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Leandro Vilar

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

O Torneio dos Cavaleiros (XI-XVI)

Na Idade Média e Idade Moderna uma concepção bastante popular na Europa, foi o torneio dos cavaleiros. Um festival que ocorria em vários países e cidades, organizados pelos nobres para os nobres, apesar que a plebe detinha o direito de assistir e trabalhar no torneio, mas não de participar das competições, as quais eram restritas aos cavaleiros. Lembrando que ser cavaleiro a partir do século XI era algo associado com títulos de nobreza, então, somente nobres poderiam participar dos esportes praticados nestes torneios que foram se tornando populares e perduraram por séculos. Neste texto eu contei um pouco da história de como eram essas competições. 

A origem do torneio: X-XII

Não se sabe exatamente quando começou esses torneios, porém, fontes medievais apontam que antes de 1100 eles já fossem disputados. Uma crônica inglesa encontrada na abadia de St. Martin de Tours, comenta que no ano de 1066, um cavaleiro chamado Godfrey de Preuilly matou um competidor durante um torneio, tendo desobedecido as regras. Um cronista chamado Osbert de Arden, escreveu que durante o reinado de Henrique I da Inglaterra (1100-1135), ocorriam competições entre cavaleiros, os quais usavam lanças e trajes coloridos. O cronista Otto de Freising comentou que no ano de 1146, cavaleiros alemães e francos realizam competições. Ele menciona que em 1127 ocorreu um torneio de cavaleiros em Würzburg. O cronista William de Newburgh comenta que durante o reinado de Estêvão da Inglaterra (1125-1154), ocorriam competições de cavaleiros. (GRAVETT, 1992, p. 3-4). 

Dois cavaleiros numa disputa de justa? Fotografia de um lustre decorado no monastério de Gross-Comburg, Alemanha, c. 1140. 

Os torneios surgiram a partir do treinamento militar dos cavaleiros, mas também de competições informais que eles realizavam para testar suas habilidades, força e destreza, e até mesmo para ganhar fama. Entretanto alguns comandantes, nobres e clérigos consideravam essas competições motivo de indisciplina e demasiadamente violentas, pois as vezes, os cavaleiros acabavam se ferindo gravemente ou até morrendo. No ano de 1130 o papa Inocêncio II expediu uma bula condenando a prática de tais torneios, as quais incitavam a violência e o ego, e eram perniciosas para a conduta honrosa e zelosa que um cavaleiro deveria possuir. Lembrando que nesse período já existiam ordens de cavaleiros, as quais faziam votos de pobreza, celibato, humildade, servidão, etc. tornando os cavaleiros "monges guerreiros", a realização desses torneios feria a imagem do cavaleiro honroso e justo, o qual somente empunhava armas para proteger os pobres e oprimidos. Mas apesar da proibição, ela não foi obedecida. Em 1316 o papa João XXII voltou a criticar a permanência desses torneios, mas não lhe deram ouvidos. (EDGE; PADDOCK, 1991, p. 154). 

A popularização dos torneios nos séculos XII e XIII: 

No século XII os torneios de cavaleiros começaram a se popularizar. Termos como hastiludia (jogo da lança), conflitus galicus, batailles francaises, tornoi, lis, licium, joust, melee, listas, etc. eram alguns nomes pelos quais tais torneios eram referidos. Nota-se o uso de vários termos em latim devido os cronistas escreverem nessa língua. No entanto, esses torneios eram apontados como ocorrendo principalmente na Inglaterra, França e nos Estados germânicos (a Alemanha não existia como nação unificada). Entretanto, Garvett (1991, p. 4) comentou que relatos de torneios foram encontrados também nos Estados italianos (a Itália como nação unificada não existia ainda), no Império Bizantino e até na Síria

Os torneios na época dividiam opiniões. Nobres, autoridades militares e clericais achavam os torneios competições violentas, perigosas e fúteis. De fato, como assinalado anteriormente, alguns papas emitiram decretos tentando proibir tais torneios. Por outro lado, havia aqueles nobres que enxergavam nos torneios uma forma de manter os cavaleiros em atividade, assim como, incentivá-los a melhorar suas habilidades, além de ganhar fama e visibilidade. O cavaleiro William de Malmesbury comentou em 1141, após participar de um torneio, que o mesmo permitia o cavaleiro exercitar suas aptidões e conquistar respeito e glória. (EDGE; PADDOCK, 1991, p. 154). 

