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Leandro Vilar

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Conceitos sobre ditadura

A proposta desse texto é aprofundar um pouco mais o debate sobre a conceituação do que seria uma ditadura ao longo da História, mas focando principalmente no seus conceitos contemporâneos. Esse estudo consiste numa continuação do que foi iniciado no ensaio sobre a ditadura brasileira, publicado por mim mês passado. Logo, alguns leitores notaram que algumas partes do texto serão as mesmas. Ainda assim, trago outras opiniões e dados históricos que não constam no texto anterior. 

1) A origem da palavra ditadura: 

A palavra ditadura é bastante antiga, existe há mais de dois mil anos e é de origem latina, dictatura. A chamada ditadura romana ou ditadura constitucional, era algo bem diferente de hoje em dia. Na concepção do direito romano da época da República (509-27 a.C), ditadura consistia num cargo político o qual os dois cônsules o concediam em caráter de urgência, a um homem capacitado (geralmente político e/ou militar), que por um prazo determinado, passaria a deter grande autoridade. 

“A Ditadura romana era um órgão extraordinário que poderia ser ativado conforme processos e dentro de limites constitucionalmente definidos, para fazer frente a uma situação de emergência. O ditador era nomeado por um ou por ambos os cônsules, em conseqüência de uma proposta do Senado, ao qual cabia julgar se a situação de perigo fazia realmente necessário o recurso à Ditadura. O cônsul não podia autonomear-se ditador, nem este último podia declarar o estado de emergência. O fim para o qual se nomeava um ditador era claramente definido e o ditador a ele deveria ater-se. Geralmente, tratava-se da condução de uma guerra (dictatura rei gerendae causa)ou da solução de uma crise interna (dictatura seditionis sedandae et rei gerendae causa)Os poderes do ditador eram muito amplos: exercia o pleno comando militar; os cônsules eram a ele subordinados; seus atos não eram submetidos à intercessio dos tribunos; gozava do jus edicendi e, durante o período no qual exercia o cargo, seus decretos tinham o valor de lei; e, finalmente, contra suas sentenças penais, o cidadão não podia apelar. Assim mesmo, não eram poderes ilimitados. O ditador não podia revogar ou mudar a Constituição, declarar a guerra, impor novos ônus fiscais aos cidadãos romanos, assim como não tinha competência na jurisdição civil”. (grifos meu) (STOPPINO, 1998, p. 368). 

Para evitar que os poderes outorgados na ditadura pudessem ser abusados e levar a corrupção daquele que detinha a ditadura, ela era limitada a no máximo seis meses de duração. O filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, ao comentar acerca da ditadura romana, salientou que se tratava de uma medida urgente e ousada, principalmente utilizada no começo da República, época que o Estado republicano ainda era imaturo e não estava consolidado. Todavia, a ditadura romana foi empregada de forma recorrente entre os séculos V a.C ao III a.C, depois passou décadas suspensas até retornar no século I a.C. 

Para Rousseau (2009, p. 140), limitar em seis meses, era uma medida de segurança para evitar abusos e levar ao surgimento de uma tirania. Lembrando que inicialmente a ditadura não possuía uma regulamentação definitiva. Todavia, os cargos públicos tinham em geral duração de um a dois anos. O que significava que um ditador não passaria muito tempo no poder. No entanto, houve casos que o "ditador" passou mais tempo que deveria, como no governo de Lúcio Cornélio Sula, o qual governou como ditador em 82 a.C, mas extrapolou os seis meses. O segundo caso é mais conhecido, foi do general Caio Júlio César, nomeado em 48 a.C como ditador, mas acabou permanecendo até 44 a.C, quando foi assassinado durante uma conspiração tramada por alguns dos senadores. 


Busto de Caio Júlio César (100-44 a.C). Militar, político, estadista e advogado romano, governou de forma ditatorial durante quatro anos. 

No entanto, o governo de quase quatro anos de Júlio César, levou anos depois a criação do conceito Cesarismo, o qual passou a designar um tipo de ditadura.

“O termo Cesarismo tem sua origem histórica no regime instaurado na Roma antiga por Caio Júlio César. A idéia de um poder forte, que soubesse desvincular-se dos interesses dos grupos e dos indivíduos e aliar-se estreitamente ao exército com o fim de articular uma política equilibrada que correspondesse mais aos interesses globais da comunidade, se apresenta repetidas vezes na literatura medieval e moderna”. (GUARNIERI, 1998, p. 159-160). 

Ao longo do texto voltaremos a falar sobre o Cesarismo, pois suas características voltaram a serem vistas em outros casos, como na figura de Napoleão Bonaparte e Otto von Bismarck, e de outros líderes. No entanto, fica explicado aqui a origem do termo ditadura e seu conceito inicial. Agora passemos para a transformação do conceito. 

2) Outros conceitos relacionados a ditadura: 

Não irei fazer uma história do desenvolvimento do conceito, algo que seria bastante extenso, no entanto, neste momento abordarei quatro conceitos os quais, as pessoas as vezes se confundem ou tendem a usá-los como sinônimos. Estes conceitos são: despotismo, tirania, autoritarismo e totalitarismo. 

a) Despotismo e tirania: 

De antemão, salienta-se que despotismo e tirania não podem ser aplicados a um governo ditatorial, pois despotismo e tirania são exclusivos de governos monárquicos. O filósofo Aristóteles (384-322 a.C) em seu livro Política, argumentou a diferença entre despotismo e tirania. Basicamente, ambos na prática eram parecidos na forma de reger, no entanto, a tirania era um governo ilegítimo, pautado num golpe de Estado. Mas a semelhança que possuía com o despotismo era o fato de que o rei agia como senhor, e os súditos eram seus servos (BOBBIO, 1998, p. 340). 

“Despotismo indica uma forma de Governo diferente das outras com que no discurso polemicamente genérico se confunde. Despotismo, ditadura, autocracia têm de comum serem formas de Governo em que o detentor do poder o exerce sem limites de leis naturais, consuetudinárias, impostas por órgãos ad hocetc. isto é, detém um poder absoluto, ou legibus solutus, e arbitrário, ou exclusivamente dependente da própria vontade. Mas as diferenças não são menos relevantes: enquanto o caráter absoluto do poder despótico está estreitamente ligado ao caráter dos súditos, naturalmente dispostos à obediência e incapazes de se governar por si próprios (segundo a tradição aristotélica, assim como há indivíduos que são escravos por natureza, também há povos naturalmente escravos), o absolutismo do poder tirânico depende da natureza do governante, que despreza as leis estabelecidas e governa segundo o seu capricho”. (grifos meu) (BOBBIO, 1998, p. 340). 

monarca desposta agia com autoridade, mas essa autoridade advinha da relação senhor-servo, já o tirano tirava sua autoridade da relação opressor-oprimido. Para Aristóteles governos despóticos em sua época eram algo normal, já os governos tirânicos ocorriam em casos de urgência e crise. A palavra tirano na Grécia Antiga não possuía uma conotação negativa como hoje em dia. Tirano era um líder ilegítimo, mas que poderia ser um bom governante. Assim, um tirano necessariamente não governaria de forma tirânica. A crítica de Aristóteles não era aos tiranos propriamente, mas ao abuso de poder realizado por alguns destes, o que ficou conhecido como tirania. 

Busto de Caio Júlio César Augusto Germânico, mais conhecido pelo apelido de Calígula (12-41), quarto imperador romano. Segundo o conceito aristotélico a respeito de despotismo e tirania, Calígula foi um déspota por direito, mas algumas de suas ações e decisões, motivadas por seus caprichos, paixões e vontades, o levaram a abusar do poder e agir com tirania. 

Com base em Aristóteles, Nicolau Maquiavel (1469-1527) Jean Bodin (1530-1596) também escreveram acerca dos diferentes governos monárquicos, apontando distinções entre uma monarquia despótica e uma monarquia tirânica. No século XVIII, Montesquieu (1680-1755) daria nova classificação ao despotismo, não o considerando uma forma de monarquia (embora considera-se que o déspota em geral fosse um rei, pois naquele tempo, a maioria dos Estados eram baseados no modelo monárquico), mas uma forma de governo próprio. Além de não distinguir despotismo de tirania, pois para ele, ambos eram a mesma coisa. Ainda assim, não se trataria de uma ditadura, mas de um governo ilegítimo, pautado no medo e na violência, armas pelas quais o governante (déspota) regeria com suprema autoridade. (BOBBIO, 1998, p. 340-344). 

