. Santos Dumont estava preso a cesta, senão, teria sido arremessado. Ele ficou preso a uma altura de 20 metros. O pessoal do hotel e os bombeiros chegaram rapidamente. Ele conseguiu sair do cesto e alcançar o telhado do hotel, evitando cair e ser atingido pelas chamas. Havia sido o primeiro acidente grave. O ocorrido virou notícia em quase todos os jornais de Paris e de outras cidades francesas. Santos Dumont era um aeronauta e balonista conhecido, o acontecimento gerou repercussão no país.
Após o acidente e os destroços serem removidos e o foco de incêndio apagado, os jornalistas indagaram a Santos Dumont o que ele iria fazer agora, ele respondeu de forma contundente que iria recomeçar! Posteriormente ele seguiu para o Restaurante Maxim, encontrar alguns amigos, os quais souberam do ocorrido e estavam apreensivos com a segurança de Alberto, mas este disse que iria projetar o N. 6.
Naquela época, alguns aeronautas como eram chamados, já haviam se ferido gravemente ou perdido a vida em acidentes. Santos Dumont já havia sofrido alguns acidentes e sofreria outros mais. Além disso, naquele tempo, não se usava capacetes ou óculos de aviação, e tão pouco existia cintos de segurança ou para-quedas, os aeronautas e balonistas voavam sabendo dos riscos. Mas Santos Dumont para poder realizar seus sonhos, decidiu correr estes riscos. 22 dias depois ele lançava o N. 6.
"O novo balão apresentava a forma de um elipsoide alongado. Media 33 metros no seu eixo maior, por 6, nos eixos pequenos, e terminava em cone à frente e atrás. Empreguei desta vez o maior cuidado nos órgãos encarregados de assegurarem permanentemente a rigidez do balão. Si eu tombara com o "N. 5", fora por falta da menor das peças, da mais insignificante de todo o meu mecanismo - uma válvula, que enfraquecida, deixara escapar o hidrogênio. De maneira inteiramente análoga a queda da minha primeira máquina tivera por causa a defecção duma pequena bomba de ar!". (DUMONT, 1986, p. 145).
Todavia, no voo de teste do N. 6, em 6 de setembro, Santos Dumont voltou a sofrer novo acidente, mas nada de grave. Alguns amigos haviam tentado dissuadi-lo de prosseguir com os testes, já que ele havia sofrido três acidentes só naquele ano, mas Santos Dumont estava obstinado a ganhar o Prêmio Deutsch.
No dia 19 de outubro de 1901, Santos Dumont abordo do N. 6 decidiu tentar novamente o desafio do Prêmio Deutsch. Percorrer uma rota estipulada sobre Paris, totalizando 11 km de distância, no tempo cronometrado de 30 minutos. Para seu infortúnio as condições climáticas não foram favoráveis naquele dia, o tempo estava fechado, e os ventos poderiam atrapalhar a prova. Santos Dumont levantou voo em direção a Torre Eiffel, passando sobre esta.
"A partida oficial teve lugar às 2 horas e 42. Embora o vento me açoitasse de lado, com tendência para levar-me para a esquerda da Torre, mantive-me na sua linha direta. Avancei levando gradualmente a aeronave a uma altitude de 10 metros acima do seu pico. Esta manobre faziam-me perder tempo, mas premunia-me, na medida do possível, contra todo perigo de contacto com o monumento. Superado este, virei com um brusco movimento do leme, e descrevi um semi-círculo em derredor do para-raios, à distância de uns 50 metros. Eram 2 horas e 51. Em 9 minutos eu havia vencido um percurso de 5 quilômetros e meio e efetuado a manobra para voltar. A volta foi demorada. O vento era contrário. O motor, que até então havia se comportado bem, assim que deixou a Torre para trás uns 500 metros, ameaçou parar. Tive instante de grave indecisão. Era preciso tomar uma medida rápida. Com o risco de desviar o rumo, abandonei por um momento o leme a fim de concentrar a atenção na maneta do carburador e na alavanca de comando da faísca elétrica. O motor, que havia quase parado, retomou o seu ritmo". (DUMONT, 1986, p. 152-153).
No percurso de volta, Santos Dumont voltou a ter problemas com o motor e com a umidade das árvores do Bosque da Bolonha, por onde ele sobrevoava, fez o balão pesar, o puxando em direção as copas, mas para sua sorte, o motor recobrou a potência e o elevou a uma altura de 150 metros, permitindo que ele concluísse o trajeto, no tempo de 29 minutos e 30 segundos. Todavia, dificuldades para aterrizar devido ao vento, o levaram a pousar aos 30 minutos e 30 segundos. Um minuto, um exato minuto que pôs em dúvida o prêmio.
O público aplaudia o feito de Santos Dumont e dizia que ele havia ganho, mas a comissão técnica estava com dúvida. Deveriam computar o tempo de chegada ou de aterrizagem? Então foi decidido adiar o pronunciamento do resultado. No Aeroclube havia indecisão, parte dos membros não aceitavam que um brasileiro tivesse ganho o prêmio, todavia, três importantes nomes eram a favor de Santos Dumont: o príncipe Rolando Bonaparte, parente de Napoleão III, o sr. Henri Deutsch, o idealizador do prêmio, e o secretário-geral Manuel Aimé. Apenas em 4 de novembro é que foi publicado o resultado oficial: o brasileiro Alberto Santos Dumont, abordo do dirigível N. 6, havia se tornado o primeiro aeronauta a vencer o Prêmio Deutsch.
Sabendo da discórdia e da má fé de alguns membros do clube, Santos Dumont apresentou uma carta de afastamento do Aeroclube da França, o qual havia ajudado a fundar em 1898. Apenas em 1922, ele voltaria a reatar ligações com o clube. Todavia, o valor do prêmio havia subido para 125 mil francos, dos quais 75 mil Santos Dumont doou para o prefeito da Polícia de Paris, para que saudasse a penhora de todos os mecânicos e outros operários os quais costumavam penhorar suas ferramentas. Santos Dumont era um mecânico também, e sabia a importância das ferramentas para aquela profissão. Com isso, todas as dívidas foram saudadas. O restante do dinheiro ele repartiu com seus mecânicos e demais empregados. Sua generosidade surpreendeu a população parisiense. (DUMONT, 1986, p. 156).
"Pela mesma época recebi um outro grande prêmio, tão lisonjeiro quanto inesperado. Quero referir-me a quantia de 100 contos de réis (125 mil francos) que me concedeu o governo do meu país. Com o dinheiro, foi-me oferecida uma medalha de ouro de grande módulo, muito bonita, desenhada, cunhada e gravada no Brasil. O anverso representa minha humilde pessoa conduzida pela Vitória e coroada de louros pela Fama. Por cima dum sol nascente está gravada, com a ligeira variante por mim introduzida, e tal qual flutuava na longa flâmula da minha aeronave, o verso de Camões: "Por céus nunca d'antes navegados!". O reverso traz esta inscrição: "O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, Dr. Manoel Ferraz de Campos Salles, fez gravar e cunhar esta medalha em honra de Alberto Santos-Dumont - 19 de outubro de 1901". (DUMONT, 1986, p. 159-160).
Tendo vencido o Prêmio Deutsch, Santos Dumont havia se tornado uma celebridade, embora já fosse conhecido dos parisienses, sua fama se espalhava por outras terras. Sua residência em Paris começou a receber cartas e telegramas quase que diariamente, muitos eram de pessoas que simplesmente escreviam para lhe dar os parabéns e apresentar seu contentamento. Também chegavam cartas de outros países, das mais variadas procedências: autoridades, políticos, nobres, cientistas, artistas, estudiosos, inventores, empresários, industriais, jornalistas, esportistas, filantropos, donas de casa, etc. Todavia, uma das cartas que encantou Santos Dumont, foi escrita por um antigo amigo seu, chamado Pedro, o qual disse o seguinte:
"Você se lembra, meu caro Alberto, do tempo em que brincávamos juntos de "Passarinho voa?" A recordação dessa época veio-me ao espírito no dia em que chegou ao Rio a notícia do seu triunfo. O homem voa, meu caro! Você tinha razão em levantar o dedo, pois acaba de demonstrá-lo voando por cima da torre Eiffel. E tinha razão em não querer pagar a prenda. O senhor Deutsch paga-a por você. Bravo! Você bem merece este prêmio de 100.000 francos. O velho jogo está em moda em nossa casa mais do que nunca; mas desde o 19 de outubro de 1901, nós lhe trocamos o nome e modificamos a regra: chamamo-lo agora o jogo do "Homem voa?", e aquele que não levanta o dedo à chamada, paga prenda". (DUMONT, 1986, p. 28).
Santos Dumont passou a estampar jornais e revistas, inclusive dezenas de reportagens acerca dele foram publicados até o final do ano de 1901.
"Fotografaram-lhe o hangar, a oficina, a casa, os livros, as invenções, os motores. Os repórteres farejavam-lhe os hábitos, os sestros, as preferências, os ideais. Todos os jornais falavam de sua vida. Edições especiais de revistas, simultaneamente impressas em seis idiomas, reproduziam-lhe a imagem, descreviam-lhe os feitos". (FONTES; FONTES; 1967, p. 113).
Santos Dumont ao sair às ruas era abordado por repórteres, fotógrafos e admiradores. Vendedores de brinquedos e artesãos vendiam réplicas do dirigível N. 6, o qual se tornou bastante popular na época. Henry Deutsch compôs a música Santos-Valse (1901), em homenagem a Santos Dumont, por sua bravura, dedicação e empenho em não desistir acima de tudo, de seu sonho, pois o prêmio foi apenas um detalhe.
Ainda em 1901, ele recebeu convites para fazer palestras na Inglaterra, onde apareceu numa filmagem de Charles Rolls (1877-1910), co-fundador da Rolls-Royce, pioneiro do automobilismo e da aviação. Rolls estava interessado nos inventos de Santos Dumont, enxergava nos dirigíveis um veículo promissor. Viagens áreas. Anteriormente havia-se tentado tornar os balões meios de transporte para viagens, mas devido a falta de dirigibilidade e outros problemas isso foi abandonado.
Após retornar para a França, em janeiro de 1902, Santos Dumont recebeu um convite de Alberto I, príncipe de Mônaco, o qual havia ficado fascinado com a vitória do brasileiro em outubro do ano anterior. O príncipe solicitou que Santos Dumont voasse pela sua cidade-Estado, apresentando o dirigível N. 6. No dia 13 de fevereiro, Dumont realizou tal voo, mas devido a problemas técnicos, o N. 6 perdeu altitude e caiu na baía de Monte Carlo. Rapidamente o aeronauta foi resgatado e novamente sem ferimentos.
Sem se desanimar por mais um acidente, Santos Dumont posteriormente recebeu convite para ir aos Estados Unidos. No mesmo ano ele partiu para a América, vindo a conhecer entre vários entusiastas das ciências e das indústrias, o presidente Theodore Roosevelt e o famoso inventor Thomas Edison. Na época Edison se mostrou relutante quanto ao futuro dos dirigíveis, pois os considerava um transporte perigoso e ineficiente. Aquilo não agradou Santos Dumont, o qual nos anos seguintes tentou criar dirigíveis que tivessem utilidade como transporte.
5) O futuro dos dirigíveis:
Anos antes dos gigantescos dirigíveis Zeppelin cruzarem os ares e atravessar os oceanos, Santos Dumont ainda em 1902, já trabalhava em dirigíveis que pudessem ser usados como meio de transporte aéreo. A ideia não era nova, pois outros havia tentando antes dele, mas em seu caso, seu engenho com os dirigíveis lhe dizia que fosse algo possível, embora ele não conseguiu obter tal êxito, mas ainda assim deixou suas contribuições.
Ainda em 1902, em visita aos Estados Unidos, Santos Dumont sugeriu realizar uma competição de balões e talvez uma corrida de dirigíveis, a qual seria realizada em 1904, na edição da Saint Louis Word's Fair. Com isso em mente, de retorno a Paris, passou a planejar o N. 7, um dirigível voltado para a corrida. O novo dirigível era o maior que já havia construído, tendo 1.257 metros cúbicos de cubagem, tinha mais de 40 metros de comprimento, possuindo um motor com 70 cavalos de potência. Santos Dumont o guardou para a competição que seria realizada em Saint Louis, nos Estados Unidos em 1904.