Embora já começasse a se desenvolver as ordens guerreiras de cavaleiros, vinculadas a Igreja Católica, não significava que todo cavaleiro fosse adepto dessas ordens. Havia aqueles que não tinham interesse de prestar votos de servidão, celibato, pobreza, etc. Isso teria sido um dos motivos que desagradou certos papas ao perceber que os cavaleiros estavam fugindo de seu controle, optando em levar uma vida mundana. Os torneios eram oportunidades para ganhar fama, visibilidade perante outras famílias nobres, além de fazer negócios e acordos, algo que comentarei adiante. 


Gravura contida no Codex Manesse, séc. XIII. Na imagem temos dois cavaleiros competindo na justa. Um deles foi derrubado de seu cavalo. Em cima, as damas de corte assistem a competição.
 
Com base na imagem acima nota-se que os cavaleiros nessas competições, já ostentavam as cores e brasões das suas casas familiares ou das casas de seus suseranos, a quem eles serviam. No tocante a vestimenta do cavaleiro, naquele período entre os séculos XI ao XIV, essencialmente usou-se cota de malha, um elmo, e a túnica sobre a cota. As túnicas eram coloridas e com desenhos para representar as casas reais. No caso dos elmos, alguns poderiam ter ornamentos como chifres, penachos, fitas, etc. 

Gravett (1992, p. 5-6) comenta que para além da justa e do combate entre dois cavaleiros armados com espada e escudo, havia lutas se usando lanças e clavas, e em alguns casos, competições de 2x2, 3x3 e até conflitos entre grupos maiores. O notório Conde de Pembroke, Guilherme Marshal (1146-1219) era considerado em sua época o maior cavaleiro do mundo. Marshal lutou nas cruzadas ao lado de Ricardo, Coração de Leão, além de ter servido outros três reis ingleses, como também lutou e venceu várias competições em torneios de cavalaria, com direito as narrativas falarem em lutas dele contra vários oponentes ao mesmo tempo. E citando o rei Ricardo, Coração de Leão, no ano de 1194, o monarca declarou os torneios legais em seu país. Contrariando as bulas papais que condenavam tal esporte. Por outro lado, em 1260 o rei Luís XI da França proibiu os torneios, considerando-os imorais e violentos. 

Apesar das críticas negativas aos torneios, esses continuaram se tornando populares e se expandindo pelos reinos. Reis, príncipes, duques, condes, barões e até cavaleiros convocavam desde pequenas disputas até grandes torneios que duravam mais de uma semana. Entretanto, no final do século XIII, se tornou necessário a criação de códigos para organizar e normatizar os torneios, a fim de combater os problemas de brigas e rixas que estavam ligados a eles. Na Inglaterra temos o Estatuto de Armas (Statuta do Armis) e o Estatuto de Armas em Torneios (Statutum Armorum in Torniamentis). Os dois estatutos versavam sobre leis com punições para quem as descumprisse. O primeiro estatuto era voltado para a segurança pública, mais especificamente para se evitar brigas. O estatuto informava que caso um cavaleiro fosse pego numa briga de rua ou em qualquer outro local, ele teria seu cavalo e armadura, confiscados, seria proibido de participar de torneios e poderia pegar até três anos de prisão. A medida foi adotada para se combater as brigas e duelos entre cavaleiros. O segundo estatuto era mais específico para os torneios, no qual apontava normas de segurança para se evitar acidentes, violência excessiva e até trapaças. (GRAVETT, 1992, p. 9).

Nesse ponto sobre normas de segurança, Edge e Paddock (1991, p. 157) comentam que adotou-se algumas medidas básicas para diminuir os acidentes. O uso de elmos tornou-se obrigatório, pancadas na cabeça deveriam ser evitadas. As lanças usadas na justa, as quais eram feitas de ponta de ferro, passaram a ser feitas de ponta de madeira. As espadas não eram afiadas. Um competidor ferido caso não tivesse condições de lutar, deveria renunciar a partida. Brigas nos bastidores, nas ruas ou em qualquer local fora da competição, eram punidas com banimento do torneio ou até mesmo com a prisão, dependendo da gravidade do crime. Matar um oponente era passível de desclassificação imediata.