Montesquieu definia da seguinte maneira um governo despótico, segundo seu livro O Espírito das Leis
  • O desposta agiria acima da lei, sem responder por seus atos. Agiria de acordo com sua vontade e caprichos. (Livro II, capítulo I);
  • A educação é censurada e se torna servil, pautada para o trabalho, e a extrema obediência. O governo não deve ser questionado sobre seus atos. (Livro IV, capítulo III);
  • A religião seria usada como forma de manipular e controlar a população. (Livro V, capítulo XIV).
  • O desposta para se manter no poder, usa a violência e o medo para controlar a população, evitando que se rebele contra seu governo ilegítimo. (Livro V, capítulo XV).
  • A mulher torna-se um objeto de luxo e não possui direitos políticos e em alguns casos, nem mesmo civis. (Livro VII, capítulo IX). 
Percebe-se que embora o conceito de despotismo não se aplica ao governo republicano, ainda assim, ele possui paralelos com algumas ditaduras: surgem de golpes de Estado; seu governante ou governantes revogam e suspendem direitos, usam a violência e o medo para controlar a população, e retalham os opositores. Censuram a educação, restringem os direitos civis (não apenas das mulheres), manipulam a opinião da mídia e das igrejas. 

Em casos mais extremos, Montesquieu dizia que a população eram "escravos políticos" e "escravos civis", o que significa que embora detivessem seu direito de liberdade, e não estivessem subjugados a um senhor, mas perante o Estado, seus direitos estavam restritos

Ainda no século XVIII, surgiu entre os fisiocratas (teóricos economistas franceses), a ideia do Despotismo iluminado (o conceito foi criado depois). Para aqueles homens que defendiam a fisiocracia (teoria econômica que defendia a centralização da economia nacional sobre a produção agrícola), haveria duas formas de Despotismo: uma legal, e boa; e uma ilegal é ruim. 

Homens como o fisiocrata Le Mercier de la Rivière, escreveu L'ordre naturel et essentiel des sociétés politiques (1767), em cuja obra defendia o modelo do "bom despotismo", pautado na ideologia iluminista do "governante racional". A ideia de despotismo iluminado (ou esclarecido) lembrava a ambivalência aristotélica, entre despotismo e tirania. Para os fisiocratas o despotismo iluminado seria o despotismo legítimo de Aristóteles, por sua vez, o despotismo ruim ou mal, seria a tirania apontada por Aristóteles. Nota-se que os fisiocratas discordavam da opinião de Montesquieu, e iam mais atrás na História.

Todavia, um exemplo de déspota, seguindo aqui a definição proposta por Montesquieu, seria o advogado e político francês Robespierre, o qual governou brevemente durante a Revolução Francesa (1789-1799). Robespierre era membro radical do Partido Jacobino, mas em 1792 alcançou a presidência do partido, delegando um novo rumo para este. 

Retrato de Maximilien de Robespierre (1758-1795). Entre 1792 e 1795, época da Revolução Francesa, governou de forma autoritária, articulando perseguições políticas, execução de seus opositores; usou o medo e a violência para manter seu partido no governo, e até mesmo tentou criar um "culto nacional" em honra a Sagrada Razão. Entre 1793-1794, o uso excessivo da força e das condenações a guilhotina, aquele ano ficou conhecido como o "Ano do Terror". 

Quando O Espírito das Leis foi publicado em 1748, Montesquieu disse que muitos dos Estados naquele tempo, vivenciavam governos despóticos, pois para ele, era mais fácil agir com intemperança e movimentado pelas paixões mundanas do que agir com justiça, honra, virtude e direito. Já que um governo moderado requisitaria uma grande capacidade legislativa, mas isso era algo raro. 

"Porém, apesar do amor dos homens pela liberdade, apesar de seu ódio contra a violência, a maior parte está submetida a eles. É fácil compreendê-lo. Para constituir um governo moderado, é preciso combinar poderes, regulamentá-los, temperá-los, fazê-los atuar; por assim dizer, lastrear um deles, para pô-lo em condições de resistir a outro; é uma obra prima de legislação, que raramente se faz por acaso, e que raramente se permite que a prudência faça. Um governo despótico, ao contrário, por assim dizer, salta aos olhos; é uniforme em toda parte: como só são necessárias paixões para instituí-lo, todo o mundo é bom para isso". (grifos meu) (MONTESQUIEU, 2000, p. 74). 

b) Autoritarismo e totalitarismo: 

Enquanto os conceitos de despotismo e tirania em geral estão relacionados a governos monárquicos, sendo a tese de Montesquieu uma exceção a regra, no entanto, os conceitos de autoritarismo e totalitarismo são mais complexos e abrangentes, indo para além da esfera do Estado e da política. Ao mesmo tempo essa versatilidade de usos e sentidos, as vezes gera confusão na aplicação dos termos e em alguns casos até mesmo são confundidos como sinônimos. No entanto, saliento que autoritarismo e totalitarismo, ambos são conceitos aplicáveis a ditaduras como veremos. 

“O adjetivo "autoritário" e o substantivo Autoritarismo, que dele deriva, empregam-se especificamente em três contextos: a estrutura dos sistemas políticos, as disposições psicológicas a respeito do poder e as ideologias políticas. Na tipologia dos sistemas políticos, são chamados de autoritários os regimes que privilegiam a autoridade governamental e diminuem de forma mais ou menos radical o consenso, concentrando o poder político nas mãos de uma só pessoa ou de um só órgão e colocando em posição secundária as instituições representativas. Nesse contexto, a oposição e a autonomia dos subsistemas políticos são reduzidas à expressão mínima e as instituições destinadas a representar a autoridade de baixo para cima ou são aniquiladas ou substancialmente esvaziadas”. (grifos meu) (STOPPINO, 1998, p. 94). 

Como apontado por Stoppino (1998), o conceito autoritário tem distintas aplicações, e não necessariamente negativas, porém o que chamamos de autoritarismo é o uso abusivo da autoridade. A autoridade é concedida através de meios legais ou de respeito, sendo assim, um governante legal pode agir de forma autoritária em determinados momentos como no caso do presidente Theodore Roosevelt (1858-1919), o qual governou os Estados Unidos de 1901 a 1909. Para a política interna, Roosevelt foi um governante moderado na maioria das vezes, mas na política externa era autoritário, defendia uma postura agressiva e altamente competidora, além de medidas conservadoras. 

Não obstante, como dito, o autoritarismo extrapola a esfera estatal e política. Um capitão pode ser autoritário para seu pelotão; um general pode ser autoritário para seu exército; um pai pode ser autoritário para os filhos; um policial pode agir de forma autoritária perante os cidadãos; o chefe de trabalho pode ser bastante autoritário. A autoridade existe em distintos contextos da sociedade humana, representando o comando e a obediência, pelo fato de nossa sociedade ser pautada em níveis hierárquicos. Hierarquia social, hierarquia de classe, hierarquia familiar, hierarquia de grupo, hierarquia civil, etc. 

“A autoridade, no caso, é entendida em sentido particular reduzido, na medida em que é condicionada por uma estrutura política profundamente hierárquica, por sua vez escorada numa visão de desigualdade entre os homens e exclui ou reduz ao mínimo a participação do povo no poder e comporta normalmente um notável emprego de meios coercitivos. É claro, por conseguinte, que do ponto de vista dos valores democráticos, o Autoritarismo é uma manifestação degenerativa da autoridade. Ela é uma imposição da obediência e prescinde em grande parte do consenso dos súditos, oprimindo sua liberdade”. (STOPPINO, 1998, p. 94). 

Retrato de Napoleão Bonaparte (1769-1821), na época que foi Primeiro Cônsul do Consulado Francês (1799-1804). Antes de virar um imperador autoritário, Napoleão governou como um cônsul autoritário, agindo acima da lei, proclamando guerras e censurando jornais. Embora tenha realizado reformas sociais e legais, tudo isso em parte foi feito para assegurar seu governo. 
Sendo assim, um rei, um presidente, um governador, um primeiro-ministro, um prefeito, um senador, um delegado, um juiz, um chefe de vila ou de uma tribo, todos que abusarem constantemente de sua autoridade, estão praticando o autoritarismo. Todavia, para chegar a ser um autoritarismo, o chefe deve extrapolar o diálogo, desconsiderar a opinião dos subalternos e passar a oprimi-los e até mesmo restringir seus direitos. Quando chegamos a este ponto, estamos falando de tiranias e ditaduras, pois ambos são governos autoritários. 

Ainda que o autoritarismo seja algo ruim, há quem o viu e o vê como uma solução e uma proposta boa de governo. Durante a Idade Moderna na Europa, alguns países eram regidos por Monarquias Absolutistas, comandadas na maioria das vezes por reis e primeiros-ministros autoritários. Nicolau Maquiavel no Príncipe (1532), defendia o uso do autoritarismo, inclusive seu modelo de governante, o duque César Bórgia (1475-1507), foi um tirano. O livro o Leviatã (1651), escrito por Thomas Hobbes (1588-1679), o filósofo inglês defendia uma monarquia absolutista, logo, autoritária. Durante os séculos XVIII e XIX, novos teóricos voltaram a debater acerca da legalidade e validade de regimes autoritários. 

Mesmo que haja tais obras e autores que defendessem o autoritarismo, no século XX, foi a época que mais se escreveu sobre o autoritarismo pelo fato de ter-se vivenciado vários governos autoritários, sendo a maioria ditaduras. 