Santos Dumont não chegou a construir o N. 8, havia ficado receoso com tal número, pois havia se acidentado com o N. 5, em 8 de agosto de 1901, em cuja ocasião colidiu com o telhado do Hotel Trocadero, e inclusive seu dirigível pegou fogo. Desde então ele evitou voar nos dias 8 e até mesmo no próprio mês de agosto, o oitavo mês do ano. Todavia, a pedido do sr. Boyce, vice-presidente do Aeroclube dos Estados Unidos, construiu uma réplica do N. 6 e lhe vendeu. Tendo sido o primeiro dirigível que vendia, pois Santos Dumont não foi de vender suas invenções, já que as concebeu inicialmente no intuito de aprimorar o progresso tecnológico e não visando o comércio (O POETA VOADOR, 2016, p. 22).
Como não construiu o N. 8, partiu para o N. 9, o qual foi apelidado de Baladeuse Arienne ("a charrete voadora"). Bem menor do que o N. 7, o Baladeuse foi concebido para ser seu dirigível pessoal, ou seja, que o pudesse usar no dia a dia, como usava seus automóveis. O novo dirigível tinha 12 metros de comprimento, 5,5 metros de diâmetro, cubagem de 220 metros cúbicos, usava um motor Clement-Bayard de dois cilindros, com 3 cv, podendo alcançar 30 km/h (O POETA VOADOR, 2016, p. 70).
Novamente Santos Dumont voltava a estampar os jornais e as revistas. O inventor e aeronauta brasileiro, passou a passear sobre o céu de Paris, no seu dirigível. Ele visitava amigos, ia aos parques, a restaurantes, etc., não de carro, mas em seu dirigível. As pessoas se amontoavam nas ruas, nas janelas, sacadas, parques e praças para ver aquele brasileiro de 1,60 m de altura, elegantemente vestido, cruzando os ares da capital francesa em seu Baladeuse como se fosse a coisa mais normal do mundo.
"Com o n. 9, Santos Dumont começou a realizar demonstrações que chamaram a atenção para o invento. Em 14 de junho de 1903, desceu o n. 9 em Longchamps durante uma corrida de cavalos; com o n. 9, foi até sua residência, na Avenida Champs-Élysées 114, no coração de Paris; em 24 de junho, dia de São João, fez uma ascensão noturna usando um farol da firma Blériot, mostrando que era possível voar à noite; dois dias depois, levou um menino de 10 anos, o americano Clarkson Porter, para um curto passeio; em 29 de junho, visitou o Parque de Aerostação, em Saint Cloud; no mesmo dia, permitiu que a americana-cubana Aida d'Acosta se tornasse a primeira mulher a pilotar um dirigível, voando sozinha desde Neuilly até o Campo de Bagatelle, no Bois de Boulongne; em 5 de julho, num voo até o Prado de Corridas de Auteil, teve que apagar o início de incêndio no motor do n. 9; em 11 de julho, foi almoçar no restaurante La Cascade, no Bois de Boulogne, e conversou com militares franceses sobre o uso militar dos dirigíveis; em 14 de julho, Dia Nacional da França, no n. 9, passou em revista as tropas francesas e saudou o presidente, Émile Loubet, com uma salva de 21 tiros". (O POETA VOADOR, 2016, p. 22-23).
Após o N. 9, Santos Dumont criou o N. 10, seu maior dirigível até então, superando o tamanho do N. 7. O novo dirigível apelidado de "Ônibus", possuía uma cubagem de 2.010 metros cúbicos de hidrogênio, com um motor de mais de 40 cv. A ideia do N. 10, o qual foi concebido para ser o primeiro dirigível de transporte coletivo (daí o nome ônibus), foi construído com a capacidade de levar até dez passageiros. Santos Dumont chegou a fazer alguns testes, mas acabou desistindo do projeto, pois não sentiu segurança neste.
Ainda em 1903, Santos Dumont visitou o Brasil, onde ouviu a homenagem do cantor, músico e compositor Eduardo das Neves, o qual compôs a modinha A conquista do ar! Cântico ao arrojado aeronauta Santos Dumont (1902), a qual se tornou um sucesso do carnaval carioca.
No ano de 1904, ocorreu a aguardada feira de Saint Louis, nos Estados Unidos. Santos Dumont havia levado seu N. 7, projetado a dois anos atrás, para participar da corrida, todavia, para seu infortúnio, alguém sabotou o dirigível. Não se sabe quem foi o responsável ou responsáveis, que furaram o balão. Santos Dumont como atestam as notícias da época, ficou bastante irritado e ainda mais decepcionado pela indelicadeza da organização do evento, a qual não investigou o caso ocorrido.
Em entrevista a jornais e revistas criticou o ocorrido. No final, o americano Roy Knabenshue, pilotando o dirigível California Arrow, venceu a disputa. Ainda no mesmo ano, corriam boatos de que dois inventores de Indiana, chamados Wilbur e Orville Wright, estavam fazendo testes com um aeroplano chamado Wright Flyer I. A fama de Santos Dumont como mestre dos balões e Rei do Ar (epíteto que havia ganho ainda em 1902), foi ofuscada.
6) O ingresso na aviação:
Em 1905 estando de volta a Paris, Santos Dumont começou a pensar e planejar seus aeroplanos. Além dos irmãos Wright, inventores ingleses, alemãs e franceses também estavam trabalhando em projetos similares. Desde 1897, com a criação do Avión III de Clément Ader, o progresso na construção de aeroplanos havia sido lento, mas agora a ideia de construir um aeroplano que efetivamente pudesse ser chamado de avião, estava em alta.
Inicialmente Santos Dumont criou um planador de pequeno porte, apenas para realizar testes simples de aerodinâmica, pois o pequeno planador não tinha espaço para que um homem pudesse voar nele. O modelo foi baseado na versão de George Cayley. Enquanto Santos Dumont fazia seus testes com planadores, os irmãos Wright já testavam seus aeroplanos movidos a motor de combustão e já realizavam alguns voos curtos, no entanto, eles ainda não haviam encontrado uma solução para um problema que acometia vários dos inventores da época: criar um motor potente o suficiente para fazer o avião alçar voo sem a necessidade de depender do vento, de trilhos, catapultas ou de ser rebocado.
Após realizar os testes com o planador, Santos Dumont criou seu primeiro aeroplano, o N. 11, o qual era uma pequena aeronave com dois motores de hélices, os quais além desse engenho, o inventor pretendia torná-lo um hidroavião, algo bem a frente de seu tempo. Caso tivesse dado certo o projeto, o N. 11, teria sido o primeiro hidroavião funcional da História. Todavia, problemas com os motores, as correias, a aerodinâmica, etc., o levaram a desistir do projeto.
O N. 12 consistiu no seu protótipo de helicóptero. Antes de Santos Dumont outros inventores já havia tentado projetar um helicóptero, mas não obtiveram êxito. O N. 12 também não resultou em êxito, pois Santos Dumont teve dificuldades em construir um motor adequado para o projeto, o qual fornecesse potência e empuxo necessário para levantar voo e manter o veículo voando. Além disso, havia o problema que até então os projetos de helicóptero, apenas conseguiam movê-lo para cima e para baixo, as outras direções ainda não eram possíveis. Santos Dumont havia se inscrito no Prêmio Archdeacon com seu N. 12, mas acabou desistindo de participar, pois seu invento não tinha potência e empuxo suficiente para alcançar os 25 metros de altura estipulados para se vencer a prova. Com isso Santos Dumont desistiu do N. 12.
Antes de dar continuidade aos projetos de aeroplanos, Santos Dumont com o N. 13 tentou criar um híbrido entre balão e dirigível. Neste caso, ele usaria tanto hidrogênio quanto ar quente. Essa estranha criação foi abandonada pouco tempo depois, devido ao fato de que durante os testes, Santos Dumont reconheceu o erro de se misturar hidrogênio com ar quente, pois uma única fagulha poderia tornar todo o dirigível-balão numa imensa bola de fogo. Temendo a questão de um terrível acidente, ele abandonou o projeto sem nem tentar fazê-lo voar, mas decidiu projetar outro dirigível, o N. 14.
Ao longo de 1906, Santos Dumont voltou a se dedicar aos aeroplanos. Ele aproveitou seu N. 14 e criou um modelo de aeroplano batizado de 14-bis.
"Santos Dumont abandonou o helicóptero e construiu, em pouco tempo, um avião, usando o que tinha de mais revolucionário na época: para as asas, utilizou as células do australiano Lawrence Hargrave; para o motor, usou o Antoinette de seu amigo Léon Levavasseur; para a configuração canard, omo o leme profundor colocado na frente da aeronave, utilizou os planadores dos Wright como inspiração; a potência do motor foi estimada pelos experimentos de Voisin, no rio Sena, com um planador Archdeacon, rebocado por uma lancha". (O POETA VOADOR, 2016, p. 24).
"Medindo 9,6 metros de comprimento, 11,46 metros de envergadura, peso de 290 kg, com um motor Antoinette de 8 cilindros, de 50 cv". (O POETA VOADOR, 2016, p. 74)
Em 13 de outubro de 1906, Santos Dumont realizou o primeiro voo do 14-bis, sem apoio do N. 14, acabou percorrendo poucos metros até que caiu abruptamente. Sem sofrer ferimentos, ele decidiu fazer algumas mudanças e dez dias depois estava pronto.
Ainda em outubro inscreveu-se para o Prêmio Archdeacon, o qual marcou sua prova para o dia 23 daquele mês. Neste dia, Santos Dumont realizou o primeiro voo efetivo do 14-bis, percorrendo uma distância de 60 metros. Santos Dumont realizou novo feito em sua carreira, conseguiu ser o primeiro aviador a decolar sem auxílio externo, apenas usando a potência do motor de seu aeroplano.
O êxito do voo rapidamente se espalhou e Santos Dumont recebeu o prêmio Archdeacon. Os jornais e revistas franceses o apelidaram de Oiseau de Proie (Ave de Rapina). Todavia, ele queria tornar ainda mais oficial o voo do 14-bis, assim solicitou da Federação Aeronáutica Internacional (FAI), criada no ano anterior, que realizasse uma prova técnica para apurar o próximo voo. A prova foi marcada para o dia 12 de novembro, contado com a presença de membros da FAI.
O 14-bis realizou seu terceiro voo, novamente no Campo de Bagatelle, mas perante a uma comissão científica da FAI. No segundo voo, Santos Dumont conseguiu percorrer a distância de 220 metros, a uma altura de 6 metros, cujo voo teve duração de 21,5 segundos. Com tal façanha recebeu um prêmio do Aeroclube da França, além de ter entrado para a História, ao se tornar o primeiro piloto a ter recordes de aviação registrados (O POETA VOADOR, 2016, p. 75).
Com o êxito dos dois voos e com a vitória dos dois prêmios, voltava a ser o centro das atenções. Matérias em jornais e revistas se multiplicavam em vários países. Fotografias, ilustrações, desenhos e gravuras o representavam em sua nova invenção, seu primeiro aeroplano ou avião funcional. Santos Dumont inclusive recebeu ofertas de propaganda, estampando selos, louças, embalagens de sabonete, chocolate, doces, caixas de fósforo, cartões-postais, etc. (O POETA VOADOR, 2016, p. 35).
7) Novos inventos:
Enquanto Santos Dumont recebia os louros da fama de ter criado um aeroplano que se tornou de acordo com a FAI, a primeira aeronave mais pesada do que o ar, ser cientificamente testada, registrada e aprovada, daí alguns alegarem que Santos Dumont tenha inventado o avião, embora que como apontado inicialmente neste texto, aeroplanos já existiam antes disso, de qualquer forma, Santos Dumont se dedicou nos próximos três anos a projetar novos aviões, embora que nem todos resultaram em êxito.
Em 1907 criou o N. 15, um aeroplano baseado no 14-bis, mas com várias diferenças. Enquanto no 14-bis, Santos Dumont tinha que ficar em pé para pilotá-lo, algo legado dos balões e dirigíveis, os quais eram pilotados em pé, no N. 15, ele o pilotaria agora sentado. Além disso, inverteu a posição da hélice a qual no 14-bis era atrás, passando-a para a frente, e a posicionando sobre a cabeça do piloto. Outras modificações também foram feitas, todavia, no primeiro teste de voo do N. 15, o avião falhou. Santos Dumont desistiu do projeto logo em seguida.
O N. 16 consistiu num misto de dirigível e aeroplano. A ideia seguia o mesmo caminho do N. 14 e do 14-bis, usar o dirigível para fazer alguns testes de voo com o novo avião, antes de voar nele sem apoio extra. Todavia, o dirigível acabou apresentando problemas na estrutura e não levantou voou. Santos Dumont decidiu não prosseguir com essa ideia, então manteve a ideia do avião, concebendo o N. 17, o qual era um biplano, maior do que o N. 15 e o 14-bis, mais potente, no entanto sua estrutura não era forte e leve o suficiente. Santos Dumont não chegou a construir o N. 17, porém usou algumas de suas ideias para construir o N. 18, um hidroplano.