Os torneios dos séculos XIV-XV: os cavaleiros de armaduras

No século XIV os torneios continuavam populares, e em algumas cidades e províncias eles até passaram a ser regulares, ocorrendo anualmente com datas fixas. Tais torneios em alguns casos se tornaram maiores e mais pomposos, reunindo centenas ou milhares de pessoas, as quais se deslocavam-se ao longo de semanas até o local onde eles ocorriam. O grande fluxo de pessoas em feudos, vilas e cidades, as vezes gerava problemas, como registrado em 1362, na cidade alemã de Nuremberg, onde o conselho citadino registrou denúncias de problemas públicos, geralmente relacionados com desentendimentos e brigas, nem tanto pelos cavaleiros, mas pelos visitantes e moradores locais, os quais se dirigiam para assistir os jogos. 

No século XIV os torneios também passaram a ficar mais extravagantes no sentido de quase serem algo carnavalesco, devido ao colorido dos brasões de família, o colorido das túnicas dos cavaleiros e das mantas dos cavalos, e inclusive os elmos em alguns casos recebiam toda uma variedade de adereços que os deixavam bem estranhos. 


Dois cavaleiros numa justa. Gravura no manuscrito Alsatian, c. 1420. Nota-se nessa imagem os cavaleiros usando elmos com adornos extravagantes, em geral, os mesmo representavam imagens contidas nos brasões de suas famílias. 

Apesar das medidas tomadas no século XIII, para evitar-se acidentes e violência excessiva, não significava que isso tenha acabado. As medidas apresentadas serviam para a Inglaterra, mas os outros países possuíam suas próprias regras e noções de segurança. Por exemplo, durante o século XIV, um Duque da Borgonha realizou uma competição entre dois grupos de cavaleiros, os quais representavam os exércitos da França e da Inglaterra, em uma clara referência a Guerra dos Cem Anos (1337-1453) que era travada então. A ideia do duque não era nova, pois no passado já havia sido realizada em alguns torneios, onde se reunia vários cavaleiros e os dividia em equipes para lutarem entre si. Porém, a referência do duque é curiosa. (GRAVETT, 1992, p. 16). 


Gravura do manuscrito 2693 56v/57r datada por volta de 1460. Na imagem vemos um mélee, termo francês usado para se referir a um combate tumultuado e desorganizado entre vários competidores. No caso da imagem há duas equipes de cavaleiros, contendo 24 competidores de cada lado. Eles lutariam entre si e venceria o time que perdesse menos cavaleiros. 

Além dessas características apontadas foi também na segunda metade do século XIV que passou a se adotar armaduras de placas, as quais tratavam do uso de couraças ou peitorais, acompanhados de caneleiras e braçadeiras, todos feitos de ferro, os quais eram usados para reforçar a cota de malha, principal veste adotada até então. Por sua vez, no século XV, com o desenvolvimento da metalurgia bélica, especialmente na Itália e na Alemanha, as armaduras de placas foram se tornando mais massivas, sendo feitas de aço e cobrindo cada vez mais partes do corpo dos cavaleiros. (BLAIR, 1959). 


Dois cavaleiros combatendo a pé, trajando armaduras de placas e portando achas. Esse combate singular era chamado na França de champ clos (campo fechado), pois os cavaleiros lutavam dentro de um cercado. Gravura datada de c. 1475. 

A adoção dessas armaduras garantia maior proteção aos cavaleiro fosse na guerra ou nos torneios, embora os deixasse mais pesados. Entretanto, diferente do que se imagina as armaduras de placas não tornavam os cavaleiros incapazes de se mover, eles tinham sua mobilidade reduzida, mas não incapacitada. Relatos da época e até testes contemporâneos mostram cavaleiros trajando essas armaduras metálicas, conseguindo correr, saltar, pular, subir escadas, rolar no chão, cair e levantar, montar cavalo, empunhar armas e lutar. (TURNBULL, 1995). 

Com a adoção dessas armaduras a preferência para a justa em detrimentos de outras modalidades começou a crescer. Edge e Paddock (1991, p. 158) comentam que na Itália, em 1420, foi instituído a adoção de uma murada de madeira que separava os dois lados da pista onde se competia a justa. Até então essa murada não era adotada em todos os torneios, por não ser algo obrigatório. A adoção da murada ajudava muito a evitar que o cavalo saísse da rota e pudesse eventualmente colidir com o outro cavalo, algo que ocasionalmente ocorria. 


