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Leandro Vilar

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Olhos de Vidro: a origem do óculos

Atualmente o uso de óculos é muito comum em vários países do mundo e seu uso aumentou no último século devido principalmente a três fatores: as melhorias nos exames oftalmológicos para detectar problemas como miopia, astigmatismo e hipermetropia e a presbiopia; melhoria na tecnologia de fabricação de lentes corretivas; e, por fim, o estilo de vida atual, focado desde a década de 1980 a passar bastante tempo diante de televisores, computadores, celulares e outras telas que prejudicam a visão. No entanto, antes do século XIX o uso de óculos não era rotineiro e a Oftalmologia ainda estava se desenvolvendo. Porém, a invenção do óculos é bem mais antiga, datando de séculos atrás. 

O uso de lentes: 

O uso de lentes para alterar a forma como enxergamos a realidade é bem antigo. Gregos, egípcios, persas, chineses, povos mesopotâmicos etc. em dado momento desenvolveram de forma simples lentes grosseiramente fabricadas geralmente a partir de cristais ou de vidro, as quais permitiam alterar-se a forma como se enxergava o mundo através delas. Algumas lentes devido a espessura, a forma como foi cortada, lixada ou a sua pureza, poderia fazer as coisas ficarem mais próximas ou mais longes, distorcer suas formas, alterar sua coloração etc. (CHASSOT, 2002; ROSA, 2012).

Por sua vez, os gregos e chineses saíram na frente na confecção de lentes convexas e côncavas, sendo utilizadas como espelhos, ou para refletir a luz do sol, ou para aproximar ou distanciar os objetos. Todavia, o uso dessas lentes não foi algo regular, sendo utilizado as vezes apenas por curiosidade ou diversão. Em alguns casos aplicou-se o uso de lentes de aumento para trabalhos artesanais ou de joalheria que requer o manuseio de objetos pequenos. (RONAN, 1983, p. 171, 254).  

No final da Antiguidade (I-IV d.C) e na Alta Idade Média (V-X d.C) há relatos gregos, romanos, persas, egípcios, chineses, árabes do uso do que seriam "lentes de aumento" ou "lentes de leitura", que consistiam em tipos de lupa. Havendo até tentativas de criar suportes para prendê-las a cabeça, deixando assim as mãos livres para o trabalho. (RONAN, 1983, p. 256). Entretanto, essas engenhocas não eram tão práticas, e ainda não eram os óculos que conhecemos. A invenção do óculos somente ocorreu muitos séculos depois. 

Surgimento dos óculos: 

Provavelmente o motivo que levou a criação dos óculos tenha sido por questão de leitura. Sua invenção ocorreu na Itália em data não precisa, por um artesão cujo nome foi esquecido na História. 


“No vale do Arno, na Itália, entre 1280 e 1285, seriam criadas as primeiras lentes de correção da visão; eram lentes esféricas, com técnica de fabricação e de polimento do vidro ainda bastante precária, mas já um progresso significativo que tenderia a se aperfeiçoar com o tempo, tornando-se da maior importância para o desenvolvimento futuro da Ciência e para o bem-estar e o conforto do Homem”. (ROSA, 2012, p. 342).

Sobre a invenção do óculos, alguns eruditos italianos Giordano de Pisa (1260-1311) e Francesco Petrarca (1304-1374) escreveram a respeito do uso dos óculos. Giordano escreveu cerca de vinte ano depois da invenção do óculos, dizendo que era um invento extraordinário de grande ajuda para os homens, pois até então para se ler melhor os textos, fazia-se uso de pedras de leitura, que basicamente eram lentes translúcidas feitas de cristal de quartzo ou vidro, que ampliavam as letras. Em muitos casos essas pedras não possuíam nem hastes como lupas, o que atrasava a leitura e era um empecilho na hora da escrita. Por isso que Giordano considerava uma maravilha o fato de dispor do óculos. Por sua vez, Petrarca também mencionou o uso dos óculos, mas com menor entusiasmo. Ele já na velhice relata que começou a usá-los ao que parece, a contragosto, pois sua visão era ruim na época. Mas usando-os ele conseguia enxergar bem melhor. (FRUGONI, 2007, p. 9-10).

Um dos motivos pelo qual Petrarca relutou a usar óculos devia-se a condição que naquele tempo eles não possuíam hastes, ficando equilibrados sobre o nariz, e alguns casos era algo desconfortável quando se passava horas usando-os. Alguns homens optavam em segurar o óculos ao invés de equilibrá-los no nariz. Além de que esteticamente era coisas feias como alguns achavam naquele tempo.

Uma reconstituição de um óculos medieval do século XIV. 
Um dos amigos de Giordano de Pisa, o frei Alessandro della Spina (?-1313) diz ter aprendido a arte de fabricar óculos. Não se sabe como e com quem ele aprendeu isso, porém, por algum tempo lhe foi creditado erroneamente a autoria desse invento. Essa defesa foi sustentada por longos anos pelo físico e naturalista Francesco Radi (1626-1697), que mais tarde descobriu-se que havia adulterado informações sobre della Spina. Por sua vez, sendo desmascarado, ele escreveu que o inventor do óculos poderia ter sido um artesão florentino chamado Salvino D'Armati (?-1317). Inclusive alguns estudiosos compraram essa ideia na época. Todavia, sabe-se que nem Spina e nem D'Armati inventaram o óculos, embora soubessem fabricá-lo. (FRUGONI, 2007, p. 10). 