O N. 18 não era um avião propriamente, mas uma máquina aquática e não aérea. Inspirado nas corridas de lancha que havia visto algumas vezes, Santos Dumont decidiu criar um novo hidroplano e testá-lo no rio Sena, como se ver na imagem acima. Todavia, problemas técnicos e de instabilidade, o levaram novamente abandonar o projeto, e com isso ainda no final de 1908, ele retornou para os aviões, projetando o N. 19, o primeiro ultraleve funcional da história da aviação. Medindo 5,1 metros de envergadura, 8 metros de comprimento, pesando cerca de 40 kg, movido por uma hélice de 1,35 m, impulsionada por um motor Duthiel & Chalmens de 2 cilindros, o pequeno avião poderia voar até 75 km/h (O POETA VOADOR, 2016, p. 83).
8) Os últimos aviões:
Após ter falhado em construir novos aviões com os projetos N. 15 e N. 16 e N. 17, embora o N. 15 foi o que mais progrediu, Santos Dumont no final de 1907 e começo de 1908, concebeu um novo aeroplano, o N. 19, o qual era inspirado na forma do N. 15 e não do 14-bis. O N. 19 possuía motor na frente, e o piloto ia sentado. Em 17 de novembro daquele ano, ele conseguiu alçar voo no N. 19, mas não gostou o desempenho de seu avião, e decidiu promover mudanças. O N. 19 foi nomeado de Demoiselle (cuja palavra pode significar donzela, senhorita, mas também significa libélula. De fato, o avião foi chamado assim, por causa mais do fato de ser frágil como uma libélula).
"Enquanto isso, vários inventores começavam a decolar e realizar pequenos voos. Aprenderam com o 14-bis o mistério da decolagem. Delagrange, num avião Voisin, voou 60 metros; Blériot atingiu somente 25 metros; Farman percorreu 771 metros; e Robert Esnault-Pelterie alcançou 600 metros. O ano de 1908 iniciou-se com o primeiro voo homologado de um quilômetro em circuito fechado, realizado por Farman, num avião de Voisin, no dia 13 de janeiro. Ganhou o Prêmio Deutsch-Archdeacon, no valor de 50 mil francos. Em 4 de julho, o americano Glenn Curtiss ganhou o prêmio Scientific American, no valor de 2.500 dólares, ao atingir a marca de 1.550 metros". (O POETA VOADOR, 2016, p. 25).
Novos voos e testes estavam sendo realizados e recordes eram sendo quebrados. Santos Dumont continuou a aperfeiçoar seu Demoiselle, embora apenas em 1909, apresentou sua nova versão, o N. 20. Até então, ele se afastou das competições e das provas, porém via tudo com entusiasmo, além de ser convidado para os eventos. Até os irmãos Wright apareceram na França em 1908, para apresentar fotos e modelos de seus aviões, embora tinham permanecido algum tempo fora do negócio da aviação, após alguns acidentes ocorridos em 1907. Todavia, com o entusiasmo da aviação pós-1906, Santos Dumont e os Wright eram ofuscados por outros inventores e aviadores.
Em agosto de 1909, ocorreu a primeira competição de aviões da História, sendo realizada em Reims, na França. Muitos seguiram para lá para testemunhar essa competição nunca antes realizada. Na ocasião Santos Dumont não quis competir, permaneceu na plateia, todavia, após o término da competição, ele exibiu o N. 20 Demoiselle. Na prática, os N. 20, 21 e 22 eram variações do N. 19 Demoiselle, que Santos Dumont foi aperfeiçoando principalmente em termos de motor e potência.
A nova versão do Demoiselle foi exibida em setembro na exposição internacional de Locomoção Aérea, no Grand Palais, em Paris. Possuía 5,5 metros de comprimento, envergadura de 5,5 metros (ou seja, era menor do que o modelo N. 19), possuía um peso de cerca de 50 kg, totalizando 115 kg com Santos Dumont; motor Duthiel & Chalmens de 2 cilindros, mas sendo que mais potente, o que fazia o avião alcançar até 90 km/h (O POETA VOADOR, 2016, p. 87).
O aviador Roland Garros (1888-1918) ficou tão interessado pelo avião de Santos Dumont que lhe comprou o N. 19 Demoiselle, tendo sido seu primeiro avião. Roland Garros realizaria outros feitos na aviação e ficaria conhecido como piloto de caça, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
No ano de 1910, Santos Dumont surpreendeu o mundo ao anunciar que tornaria público a patente dos Demoiselle. Na prática ele nunca registrou patente de seus inventos, e no caso de seus últimos inventos isso não foi diferente. A revista americana Popular Mechanics de abril de 1910, publicava integralmente todos os desenhos técnicos do N. 20 Demoiselle. No mesmo ano a fábrica de automóveis Clément-Bayard fabricou 50 exemplares do avião, tornando-se o primeiro modelo de avião da História, a ser produzido em massa e comercializado. Além dessa produção em massa, inventores e pilotos montaram seus próprios Demoiselle e realizaram seus voos (O POETA VOADOR, 2016, p. 87).
"A um jornalista, Santos Dumont disse a respeito do Demoiselle: "Se queres prestar-me um grande obséquio, declare pelo seu jornal que, desejoso de propagar a locomoção aérea, eu ponho à disposição do público as patentes de invenção do meu aeroplano. Toda gente tem o direito de construí-lo, e, para isso, pode vir pedir-me os planos. O aparelho não custa caro. Mesmo com o motor não chega a 5 mil francos". (O POETA VOADOR, 2016, p. 37).
Considerações finais:
Após lançar os modelos alternativos do Demoiselle N. 21 e N. 22, ainda em 1910, Santos Dumont se retirou da frente dos holofotes. Deixou a engenharia aeronáutica, deixou de inventar balões, dirigíveis e aviões, embora ainda continuou a inventar outras coisas, mas nada relacionado ao balonismo e a aviação. Inicialmente passou os anos seguintes a realizar palestras e participar de eventos, inclusive apresentando suas últimas versões do Demoiselle, mas sem pilotá-las propriamente. Ganhou títulos honoríficos, prêmios e até homenagens como estátuas.
Em 1915, recebeu o convite do Aeroclube dos Estados Unidos para dar uma palestra no Segundo Congresso Científico Pan-Americano. Na ocasião decidiu abordar temas como transporte aéreo e integração entre as Américas.
Embora Dumont estivesse entusiasmado com o rápido progresso que a aviação vivenciava, por outro lado, o uso dos aviões como máquinas de guerra o entristecia bastante. Inclusive seu amigo Roland Garros, que serviu como piloto, havia morrido na guerra. Santos Dumont chegou a escrever cartas as autoridades europeias, pedindo que não usassem o invento que ajudou a desenvolver (pois nunca se considerou o inventor do avião). Embora tenha conversado com militares em 1905, a ideia era usar os dirigíveis para exploração, observação e transporte, jamais como arma. Em seu livro de memórias O que eu vi, o que nós veremos (1918), comentou o seguinte:
Em 1918 mudou-se para o Brasil, indo morar em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Lá comprou um terreno e construiu uma casa, pequena e excêntrica. Além disso, costumava ir ao Rio e São Paulo visitar os parentes.
Todavia, regularmente costumava retornar a Europa, principalmente a França. Na década de 20, já com mais de 45 anos, começou a piorar de saúde, alguns sugerem que desenvolveu esclerose múltipla, ao ponto de ter se internado em casas de repouso e até em sanatórios na França e Suíça. Em 1928 a pedido dos familiares retornou ao Brasil. Já estava calvo, de cabelos brancos, bastante magro, com aparência debilitada e sofria de depressão. Cometeu suicídio em 9 de junho de 1932, em Guarujá, no estado de São Paulo. Faleceu aos 59 anos.
Alberto Santos Dumont como um Dédalo da belle époque, teve seus anos de aventura entre 1898 e 1909, época que se dedicou ao balonismo e a aviação, fascinando o mundo com sua engenhosidade, coragem, determinação, elegância, vaidade e excentricidade. Colheu os louros da fama nos anos seguintes, porém, como de costume dos heróis gregos, os últimos anos sempre são os mais difíceis. Viu suas ideias serem usadas para más ações, perdeu parentes e amigos, adoeceu, entrou em depressão e teve um final trágico, ao enforcar-se em casa.
Todavia, passado mais de cem anos desde que alçou voo com o 14-bis, e posteriormente presenteou o mundo com o N. 20 Demoiselle, Santos Dumont ainda continua sendo uma figura a ser admirada, pois não apenas dedicou parte de sua vida, mas também a arriscou algumas vezes, para poder realizar não apenas um sonho pessoal, mas conceder um presente a humanidade: desenvolver a aviação. Embora tenha se decepcionado com o uso militar dos aviões, alegrou-se em saber que o avião havia se tornado um transporte aéreo, o que realizou o seu sonho de conectar o mundo.
Lista das máquinas inventadas por Santos Dumont:
NOTA: No ano de 1904 Santos Dumont escreveu uma autobiografia em francês, intitulada Dans l'air. O livro foi traduzido no Brasil em 1938, recebendo o título de Os meus balões. Nesta obra, Santos Dumont fala sobre sua infância e o início da carreira como balonista e inventor. Como a obra foi publicada em 1904, ele nada comentou acerca dos seus aviões, o 14-bis e o Demoiselle.
NOTA 2: Em 1918, em São Paulo, Santos Dumont redigiu um livreto de memórias chamado O que eu vi, e o que nós veremos. Baseado em algumas cartas e telegramas que recebeu, além de falar um pouco de sua vida e carreira. Aqui ele já faz menção aos seus outros inventos.
NOTA 3: Antes de conhecer Thomas Edison, em 1902, Santos Dumont recebeu um telegrama do inventor americano, o parabenizando por sua vitória no Prêmio Deutsch, e o chamando-o de "bandeirante dos ares".
NOTA 4: Em 1910, o aviador, engenheiro e inventor francês Louis Blériot (1872-1936), realizou o primeiro voo sobre o Canal da Mancha. Na época Santos Dumont o parabenizou pela façanha. Em resposta Blériot enviou um telegrama agradecendo, mas também elogiava o brasileiro, pois ele via em Dumont uma inspiração.
NOTA 5: Roland Garros o qual era amigo de Santos Dumont, chegou a visitar o Brasil algumas vezes e até foi instrutor de voo no país. Morreu em combate aéreo em 1918, durante a guerra. Algo que magoou muito Santos Dumont.
NOTA 6: Além de conhecer Charles Rolls, co-fundador da Rolls-Royce, Santos Dumont também conheceu André Michelin, co-fundador da Michelin.
NOTA 7: Em 1931, Santos Dumont foi nomeado para ocupar a cadeira de número 38, na Academia Brasileira de Letras. Posição que ocupou por menos de um ano, devido a sua morte em 1932.
NOTA 8: Santos Dumont era conhecido por ser vaidoso, sempre andava elegantemente. Costumava usar sapatos com solado grosso, para tentar disfarçar sua estatura, embora que ele tivesse praticamente o mesmo tamanho que Napoleão Bonaparte, 1,60 m. Dumont também costumava usar o cabelo repartido no meio, chapéu panamá, e camisas com gola alta. Isso acabou se tornando moda em Paris.
NOTA 9: Santos Dumont era amigo do relojeiro e joalheiro Louis Cartier (1875-1942), o qual inventou o relógio de pulso, graças a uma sugestão de Dumont, o qual havia indagado se Cartier não podia criar um relógio que pudesse ser usado no pulso, pois evitava que Santos Dumont tivesse que tirar as mãos dos controles, para ter que pegar o relógio de bolso. Em 1904, Cartier lançou seu protótipo exclusivamente para Santos Dumont, vindo apenas anos depois comercializar a ideia.
NOTA 10: Santos Dumont também inventou outras coisas, uma delas o hangar com portas corrediças. Criou também um chuveiro que fornecia água quente e fria, para sua casa em Petrópolis; inventou uma escada de meio degrau, também para sua casa em Petrópolis; projetou cadeiras e mesas altas, as quais requeriam uma escadinha para se ter acesso, etc.
NOTA 11: Na cidade do Rio de Janeiro, em 1936 foi inaugurado o Aeroporto Santos Dumont, na zona central da cidade. Consiste no segundo aeroporto da cidade, mais voltado para voos nacionais.
NOTA 12: Santos Dumont não se casou e não teve filhos. Todavia, tal fato gerou várias hipóteses ao longo da História. Uns defendem que ele teve algumas namoradas, mas nada sério ou caso tenha sido sério, foram romances escondidos. Sabe-se que ele cogitou pedir algumas delas em casamento. Outros sugerem que ele fosse gay, que as mulheres eram apenas amigas.