Torneio alemão de justa, c. 1480. Nessa gravura nota-se que a justa não fazia uso de uma murada. Além disso, ver-se vários outros cavaleiros competidores aguardando sua vez. Na parte superior da imagem, a uma espécie de corrida de perseguição. 

Edge e Paddock (1991, p. 160-161) que a partir do final do século XIV, os torneios passaram a serem mais pomposos e claro, carnavalescos, como comentados anteriormente, com direito não apenas a adotar elmos extravagantes, mas inclusive alguns cavaleiros se fantasiavam como cardeais, legionários romanos, monges, cruzados, cavaleiros da Távola Redonda, etc. Nesses torneios além das atrações esportistas, englobou-se também outras atividades de entretenimento, como músicos, dançarinas, pantomimeiros, atores de rua, bailes, desfiles e paradas militares. Isso apenas citando atividades ligadas diretamente aos torneios, pois dependendo onde eles ocorriam, outras atividades aconteciam na vila ou cidade, como apostas, jogos de cartas, apresentações artísticas, etc. 

Os torneios renascentistas: séculos XVI-XVII

O Renascimento italiano (XIV-XVI) marca o auge do esplendor e luxo dos torneios de cavaleiros nos Estados italianos, embora influenciou competições em outros países também. O século XVI será o último esplendor desses torneios, quando teremos armaduras luxuosas, e inclusive o próprio uso de armaduras de placas começou a declinar naquele século. Muito do imaginário que possuímos hoje desses torneios, advém das competições desse período, com cavaleiros trajando armaduras de aço, com cavalos usando túnicas coloridas, nobres em camarotes, plebeus em pé ou em arquibancadas, donzelas ricamente vestidas, jogando lenços para os cavaleiros ou recebendo flores deles. Apesar que esse imaginário não surgiu no XVI, mas já existisse desde o século XIII, sendo atualizado com novas características.  


Torneio de cavaleiros celebrados durante o casamento do Duque Johan Wilhelm von Jülich-Kleve-Berg com Jakobe von Baden-Baden, ocorrido em 18 de junho de 1585, em Dusseldorf-Pempelfort.  

Nesses torneios renascentistas outras modalidades já haviam sido abandonadas (sobre elas comentarei adiante), vigorando principalmente duas modalidades: a justa, já seguindo o padrão italiano como referência. Gravett (1992, p. 47-50) comenta que os alemães adotaram o modelo italiano de justa. Franceses, ingleses, etc. acabaram também fazendo o mesmo ou usando algumas ideias em comum. Além da justa, a outra modalidade que se tornou bastante prestigiada ainda no século XV, foi os combates a pé. Essas duas modalidades eram as principais práticas competidas nos torneios dos séculos XVI e XVII, embora que a depender do local, outras modalidades menores pudessem ser adotadas, como atingir escudos pendurados em árvores, ou capturar argolas, ou variações do mélee francês, como menos participantes. O autor também comenta que competições de tiro ao alvo com arco e flecha, arremesso de dardos e até combates corpo a corpo, eram vistos em alguns torneios ingleses daquele período. 

Adveio também dos torneios italianos, ingleses e alemães, novas regras para a justa, passando-se a adotar escudos menores ou escudos acoplados ao ombro esquerdo da armadura, o qual servia de alvo. Golpes na cabeça deveriam ser evitados, mas ocasionalmente ocorriam. Os elmos também sofreram transformações, abandonado os adornos e chifres que vigoravam entre os séculos XIII e XIV, passando a serem mais robustos e com visores mais estreitos, especialmente devido as lascas que soltavam das lanças quebradas, durante a justa. As viseiras mais estreitas, evitavam que as lascas entrassem. Apesar que acidentes ocorriam. Em alguns casos os cavalos recebiam armadura também, especialmente para cobrir a face e o peito, áreas mais vulneráveis no confronto de justa. Já nas lutas a pé, as armaduras cobriam quase que o corpo todo. 


Duas armaduras do rei Henrique VIII da Inglaterra. Ambas foram usadas pelo monarca em torneios. No caso do segundo modelo, o saiote era removido para que o rei pudesse montar no cavalo. Henrique VIII foi um entusiasta destes torneios, possuindo várias armaduras. 