“Debaixo do primeiro perfil, os regimes autoritários se caracterizam pela ausência de Parlamento e de eleições populares, ou, quando tais instituições existem, pelo seu caráter meramente cerimonial, e ainda pelo indiscutível predomínio do Poder Executivo. No segundo aspecto, os regimes autoritários se distinguem pela ausência da liberdade dos subsistemas, tanto no aspecto real como no aspecto formal, típica da democracia. A oposição política é suprimida ou obstruída. O pluralismo partidário é proibido ou reduzido a um simulacro sem incidência real. A autonomia dos outros grupos politicamente relevantes é destruída ou tolerada enquanto não perturba a posição do poder do chefe ou da elite governante. Neste sentido, o Autoritarismo é uma categoria muito geral que compreende grande parte dos regimes políticos conhecidos, desde o despotismo oriental até ao império romano, desde as tiranias gregas até às senhorias italianas, desde a moderna monarquia absoluta até à constitucional de tipo prussiano, desde os sistemas totalitários até às oligarquias modernizantes ou tradicionais dos países em desenvolvimento”. (grifos meu) (STOPPINO, 1998, p. 100). 

"O sociólogo político Juan Linz, que é dos autores que mais contribuíram para precisar a distinção entre "Autoritarismo" e "Totalitarismo" na tipologia dos sistemas políticos contemporâneos, propõe esta definição: 'Os regimes autoritários são sistemas políticos com um pluralismo político limitado e não responsávelsem uma ideologia elaborada e propulsiva, mas com mentalidade característica; sem uma mobilização política intensa ou vasta, exceção feita em alguns momentos de seu desenvolvimento; e onde um chefe, ou até um pequeno grupo, exerce o poder dentro dos limites que são formalmente mal definidos, mas de fato habilidosamente previsíveis'". (grifos meu) (STOPPINO, 1998, p. 101). 

Com base nessa distinção entre autoritarismo e totalitarismo proposta pelo sociólogo Juan Linz, adentremos o conceito de totalitarismo, e um dos melhores argumentos para isso, advém da obra da filosofa alemã Hannah Arendt (1906-1975), a qual escreveu o livro As origens do Totalitarismo (1951). Judia, foi vítima da perseguição do Holocausto nazista, mas conseguiu escapar da Alemanha, migrando para os Estados Unidos. Com base na sua experiência de ter sido perseguida por um governo autoritário como o Nazismo de Adolf Hitler e vivenciar o desenvolvimento da URSS sob o governo de Joseph Stalin, Arendt redigiu esta obra acusando os dois ditadores de serem totalitários e não meramente autoritários. 


Fotografia tirada em 28 de setembro de 1938, meses antes da eclosão da Segunda Guerra (1939-1945). Na imagem vê-se o ditador fascista Benito Mussolini (1883-1945) e o ditador nazista Adolf Hitler (1889-1945). Para Hannah Arendt, o governo fascista foi semi-totalitário, mas o governo nazista foi plenamente totalitário. 
Para Hannah Arendt, a qual escreveu em detalhes as características dos governos nazistas e stalinista, algo que não me cabe aqui debater da mesma maneira devido as limitações deste trabalho, ainda assim, posso identificar as principais características apontadas por ela, pelas quais se pode identificar um governo totalitário. 

1) manipulação das massas: 


“Seria um erro ainda mais grave esquecer, em face dessa impermanência, que os regimes totalitários, enquanto no poder, e os líderes totalitários, enquanto vivos, sempre 'comandam e baseiam-se no apoio das massas'. A ascensão de Hitler ao poder foi legal dentro do sistema majoritário, e ele não poderia ter mantido a liderança de tão grande população, sobrevivido a tantas crises internas e externas, e enfrentado tantos perigos de lutas intrapartidárias, se não tivesse contado com a confiança das massas. Isso se aplica também a Stálin. Nem os julgamentos de Moscou nem a liquidação do grupo de Rohm teriam sido possíveis se essas massas não tivessem apoiado Stálin e Hitler. A crença generalizada de que Hitler era simplesmente um agente dos industriais alemães e a de que Stálin só venceu a luta sucessória depois da morte de Lênin, graças a uma conspiração sinistra são lendas que podem ser refutadas por muitos fatos e, acima de tudo, pela indiscutível popularidade dos dois líderes. Não se pode atribuir essa popularidade ao sucesso de uma propaganda magistral e mentirosa que conseguiu arrolar a ignorância e a estupidez. Pois a propaganda dos movimentos totalitários, que precede a instauração dos regimes totalitários e os acompanha, é invariavelmente tão franca quanto mentirosa, e os governantes totalitários em potencial geralmente iniciam suas carreiras vangloriando-se de crimes passados e planejando cuidadosamente os seus crimes futuros”. (grifos meu) (ARENDT, 1979, p. 355-357). 

Hannah Arendt e outros filósofos, cientistas políticos, historiadores, sociólogos debatem em distintas obras a importância e o poder das ideologias presentes em regimes totalitários. O nazismo, o fascismo e o comunismo deturpado, além de ideologias sociais e religiosas também foram aplicadas para sustentar tais governos. Tais ideologias mesmo que não fossem de aceitação unânime, ainda assim, conseguiram realizar uma "grande lavagem cerebral", que permitiu que os seus líderes se mantivessem no poder e tivessem apoio incondicional ou não, da população para realizar suas ambições. 


Benito Mussolini em comício diante de dezenas de milhares de pessoas, Roma.  
Mas isso só foi possível de ser realizado, graças a um forte aparato propagandístico e uma eficaz censura dos meios de comunicação, o que consistem na segunda característica apontada por Arendt, para a definição de totalitarismo. 

2) Propaganda política: 


“Nos países totalitários, a propaganda e o terror parecem ser duas faces da mesma moeda. Isso, porém, só é verdadeiro em parte. Quando o totalitarismo detém o controle absoluto, substitui a propaganda pela doutrinação e emprega a violência não mais para assustar o povo (o que só é feito nos estágios iniciais, quando ainda existe a oposição política), mas para dar realidade às suas doutrinas ideológicas e às suas mentiras utilitárias. O totalitarismo não se contenta em afirmar, apesar de prova em contrário, que o desemprego não existe; elimina de sua propaganda qualquer menção sobre os benefícios para os desempregados. Igualmente importante é o fato de que a recusa em reconhecer o desemprego corrobora — embora de modo inesperado — a velha doutrina socialista de que quem não trabalha não come. Ou, para citar outro exemplo, quando Stálin decidiu reescrever a história da Revolução Russa, a propaganda da sua nova versão consistiu em destruir, juntamente com os livros e documentos, os seus autores e leitores: a publicação, em 1938, da nova história oficial do Partido Comunista assinalou o fim do superexpurgo que havia dizimado toda uma geração de intelectuais soviéticos”. (grifos meu) (ARENDT, 1979, p. 389-390). 

“A propaganda é, de fato, parte integrante da guerra psicológica; mas o terror o é mais. Mesmo depois de atingido o seu objetivo psicológico, o regime totalitário continua a empregar o terror; o verdadeiro drama é que ele é aplicado contra uma população já completamente subjugada. Onde o reino do terror atinge a perfeição, como nos campos de concentração, a propaganda desaparece inteiramente; na Alemanha nazista, chegou a ser expressamente proibida. Em outras palavras, a propaganda é um instrumento do totalitarismo, possivelmente o mais importante, para enfrentar o mundo não-totalitário; o terror, ao contrário, é a própria essência da sua forma de governo. Sua existência não depende do número de pessoas que a infringem. O terror como substituto da propaganda alcançou maior importância no nazismo do que no comunismo”. (ARENDT, 1979, p. 393). 


Cartaz de uma propaganda do governo de Stalin. Na imagem o ditador recebe flores do povo, o qual mostra grande sinal de gratidão e felicidade pelo seu líder. 
Regime totalitários costumam passar a sensação e ideia de que o país não possui problemas, que seu governo é melhor e mais justo do que os governos de outros Estados e os governos nacionais anteriores. Por outro lado, o uso da força e do medo, assegura que a população mais arredia acabe desistindo de qualquer plano. No Nazismo os campos de concentração eram praticamente desconhecidos de grande parte dos alemãs. Não se falava a respeito e quando se tocava no assunto, contava-se uma mentira. No Stalinismo, toda a oposição era ameaçada aos campos de trabalho forçado na Sibéria ou condenados a morte. 

É preciso salientar que tais métodos não eram exclusivos de regimes totalitários, regimes autoritários faziam uso da propaganda para enaltecer seus governos e governantes, gerando uma falsa sensação de um país unido e próspero, e por outro lado, ocultavam todos os problemas e crimes do Estado. Essa ideia de que o Estado não possuía falhas e estava servindo bem o povo, foi uma ideia bastante difundida entre ditaduras autoritárias e totalitárias: a ideia de "salvação" e "revolução".