Referências Bibliográficas:
BARROS, Henrique Lins de. A invenção do avião. Rio de Janeiro: Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT/Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas - CBPF, 2006. DUMONT, Alberto Santos. Os meus balões. Tradução de A. de Miranda Bastos. Brasília: Fundação Rondon, 1986.
DUMONT, Alberto Santos. O que eu vi, e o que nós veremos. São Paulo: Edição do Autor, 1918.
FONTES, Ofélia; FONTES, Narbal. A vida de Santos Dumont. 3a edição. São Paulo: Reper Editora, 1967.
O POETA Voador - Santos Dumont (org.). Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2016.
SENNA, Orlando. Alberto Santos Dumont. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.
STUDART, Nelson. Cronologia de Santos Dumont. Revista Física na Escola, v. 7, n. 2, p. 14-20, 2006.
LINKS:
Partitura da música Santos-valse (1901)
Relógios Santos Dumont - Cartier
Museu Casa de Santos Dumont - Petrópolis, Brasil
Exposição O Poeta Voador - Museu do Amanhã - Rio de Janeiro
Perfil acadêmico de Santos Dumont na Academia Brasileira de Letras
Alberto Santos Dumont. Inventor, aeronauta, balonista, aviador, piloto de testes, mecânico, engenheiro aeronáutico, design, esportista e pioneiro da aviação. |
Ainda hoje existe uma disputa em saber quem inventou o avião. Alguns historiadores das ciências costumam dizer que o avião foi uma criação a partir de vários inventores, os quais cada um contribuiu com alguma parte da mecânica e da estrutura de funcionamento do avião. No entanto, se seguirmos alguns parâmetros estabelecidos pela Federação Aeronáutica Internacional (FAI), e alguns detalhes históricos, a realidade muda.
Desde o século XVIII, balões já eram usados na França, com direito a tripulação de animais ou de pessoas, embora que em alguns voos, houve acidentes e até mesmo vítimas fatais, ainda assim, o início da era do voo começou por essa época propriamente. Pois embora Leonardo da Vinci (1452-1519) tenha projetado máquinas voadoras e antes dele, inventores turcos, árabes e chineses tenham também concebido meios para se voar, nenhum dos projetos deu certo ou chegou a ser construído e testado de forma eficaz.
George Cayley |
No ano de 1852 o inventor francês Henri Gliffard (1825-1882) criou o dirigível, todavia, seu dirigível curiosamente não era dirigível, pois ele seguia a direção do vento, não havendo mecanismo para mudar e controlar sua direção. Mas embora houvesse essa falta de dirigibilidade em sua invenção, Gliffard foi o primeiro a por um motor e hélices num balão, o que permitia aumentar a velocidade da máquina voadora. Enquanto Cayley fazia testes com seus planadores os quais dependiam da velocidade do vento, Gliffard combinava o uso do ar quente ou do hidrogênio, com a potência de um motor a vapor. A ideia de usar motores para propulsionar os aeroplanos foi adotada muito tempo depois.
Desenho do dirigível de Henri Gliffard, inventado em 1852. O primeiro dirigível da História. |
Fotografia de 1897, mostrando o Avión III de Clément Ader. A primeira máquina voadora a se aproximar de um avião que conhecemos. |
1) Homem voa?
Henrique Dumont (1832-1892) era filho de franceses que haviam se mudado para o Brasil, mais especificamente para a Província de Minas Gerais. Henrique e mais dois irmãos tinham interesse em mineração, embora que Henrique acabou se formando em engenharia. No ano de 1853, os irmãos Dumont ficaram sabendo que em Bagagem, uma escrava havia encontrado um diamante de 254 quilates. O diamante foi batizado de Estrela do Sul. Eles compraram o diamante da escrava, então viajaram para a França, na tentativa de vendê-lo para o imperador Napoleão III, mas o monarca não teve interesse na joia brasileira. Henrique concluiu seus estudos em Paris, então retornou para Minas Gerais, voltando a trabalhar na construção civil e no transporte, projetando pontes e estradas de ferro. Foi nesta época que conheceu Francisca de Paula Santos, filha do Comendador Paula Santos (FONTES; FONTES; 1967, p. 16).
Francisca Santos Dumont e Henrique Dumont, os pais de Alberto Santos Dumont. |
Museu Cabangu, Minas Gerais. Casa onde nasceu Santos Dumont. |
Foi na Fazenda Dumont, onde Alberto descobriu seu interesse pela mecânica, pelas máquinas e pela tecnologia.
"A criança franzina e solitária dividia o tempo entre as leituras de livros de Júlio Verne à sombra das árvores e o fascínio com as máquinas de beneficiar o café. "Dificilmente se conceberia meio mais sugestivo para a imaginação de uma criança que sonha com invenções mecânicas", diz ele em sua autobiografia Os meus balões, de 1904, na qual descreve longamente o funcionamento das máquinas da fazenda, suas engrenagens e as inspirações que elas lhe traziam. Fascinado com o movimento, começou a fazer pequenas rodas d'água e pipas com papel". (O POETA VOADOR, 2016, p. 28).
Santos Dumont conta em sua autobiografia que na infância, ele além de ser fascinado pelas obras de Júlio Verne, um dos primeiros grandes escritores de ficção científica, ele também fazia aviõezinhos de papel, pipas e na época de junho, quando se comemorava a Festa de São João, havia a tradição de fazer balõezinhos, e o pequeno Santos Dumont fazia isso. Projetava seus balõezinhos, os enchia com o ar quente e os soltava aos montes nas noites juninas.
Ainda na infância ele nos conta que costumava brincar com seus irmãos e outras crianças, de uma brincadeira chamada "passarinho voa?".
"O divertimento é muito conhecido. As crianças colocam-se em torno de uma mesa, e uma delas vai perguntando, em voz alta: "Pombo voa?"... "Galinha voa"... "Urubu voa?"... "Abelha voa?"... E assim sucessivamente. A cada chamada todos nós devíamos levantar o dedo e responder. Acontecia porém que de quando em quando gritavam! "Cachorro voa?"... "Raposa voa?"... ou algum disparate semelhante, a fim de nos surpreender. Si algum levantasse o dedo tinha de pagar uma prenda. E meus companheiros não deixavam de piscar o olho e sorrir maliciosamente cada vez que perguntavam: "Homem voa?"... E que no mesmo instante eu erguia o meu dedo bem alto, e respondia: "Voa!"... Com entonação de certeza absoluta, e me recusava obstinadamente a pagar prenda". (DUMONT, 1986, p. 27).
No entanto, além desse fascínio por aparelhos voadores, Alberto conta que aos 7 anos, ele já guiava locomóveis e aos 12 os maquinistas os deixavam comandar as locomotivas da fazenda, as quais eram sete. Nessa mesma época ele também se interessava por mecânica, e com isso os mecânicos da fazenda o ensinaram algumas coisas. Na adolescência, Alberto já consertava alguns problemas simples e até mesmo faziam manutenções nas máquinas que cuidavam do processamento do café. (DUMONT, 1986, p. 23).
2) A emancipação e o início dos estudos:
Em 1888, a família Dumont visitava uma feira em São Paulo, Alberto tinha 15 anos na época, e ali na capital da província paulista, ele viu seu primeiro balão, o qual na ocasião foi testado diante do público que estava fascinado com aquilo. Santo Dumont já havia lido nos livros de Júlio Verne, histórias de voos em balões e até mesmo de viagens, mas nunca havia visto um balão tripulável, aquilo o maravilhou.
Em 1891, Henrique Dumont sofreu um acidente, tendo caindo do cavalo, e ficou com parte do corpo parcialmente paralisada. No mesmo ano, ele decidiu viajar com a família e ir se tratar em Paris. Nem todos os filhos foram nesta viagem, mas Alberto foi um dos quais viajou para a Cidade Luz. Anos depois em sua autobiografia ele relatou suas expectativas sobre a viagem, e o que mais o interessava era ver as máquinas voadoras, embora que isso se mostrou algo frustrante.
"Na França é que fora lançado o primeiro balão cheio com hidrogênio, que voara a primeira aeronave com sua máquina a vapor, seu propulsor de hélice e seu leme. Naturalmente eu acreditava desde a data em que, em 1852, Henri Giffard, com uma coragem tão grande quanto a sua ciência, havia demonstrado de maneira magistral a possibilidade de dirigir um balão. Eu dizia a mim mesmo "Vou encontrar novidades em Paris - balões, dirigíveis e automóveis!" - Com esta disposição, assim que chegamos ao nosso destino e consegui uma tarde livre, fiz um reconhecimento. Com grande surpresa soube que não existiam ainda balões dirigíveis, mas apenas balões esféricos como o de Charles, 1783! Ninguém havia, depois de Giffard, prosseguido com as experiências com balões alongados, propelidos por motor térmico". (DUMONT, 1986, p. 33-34).
Na época que Santos Dumont visitou a França, Clèment Ader ainda realiza seus experimentos com seu Avión, os quais ainda não haviam sido apresentados inteiramente ao público. Além disso, a maioria dos balonistas não eram inventores, mas homens que usavam os balões para lazer ou conseguir dinheiro, geralmente se apresentando em feiras e exposições. Santos Dumont conta que viu um destes balonistas o qual dispunha seu balão para um passeio de 2 horas, mas ele cobrava absurdos 1.200 francos, além de solicitar que um termo de seguro fosse assinado, envolvendo questões de indenização por acidente ou morte. Alberto declinou a oportunidade.
Entretanto, se por um lado ele se decepcionou devido aos passeios de balões serem muito caros, se decepcionou por não ter novos inventos voadores, mas por outro lado, se encantou com a beleza de Paris e seus monumentos, como a Torre Eiffel, inaugurada apenas há dois anos. Todavia, certo dia, Alberto e seu pai foram visitar uma exposição de máquinas no Palácio das Indústrias, onde ele ficou maravilhado ao ver um motor a petróleo, como costumavam chamar os motores a combustão, usados nos automóveis.
Fachada do antigo Palácio das Indústrias, inaugurado em 1855, destruído em 1897. |
Antes de retornar para o Brasil, Santos Dumont pediu ao seu pai para comprar um carro. Ele esperava ver vários automóveis em Paris, mas ficou surpreso que mesmo naquela cidade, os carros fossem raros. Para adquirir um automóvel, ele viajou até a cidade de Valentigney, onde havia uma fábrica da Peugeot. No ano de 1891, Armand Peugeot havia lançado seu novo modelo de automóvel, o Peugeot Tipo 3, e este foi o modelo que Santos Dumont comprou.
"Era uma curiosidade. Nesse tempo não existia ainda nem licença de automóvel, nem exame de motorista. Quando alguém dirigia a nova invenção pelas ruas da capital era por sua própria conta e risco. E tal era o interesse popular que eu não podia parar em certas praças, como a da Opera, com receio de juntar a multidão e interromper o trânsito. De então em diante tornei-me adepto fervoro do automóvel. Entretive-me a estudar os seus diversos órgãos e a ação de cada um. Aprendi a tratar e concertar a máquina". (DUMONT, 1986, p. 36).
Um modelo de Peugeot Tipo 3, em exibição no Museu da Peugeot. Esse foi o modelo do primeiro carro que Santos Dumont comprou. |
"Já lhe dei a liberdade; aqui está mais este capital... Tenho ainda alguns anos de vida; quero ver como você se conduz. Vai para Paris, o lugar mais perigoso para um rapaz. Vamos ver se você se faz um homem! Prefiro que não se faça doutor. Em Paris, com o auxílio de nossos primos, você procurará um especialista em Física, Química, Mecânica, Eletricidade, etc.; estude essas matérias e não se esqueça que o futuro do mundo está na Mecânica! Você não precisará pensar em ganhar a vida; eu lhe deixarei o necessário para viver". (FONTES; FONTES, 1967, p. 34).
No mesmo ano Alberto Santos Dumont retornou a Paris, agora para morar. Lá, seus parentes arranjaram aulas particulares com um renomado professor de origem espanhola, chamado Garcia, o qual se tornou seu mestre nas ciências da física e química e suas demais áreas. Nesse tempo também, o jovem Santos Dumont viajou para a Inglaterra, para aperfeiçoar seu inglês e retornou para a França, onde participou de uma expedição para escalar Monte Branco, com seus 4.803 metros de altitude. De volta a capital francesa, prosseguia com seus estudos com o professor Garcia. Curiosamente, enquanto seus irmãos Henrique Filho e Luís formaram-se em engenharia, Alberto nunca se formou em engenharia.