Ainda no século XVI os torneios de cavaleiros eram bem populares, apesar que em determinadas regiões da Europa, eles tivessem sido abandonados. Todavia, seu charme e pompa continuaram até o século XVII, quando começaram a declinar de vez. Os altos gastos envolvidos com essas celebrações já não condiziam mais com a necessidade de investir nessas extravagâncias. A Europa do século XVII já vivia um período pós-renascimento, mergulhando na expansão das ciências, artes, do mercantilismo e do desbravamento dos outros continentes. O próprio uso de armaduras de placas deixou de ser usado em batalhas, sobrevivendo ainda nos torneios, até que as armaduras tornaram-se finalmente artigos de luxo e de decoração. E os cavaleiros que conservavam sua aura romântica e lendária dos séculos XIII e XIV, perderam isso. A própria cavalaria perdeu espaço na guerra, uma guerra agora travada com armas de fogo e canhões. 

Modalidades de competição: 

Como comentado anteriormente as modalidades ou esportes realizados nesses torneios variaram com o tempo e o lugar. Devido aos torneios terem perdurado por mais de quinhentos anos, houve várias mudanças. Sendo assim procurei comentar as principais modalidades praticadas nesse torneio. De início, nos torneios dos séculos XI e XII, o que imperava eram os combates, os chamados mélee, hastilitude ou pas de armes, os quais se referiam a prática de armar cavaleiros, geralmente montados, os quais portavam espadas e lanças. Com o tempo outras armas como machados, maças e porretes foram acrescentados. Os cavaleiros poderiam fazer uso ou não de escudos. Esses combates que encenavam conflitos reais, com direito até mesmo a causar ferimentos e em alguns casos, mortes, serviam de exercício aos cavaleiros para terem uma noção de como seria lutar no campo de batalha. Tais lutas poderiam envolver poucos competidores ou dezenas deles, com direito a criar-se times, ou até mesmo encenar lutas históricas, como visto na França, durante a Guerra dos Cem Anos. O rei Henrique VIII também fez encenações dessas batalhas em alguns dos torneios que organizou. As regras variavam com a quantidade de competidores, mas em geral, não podia ser derrubado do cavalo.


Dois cavaleiros num combate (mélee), no século XV. Ilustração de Angus McBride para o livro Knights of Tournament (1992). 

A outra modalidade que começou a se tornar regular a partir do século XIII, mas somente ficou famosa no XV em diante, era a justa. O duelo entre dois cavaleiros montados, os quais usavam de início lanças com pontas de ferro, depois adotando-se lanças de madeira. Inicialmente o objetivo era derrubar o oponente, mas depois introduziu-se a regra das três lanças. Cada cavaleiro deveria quebrar as três lanças no escudo do adversário. Vencia que quebrasse primeiro as lanças. Se o cavaleiro removesse o elmo, era sinal de desistência. Em alguns casos, quando a disputa terminava empatada, os cavaleiros desmontavam e partia para combate singular. (GRAVETT, 1992, p. 11). 

O combate a pé, que recebia distintos nomes, era outra modalidade famosa. Ele poderia ser no estilo do mélee, como era inicialmente, envolvendo vários competidores num campo aberto ou praça, como se fosse uma batalha real. Dependendo do torneio, como não havia regras fixas, os nobres podiam sugerir alterações nessa modalidade, competindo em duelos, ou lutando contra dois ou três oponentes ao mesmo tempo, ou adotando modalidade de battle royale, ou realizando combates em equipe. Entretanto, a partir do século XV em diante começou a prevalecer o combate a pé 1x1, apenas dois cavaleiros lutavam por vez, dentro de uma arena delimitada ou num campo. As regras de vitória variavam, desde cansar o oponente, o atingi-lo em pontos específicos, para obter pontuação. Esses combates podiam ser feitos com o uso ou não de escudos, portando distintas armas como espadas, maças, porretes, machados e achas. 


Sir Nigel defende a honra da Inglaterra. Pintura de N. C. Wyeth, 1921. Nessa pintura vemos como poderia ter sido um duelo de cavaleiros. 