3) A "revolução permanente":

“Para um movimento totalitário, ambos os perigos são igualmente mortais: a evolução na direção do absolutismo poria fim ao ímpeto interno do movimento, enquanto a evolução na direção do nacionalismo frustraria a expansão externa sem a qual o movimento não pode sobreviver. A forma de governo que os dois movimentos tomaram — ou melhor, que resultou quase que automaticamente da sua dupla pretensão de domínio total e governo mundial — é melhor definida pelo slogan de Trótski de 'revolução permanente', embora a teoria de Trótski fosse apenas a previsão socialista de uma série de revoluções? Desde a revolução anti-feudal da burguesia até a anti-burguesa do proletariado, que se alastrariam de um país para outro. De 'permanente', a teoria tinha apenas o nome, com todas as suas implicações semi-anárquicas; mas até Lênin impressionou-se mais com o nome do que com o seu conteúdo teórico. Seja como for, as revoluções, sob forma de expurgos geraisviraram instituições permanentes na União Soviética sob o regime de Stálin após 1934. Neste caso como em outros, Stálin concentrou os seus ataques contra o semiesquecido slogan de Trótski exatamente porque havia decidido usar a sua técnica. Na Alemanha nazista, percebia-se claramente uma tendência semelhante na direção da revolução permanente, embora os nazistas não tivessem tido o tempo de realizá-la na mesma medida. De modo típico, a sua 'revolução permanente' começou também com a liquidação da facção partidária que havia ousado proclamar abertamente "o próximo estágio da revolução””. (grifos meu) (ARENDT, 1979, p. 439-440). 

A luta pelo domínio total de toda a população da terra, a eliminação de toda realidade rival não-totalitária, eis a tônica dos regimes totalitários; se não lutarem pelo domínio global como objetivo último, correm o sério risco de perder todo o poder que porventura tenham conquistado. Nem mesmo um homem sozinho pode ser dominado de forma absoluta e segura a não ser em condições de totalitarismo global. Portanto, a subida ao poder significa, antes de mais nada, o estabelecimento de uma sede oficial e oficialmente reconhecida para o movimento (ou sucursais, no caso de países satélites), e a aquisição de uma espécie de laboratório onde o teste possa ser feito com realismo (ou contra a realidade) — o teste de organizar um povo para objetivos finais que desprezam a individualidade e a nacionalidade. O totalitarismo no poder usa a administração do Estado para o seu objetivo a longo prazo de conquista mundial e para dirigir as subsidiárias do movimento; instala a polícia secreta na posição de executante e guardiã da experiência doméstica de transformar constantemente a ficção em realidade; e, finalmente, erige campos de concentração como laboratórios especiais para o teste do domínio total”. (grifos meu) (ARENDT, 1979, p. 442). 

Adolf Hitler difundiu pela Alemanha a doutrina de uma "raça superior", proclamando que as "raças inferiores" deveriam ser conquistadas e "escravizadas". Stalin difundiu que seu modelo de socialismo soviético seria a "melhor forma de governo", logo, passou a conquistar os países vizinhos e criar a grande URSS. Alemãs, soviéticos, chineses, norte-coreanos foram alguns dos povos que sob regimes totalitários criaram os abomináveis campos de concentração. Embora que em cada país a utilidade para tais campos fosse diferente, ainda assim, eram "laboratórios" para programas sociais, militares, científicos, etc. 

Fotografia de dezembro de 1949, durante as comemorações pelo aniversário de 71 anos de Josef Stalin. Na ocasião, Mao Tsé-tung compareceu aos festejos. Stalin e Mao foram ditadores totalitários pautados no socialismo e comunismo deturpado por suas ideias. 
4) A ideologia do terror: 

“Sempre que galgou o poder, o totalitarismo criou instituições políticas inteiramente novas e destruiu todas as tradições sociais, legais e políticas do país. Independentemente da tradição especificamente nacional ou da fonte espiritual particular da sua ideologia, o governo totalitário sempre transformou as classes em massas, substituiu o sistema partidário não por ditaduras unipartidárias, mas por um movimento de massa, transferiu o centro do poder do Exército para a polícia e estabeleceu uma política exterior que visava abertamente ao domínio mundial. Os governos totalitários do nosso tempo evoluíram a partir de sistemas unipartidários; sempre que estes se tornavam realmente totalitários, passavam a operar segundo um sistema de valores tão radicalmente diferente de todos os outros que nenhuma das nossas tradicionais categorias utilitárias — legais, morais, lógicas ou de bom senso — podia mais nos ajudar a aceitar, julgar ou prever o seu curso de ação”. (grifos meu) (ARENDT, 1979, p. 512).

No corpo político do governo totalitário, o lugar das leis positivas é tomado pelo terror total, que se destina a converter em realidade a lei do movimento da história ou da natureza. Do mesmo modo como as leis positivas, embora definam transgressões, são independentes destas — a ausência de crimes numa sociedade não torna as leis supérfluas, mas, pelo contrário, significa o mais perfeito domínio da lei —, também o terror no governo totalitário deixa de ser um meio para suprimir a oposição, embora ainda seja usado para tais fins. O terror torna-se total quando independe de toda oposição; reina supremo quando ninguém mais lhe barra o caminho. Se a legalidade é a essência do governo não-tirânico e a ilegalidade é a essência da tirania, então o terror é a essência do domínio totalitário. O terror é a realização da lei do movimento. O seu principal objetivo é tornar possível à força da natureza ou da história propagar-se livremente por toda a humanidade sem o estorvo de qualquer ação humana espontânea. Como tal, o terror procura "estabilizar" os homens a fim de liberar as forças da natureza ou da história. Esse movimento seleciona os inimigos da humanidade contra os quais se desencadeia o terror, e não pode permitir que qualquer ação livre, de oposição ou de simpatia, interfira com a eliminação do "inimigo objetivo" da História ou da Natureza, da classe ou da raça. Culpa e inocência viram conceitos vazios; "culpado" é quem estorva o caminho do processo natural ou histórico que já emitiu julgamento quanto às "raças inferiores", quanto a quem é "indigno de viver", quanto a "classes agonizantes e povos decadentes"”. (grifos meus) (ARENDT, 1979, p. 575-576). 

Essas quatro concepções apontadas acima, consistem segundo a opinião da filosofa Hannah Arendt, o conceito de totalitarismo. A seguir veremos alguns conceitos contemporâneos de ditadura, e se notará que mesmo ditaduras autoritárias compartilham alguns aspectos do totalitarismo, mas com a diferença de ser algo menos severo. 

3) Conceitos atuais de ditadura: 

Aqui nos encontramos no penúltimo ponto de estudo desse trabalho. Após ver o conceito original de ditadura, e outros conceitos que se aproximam de governos ditatoriais, embora que haja ditaduras autoritárias ou totalitárias, veremos outros conceitos que caracterizam em termos gerais o que seria um regime ditatorial, podendo ser este de origem civil, militar, hereditária, burocrática, etc. Para isso, optei dividir os conceitos de acordo com alguns estudiosos selecionados. 

Ditadura segundo o Dicionário de Conceitos Históricos: 

De acordo com os autores do dicionário (SILVA; SILVA, 2009, p. 106), poderia-se classificar três tipos de ditaduras:
  1. ditadura simples, na qual o poder é exercido por um ditador que se baseia nos meios tradicionais de coerção da sociedade pelo Estado, que são a política, a burocracia, o exército e o judiciário. Nessa categoria estão os ditadores do Terceiro Mundo no século XX, como Idi Amin em Uganda, Papa Doc no Haiti e Pol Pot no Camboja. Tais ditadores por controlarem países pobres, precisaram basear seu poder, sobretudo na coerção policial, e não criaram meios de manipulação de opinião muito sofisticados. 
  2. A segunda categoria de ditadura é a chamada “cesarista” ou “bonapartista”, na qual o poder do ditador vem principalmente do apoio popular. Tal poder depende do carisma do político e pode ser exemplificado nas ditaduras latino-americanas do século XX, como a de Getúlio Vargas no Brasil e a de Perón na Argentina
  3. O último tipo de ditadura é o totalitário, em que um partido controla o Estadoutilizando também o apoio popular. Esse é o caso das ditaduras da Europa no século XX, o fascismo italiano, o nazismo alemão e o stalinismo soviético.
Para os autores do dicionário, ditaduras seriam formas de governo surgidos geralmente a partir de golpes de Estado, mas apresentados como uma "via legal" para se instaurar os novos governantes, fosse este o representante de um único partido ou de um conjunto de partidos, ou um chefe militar, supostamente apartidário, alegando que estes governantes estariam promovendo a "restauração" ou uma "revolução" política para melhorar o país. 


“Apesar de existirem diferentes formas de ditadura no mundo contemporâneo, algumas características básicas são compartilhadas por todas: o cerceamento de direitos políticos e individuais, a ampla utilização da força pelo Estado contra sua própria sociedade e o fortalecimento do poder executivo em detrimento dos outros poderes”. (SILVA; SILVA, 2009, p. 108). 