3) O primeiro voo:
Em 1894, Santos Dumont viajou a primeira vez aos Estados Unidos, país que retornaria em outras ocasiões. De volta a França, passou a participar de corridas de carro e de moto, assistindo, apostando, patrocinando, como no caso da vez que alugou o velódromo do Parc des Princes, para organizar uma corrida de motocicletas. As vezes competia nas corridas como amador. O jovem Alberto mostrava-se um piloto. Todavia, sua vida deu uma nova guinada em 1897, quando se encontrava no Brasil, visitando a família.
"Em 1897, em viagem ao Rio de Janeiro, deparou-se numa livraria, por acaso, com um livro que mudou seu curso. Andrée - Au Pôle Nord en Ballon descrevia o balão que os suecos Salomon-Auguste Andrée, Nils Strindberg e Knut Fraenkel haviam usado em uma malograda viagem ao Polo Norte naquele ano. Os autores eram sues construtores, os franceses Henri Lachambre e Alexis Machuron. Santos Dumont diz que o livro foi uma revelação. "Acabei decorando-o como se fora um manual escolar. Detalhes de construção e preço abriram-me os olhos".
Capa de uma edição de Au Pole Nord en Ballon (1897), livro que inspirou Santos Dumont a se dedicar de vez ao balonismo. |
"Guardo uma recordação indelével das deliciosas sensações de minha primeira tentativa aérea. Cheguei cedo ao parque de aerostação de Vaugirard, a fim de não perder nenhum dos preparativos. O balão, de uma capacidade de 750 metros cúbicos, jazia estendido sobre a grama. A uma ordem do sr. Lachambre, os homens começaram a enchê-lo de gás. E em pouco a massa informe começou a se transformar numa vasta esfera. As 11 horas tudo estava terminado. Uma brisa fresca acariciava a barquinha, que se balançava suavemente sob o balão. A um dos cantos dela, com um saco de lastro na mão, eu aguardava com impaciência o momento da partida". (DUMONT, 1986, p. 41).
Henri Lachambre, foi um importante aeronauta e construtor de balões no final do século XIX. |
Santos Dumont tornou-se amigo de Lachambre e Machuron, e assim viajou várias outras vezes, em algumas ocasiões ele viajou sozinho. Mas esse foi o início que ele buscava, e com isso, decidiu construir seus próprios balões.
4) O mestre dos balões:
Após algumas viagens de balão, Santos Dumont estava decidido criar o seu próprio balão. Na época os balões eram enormes, possuíam de 500 a 2.000 metros cúbicos de capacidade, o que demandava uma grande quantidade de ar quente ou de gás, o que acarretava num preço elevadíssimo. Para se ter noção, saía bem mais caro encher um balão do que mandar fabricá-lo. (O POETA, VOADOR, 2016, p. 30). Assim, Santos Dumont teve a ideia de reduzir drasticamente os tamanhos dos balões, tentando trabalhar com a margem dos 100 metros cúbicos de capacidade. Lachambre e outros balonistas disseram que era algo enviável, pois um balão deste tamanho não seria capaz de erguer uma pessoa do chão.
Santos Dumont não se deixou desanimar e iniciou seus experimentos. Aos 25 anos de idade ele criou um balão com 6 metros de diâmetro, com capacidade de 113 metros cúbicos, pequeno o suficiente, ao ponto que poderia ser dobrado e guardado dentro de uma mala. Muitos duvidaram que aquele balão feito de uma seda japonesa super-resistente pudesse alçar voo carregando o cesto e mais um tripulante. O balão o qual na época era o menor balão do mundo tripulável, foi nomeado de Brasil (Brésil no original em francês).
Fotografia de Santos Dumont voando no seu primeiro balão, nomeado de Brasil, em 1898. O menor balão tripulável do mundo, na época. |
No entanto, o engenho de Santos Dumont não parou por aí. No mesmo ano ele começou a projetar seu próprio motor a combustão, baseado na mecânica dos automóveis que o fascinavam desde seus 17 anos. Com o motor concluído, ele decidiu uni-lo a um balão, e construir seu próprio dirigível como Henri Gliffard havia feito quase cinco décadas antes. Novamente os balonistas foram contrários a ideia, pois o motor a combustão soltava faíscas para queimar o combustível, para que assim movesse os cilindros e pistões, a fagulha poderia causar um incêndio no balão. Por outro lado, alguns alegavam que um motor a combustão não geraria potência suficiente para movimentar o dirigível. Mas novamente, Santos Dumont decidiu correr o risco e criou o América (Amérique no original), seu primeiro dirigível.
"Com o "América", o jovem aeronauta entrou galhardamente para o noticiário dos jornais. Concorreu com 11 balões a um prêmio destinado a quem fizesse o melhor estudo das correntes atmosféricas. O "América" foi o balão que subiu mais alto e que se demorou mais tempo, manobrando nos ares durante 23 horas! Era a sua primeira vitória pública". (FONTES; FONTES, 1967, p. 47).
Com o sucesso obtido com os balões Brasil e América, Santos Dumont não voltaria a dar mais nomes aos seus inventos, nomeando-os apenas com números, no entanto, iniciava-se em 1898, sua carreira como aeronauta, balonista e projetor de balões e dirigíveis.
Alberto Santos Dumont junto a outros patrocinadores das ciências e da tecnologia da época como o advogado e balonista Ernest Archdeacon, o industrial e inventor Léon Serpollet, o industrial André Michelin, o industrial do ramo automobilístico o marquês Jules-Albert de Dion, o magnata do petróleo Henry Deutsch de la Meurthe, o famoso escritor Júlio Verne, entre outros, fundaram em 28 de outubro de 1898, o Aéro-Club de France. Um dos mais antigos e importantes do mundo. Santos Dumont havia ingressado no hall da fama dos pioneiros das indústrias, balonismo e automobilismo.
Sede do Aeroclube da França. Santos Dumont foi um dos fundadores do clube. |
"A 18 de setembro [de 1898], minha primeira aeronave, o "Santos Dumont N. 1" - como a denominaram depois, para distinguir das que seguiram - estava estendida sobre a relva, entre as lindas árvores do jardim". (DUMONT, 1986, p. 80).
O América foi apenas um teste, já que Santos Dumont não usou o motor em todos os voos, mas com o N. 1 ele decidiu testar o motor, embora tenha encontrado problemas de funcionamento e outras questões técnicas. Ao longo da sua carreira, Alberto passou por avarias, falhas e até acidentes, alguns quase o vitimaram, mas ele estava ciente que isso fazia parte do risco da profissão que havia escolhido. Em todos os seus inventos ele foi piloto de testes, somente quando teve certeza que tudo estava seguro, deixou outras pessoas voarem em seus balões, dirigíveis e aviões.
"Parti do local, que eles me indicaram, e no mesmo segundo, tal como eu receava, meu navio aéreo foi se rasgar contra as árvores. O acidente serviu, pelo menos, para demonstrar aos incrédulos a eficiência do meu motor e do meu propulsor. Não perdi tempo em lamentações. Dois dias depois mais tarde, a 20 de setembro, largava do mesmo campo, desta vez porém, do ponto escolhido por mim. Transpus sem acidentes o cimo das árvores, e logo em seguida comecei a fazer evoluções para a demonstração da aeronave aos parisienses acorridos em multidão. Tive então, como sem cessar, daí por diante, os aplausos e a simpatia do povo de Paris, em quem meus esforços sempre encontraram um testemunho generoso e entusiasta". (DUMONT, 1986, p. 81-82).
Fotografia de Santos Dumont voando no Dirigível N. 1, em setembro de 1898. |
Santos Dumont teve alguns problemas para pousar o N. 1, pois a bomba de ar falhou, então o balão começou a murchar, o atirando em direção ao chão. O N. 1 teria colidido com a terra, se não fosse a ajuda de alguns garotos que soltavam pipas no Campo de Bagatelle. Do cesto, Santos Dumont gritou aos garotos que pegassem as cordas do dirigível e as puxassem contra o vento. Todos os meninos em um árduo esforço fizeram isso, amortecendo o impacto da queda. Santos Dumont não se feriu, mas evitou de ter sofrido ferimentos mais graves ou até mesmo morrido. (DUMONT, 1986, p. 83).
Novamente o acidente não o desmotivou, mas o motivou a solucionar o problema da descompressão do hidrogênio e o pouso. Ele fez algumas alterações e em 1899 voou com o N. 2, dirigível bem similar ao anterior, apenas um pouco maior e com algumas poucas diferenças, todavia, as alterações não foram suficientes e Santos Dumont limitou sua exibição pelos ares de Paris, para evitar um novo acidente.
Ainda em 1899, Santos Dumont lançou o N. 3, com 20 metros de comprimento, 7,5 metros de diâmetro, cubagem de 500 metros cúbicos, motor Dion-Bouton modificado, com potência de 4,5 cavalos a vapor (cv) e velocidade estimada em 25 km/h. Ao invés de usar hidrogênio, ele o substituiu por gás de iluminação o qual era mais barato, mas tinha menos potência de ascensão, o que o obrigou a aumentar a cubagem do balão de 200 metros cúbicos para 500 metros cúbicos. De qualquer forma, deu certo. Naquele ano, ele conseguiu contornar a Torre Eiffel. Esse era o Santos Dumont - N. 3, seu primeiro sucesso. (O POETA VOADOR, 2016, p. 62-63).
O Santos Dumont - N. 3. O terceiro dirigível de Alberto Santos Dumont, com o qual conseguiu contornar a Torre Eiffel e sobrevoar Paris algumas vezes e com segurança. |
Santos Dumont construiu o N. 4, para a competição do Prêmio Deutsch, fazendo-o maior e mais potente que seu antecessor, para que assim pudesse percorrer o trajeto dentro do tempo estipulado. Todavia, Santos Dumont não conseguiu percorrer o trajeto no tempo estipulado pela comissão. No entanto, ele foi parabenizado, pois foi o único aeronauta a ter entrado na competição, já que ninguém mesmo diante da vultuosa quantia do prêmio, havia se arriscado em competir. O Aeroclube ofereceu 4 mil francos para Alberto, como forma de incentivá-lo. Ele usou o dinheiro para promover um desafio; queria que alguém tentasse participar da disputa, e se ganhasse, levaria além dos 100 mil francos, os seus 4 mil francos, mas ninguém se habilitou.
No ano seguinte, Alberto Santos Dumont voltaria a disputar o Prêmio Deutsch dessa vez com um dirigível mais rápido, o N. 5. O novo dirigível era um pouco maior do que seu antecessor, possuindo 500 metros cúbicos de cubagem, mas um motor mais potente. Além disso, ele mudou a posição da hélice, a qual ficava apontada para a frente, a colocando-a apontada para trás e retornou a usar o cesto, o qual havia deixado de lado anteriormente. Ele trocou algumas das cordas, por cordas de piano trançadas, bem mais resistentes. Também projetou uma estrutura de madeira mais rígida e decidiu usar hidrogênio ao invés de gás de iluminação como usado no N. 3.
Fotografia de 13 de julho de 1901, mostrando Santos Dumont contornando a Torre Eiffel no dirigível N. 5. |
Fotografia de 13 de julho de 1901, mostrando Santos Dumont sem paletó, em meio a folhas e galhos, após ter saído do dirigível N. 5, do qual se pode ver os destroços logo acima de seu inventor. |
Santos Dumont realizou seu segundo voo no dia 8 de agosto, mas novamente sofreu novo acidente. Novamente Santos Dumont circulou a Torre Eiffel, o cartão postal de Paris, e prosseguiu com seu voo teste, até que certa altura, a bomba de gás começou a falhar e o N. 5 começou a murchar e perder altitude indo colidir com o Hotel Trocadero. O balão entrou em chamas. Santos Dumont estava preso a cesta, senão, teria sido arremessado. Ele ficou preso a uma altura de 20 metros. O pessoal do hotel e os bombeiros chegaram rapidamente. Ele conseguiu sair do cesto e alcançar o telhado do hotel, evitando cair e ser atingido pelas chamas. Havia sido o primeiro acidente grave. O ocorrido virou notícia em quase todos os jornais de Paris e de outras cidades francesas. Santos Dumont era um aeronauta e balonista conhecido, o acontecimento gerou repercussão no país.
Após o acidente e os destroços serem removidos e o foco de incêndio apagado, os jornalistas indagaram a Santos Dumont o que ele iria fazer agora, ele respondeu de forma contundente que iria recomeçar! Posteriormente ele seguiu para o Restaurante Maxim, encontrar alguns amigos, os quais souberam do ocorrido e estavam apreensivos com a segurança de Alberto, mas este disse que iria projetar o N. 6.