No chamado hastilitude (jogo da lança), um dos termos pelos quais esses torneios eram conhecidos nos séculos XIII e XIV, além da justa, outras modalidades eram praticadas como o quintain, que consistia numa modalidade, na qual o cavaleiro montado, vinha a galope, empunhando uma lança, devendo acertar um escudo ou alvo, o qual rotacionaria um peso na outra ponta. Se o cavaleiro não fosse hábil e veloz suficiente, seria atingido pelo peso, nas costas. A forma do quintain variou com o tempo, desde um mero poste, com um escudo e um saco de areia, até ganhar a forma de um cavaleiro oponente. De fato, o quintain consistia num aparelho de treino, para testar a precisão, força e golpes dos cavaleiros, mas tornou-se uma modalidade em alguns desses torneios.


Gravura retratando um cavaleiro praticando o quintain

A corrida do anel ou da argola (ringelrennen, corso all' anello) foi uma modalidade popular até o século XVII. Houve algumas variações no tempo, mas basicamente um anel ou argola era pendurado num poste ou uma árvore, o cavaleiro montado vinha a galope e deveria acertar de primeira o anel, pegando-o. As regras variavam desde pegar um anel de vez, ou vários anéis seguidos numa pista, ou pegar anéis em diferentes níveis de altura. Vencia o que conseguia pegá-los de primeira, sem precisar de novas tentativas. A corrida podia envolver um cavaleiro por vez, ou envolver mais de um cavaleiro, os quais correriam por um trajeto com um ou mais anéis, tendo que capturá-los. Caso fosse só um anel, o primeiro que chegasse e o pegasse, vencia. Se tivesse vários anéis no trajeto, vencia o que conseguisse mais anéis. 


Gravura alemã do século XVII, apresentando na parte superior, a corrida do anel, no meio, a postura de estocada do cavaleiro, e na parte inferior, dois pares de cavaleiros praticando justa. 

Outras modalidades menos usuais, envolviam corridas, tiro ao alvo, arremesso de dardo, luta desarmada, e outras variações de combates. Todavia, as práticas sublinhadas acima foram as mais recorrentes nos torneios de cavalaria ao longo dos séculos. Todavia, uma pergunta deve ter surgido aos leitores: qual era a premiação? Como as regras variavam de acordo com o lugar e a época, as premiações também eram variadas, desde se ganhar espadas, escudos, armaduras, cavalos, troféus, coroas, joias, artigos de luxo, dinheiro, obras de arte, etc. 

O lado social, político e econômico dos torneios: 

Para encerrar esse texto sobre os torneios medievais, fiz alguns comentários básicos sobre o papel desses torneios para além do treinamento militar, da exibição, glamour, ostentação e entretenimento. Os torneios como eu citei anteriormente, eram oportunidades para se fazer negócios, acordos e contatos. Dependendo onde ocorria o torneio, os cavaleiros poderiam levar suas famílias e amigos, e claro, seus servos para assistir o torneio. Porém, se o torneio ocorresse numa outra cidade, vila, feudo ou província, dependendo da distância, o cavaleiro seguia apenas com seus servos. Em alguns casos, cavaleiros de uma mesma família ou que representavam um suserano, iam em comitiva.

Os torneios de cavalaria não serviam apenas para testar os competidores e lhes conceder fama, mas também permitia a interação da nobreza de vários cantos de uma província, reino ou até de outros países. Isso interessava bastante as casas familiares pequenas ou as casas familiares novas, as quais num cenário maior, dispunham de poucos status e influência política. Quando o torneio era organizado na corte ou próximo da corte, significava que a alta nobreza e a realeza estariam presentes, sendo oportunidade para os cavaleiros conhecerem a elite, e quem sabe, conseguissem fazer acordos ou alianças. Pequenas casas para conseguir ganhar status e poder, costumavam oferecer vassalagem a casas maiores. Por outro lado, a depender do desempenho do cavaleiro, a proposta de ele assumir algum cargo de comando, poderia ser ofertado. Sem contar que também ocorriam propostas de casamento. 

A condição de mulheres irem assistir esses torneios, especialmente no que se referiria as damas de corte, era uma oportunidade para seus pais procurarem possíveis maridos para elas. De preferência buscavam os cavaleiros com fama, riqueza e que advinham de famílias influentes, para assim negociar o casamento. Mas se por um lado, havia essas intenções de procurar arranjar casamentos para as donzelas, de outro lado, havia a ideia do "amor cortês", que ficou bastante marcado na literatura e no cinema, apesar que historicamente não se saiba se exatamente ele era praticado como apontado pela ficção. 