Ditadura segundo Mario Stoppino:

O cientista político italiano Mario Stoppino, escreveu acerca da história dos governos opressores, autoritários, totalitários, ditatoriais, despóticos, tirânicos, etc. apresentando distintas características para tais formas de governo, mas no que se refere aos governos ditatoriais, embora ele reconheça a existência de especificidades para distintas ditaduras, ainda assim, ele apontava algumas características comuns para as ditaduras. 


“Na 'Ditadura revolucionária', portanto, o poder ditatorial não é apenas um poder concentrado e absoluto, tal como ocorre tanto na Ditadura romana como na moderna; ele, além disso, se instaura de fato e não suporta limites preestabelecidos, como só acontece na Ditadura moderna. Acrescente-se que a 'Ditadura revolucionária' prenuncia outra característica possível da Ditadura moderna: o poder não estava necessariamente nas mãos de um só homem (o ditador), podia também estar nas mãos de um grupo (uma convenção, uma assembléia, um partido revolucionário). [...]. O ponto em que a "Ditadura revolucionária" parece ainda divergir da moderna e aproximar-se mais da romana é seu caráter temporário, sua limitação no tempo. Mas, em primeiro lugar, é de notar que tal caráter temporário não está mais garantido ab externo pela Constituição, mas assenta na vontade mutável do próprio grupo revolucionário: neste sentido, também há Ditaduras modernas que se autoproclamam inicialmente como temporárias, para depois permanecer de forma mais ou menos duradoura. É de observar, em segundo lugar, que mesmo nas Ditaduras modernas que não proclamam sua temporariedade existe um traço peculiar que, de algum modo, evoca um caráter temporário: a debilidade ou precariedade das regras de sucessão no poder. (STOPPINO, 1998, p. 370). 

“A Ditadura apresenta, preferivelmente, uma ruptura da tradiçãoInstala-se utilizando a mobilização política de uma grande parte da sociedade, ao mesmo tempo que subjuga com a violência uma outra parte. E não pode garantir sua continuidade, de modo ordenado e regular, nem com o processo democrático, de que é a negação, nem com o princípio hereditário, que contrasta com as condições políticas objetivas e com sua pretensão de representar os interesses do povo. Daí o caráter precário das regras de sucessão no poder”. (STOPPINO, 1998, p. 371). 


Jornal O Globo de 11 de abril de 1964, trazendo a manchete principal na qual o general Arthur Costa e Silva dizia que a intervenção ocorrida em 31 de março, não era um golpe de Estado, mas uma revolução que visava moralizar as instituições. O discurso de que o golpe de 1964 era uma revolução, foi mantido pelos militares ao longo dos anos 1960. A partir de 1970 ele começou a ser posto de lado, pois algumas alas das Forças Armadas brasileiras questionavam o rumo que o governo havia tomado.
Para Stoppino a tirania grega consistia numa forma de governo que assemelha-se em alguns aspectos as ditaduras do século XX, as quais ele chama de "ditaduras modernas". 


“Tal como as Ditaduras modernas, as tiranias gregas nasciam, geralmente, das crises e da desagregação de uma democracia ou de um regime político tradicional, no qual surgia a ampliação do interesse e da participação política. Tal como o ditador moderno, o tirano não era um monarca legítimomas sim o chefe de uma facção política, que impunha com a força o próprio poder a todos os outros partidos. Da mesma forma que os ditadores modernos, os tiranos exerciam um comando arbitrário e ilimitado, recorrendo amplamente a instrumentos coercitivos. Com o tempo, todavia, o conceito de tirania transformou-se, afastando-se em parte do seu sentido originário e dando maior ênfase à maneira cada vez mais exclusiva de exercer o poder”. (grifos meu), (STOPPINO, 1998, p. 371). 

Stoppino prossegue apontando três características básicas para definir governos ditatoriais modernos:
  • Concentração do poder: numa ditadura, os poderes de comando e de mando estão concentrados num único homem (o ditador), ou numa oligarquia de comandantes, generais, políticos, etc. Tais homens passam a estar acima das leis, a modificarem ou alterarem a Constituição em benefício próprio. O Poder Executivo se sobrepõe aos poderes Legislativo e Judiciário, o que permite o ditador ou ditadores agirem sem necessidade de consulta ou consentimento de um Parlamento, Senado, Câmaras, Assembleias ou da própria população. As leis são alteradas para ampliar e justificar a autoridade do governo ditatorial, assim como, permitir que ele use de meios lícitos ou ilícitos para controlar a população e a oposição política. 

  • “O Governo ditatorial não é refreado pela lei, coloca-se acima dela e transforma em lei a própria vontade. Mesmo quando são mantidas ou introduzidas normas que resguardam nominalmente os direitos de liberdade, ou limitam de outra forma o poder do Governo, estas normas jurídicas são apenas um véu exterior, com escassa ou nenhuma eficácia real, que o Governo ditatorial pode ignorar com discrição mais ou menos absoluta, recorrendo a outras leis que contradizem as primeiras ou que criam exceçõesutilizando poderosos organismos políticos subtraídos ao direito comum ou invocando diretamente pretensos princípios superiores que guiam a ação do Governo e que prevalecem sobre qualquer lei”. (grifos meu), (STOPPINO, 1998, p. 373). 
  • Fundo social e político: os governos ditatoriais normalmente surgem a partir de períodos de crise econômica e política, onde o povo abalado, deprimido e revoltado acaba sendo manipulado por um ou mais homens que se valem do contexto, para promover mudanças, revoltas, revoluções, e consequentemente ele ou o seu grupo, acabam alcançando o poder, e passam a alegar que vão trazer melhorias ao país. Stoppino (1998, p. 373-374) assinala, que as ditaduras modernas podem ocorrer tanto em países bastante industrializados e desenvolvidos economicamente e socialmente, mas também em países "em desenvolvimento" ou "subdesenvolvidos". Ele salienta que em alguns casos as propostas eram boas e nobres, mas a alcançarem o poder, tais homens eram corrompidos. 
  • Problema de legitimação do poder: um dos grandes problemas nas ditaduras é perpetuar seu regime autoritário ou totalitário de forma que o povo não encontre meios de derrubar o governo. No caso das ditaduras de um único líder como o Nazismo e o Fascismo, com a morte de seus ditadores, os governos ditatoriais foram derrubados, embora adeptos e seguidores tenham migrado para a clandestinidadeNo caso de Stalin e de Mao Tsé-tung, após a suas mortes, as ditaduras continuaram, pois outros líderes assumiram. No caso das ditaduras militares na América Latina, havia sucessão de cargo. Alguns ditadores eram nomeados para permanecerem tantos anos no poder, então eram sucedidos por outros. No caso da Coreia do Norte e de Cuba, vemos um caso particular de ditadura hereditária. Fidel renunciou ao governo em 2008, mas passou o comando para seu irmão Raúl Castro. Já na Coreia do Norte, pai, filho e neto governam o país sucessivamente desde os anos 50. 

  • “Partem também deste princípio todos os artifícios que as Ditaduras adotam para mostrar que detêm a anuência do povo: desde os plebiscitos às grandes reuniões de massa em contato direto com o chefe e com seus representantes, até chegar à imposição capilar e coercitiva da aceitação entusiástica do regime por toda a população. Assistimos então a uma espécie de democracia subvertida, onde o povo é forçado a manifestar uma completa adesão à orientação política do ditador, a fim de que este possa proclamar que sua ação apóia-se na vontade popular. Todas estas técnicas, porém, não conferem à Ditadura a legitimidade democrática, porque não podem eliminar o fato crucial de que a autoridade política é transmitida do alto para baixo, e não vice-versa. Mesmo quando prescindimos de certas Ditaduras de pura exploração, consideradas radicalmente ilegítimas, a legitimação popular dos Governos ditatoriais parece sempre incerta e ambígua”. (grifos meu), (STOPPINO, 1998, p. 374). 
Os três generais ditadores da Ditadura Argentina (1966-1973). Da esquerda para a direita: Juan Carlos Ongania, Marcelo Levingston, Alejandro Lanusse. 
Ditadura segundo Norberto Bobbio: 

O filósofo, historiador, cientista político e senador italiano Norberto Bobbio (1909-2004), escreveu distintas obras abordando a política na teoria e na prática, entre alguns de seus trabalhos, ele abordou a democracia e a ditadura. Sendo assim, vejamos algumas de suas percepções para o que seriam governos ditatoriais. 

Em seu livro Democracia e Ditadura (1989, p. 162-163), Bobbio defende que as ditaduras podem ser exercidas apenas por um homem (o ditador), ou por um conjunto de ditadores ou por instituições, sendo essas militares, civis, jurídicas, etc. Ele comenta o caso de que Napoleão em seu mandato como cônsul, exercia um poder ditatorial, mas usava a instituição do Consulado (1799-1804) para isso. Maximiliem de Robespierre fez o mesmo entre 1793 e 1795, ao se apossar do Comitê de Segurança Pública, durante a Revolução Francesa (1789-1799). Em ambos os casos, Napoleão e Robespierre foram "eleitos" para assumir cargos públicos, mas acabaram abusando de sua autoridade, instaurando governos autoritários. 