Naquela época, alguns aeronautas como eram chamados, já haviam se ferido gravemente ou perdido a vida em acidentes. Santos Dumont já havia sofrido alguns acidentes e sofreria outros mais. Além disso, naquele tempo, não se usava capacetes ou óculos de aviação, e tão pouco existia cintos de segurança ou para-quedas, os aeronautas e balonistas voavam sabendo dos riscos. Mas Santos Dumont para poder realizar seus sonhos, decidiu correr estes riscos. 22 dias depois ele lançava o N. 6.
"O novo balão apresentava a forma de um elipsoide alongado. Media 33 metros no seu eixo maior, por 6, nos eixos pequenos, e terminava em cone à frente e atrás. Empreguei desta vez o maior cuidado nos órgãos encarregados de assegurarem permanentemente a rigidez do balão. Si eu tombara com o "N. 5", fora por falta da menor das peças, da mais insignificante de todo o meu mecanismo - uma válvula, que enfraquecida, deixara escapar o hidrogênio. De maneira inteiramente análoga a queda da minha primeira máquina tivera por causa a defecção duma pequena bomba de ar!". (DUMONT, 1986, p. 145).
Fotografia de 1901, mostrando Santos Dumont pilotando o dirigível N. 6. |
No dia 19 de outubro de 1901, Santos Dumont abordo do N. 6 decidiu tentar novamente o desafio do Prêmio Deutsch. Percorrer uma rota estipulada sobre Paris, totalizando 11 km de distância, no tempo cronometrado de 30 minutos. Para seu infortúnio as condições climáticas não foram favoráveis naquele dia, o tempo estava fechado, e os ventos poderiam atrapalhar a prova. Santos Dumont levantou voo em direção a Torre Eiffel, passando sobre esta.
"A partida oficial teve lugar às 2 horas e 42. Embora o vento me açoitasse de lado, com tendência para levar-me para a esquerda da Torre, mantive-me na sua linha direta. Avancei levando gradualmente a aeronave a uma altitude de 10 metros acima do seu pico. Esta manobre faziam-me perder tempo, mas premunia-me, na medida do possível, contra todo perigo de contacto com o monumento. Superado este, virei com um brusco movimento do leme, e descrevi um semi-círculo em derredor do para-raios, à distância de uns 50 metros. Eram 2 horas e 51. Em 9 minutos eu havia vencido um percurso de 5 quilômetros e meio e efetuado a manobra para voltar. A volta foi demorada. O vento era contrário. O motor, que até então havia se comportado bem, assim que deixou a Torre para trás uns 500 metros, ameaçou parar. Tive instante de grave indecisão. Era preciso tomar uma medida rápida. Com o risco de desviar o rumo, abandonei por um momento o leme a fim de concentrar a atenção na maneta do carburador e na alavanca de comando da faísca elétrica. O motor, que havia quase parado, retomou o seu ritmo". (DUMONT, 1986, p. 152-153).
No percurso de volta, Santos Dumont voltou a ter problemas com o motor e com a umidade das árvores do Bosque da Bolonha, por onde ele sobrevoava, fez o balão pesar, o puxando em direção as copas, mas para sua sorte, o motor recobrou a potência e o elevou a uma altura de 150 metros, permitindo que ele concluísse o trajeto, no tempo de 29 minutos e 30 segundos. Todavia, dificuldades para aterrizar devido ao vento, o levaram a pousar aos 30 minutos e 30 segundos. Um minuto, um exato minuto que pôs em dúvida o prêmio.
O público aplaudia o feito de Santos Dumont e dizia que ele havia ganho, mas a comissão técnica estava com dúvida. Deveriam computar o tempo de chegada ou de aterrizagem? Então foi decidido adiar o pronunciamento do resultado. No Aeroclube havia indecisão, parte dos membros não aceitavam que um brasileiro tivesse ganho o prêmio, todavia, três importantes nomes eram a favor de Santos Dumont: o príncipe Rolando Bonaparte, parente de Napoleão III, o sr. Henri Deutsch, o idealizador do prêmio, e o secretário-geral Manuel Aimé. Apenas em 4 de novembro é que foi publicado o resultado oficial: o brasileiro Alberto Santos Dumont, abordo do dirigível N. 6, havia se tornado o primeiro aeronauta a vencer o Prêmio Deutsch.
Sabendo da discórdia e da má fé de alguns membros do clube, Santos Dumont apresentou uma carta de afastamento do Aeroclube da França, o qual havia ajudado a fundar em 1898. Apenas em 1922, ele voltaria a reatar ligações com o clube. Todavia, o valor do prêmio havia subido para 125 mil francos, dos quais 75 mil Santos Dumont doou para o prefeito da Polícia de Paris, para que saudasse a penhora de todos os mecânicos e outros operários os quais costumavam penhorar suas ferramentas. Santos Dumont era um mecânico também, e sabia a importância das ferramentas para aquela profissão. Com isso, todas as dívidas foram saudadas. O restante do dinheiro ele repartiu com seus mecânicos e demais empregados. Sua generosidade surpreendeu a população parisiense. (DUMONT, 1986, p. 156).
"Pela mesma época recebi um outro grande prêmio, tão lisonjeiro quanto inesperado. Quero referir-me a quantia de 100 contos de réis (125 mil francos) que me concedeu o governo do meu país. Com o dinheiro, foi-me oferecida uma medalha de ouro de grande módulo, muito bonita, desenhada, cunhada e gravada no Brasil. O anverso representa minha humilde pessoa conduzida pela Vitória e coroada de louros pela Fama. Por cima dum sol nascente está gravada, com a ligeira variante por mim introduzida, e tal qual flutuava na longa flâmula da minha aeronave, o verso de Camões: "Por céus nunca d'antes navegados!". O reverso traz esta inscrição: "O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, Dr. Manoel Ferraz de Campos Salles, fez gravar e cunhar esta medalha em honra de Alberto Santos-Dumont - 19 de outubro de 1901". (DUMONT, 1986, p. 159-160).
Tendo vencido o Prêmio Deutsch, Santos Dumont havia se tornado uma celebridade, embora já fosse conhecido dos parisienses, sua fama se espalhava por outras terras. Sua residência em Paris começou a receber cartas e telegramas quase que diariamente, muitos eram de pessoas que simplesmente escreviam para lhe dar os parabéns e apresentar seu contentamento. Também chegavam cartas de outros países, das mais variadas procedências: autoridades, políticos, nobres, cientistas, artistas, estudiosos, inventores, empresários, industriais, jornalistas, esportistas, filantropos, donas de casa, etc. Todavia, uma das cartas que encantou Santos Dumont, foi escrita por um antigo amigo seu, chamado Pedro, o qual disse o seguinte:
"Você se lembra, meu caro Alberto, do tempo em que brincávamos juntos de "Passarinho voa?" A recordação dessa época veio-me ao espírito no dia em que chegou ao Rio a notícia do seu triunfo. O homem voa, meu caro! Você tinha razão em levantar o dedo, pois acaba de demonstrá-lo voando por cima da torre Eiffel. E tinha razão em não querer pagar a prenda. O senhor Deutsch paga-a por você. Bravo! Você bem merece este prêmio de 100.000 francos. O velho jogo está em moda em nossa casa mais do que nunca; mas desde o 19 de outubro de 1901, nós lhe trocamos o nome e modificamos a regra: chamamo-lo agora o jogo do "Homem voa?", e aquele que não levanta o dedo à chamada, paga prenda". (DUMONT, 1986, p. 28).
Santos Dumont passou a estampar jornais e revistas, inclusive dezenas de reportagens acerca dele foram publicados até o final do ano de 1901.
"Fotografaram-lhe o hangar, a oficina, a casa, os livros, as invenções, os motores. Os repórteres farejavam-lhe os hábitos, os sestros, as preferências, os ideais. Todos os jornais falavam de sua vida. Edições especiais de revistas, simultaneamente impressas em seis idiomas, reproduziam-lhe a imagem, descreviam-lhe os feitos". (FONTES; FONTES; 1967, p. 113).
Santos Dumont ao sair às ruas era abordado por repórteres, fotógrafos e admiradores. Vendedores de brinquedos e artesãos vendiam réplicas do dirigível N. 6, o qual se tornou bastante popular na época. Henry Deutsch compôs a música Santos-Valse (1901), em homenagem a Santos Dumont, por sua bravura, dedicação e empenho em não desistir acima de tudo, de seu sonho, pois o prêmio foi apenas um detalhe.
Capa da partitura Santos-Valse (1901), composta por Henry Deutsch de la Meurthe. Piano solo, tocado a primeira vez em 11 de novembro de 1901, num jantar em comemoração a Santos Dumont. |
Alberto Santos Dumont e Charles Rolls, co-fundador da Rolls-Royce. |
Santos Dumont pilotando o dirigível N. 6, na baía de Monte Carlo, Mônaco, em 13 de fevereiro de 1902. Na ocasião ele sofreu um novo acidente, tendo sido o primeiro e único no qual caiu na água. |
Foto do Magazine Metropolitan, de maio de 1902, noticiando que Alberto Santos Dumont realizava um voo no seu N. 6, sobre a cidade de Nova York. |
Anos antes dos gigantescos dirigíveis Zeppelin cruzarem os ares e atravessar os oceanos, Santos Dumont ainda em 1902, já trabalhava em dirigíveis que pudessem ser usados como meio de transporte aéreo. A ideia não era nova, pois outros havia tentando antes dele, mas em seu caso, seu engenho com os dirigíveis lhe dizia que fosse algo possível, embora ele não conseguiu obter tal êxito, mas ainda assim deixou suas contribuições.
Ainda em 1902, em visita aos Estados Unidos, Santos Dumont sugeriu realizar uma competição de balões e talvez uma corrida de dirigíveis, a qual seria realizada em 1904, na edição da Saint Louis Word's Fair. Com isso em mente, de retorno a Paris, passou a planejar o N. 7, um dirigível voltado para a corrida. O novo dirigível era o maior que já havia construído, tendo 1.257 metros cúbicos de cubagem, tinha mais de 40 metros de comprimento, possuindo um motor com 70 cavalos de potência. Santos Dumont o guardou para a competição que seria realizada em Saint Louis, nos Estados Unidos em 1904.
O dirigível N. 7, construído para disputar a corrida da feira de Saint Louis, em 1904, nos Estados Unidos. |
Como não construiu o N. 8, partiu para o N. 9, o qual foi apelidado de Baladeuse Arienne ("a charrete voadora"). Bem menor do que o N. 7, o Baladeuse foi concebido para ser seu dirigível pessoal, ou seja, que o pudesse usar no dia a dia, como usava seus automóveis. O novo dirigível tinha 12 metros de comprimento, 5,5 metros de diâmetro, cubagem de 220 metros cúbicos, usava um motor Clement-Bayard de dois cilindros, com 3 cv, podendo alcançar 30 km/h (O POETA VOADOR, 2016, p. 70).
Novamente Santos Dumont voltava a estampar os jornais e as revistas. O inventor e aeronauta brasileiro, passou a passear sobre o céu de Paris, no seu dirigível. Ele visitava amigos, ia aos parques, a restaurantes, etc., não de carro, mas em seu dirigível. As pessoas se amontoavam nas ruas, nas janelas, sacadas, parques e praças para ver aquele brasileiro de 1,60 m de altura, elegantemente vestido, cruzando os ares da capital francesa em seu Baladeuse como se fosse a coisa mais normal do mundo.
"Com o n. 9, Santos Dumont começou a realizar demonstrações que chamaram a atenção para o invento. Em 14 de junho de 1903, desceu o n. 9 em Longchamps durante uma corrida de cavalos; com o n. 9, foi até sua residência, na Avenida Champs-Élysées 114, no coração de Paris; em 24 de junho, dia de São João, fez uma ascensão noturna usando um farol da firma Blériot, mostrando que era possível voar à noite; dois dias depois, levou um menino de 10 anos, o americano Clarkson Porter, para um curto passeio; em 29 de junho, visitou o Parque de Aerostação, em Saint Cloud; no mesmo dia, permitiu que a americana-cubana Aida d'Acosta se tornasse a primeira mulher a pilotar um dirigível, voando sozinha desde Neuilly até o Campo de Bagatelle, no Bois de Boulongne; em 5 de julho, num voo até o Prado de Corridas de Auteil, teve que apagar o início de incêndio no motor do n. 9; em 11 de julho, foi almoçar no restaurante La Cascade, no Bois de Boulogne, e conversou com militares franceses sobre o uso militar dos dirigíveis; em 14 de julho, Dia Nacional da França, no n. 9, passou em revista as tropas francesas e saudou o presidente, Émile Loubet, com uma salva de 21 tiros". (O POETA VOADOR, 2016, p. 22-23).