De qualquer forma, a produção de óculos começou a despontar ainda no século XIV, havendo relatos que em Veneza foram criadas leis para se combater a falsificação de lentes. Na época, a ilha de Murano no arquipélago veneziano era a principal produtora de vidro, espelhos e lentes. Documentos relatam que "lentes para visão" como as vezes eram referidos os óculos, já eram feitos ali. Mas era requisitada autorização para isso, pela condição que tais lentes não eram feitas de vidro, mas de cristal. (FRUGONI, 2007, p. 15).

Entretanto, os primeiros óculos faziam uso de lentes para aqueles que possuíam problemas com hipermetropia, ou seja, dificuldade de enxergar de perto. Lembrando que em geral os óculos eram artigos caros e geralmente usados para leitura e escrita, e em alguns casos para determinadas práticas artesanais. Com isso, as pessoas que faziam uso de óculos o recorriam para enxergar melhor coisas pequenas como letras. Apenas um século depois é que foram criadas lentes côncavas para auxiliar na miopia (dificuldade de enxergar o que está longe). Graças ao clérigo e erudito Nicolau de Cusa (1401-1464) entre seus estudos sobre óptica, ele confeccionou lentes para óculos que permitissem enxergar de forma mais nítida o que estava a distância. Não se tratavam de lentes telescópicas como alguns sugeriram, mas lentes corretivas que auxiliavam na miopia, embora que naquele tempo não se sabia o que era esse problema. (ROSA, 2012, p. 397-398).

Óculos como símbolo de intelectualidade

No século XV os óculos ganharam um status de simbolizar a intelectualidade. Fato esse que data desse período pinturas retratando em geral clérigos ou santos os quais aparecem utilizando óculos, o que lhes concedia uma imagem de erudição. Sobre isso, Frugoni (2007, p. 19) relata que nessa época encontramos escritos de São Bernardino de Siena, elogiando a funcionalidade de seus óculos. Em algumas pinturas ele aparece usando-os ou carregando-os. O pintor Giovanni di Paolo retratou Santo Agostinho usando óculos, mesmo que ele tivesse vivido vários séculos antes do invento ser criado. Até mesmo São Lucas Evangelista ganhou um par de óculos naquela época, em uma pintura francesa. 


O Apóstolo de Óculos. Conrad von Soest, 1403. 
A ideia de intelectualidade dos óculos se mantém até os dias de hoje, apesar de ter perdido grande parte de sua referência devido a popularização desse acessório, ao ponto que algumas pessoas chegam a usar óculos porque acham bonito. Embora existam aquelas pessoas que não gostem de usar óculos, por acharem que sejam algo feio, incomodante. Em alguns casos os óculos também estão associados aos estereótipo do nerd, do professor abestalhado, do cientista maluco etc. 

Óculos como artigo de luxo

No entanto, não data de hoje o uso de óculos para fins estéticos. Ainda no século XV, alguns ourives de Pisa começaram a confeccionar óculos com lentes coloridas. Na prática não tinha muita utilidade isso, mas foi vendido por algum tempo como artigo de luxo, sendo retomado eventualmente nos séculos seguintes. (FRUGONI, 2007, p. 17).

Até o final do século XVII o uso de óculos sem hastes manteve-se. Em alguns casos, usavam-se cordas, barbantes, correntinhas para prendê-los nas orelhas ou atrás da cabeça. Alguns modelos também traziam uma haste para serem segurados temporariamente para se ler ou ver algo brevemente. Esses modelos com uma haste apenas, começaram a surgir no século XIX, popularizando-se entre os ricos. Fato esse que os próprios monóculos vão surgir no século XIX como um artigo de luxo, algo visível em alguns filmes que retratam a época, onde vemos homens ricos trajando ternos e cartolas, e usando monóculos. 

Um modelo de óculos Lorgnette do século XIX. 
Data de entre os séculos XVI e XVIII a criação de óculos cuja armação não era mais feita de madeira, mas passava a ser feita de metal, incluindo exemplares luxuosos, folheados em prata ou ouro. Também encontram-se óculos com acabamento artesanal, o que revela que o objeto havia tornado-se um artigo de luxo em alguns casos. Por outro lado, o uso de óculos com hastes começou a se normalizar, além de se criar no século XIX as lentes bifocais, as quais alguns sugerem que Benjamin Franklin (1705-1790) as teria inventado no século anterior, pois ele tinha problemas para enxergar de longe e perto. 

Benjamin Franklin usando óculos. David Martin, 1767. 
O uso de óculos para fins estéticos se mantém até hoje, algo alavancado durante o século XX. Porém, data também deste século a consolidação da Oftalmologia e a preocupação de se usar óculos para corrigir problemas oculares. 

Referências bibliográficas: 
CHASSOT, Attico. A ciência através dos tempos. São Paulo, Moderna, 2002. 
FRUGONI, Chiara. Invenções da Idade Média. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro, Zahar, 2007. 
RONAN, Colin A. The Cambridge Illustrated History of the Science. Cambridge, Cambridge University Press, 1983. 
ROSA, Carlos Augusto de Proença. História da Ciência, vol. 1. Da Antiguidade ao Renascimento Científico. Brasília, Fundação Alexandre de Gusmão, 2012. 4v 




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