Porém, havia diferenças. Napoleão teria promovido seu governo com base na força militar, pois era um respeitado e temido general, algo que Bobbio aponta como alguns dizerem que se tratava de uma "ditadura militar". Por sua vez, Robespierre alegava estar defendendo a "revolução" (uma "ditadura revolucionária"), e agia de acordo com os preceitos civis (embora que os jacobinos tenham suspendido a Constituição de 1793 e proposto uma revisão dessa, em 1795). Uma coisa evidente é que tanto Napoleão quanto Robespierre não escondiam sua opinião de que para poder retornar a França a sua estabilidade, usariam a força para isso. 

Bobbio (1989, p. 164-166) também salienta que algumas ditaduras surgiram com caráter de revolução, daí a origem do termo "ditadura revolucionária". Algumas ditaduras chamadas de revolucionárias ocorreram na França, Alemanha, Rússia, China, Coreia do Norte, Cuba, Venezuela, Chile, Argentina e Brasil, e alegavam serem legais, não usurpações do poder. Em tais países os ditadores e seus partidos ou instituições, alegavam terem assumido o poder, para impedir golpes de Estado, para solucionar crises econômicas, políticas, sociais; para combater regimes políticos decadentes, e assim, eles se apresentavam como instauradores de uma nova ordem, de mudanças que levariam o país para melhor. De início, alegavam que a intervenção seria momentânea, mas acabavam permanecendo anos ou décadas no governo. 


Propaganda chinesa do governo de Mao Tsé-tung (1945-1976), mostrando o povo unido sob os preceitos das ideias do proletariado. É importante mencionar que Mao como outros líderes ditos comunistas, alteraram as ideais originais sobre socialismo, comunismo e até do marxismo. 
Norberto Bobbio em seu livro O futuro da democracia (1986) aponta que teóricos franceses, ingleses e alemães nos séculos XVIII e XIX, em parte defendiam a instauração de "ditaduras temporárias" para reorganizar o país. O problema apontado por ele, é que essa temporalidade não era respeitada. Aqueles que assumiam o poder, não tardavam a serem corrompidos e abusar dele, perpetuando-se como ditadores. No entanto, ele ressalvava que algumas ditaduras foram mais brandas e outras foram mais opressoras. Para ele, o Fascismo foi menos radical e sangrento que o Nazismo, mas isso não o desqualifica como tendo sido uma ditadura.  

“Que a ditadura soberana, ou constituinte, seja exercida por um indivíduo, como César ou Napoleão, ou por um grupo político, como os jacobinos ou os bolcheviques, ou ainda por uma classe inteira conforme a concepção marxista do estado, definido como ditadura da burguesia ou do proletariado, não altera nada quanto à natureza do governo ditatorial como governo no qual o homem ou os homens se contrapõem à supremacia das leis transmitidas. O que pode mudar é o seu significado axiológico: geralmente positivo com respeito à ditadura comissária; ora positivo ora negativo com respeito à ditadura constituinte, segundo as diversas interpretações — a ditadura jacobina e a ditadura bolchevique, ora exaltadas ora vituperadas”. (grifo meu), (BOBBIO, 1985, p. 168). 

Escrevendo a partir da segunda metade do século XX, Bobbio reconhecia que ditaduras temporárias eram inviáveis, não seriam uma solução sábia, pois a História mostrava que onde se tentou isso, as consequências não foram boas. Talvez as únicas exceções tenham ocorrido na Antiguidade, com a ditadura romana, pois aquela era autorizada, limitada e fiscalizada, embora que alguns ditadores como Sula e César tenham se excedido no cargo.

No livro Igualdade e Liberdade (1993, p. 140-141), Bobbio salienta que os Estados totalitários surgidos no século XX, após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), eram atualizações do despotismo aplicado a monarquias e repúblicas do século anterior. A diferença é que enquanto monarquias despóticas e repúblicas despóticas eram reconhecidos legalmente, os governos totalitários assumiam o controle como "ditaduras revolucionárias" ou golpes de Estado, e instauravam governos de exceção e opressão

Bobbio reconhecia que nem toda ditadura era totalitária, mas ainda assim, as ditaduras não totalitaristas possuíam características em comum, como o fato de restringir os direitos civis e jurídicos dos cidadãos; censurar e controlar os meios de comunicação; incentivar o militarismo ou restringir o acesso da população as armas; criar instituições e polícias para espionar e punir opositores, etc. 

Ditadura segundo Carl Schmitt: 

O jurista, filósofo político e professor alemão Carl Schmitt (1888-1985) publicou um importante livro chamado Ditadura (1921), obra que serviu de referência a vários autores por longos anos, além do fato de que até o fim da vida, ele atualizou seu trabalho. Na sua obra, Schmitt reconhecida dois tipos de ditaduras: a ditadura comissária, a qual era pautada principalmente na concepção do filósofo francês Jean Bodin, o qual viveu no século XVI. Por sua vez, seu conceito se aproximava da ditadura romana, pois Schmitt defendia a ideia de que em alguns casos, a Constituição deveria ter uma lei que autorizasse um "Estado de exceção", no qual um "ditador" autorizado e limitado pela lei, pudesse agir. 

Por outro lado, o seu segundo tipo era a ditadura soberana, a qual ele reconhecia como um governo ilegítimo, autoritário e opressor. Neste caso, devido ao conceito de ditadura comissária ser próximo de ditadura romana, não abordarei o assunto, mas tratarei das noções dadas por Schmitt quanto as ditaduras soberanas, as quais ele argumentou que se espalharam pelo mundo no século XX. 

Para Carl Schmitt (2013, p. 117), enquanto a ditadura comissionada seria autorizada pelo Estado, a ditadura soberana seria uma usurpação, na qual um líder legalmente eleito ou golpista assumiria o poder, com caráter provisório, mas acabava perpetrando-se no poder indefinitivamente e até mesmo permitindo que sucessores fossem eleitos para dar continuidade aquela política. 

Schmitt toma como exemplo os casos de Oliver Cromwell (1599-1658), nobre, militar e político inglês que na época da crise parlamentarista, mobilizou um golpe de Estado e foi eleito Lorde Protetor do chamado Protetorado, um governo temporário até que a monarquia parlamentarista fosse restabelecida. O outro exemplo é o já conhecido de Napoleão Bonaparte, o qual em 1799 participou do Golpe de 18 de Brumário, o qual destituiu o Diretório (1795-1799) e convocou eleições para um Consulado, as quais foram fraudadas para que Napoleão vencesse. 


Retrato de Oliver Cromwell (1599-1658), comandante militar e membro da Câmara dos Lordes, o qual usou sua influência no Exército e na política, para ser proclamado Lorde Protetor da Inglaterra, e posteriormente tentou abolir a monarquia e instaurar uma república, a qual acabou se tornando uma breve ditadura. 
Schmitt (2013, p. 118) salienta que as ditaduras eram medidas de auto-defesa, ou seja, elas não eram apenas medidas de ação, mas também de reação. Muitos dos ditadores que deram início a ditaduras ou foram sucessores de outros ditadores, em geral alegavam que estavam fazendo aquilo para combater problemas internos e externos, assim eles alegavam que a forma de poder "salvar" o país eram assumindo o controle e agindo de forma enérgica e autoritária para por tudo em ordem. 

Não obstante, enquanto numa ditadura comissária, o ditador estava submisso a Constituição, numa ditadura soberana o ditador poderia se opor a Constituição e até mesmo estar acima dela. Nesse ponto Schmitt (2013, p. 119-120) apontava uma ambiguidade no discurso ditatorial: alegavam estar servindo a Constituição do país, no intuito de legitimar sua permanência no poder e seus atos, mas agiam sem depender ou obedecê-la e em alguns casos até mesmo a suspendiam e criavam outra, como ocorreu em 1793 e 1804 na França, em 1934, 1937 e 1967 no Brasil. 

Ditadura segundo Zevedei Barbu: 

Para Zevedei Barbu (2002, p. 117-120) as ditaduras poderiam ser pautadas em um único líder, o qual em geral representava-se como chefe de um partido, como Hitler e o Nazismo, Mussolini e o Fascismo, Stalin e o Partido Comunista. Em tais ditaduras imperavam uma centralização do poder não propriamente nas mãos do partido, mas nas mãos do ditador, chegando até mesmo a se desenvolver uma idolatria ao líder, algo principalmente visível com Hitler e Mussolini, os quais usavam os títulos de Führer e Duce, respectivamente. Nessas ditaduras também imperavam ideologias nacionalistas, políticas e de outras crenças, além de haver uma forte ou não militarização do país, devido a tendência expansionistas. 