Imagem colorida artificialmente, mostrando o dirigível N. 9, estacionado diante da residência de Santos Dumont, na Avenida Champs-Élysées 114, em 1903. |
Fotografia de Santos Dumont testando o dirigível N. 10, em 1903. O N. 10 era sua proposta de se criar um dirigível que servisse como transporte de passageiros. A ideia acabou sendo abandonada. |
A conquista do Ar (1902), composta por Eduardo das Neves. Nesta gravação a música tocada ao som de piano, foi cantada pelo músico Bahiano.
No ano de 1904, ocorreu a aguardada feira de Saint Louis, nos Estados Unidos. Santos Dumont havia levado seu N. 7, projetado a dois anos atrás, para participar da corrida, todavia, para seu infortúnio, alguém sabotou o dirigível. Não se sabe quem foi o responsável ou responsáveis, que furaram o balão. Santos Dumont como atestam as notícias da época, ficou bastante irritado e ainda mais decepcionado pela indelicadeza da organização do evento, a qual não investigou o caso ocorrido.
Em entrevista a jornais e revistas criticou o ocorrido. No final, o americano Roy Knabenshue, pilotando o dirigível California Arrow, venceu a disputa. Ainda no mesmo ano, corriam boatos de que dois inventores de Indiana, chamados Wilbur e Orville Wright, estavam fazendo testes com um aeroplano chamado Wright Flyer I. A fama de Santos Dumont como mestre dos balões e Rei do Ar (epíteto que havia ganho ainda em 1902), foi ofuscada.
6) O ingresso na aviação:
Em 1905 estando de volta a Paris, Santos Dumont começou a pensar e planejar seus aeroplanos. Além dos irmãos Wright, inventores ingleses, alemãs e franceses também estavam trabalhando em projetos similares. Desde 1897, com a criação do Avión III de Clément Ader, o progresso na construção de aeroplanos havia sido lento, mas agora a ideia de construir um aeroplano que efetivamente pudesse ser chamado de avião, estava em alta.
Inicialmente Santos Dumont criou um planador de pequeno porte, apenas para realizar testes simples de aerodinâmica, pois o pequeno planador não tinha espaço para que um homem pudesse voar nele. O modelo foi baseado na versão de George Cayley. Enquanto Santos Dumont fazia seus testes com planadores, os irmãos Wright já testavam seus aeroplanos movidos a motor de combustão e já realizavam alguns voos curtos, no entanto, eles ainda não haviam encontrado uma solução para um problema que acometia vários dos inventores da época: criar um motor potente o suficiente para fazer o avião alçar voo sem a necessidade de depender do vento, de trilhos, catapultas ou de ser rebocado.
Após realizar os testes com o planador, Santos Dumont criou seu primeiro aeroplano, o N. 11, o qual era uma pequena aeronave com dois motores de hélices, os quais além desse engenho, o inventor pretendia torná-lo um hidroavião, algo bem a frente de seu tempo. Caso tivesse dado certo o projeto, o N. 11, teria sido o primeiro hidroavião funcional da História. Todavia, problemas com os motores, as correias, a aerodinâmica, etc., o levaram a desistir do projeto.
Fotografia de 1905, mostrando Santos Dumont testando o N. 11, seu primeiro aeroplano, além de ter sido um protótipo de hidroavião. |
Fotografia de 1905, mostrando Santos Dumont em seu hangar e as hélices do N. 12, seu projeto de helicóptero, o qual não resultou em êxito. |
Fotografia mostrando Santos Dumont no dirigível N. 14. |
"Santos Dumont abandonou o helicóptero e construiu, em pouco tempo, um avião, usando o que tinha de mais revolucionário na época: para as asas, utilizou as células do australiano Lawrence Hargrave; para o motor, usou o Antoinette de seu amigo Léon Levavasseur; para a configuração canard, omo o leme profundor colocado na frente da aeronave, utilizou os planadores dos Wright como inspiração; a potência do motor foi estimada pelos experimentos de Voisin, no rio Sena, com um planador Archdeacon, rebocado por uma lancha". (O POETA VOADOR, 2016, p. 24).
"Medindo 9,6 metros de comprimento, 11,46 metros de envergadura, peso de 290 kg, com um motor Antoinette de 8 cilindros, de 50 cv". (O POETA VOADOR, 2016, p. 74)
Fotografia de 1906, mostrando Santos Dumont testando o 14-bis, o qual era rebocado pelo N. 14. |
Ainda em outubro inscreveu-se para o Prêmio Archdeacon, o qual marcou sua prova para o dia 23 daquele mês. Neste dia, Santos Dumont realizou o primeiro voo efetivo do 14-bis, percorrendo uma distância de 60 metros. Santos Dumont realizou novo feito em sua carreira, conseguiu ser o primeiro aviador a decolar sem auxílio externo, apenas usando a potência do motor de seu aeroplano.
Santos Dumont voando no 14-bis. |
O 14-bis realizou seu terceiro voo, novamente no Campo de Bagatelle, mas perante a uma comissão científica da FAI. No segundo voo, Santos Dumont conseguiu percorrer a distância de 220 metros, a uma altura de 6 metros, cujo voo teve duração de 21,5 segundos. Com tal façanha recebeu um prêmio do Aeroclube da França, além de ter entrado para a História, ao se tornar o primeiro piloto a ter recordes de aviação registrados (O POETA VOADOR, 2016, p. 75).
Fotografia de 12 de novembro de 1906, mostrando o segundo voo efetivo do 14-bis, agora perante uma comissão científica da Federação Aeronáutica Internacional. |
7) Novos inventos:
Enquanto Santos Dumont recebia os louros da fama de ter criado um aeroplano que se tornou de acordo com a FAI, a primeira aeronave mais pesada do que o ar, ser cientificamente testada, registrada e aprovada, daí alguns alegarem que Santos Dumont tenha inventado o avião, embora que como apontado inicialmente neste texto, aeroplanos já existiam antes disso, de qualquer forma, Santos Dumont se dedicou nos próximos três anos a projetar novos aviões, embora que nem todos resultaram em êxito.
Em 1907 criou o N. 15, um aeroplano baseado no 14-bis, mas com várias diferenças. Enquanto no 14-bis, Santos Dumont tinha que ficar em pé para pilotá-lo, algo legado dos balões e dirigíveis, os quais eram pilotados em pé, no N. 15, ele o pilotaria agora sentado. Além disso, inverteu a posição da hélice a qual no 14-bis era atrás, passando-a para a frente, e a posicionando sobre a cabeça do piloto. Outras modificações também foram feitas, todavia, no primeiro teste de voo do N. 15, o avião falhou. Santos Dumont desistiu do projeto logo em seguida.
Santos Dumont fotografado no assento do aeroplano N. 15. |
O N. 16 consistiu num misto de dirigível e aeroplano. A ideia seguia o mesmo caminho do N. 14 e do 14-bis, usar o dirigível para fazer alguns testes de voo com o novo avião, antes de voar nele sem apoio extra. Todavia, o dirigível acabou apresentando problemas na estrutura e não levantou voou. Santos Dumont decidiu não prosseguir com essa ideia, então manteve a ideia do avião, concebendo o N. 17, o qual era um biplano, maior do que o N. 15 e o 14-bis, mais potente, no entanto sua estrutura não era forte e leve o suficiente. Santos Dumont não chegou a construir o N. 17, porém usou algumas de suas ideias para construir o N. 18, um hidroplano.
Fotografia de 1907 do N. 18, o segundo hidroplano de Santos Dumont. |
8) Os últimos aviões:
Após ter falhado em construir novos aviões com os projetos N. 15 e N. 16 e N. 17, embora o N. 15 foi o que mais progrediu, Santos Dumont no final de 1907 e começo de 1908, concebeu um novo aeroplano, o N. 19, o qual era inspirado na forma do N. 15 e não do 14-bis. O N. 19 possuía motor na frente, e o piloto ia sentado. Em 17 de novembro daquele ano, ele conseguiu alçar voo no N. 19, mas não gostou o desempenho de seu avião, e decidiu promover mudanças. O N. 19 foi nomeado de Demoiselle (cuja palavra pode significar donzela, senhorita, mas também significa libélula. De fato, o avião foi chamado assim, por causa mais do fato de ser frágil como uma libélula).
Fotografia de 1907, mostrando Santos Dumont voando no N. 19 Demoiselle. |
Novos voos e testes estavam sendo realizados e recordes eram sendo quebrados. Santos Dumont continuou a aperfeiçoar seu Demoiselle, embora apenas em 1909, apresentou sua nova versão, o N. 20. Até então, ele se afastou das competições e das provas, porém via tudo com entusiasmo, além de ser convidado para os eventos. Até os irmãos Wright apareceram na França em 1908, para apresentar fotos e modelos de seus aviões, embora tinham permanecido algum tempo fora do negócio da aviação, após alguns acidentes ocorridos em 1907. Todavia, com o entusiasmo da aviação pós-1906, Santos Dumont e os Wright eram ofuscados por outros inventores e aviadores.
Em agosto de 1909, ocorreu a primeira competição de aviões da História, sendo realizada em Reims, na França. Muitos seguiram para lá para testemunhar essa competição nunca antes realizada. Na ocasião Santos Dumont não quis competir, permaneceu na plateia, todavia, após o término da competição, ele exibiu o N. 20 Demoiselle. Na prática, os N. 20, 21 e 22 eram variações do N. 19 Demoiselle, que Santos Dumont foi aperfeiçoando principalmente em termos de motor e potência.
Santos Dumont diante do N. 20 Demoiselle. |
O aviador Roland Garros (1888-1918) ficou tão interessado pelo avião de Santos Dumont que lhe comprou o N. 19 Demoiselle, tendo sido seu primeiro avião. Roland Garros realizaria outros feitos na aviação e ficaria conhecido como piloto de caça, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
No ano de 1910, Santos Dumont surpreendeu o mundo ao anunciar que tornaria público a patente dos Demoiselle. Na prática ele nunca registrou patente de seus inventos, e no caso de seus últimos inventos isso não foi diferente. A revista americana Popular Mechanics de abril de 1910, publicava integralmente todos os desenhos técnicos do N. 20 Demoiselle. No mesmo ano a fábrica de automóveis Clément-Bayard fabricou 50 exemplares do avião, tornando-se o primeiro modelo de avião da História, a ser produzido em massa e comercializado. Além dessa produção em massa, inventores e pilotos montaram seus próprios Demoiselle e realizaram seus voos (O POETA VOADOR, 2016, p. 87).
Reconstituição do N. 20 Demoiselle, criado em 1909, por Alberto Santos Dumont. O primeiro avião a ser comercializado e fabricado em série na História. |
Considerações finais:
Após lançar os modelos alternativos do Demoiselle N. 21 e N. 22, ainda em 1910, Santos Dumont se retirou da frente dos holofotes. Deixou a engenharia aeronáutica, deixou de inventar balões, dirigíveis e aviões, embora ainda continuou a inventar outras coisas, mas nada relacionado ao balonismo e a aviação. Inicialmente passou os anos seguintes a realizar palestras e participar de eventos, inclusive apresentando suas últimas versões do Demoiselle, mas sem pilotá-las propriamente. Ganhou títulos honoríficos, prêmios e até homenagens como estátuas.
Em 1915, recebeu o convite do Aeroclube dos Estados Unidos para dar uma palestra no Segundo Congresso Científico Pan-Americano. Na ocasião decidiu abordar temas como transporte aéreo e integração entre as Américas.
"Aproveitei a oportunidade, que tão especialmente
se me oferecia, para, mais uma vez, exprimir a minha inteira confiança no
futuro da navegação aérea. Escolhi, para isso, este tema: Como o aeroplano pode facilitar as
relações entre as Américas.
As condições topográficas do continente
sul-americano, tornando economicamente impossível a construção de estradas de
ferro e, portanto, o transporte e comunicação adequados, têm retardado a estreita
união, tão desejável, entre os estados do hemisfério ocidental. Cidades
importantes, situadas em grandes altitudes, ficam isoladas. Algumas, em
verdade, parecem estar, praticamente, fora do alcance da civilização moderna. A
longa e penosa viagem, o tempo que nela se gasta, em vapor, vai demorando a
aliança íntima dos países sul-americanos com os Estados Unidos, para quem
parecem inacessíveis, por tão remotos.
Um largo tempo de percurso nos separa, impedindo
o desenvolvimento de proveitosas relações comerciais, reciprocamente
interessantes, sobretudo agora que a guerra anormaliza o mercado mundial.