Christopher Gravett (1992, p. 12-13) comenta que essa ideia de amor cortês ou amor cavalheiresco já existia nos torneios desde o século XIII, pelo menos, vista na Inglaterra e França, onde os cavaleiros inspirados nas lendas do rei Arthur e da rainha Guinevere, buscavam viver um romance de literatura. Embora também tivesse a versão romântica baseada no romance de Lancelote e Guinevere. Embora tais narrativas fossem frutos da literatura da época, parece que encontrou respaldo na realidade. O autor comenta pinturas medievais que mostram cavaleiros entregando flores as damas, ou recebendo coroas de flores delas. Há relatos de cavaleiros que declamavam poesia ou cantavam, como se fosse numa seresta. Posteriormente em alguns torneios surgiram concursos de beleza para se eleger a mais bela dama do torneio, a qual seria a musa inspiradora dos cavaleiros, e em alguns casos, a dama a ser disputada em casamento. 

Cavaleiro recebendo uma coroa de flores de uma dama de corte. Gravura contida no manuscrito Codex Manesse, séc. XIV. 

Os torneios também eram usados para promover a fama de seus patronos, não sendo a toa que vários reis desde o século XIII, promoviam torneios como forma de entreter sua corte e povo, mas também para esbanjar sua autoridade. Inclusive com direito a participar dessas concepções. Os reis Henrique II da França e Henrique VIII da Inglaterra eram conhecidos por gostarem de competir em justas. O notório Conde Marshal, considerado no século XIII, o "maior cavaleiro do mundo", era famoso por participar desses torneios. Nesse sentido, tais celebrações desportivas concediam fama pessoal aos seus competidores, mas também concediam status aos patronos, pois nos séculos XV ao XVII, nobres para esbanjar sua influência, autoridade e riqueza organizavam torneios para celebrar noivados, casamentos, aniversários, etc. O duque Johan Wilhelm von Jülich-Kleve-Berg é um exemplo, pois realizou um torneio para comemorar seu casamento. E quanto mais pomposo o torneio, maior o sinal de riqueza envolvido. 

Mas esse prestígio alcançado pelos competidores não advinha apenas de vencer as disputas ou serem patronos do evento, a própria condição dos cavaleiros participarem dessas disputas já gerava visibilidade. Alguns cavaleiros faziam fama não por serem valentes guerreiros no campo de batalha, mas por vencer competições em torneios, que por um lado, irritava outros cavaleiros que diziam que a verdadeira glória não era conquistada em justas e combates encenados, mas no perigo do campo de batalha. 

Para além da presença da nobreza, da realeza, o clero também estava presente, mesmo que em determinadas épocas a Igreja tenha tentado proibir esses jogos, isso nunca impediu que padres, bispos e cardeais os assistissem. Além dos nobres e do clero, a plebe também assistia e participava dos torneios. Quanto maior o torneio, mais pessoas estavam presentes. Para a organização de um torneio, dependendo de seu tamanho e duração, dezenas ou centenas de pessoas estavam envolvidas. Lembrando que os cavaleiros costumavam ter de um a dois escudeiros ou servos para auxiliá-los nos preparativos das competições. Temos relatos de mélee contendo cinquenta cavaleiros em disputa, só por isso, nota-se o volume de servos que deveria ter para auxilia-los. Entretanto, o número de servos não se limitava apenas a um ou dois, dependendo do status do cavaleiro ele poderia levar vários outros, pois além dos servos que o auxiliavam nas competições, deveria ter os serviçais que cuidavam de suas roupas, alimentação, pertences, cavalos e da sua hospedagem. Além desses empregados que serviam os atletas, havia os empregados que cuidavam da organização do torneio. 

No entanto é preciso salientar que os torneios também tinham um lado econômico, pois mobilizavam renda para os comerciantes locais, além de servirem de propaganda. Nos séculos XVI e XVII, período que passou a imperar as armaduras ornamentadas, as quais eram dignas de serem chamadas de obra de arte, havia cavaleiros que exibiam esses trajes de aço, ostentando sua riqueza, ao mesmo tempo que servia de propaganda para os mestres-ferreiros que os produziam. Milão e Brescia, dois Estados italianos, se especializaram na produção dessas armaduras. Exibi-las em torneios era uma forma que os mestres-ferreiros tinham de divulgar seu trabalho e eventualmente conseguir encomendas. 