Por exemplo, o Nazismo construiu uma forte ideologia nacionalista pautada no mito da "raça ariana", a qual alegava que os alemãs pertenceriam a uma "raça" superior, e por causa disso deveriam governar as "raças" inferiores. No Fascismo, Mussolini procurou resgatar a glória do Império Romano. No Stalinismo, Josef Stalin deturpou a doutrina comunista e alegava estar plantando as bases da reforma proletária. Não obstante, Zabre (2002, p. 140-141) assinala que na maioria das ditaduras, o governante ou governantes procuram realizar reformas econômicas, políticas, sociais, culturais, etc., pelas quais promovem seus governos, usando isso como propaganda política para ocultar seus crimes e desfeitas, mas também como forma de proporcionar uma justificativa para que continuem no poder. 


Propaganda nazista mostrando Adolf Hitler como o grande líder e responsável por guiar a Alemanha no caminho da glória. 
O fato de Hitler ter retirado a economia alemã de um marasmo do período entre guerras, foi bem recebido pela população alemã. O fato de Fidel Castro ter derrubado o ditador Fulgêncio Batista e restaurado a independência de Cuba, foi um grande ato para a história do país, mas o problema que para cada boa ação, outras dez más ações eram ocultadas. 

Ditadura segundo Paul Brooker: 

Paul Brooker em seu livro Defiant Dictatorships (1997), aponta que as ditaduras não são monarquias e nem democracias, mas são governos com características próprias, as quais tendem a permitir uma ilusória sensação democrática, por permitir que eleições ainda continuem a serem realizadas, por não retirarem completamente o direito de sufrágio da população, por permitir que partidos políticos ainda continuam a existir (isso em países que não foram dominados por um único partido). 


Soldado nazista revistando judeus no Gueto de Varsóvia, Polônia. Na teoria os judeus ainda eram cidadãos, mas na prática, eles haviam perdido praticamente todos os seus direitos. Se não fossem enviados para os hediondos campos de concentração, viviam como prisioneiros civis nos guetos. 
Brooker (1997, p. 1) também prossegue defendendo que em países regidos por ditaduras, o governo ditatorial se não terminasse com a morte do ditador, era passado para sucessores nomeados diretamente por ele ou por seu partido ou instituição. Neste caso, as ditaduras socialistas e as ditaduras militares são dois bons exemplos de como os partidos socialistas e as forças armadas perpetravam seus regimes autoritários, nomeando em reuniões privadas aqueles que dariam continuidade a tal regime. 

Paul Brooker (1997, p. 4) assinala que algumas das principais causas que permitiam a instauração de ditaduras eram três: 
  • a) problemas nas relações externas, como no caso da transição do colonialismo para a independência em alguns países africanos, no que resultou na origem de guerras civis, as quais foram usadas por alguns generais para tomar o poder; 
  • b) estruturas políticas e ideologias, neste caso, a política em crise ou a implementação de ideologias, foram meios pelos quais alguns ditadores alcançaram o poder, como no caso de Saddam Hussein (1937-2006), o qual foi eleito presidente em 1979, mas acabou usurpando o poder e manteve-se como ditador até 2003. Hussheim defendeu a implantação do nacionalismo árabe, mas de vertente sunita, combatendo os xiitas e a etnia dos curdos. Também difundiu reformas sociais e culturais conservadoras e defendia uma política externa militarista e expansionista. 
  • c) políticas econômicas, as quais durante o auge da Guerra Fria (1945-1991) nos anos 60 e 70, levaram a expansão da União Soviética (URSS) sobre o leste europeu e a Ásia Central. A Alemanha é um caso bem interessante, pois o icônico Muro de Berlim começou a ser construído nessa época, separando a Berlim Ocidental de viés capitalista, da Berlim Oriental de viés socialista. O modelo político-econômico foi um dos fatores para essa separação. 
Fotografia de 1962, mostrando um casal de noivos no lado ocidental, acenando para familiares e amigos no lado oriental, os quais não puderam ir ao casamento. 
Ditadura segundo Daron Acemoglu e James Robison:

Autores do livro Economic origins of Dictatorship and Democracy (2006), os dois estudiosos defendem que os governos ditatoriais seriam governos não-democráticos, no sentido de não serem verdadeiras democracias, mas sim governos que através da limitação do sufrágio, alegavam serem democráticos


Saddam Hussein (1937-2006), foi ditador do Iraque de 1979 a 2003, quando ameaçado pelo Exército americano, abandonou o cargo e se escondeu por três anos. Durante seu longo governo suspendeu vários direitos, promoveu um governo conservador, invadiu países vizinhos, usou armas biológicas contra a própria população, etc. 
Para Acemoglu e Robison (2006, p. 118) numa democracia, o cidadão possui o direito de votar em qualquer candidato apto, votar em branco ou votar nulo, e até mesmo ser candidato. Num governo não-democrático, o sufrágio é restringido apenas para se eleger determinados cargos e em alguns casos, até mesmo se suspendem a votação pública, passando essa a ser realizada internante por congressos, assembleias, câmaras, grupos, etc. Além disso, as pessoas que podem ser candidatas, estão restritas a se candidatarem, havendo motivos impostos ou legais para censurar campanhas e candidatos. Existe também a tendência de se limitar a quantidade de partidos, onde em casos radicais, reduz-se a apenas um partido. Os autores citam os casos de Ruanda, do Brasil e do Congo, países que vivenciaram governos não-democráticos. 

Além da restrição do voto e da candidatura, Acemoglu e Robison (2006, p. 118-119) apontam outros motivos como: a concentração da economia sob um determinado grupo, o qual está diretamente ligado ao Estado. A limitação das políticas econômicas para favorecerem apenas a elite. O combate a oposição política, seja essa proveniente de outros partidos ou da própria população militante. Restrição dos direitos civisPolíticas voltadas para a elite, excluindo-se ou marginalizando as minorias, pois na teoria a democracia é um governo do povo, pelo povo, para o povo. E o "povo" é formado pelas maiorias e minorias. Criação de polícias especiais para fiscalizar, monitorar, censurar, investigar, vigiar e punir os "subversivos", sobre isso, os autores apontam que tal fato ocorreu na Argentina, Brasil, Venezuela e em outras ditaduras da América Latina. 

Idi Amin Dada (c. 1920-2003), através de um golpe de Estado, tomou o poder de Uganda em 1971, governando até 1979. Embora tenha governado por oito anos, ainda assim, seu governo é um dos mais sanguinários e cruéis da história ugandense. Amin era considerado sádico, megalomaníaco e excêntrico. Ordenou a expulsão de asiáticos e seus descendentes, baniu o movimento hippie, realizou perseguições étnicas; proclamou-se "rei da Escócia", etc. Ordenou prisões arbitrárias, torturas e assassinatos. Estima-se que de 100 a 400 mil pessoas morreram nestes oito anos. 

Ditadura segundo Gene Sharp: 

Em seu livro From dictatorship to democracy (2010, p. 2), Sharp trabalha com a perspectiva de definir países livres, parcialmente livres e não-livres. De acordo com sua pesquisa, no ano de 2008, 34% da população mundial, na época estimada em 6,68 bilhões de seres humanos, o que significava que pelo menos 2,271 bilhões de pessoas viviam em Estados "não-livres", ou seja, viviam em países governados por ditaduras, tiranias, políticas autoritárias ou intervencionismo estrangeiro. 

Gene Sharp assinala que na História ouve tanto ditaduras de esquerda como ditaduras socialistas/comunistas, e ditaduras de direita como o Fascismo, o Nazismo e várias das ditaduras militares. A ideia de que as ditaduras de esquerda foram mais severas do que as de direita não é uma verdade plena, pois houve casos de várias ditaduras militares na América Latina e na África que foram bem terríveis. Alguns podem alegar que somente os nazistas, soviéticos e chineses tenham exterminado milhões, de fato isso é verdade, mas o que torna uma ditadura severa não é apenas a quantidade de mortos, mas várias outras de suas características. 

Sharp (2010, p. 6-8) assinala que nas ditaduras o direito ao voto e os direitos civis são restritos e até mesmo removidos dos cidadãos. Em alguns casos, aqueles que tendem a se opor aos regimes ditatoriais ou partem para auto-exílio ou são forçados a serem exilados, ou são perseguidos, presos e mortos. Outro aspecto é que se convencionou-se em alguns países no século XX, a chamar os opositores dos regimes ditatoriais pela expressão terroristas, desordeiros, rebeldes, revoltosos, guerrilheiros, subversivos, etc., várias expressões para ser referir a aqueles que protestavam pacificamente ou com o uso da força e da violência, mas todos eram taxados como inimigos do Estado. Inclusive as ditaduras promoveram campanhas para tornar atos de protesto como escandalosos e criminosos, como forma de se levar a população a não se rebelar e a se posicionar contrário a aqueles que se rebelavam

Para Sharp (2010, p. 8) a demora de alguns países em se livrarem de suas ditaduras, algo que começou a aumentar nos anos 80 e 90 deveu-se a falta de união entre a população, em se apoiar as alas militantes. Essa falta de apoio pode ser explicado de distintas formas: medo da opressão gerada pelo Estado; desconfiança de que as manifestações ou outros tipos de ações dariam certo; opinião de que os manifestantes eram criminosos, ou comunistas (na América Latina, foi comum considerar que os manifestantes fossem adeptos do comunismo) ou anarquistas; alguns achavam que apenas pela luta armada conseguiria-se derrubar o governo. 