Quem sabe quando uma potência européia há de
ameaçar um estado americano? Quem poderá dizer se na presente guerra não
veremos uma potência européia vir apoderar-se de território sul-americano? A guerra
entre os Estados Unidos e um país da Europa é impossível? Uma aliança estreita
entre a América do Norte e a do Sul redundaria em uma força formidável. Eu vos
falei do comércio e da dificuldade do seu desenvolvimento, das facilidades de
transporte e comunicações e do incremento das relações amistosas. Estou
convencido que os obstáculos de tempo e distância serão removidos.
As cidades exiladas da América do Sul entrarão em
contato direto com o mundo de hoje. Os países distantes de encontrarão, apesar
das barreiras de montanhas, rios e florestas. Os Estados Unidos e os países
sul-americanos, se conhecerão tão bem como a Inglaterra e a França se conhecem.
A
distância entre Nova York as Rio de Janeiro, que
é agora de mais de vinte dias de viagem por mar, será reduzida a 2 ou 3 dias.
Anulados o tempo e a distância, as relações comerciais, por tanto tempo
retardadas, se desenvolverão espontaneamente. Teremos facilidades para as
comunicações rápidas. Chegaremos a um contato mais íntimo. Seremos mais fortes,
nos nossos laços de compreensão e amizade.
Tudo isso, Srs., será realizado pelo aeroplano. Não
me parece muito longe o tempo em que se estabeleça o serviço de aeroplanos
entre as cidades dos Estados Unidos e as capitais sul-americanas. Com um
serviço postal em aeroplano e a comunicação entre os dois continentes se
reduzirá de vinte para dois ou três dias. O transporte de passageiros entre
Nova York e os mais longínquos pontos da América do Sul não é impossível.
Creio, Srs., que o aeroplano, com pequenos aperfeiçoamentos, resolverá o
problema por que tanto temos lutado". (DUMONT, 1918, p. 14-15).
Ainda na década de 1910, reclamou do uso dos aviões durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Nessa época os aviões já haviam dado um grande passo em relação ao Demoiselle de 1909. Em seis anos, os aviões já eram maiores, mais robustos, pesados e potentes, sendo usados como armas de guerra. Realmente um progresso para época extraordinário, que dificilmente se percebe hoje em dia. Seria como transformar o ônibus espacial numa espaçonave de fato, isso e menos de uma década. Santos Dumont fotografado por volta de 1916. |
"Nova
York, 15 de Maio de 1918
Meu
caro Sr. Santos-Dumont
O Aero
Club da América envia-nos uma mensagem de congratulações pela inauguração do
primeiro Serviço Postal Aéreo neste País. Confiamos em que a Linha Postal Aérea
inaugurada entre Nova York, Filadélfia
e Washington, que vos leva esta mensagem, será um primeiro passo para uma rede
de linhas postais aéreas que cobrirá o mundo e será fator predominante na obra
de reconstrução que se seguirá à guerra, quando os exércitos aliados houverem
alcançado a vitória gloriosa e final pela causa da liberdade universal.
Ao
rápido desenvolvimento da navegação aérea no continente seguir-se-ão, em breve,
extensos vôos sobre os mares, e teremos grandes aeroplanos cruzando o
Atlântico, os quais facilitarão não só o estabelecimento da linha postal aérea
transatlântica, como a entrega de aeroplanos dos Estados Unidos aos nossos
aliados.
O Aero
Club da América, que tem propugnado pelo desenvolvimento da aeronáutica desde
os vossos primeiros ensaios, ativado e auxiliado por todos os meios a criação
do serviço postal aéreo desde 1911, sente-se altamente compensado com o
estabelecimento desse novo serviço através dos ares.
Alan R. Hawlei (Presidente)".
"Esta carta veio
encher de legítima alegria o meu coração que, há já quatro anos, sofre com as
notícias da mortandade terrível causada, na Europa, pela aeronáutica. Nós, os
fundadores da locomoção aérea no fim do século passado, tínhamos sonhado um
futuroso caminho de glória pacífica para esta filha dos nossos desvelos.
Lembro-me perfeitamente que naquele fim de século e nos primeiros anos do
atual, no Aero Club de França que foi, pode-se dizer "O ninho da
aeronáutica" e que era o ponto de reunião de todos os inventores que se
ocupavam desta ciência, pouco se falou em guerra; prevíamos que os aeronautas
poderiam, talvez, no futuro, servir de esclarecedores para os Estados Maiores
dos exércitos, nunca, porém, nos veio à idéia que eles pudessem desempenhar
funções destruidoras nos combates.
Bastante conheci todos esses sonhadores, centenas
dos quais deram a vida pela nossa idéia, para poder agora afirmar que jamais nos
passou pela mente, pudessem, no futuro, os nossos sucessores, ser
"Mandados" a atacar cidades indefesas, cheias de crianças, mulheres e
velhos e, o que é mais, atacar hospitais onde a abnegação e o humanitarismo dos
rivais reúne, sob o mesmo teto e o mesmo carinho, os feridos e os moribundos
dos dois campos. Pois bem, isso se repete há quatro longos anos, e quem o
"manda fazer"? - O Kaiser!". (DUMONT, 1918, p. 1-2).
Em 1918 mudou-se para o Brasil, indo morar em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Lá comprou um terreno e construiu uma casa, pequena e excêntrica. Além disso, costumava ir ao Rio e São Paulo visitar os parentes.
Casa de Santos Dumont, em Petrópolis. Atualmente a residência é um museu. |
Alberto Santos Dumont como um Dédalo da belle époque, teve seus anos de aventura entre 1898 e 1909, época que se dedicou ao balonismo e a aviação, fascinando o mundo com sua engenhosidade, coragem, determinação, elegância, vaidade e excentricidade. Colheu os louros da fama nos anos seguintes, porém, como de costume dos heróis gregos, os últimos anos sempre são os mais difíceis. Viu suas ideias serem usadas para más ações, perdeu parentes e amigos, adoeceu, entrou em depressão e teve um final trágico, ao enforcar-se em casa.
Todavia, passado mais de cem anos desde que alçou voo com o 14-bis, e posteriormente presenteou o mundo com o N. 20 Demoiselle, Santos Dumont ainda continua sendo uma figura a ser admirada, pois não apenas dedicou parte de sua vida, mas também a arriscou algumas vezes, para poder realizar não apenas um sonho pessoal, mas conceder um presente a humanidade: desenvolver a aviação. Embora tenha se decepcionado com o uso militar dos aviões, alegrou-se em saber que o avião havia se tornado um transporte aéreo, o que realizou o seu sonho de conectar o mundo.
Lista das máquinas inventadas por Santos Dumont:
- 1898: Brasil: seu primeiro balão
- 1898: América: seu segundo balão
- 1898: N. 1: seu primeiro dirigível
- 1898: N. 2
- 1899: N. 3:
- 1900: N. 4
- 1901: N. 5: com o qual sofreu dois acidentes
- 1901: N. 6: com o qual venceu o Prêmio Deutsch
- 1902: N. 7: dirigível de corrida. Sabotado em 1904
- 1903: N. 9 (Baladeuse Arienne): usado para passeio
- 1905: N. 10 (Ônibus): protótipo de um dirigível de transporte
- 1905: N. 11: protótipo de um aeroplano
- 1906: N. 12: protótipo de helicóptero
- 1906: N. 13: hibrido de balão e dirigível, destruído por um incêndio
- 1906: N. 14:
- 1906: 14-bis: seu primeiro aeroplano
- 1907: N. 15: projeto do segundo aeroplano que não deu certo
- 1907: N. 16:
- 1907: N. 17: protótipo de biplano, não foi construído
- 1907: N. 18: protótipo de hidroplano
- 1907: N. 19: protótipo de novo avião
- 1909: N. 20 (Demoiselle): versão melhorada do N. 19
- 1909: N. 21 (Demoiselle): versão com motor alterado do N. 20
- 1909: N. 22 (Demoiselle): versão final do projeto Demoiselle
NOTA: No ano de 1904 Santos Dumont escreveu uma autobiografia em francês, intitulada Dans l'air. O livro foi traduzido no Brasil em 1938, recebendo o título de Os meus balões. Nesta obra, Santos Dumont fala sobre sua infância e o início da carreira como balonista e inventor. Como a obra foi publicada em 1904, ele nada comentou acerca dos seus aviões, o 14-bis e o Demoiselle.
NOTA 2: Em 1918, em São Paulo, Santos Dumont redigiu um livreto de memórias chamado O que eu vi, e o que nós veremos. Baseado em algumas cartas e telegramas que recebeu, além de falar um pouco de sua vida e carreira. Aqui ele já faz menção aos seus outros inventos.
NOTA 3: Antes de conhecer Thomas Edison, em 1902, Santos Dumont recebeu um telegrama do inventor americano, o parabenizando por sua vitória no Prêmio Deutsch, e o chamando-o de "bandeirante dos ares".
NOTA 4: Em 1910, o aviador, engenheiro e inventor francês Louis Blériot (1872-1936), realizou o primeiro voo sobre o Canal da Mancha. Na época Santos Dumont o parabenizou pela façanha. Em resposta Blériot enviou um telegrama agradecendo, mas também elogiava o brasileiro, pois ele via em Dumont uma inspiração.
NOTA 5: Roland Garros o qual era amigo de Santos Dumont, chegou a visitar o Brasil algumas vezes e até foi instrutor de voo no país. Morreu em combate aéreo em 1918, durante a guerra. Algo que magoou muito Santos Dumont.
NOTA 6: Além de conhecer Charles Rolls, co-fundador da Rolls-Royce, Santos Dumont também conheceu André Michelin, co-fundador da Michelin.
NOTA 7: Em 1931, Santos Dumont foi nomeado para ocupar a cadeira de número 38, na Academia Brasileira de Letras. Posição que ocupou por menos de um ano, devido a sua morte em 1932.
NOTA 8: Santos Dumont era conhecido por ser vaidoso, sempre andava elegantemente. Costumava usar sapatos com solado grosso, para tentar disfarçar sua estatura, embora que ele tivesse praticamente o mesmo tamanho que Napoleão Bonaparte, 1,60 m. Dumont também costumava usar o cabelo repartido no meio, chapéu panamá, e camisas com gola alta. Isso acabou se tornando moda em Paris.
NOTA 9: Santos Dumont era amigo do relojeiro e joalheiro Louis Cartier (1875-1942), o qual inventou o relógio de pulso, graças a uma sugestão de Dumont, o qual havia indagado se Cartier não podia criar um relógio que pudesse ser usado no pulso, pois evitava que Santos Dumont tivesse que tirar as mãos dos controles, para ter que pegar o relógio de bolso. Em 1904, Cartier lançou seu protótipo exclusivamente para Santos Dumont, vindo apenas anos depois comercializar a ideia.
NOTA 10: Santos Dumont também inventou outras coisas, uma delas o hangar com portas corrediças. Criou também um chuveiro que fornecia água quente e fria, para sua casa em Petrópolis; inventou uma escada de meio degrau, também para sua casa em Petrópolis; projetou cadeiras e mesas altas, as quais requeriam uma escadinha para se ter acesso, etc.
NOTA 11: Na cidade do Rio de Janeiro, em 1936 foi inaugurado o Aeroporto Santos Dumont, na zona central da cidade. Consiste no segundo aeroporto da cidade, mais voltado para voos nacionais.
NOTA 12: Santos Dumont não se casou e não teve filhos. Todavia, tal fato gerou várias hipóteses ao longo da História. Uns defendem que ele teve algumas namoradas, mas nada sério ou caso tenha sido sério, foram romances escondidos. Sabe-se que ele cogitou pedir algumas delas em casamento. Outros sugerem que ele fosse gay, que as mulheres eram apenas amigas.
Referências Bibliográficas:
BARROS, Henrique Lins de. A invenção do avião. Rio de Janeiro: Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT/Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas - CBPF, 2006. DUMONT, Alberto Santos. Os meus balões. Tradução de A. de Miranda Bastos. Brasília: Fundação Rondon, 1986.
DUMONT, Alberto Santos. O que eu vi, e o que nós veremos. São Paulo: Edição do Autor, 1918.
FONTES, Ofélia; FONTES, Narbal. A vida de Santos Dumont. 3a edição. São Paulo: Reper Editora, 1967.
O POETA Voador - Santos Dumont (org.). Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2016.
SENNA, Orlando. Alberto Santos Dumont. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.
STUDART, Nelson. Cronologia de Santos Dumont. Revista Física na Escola, v. 7, n. 2, p. 14-20, 2006.
LINKS:
Partitura da música Santos-valse (1901)
Relógios Santos Dumont - Cartier
Museu Casa de Santos Dumont - Petrópolis, Brasil
Exposição O Poeta Voador - Museu do Amanhã - Rio de Janeiro
Perfil acadêmico de Santos Dumont na Academia Brasileira de Letras
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