Uma das armaduras ornamentadas do rei Henrique II da França. O monarca era entusiasta de justas. 

No caso, sabe-se que nos torneios haviam ferreiros para consertar armaduras ou fazer ajustes, além de ter have ferreiros ricos que iam vender seus produtos. Comerciantes de roupas e tecido também aproveitam a ocasião, pois em alguns torneios ocorriam festas ou bailes, e sabendo que alguns nobres tinham a tendência de querer comprar roupa nova, eles estavam ali para oferecer seus produtos. Comerciantes de vinhos e alimentos também lucravam nesse período, pois os nobres encomendavam alimento e bebidas no local, e se ocorressem festejos, era necessário comprar ingredientes. Por outro lado, as tavernas populares também recebiam a clientela menos abastada. Como dito anteriormente, em alguns desses torneios havia a apresentações artísticas, o que era uma oportunidade para músicos, cantores, dançarinas, poetas, atores, pantomimeiros, bufões, etc. se apresentarem para a plebe ou a nobreza, o que lhes renderia dinheiro e reconhecimento. 

Os torneios de cavaleiros atuais: 

Embora esses eventos tenham sido abandonados no século XVII, entusiastas desse tipo de esporte e competição atlética, tentaram resgatá-los nos séculos XVIII, XIX e XX. E finalmente no XX acabou dando certo. Atualmente existem equipes e competições profissionais e amadoras, que recriam esses torneios de cavalaria. Tais torneios atuais basicamente se limitam a justa e o combate a pé, sendo encenados em feirais medievais ou feiras renascentistas, ou em competições específicas. 


Fotografia de uma justa contemporânea. 

NOTA: O rei Henrique II da França faleceu em 1559, após se ferir numa justa, onde as lascas da lança quebrada, lhe furaram um dos olhos. Mesmo o monarca usando elmo, as lascas passaram pela fina viseira. Na época o vidente Nostradamus, o qual era estimado pela rainha Catarina de Médici, profetizou que o seu marido, deveria ter cuidado nos combates, pois aquilo poderia lhe causar a morte. Após a morte do rei, Nostradamus ganhou prestígio com suas supostas profecias. 
NOTA 2: Nos séculos XII e XIII há relatos de alguns torneios ocorridos na Inglaterra e França, onde prisioneiros foram executados. Os mesmos eram armados com armas cegas, e deveriam lutar com os cavaleiros, os quais eram autorizados a matá-los. Tal execução foi um dos motivos para que houvessem protestos para banir tal prática. 
NOTA 3: Um cavaleiro do século XV ao XVII, todo vestido com sua armadura de placas de aço, e montado em seu cavalo, poderia pesar no todo, mais de 400 kg. 
NOTA 4: A Batalha das Nações (Battlhe of the Nations) é um torneio de cavalaria, criado na Ucrânia, que ocorre anualmente desde 2009, contando com equipes de vários países. 
NOTA 5: O filme Coração de Cavaleiro (A Knight's Tale) de 2001, ainda hoje, é um dos filmes mais populares que retratam torneios de cavaleiros na Idade Média. O filme enfoca bastante as justas. 
NOTA 6: Combate Medieval (Full Metal Jousting) foi uma série sobre competições de justas contemporâneas, exibida pelo History Channel no ano de 2012, contando com apenas uma temporada. 
NOTA 7: Da trilogia de novelas que forma o livro O Cavaleiro dos Sete Reinos de George R. R. Martin, duas das novelas, sendo a primeira e a última, abordam torneios de cavalaria. 

Referências bibliográficas: 

BLAIR, Claude. European Armour: circa 1066 to circa 1700. London, B. T. Batford LTD, 1959. 
EDGE, David; PADDOCK, John Miles. Arms & Armor of the Medieval Knight. An illustrated history of weaponry in the Middle Ages. New York, Crescent Books, p. 1991. 
GRAVETT, Christopher. Knights at Tournament. Illustrated by Angus McBride. Oxford: Osprey, 1992. (Elite)
TURNBULL, Stephen. The book of the Medieval Knight. London, Cassel Group, 1995. 

Links relacionados: 
As armaduras de placas (XIII-XVI)
Ser cavaleiro na Europa medieval

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