Ditadura segundo Jennifer Gandhi:

Após revisar o desenvolvimento do conceito de ditadura desde a Antiguidade com os romanos, Jennifer Gandhi em seu livro Political Institutions under Dictatorship (2008) decidiu reavaliar o conceito de ditadura, partindo da análise das instituições políticas. Para Gandhi (2008, p. 8-10), alguns conceitos de ditadura são minimalistas, pois reduzem-se a noção de que um governo ditatorial seria um governo que restringe a democracia e onde o ditador ou ditadores abusam do poder. Para ela, deve-se ampliar este escopo. As instituições políticas republicanas e democráticas não são totalmente abolidas numa ditadura, no entanto, são subjugadas pelo poder Executivo, este concentrado nas mãos do ditador. 

Essas instituições não dizem respeito apenas as assembleias, concelhos, câmaras, senados, parlamentos, tribunais, ministérios, mas também as forças armadas, universidades, bancos, secretárias, departamentos, centros de pesquisa, laboratórios, escolas, hospitais, etc., tudo que esteja sob domínio público e também em alguns casos sob o domínio privado (mas que mantenha relações diretas com o Estado), passa a ser influenciado pelo regime ditatorial o qual pode ser um regime militar em ditaduras militares ou um regime civil e ditaduras civis. 

Para Jennifer Gandhi (2008, p. 9) restringir o sufrágio não define uma ditadura, pois em alguns países as mulheres ainda são proibidas de votar ou de se candidatar a cargos públicos. Além disso, em outros países o voto não é obrigatório, além do fato de haver casos que as eleições são restritas e necessariamente isso não os torna ditaduras. Por outro lado, Gandhi chama a atenção para uma inversão neste caso. Em ditaduras, o ditador não está suscetível as leis, inclusive ele pode alterá-las (em alguns casos ao seu bel-prazer), e em outros casos ele pode suprimir as estâncias políticas e jurídicas, e atuar como promotor, juiz, júri e carrasco como nos casos de Josef Stalin e Muammar al-Gadaffi. Para Gandhi isso seriam características contundentes para definir uma ditadura.


Muammar al-Gaddafi (1942-2011) foi ditador da Líbia de 1969 até 2011, quando durante a Primavera Árabe ele foi assassinado numa revolta. 

Jennifer Gandhi (2008, p. 10) ainda prossegue apontando outro aspecto acerca das ditaduras, nestes governos o povo não apenas perde o direito de voto, mas também restringe-se a atuação das instituições democráticas (câmaras, assembleias, parlamento, senado), pois o ditador passa a não necessitar da aprovação de tais instituições para realizar mudanças, aprovar decretos, medidas, leis, etc. Inclusive a política econômica, social e cultural também não passa a ser votada e nem verificada, pois o ditador detém autoridade para fazer isso e até mesmo fechar os órgãos públicos.

Um terceiro aspecto (GANDHI, 2008, p. 16-18) sobre as ditaduras é que elas negam a si mesmo, ou seja, o ditador não se refere a si como ditador, mas como presidente; um tirano, não se referi a si como tirano, mas como rei (ou título monárquico similar). Porém há casos nos quais os ditadores adotam títulos. Idi Amim de Uganda, chegou a se autoproclamar-se "Rei da Escócia"; Al-Gadaffi adotou por vários anos o título de "Líder da Revolução", Hitler adotou o título de Führer ("líder, chefe, guia, condutor"); Mussolini passou a ser referido como Il Duce ("líder"). 

Um governo ditatorial não se refere a si como ditatorial, mas como republicano, democrático, monárquico, parlamentarista, revolucionário, etc. Por exemplo, a Ditadura Argentina foi chamada por si de "Revolução Argentina"Mao Tsé-tung quando assumiu o poder em 1949, rebatizou o nome do país de República da China para República Popular da China, e na nova constituição aprovada em 1954, lia-se a seguinte frase pela qual se referia ao atual governo: "uma ditadura democrática popular". Adolf Hitler passou a chamar a Alemanha de Terceiro Reich ("Terceiro Império ou Terceiro Reinado") e a partir de 1943, de Grande Reich Alemão (Großdeutsche Reich). 

Pol Pot (1925-1998), foi líder do Partido Khmer Vermelho e tornou-se ditador do Camboja, governando de 1963-1979. Nesta época o país foi rebatizado para Camboja Democrático. Pol Pot é lembrado como um dos mais sanguinários ditadores do século XX, tendo promovido o Genocídio Cambojano, o qual ceifou a vida de mais de 1,5 milhões de pessoas. 

Caso os meios de comunicação usassem termos como ditadura, ditador, autoritarismo, totalitarismo, etc., eram imediatamente censurados. A censura da informação, do ensino e do conhecimento, foi algo que fez parte dos governos ditatoriais, assim como, a pregação de doutrinas nacionalistas, ideológicas sociais, políticas, culturais e religiosas. 

Considerações finais:

O século XX foi o período no qual se reconhece o maior número de ditaduras na História. Ditaduras americanas, europeias, africanas e asiáticas, ao ponto de se poder falar que mais de 2 bilhões de pessoas (na época 1/4 da população mundial vivia sob regimes ditatoriais de caráter autoritário ou totalitário. Não obstante, é preciso dizer que a maioria das ditaduras desenvolvidas eram de direita, pois enquanto as ditaduras de esquerda basicamente se restringiam aos ideais socialistas e comunistas, as ditaduras latino-americanas eram de direita e de caráter militar, e as ditaduras africanas também eram de direita e de caráter militar. 

O interessante é que no caso latino-americano, os militares em diferentes países promoveram golpes de Estado, implantando ditaduras para "salvaguardar" seus países de caírem nas garras da "ditadura soviética". Para se combater a ameaça de uma ditadura, criava-se uma ditadura, mas com a diferença de que a nova ditadura, não era vista como tal, mas chamada de "revolucionária". Embora recordemos que seja comum em algumas revoluções o uso da violência, mas nas "ditaduras revolucionárias", o uso da violência extrapolou limites. Não estamos falando de algumas centenas ou de dez mil mortos, mas falamos em alguns casos de centenas de milhares e até de milhões de mortos! Sem contar que em alguns países onde não houve tais massacres, ainda assim, ocorreram assassinatos, perseguições, prisões e torturas. 

Não obstante, vimos também algumas características centrais das ditaduras modernas: propaganda, militarismo, ideologia, censura, opressão, restrição de direitos políticos e jurídicos. Essas são características que basicamente se encontram em todas as ditaduras modernas e ainda hoje, em ditaduras do século XXI. 

Por fim, mesmo tendo escrito um texto como esse, ainda haverá muitas pessoas defendendo ditaduras como governos legítimos, honestos e dignos em seus atos. Defendendo o uso da força, da opressão, da repressão, do medo e da violência para construir um Estado justo e "democrático". Curiosamente essas pessoas que defendem que ditaduras não foram ditaduras, ou que pedem o retorno de regimes autoritários, não consideram a história antes da ditadura, apenas durante e depois dela. Criando o que o historiador e filósofo alemão Jörn Rüsen chama de "kairos", o ato de criar utopias seja no futuro ou no passado, alegando que determinada época foi melhor por causa de certos motivos, embora que necessariamente isso não seja verdade. O "kairos" é uma concepção que mistura, expectativa, saudosismo (quando referente ao passado) e ilusão. Quando a ilusão é desenfreada, isso pode levar ao conservadorismo ou ao fanatismo. 

Referências Bibliográficas: 
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BROOKER, Paul. Defiant Dictatorships: communist and Middle-Eastern Dictartoships in a Democratic Age. London: Macmillan Press LTD, 1997. 
GANDHI, Jennifer. Political Institutions under Dictatorship. New York: Cambridge University Press, 2008. 
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MARKHAN, F. M. H. Napoleão e o despertar da Europa. Tradução de Affonso Blacheyre. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1963. (Coleção Homens que fizeram época). 
MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo, Martins Fontes, 2000. 
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Tradução Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2009. 
SCHMITT, Carl. Dictatorship. Translated by Michael Hoezl and Graham Ward. Cambridge: Polity Press, 2014. 
SHARP, Gene. From Dictatorship to Democracy: a conceptual framework for liberation. 4th edition. United Station of America: The Albert Einsten Institution, 2010. 
SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. 2a ed. São Paulo: Contexto, 2009. 
STOPPINO, Mário. Ditadura. In: BOBBIO, Norberto et. al (org.). Dicionário político. Brasília: Editora da UnB, 1998. p. 368-379. 

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Um comentário:

diversao120 disse...

excelente matéria gostaria de ler mais sobre o império romano abraços