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Leandro Vilar

domingo, 12 de janeiro de 2020

A hora do chá

Iniciando o presente ano, retomo a um tema no qual gosto de escrever: a história dos alimentos. Dessa vez, o alimento escolhido é o chá. No caso, sublinha-se que falar em chá seja problemático, pois o termo tornou-se genérico a ponto de ser utilizado para se referir a qualquer infusão que envolva folhas,  flores, cascas e raízes, as quais são aquecidas em água e depois ingeridas ainda quente ou frio. Diante disso, optei neste texto a focar nas folhas de chá, que no caso refere-se a algumas espécies de plantas, sem adentrar a mencionar outros tipos de chás como o de camomila, hortelã, erva-mate, laranja, limão, cebola, alho etc. Sendo assim, para além da origem do cultivo dessa planta, veremos a história de como o chá começou a ser consumido e depois adentraremos seu papel cultural na humanidade. 

A planta de chá: 

Talvez algumas pessoas não saibam, mas existe uma planta chamada chá. Seu nome científico é Camellia sinensis, sendo ela originária da Ásia, no Extremo Oriente, espalhando-se em territórios hoje que vão das Coreias até o Sudoeste asiático. Todavia, os botânicos acreditam que essa espécie possa ser originária do sul da China, de regiões montanhosas. A camellia sinensis é um arbusto que pode alcançar até os dez metros, tendo o porte de uma árvore, porém, desde que passou a ser cultivado, ele mal passa dos dois metros de altura, alguns possuem menos de 1,50 m de altura. Embora seja uma planta de clima temperado e até frio, variações dessa espécie conseguiram se adaptar ao clima mais quente da Índia, e assim surgiram espécimes que puderam ser cultivados em climas tropicais e subtropicais. (WEISBURGER; COMER, 1998, p. 712). 

Uma plantação de chá (Camellia sinesis) na China. 
Em geral a parte mais aproveitada da planta são suas folhas, mas suas flores, sementes, cascas e raízes também podem ser utilizadas. Mas comercialmente, as folhas é que são vendidas normalmente. A partir da camellia sinesis, foram desenvolvidas formas de cultivo, fermentação, desidratação e outras técnicas para se criar variações diferentes. Dessa forma para se produzir chá branco, usa-se folhas escolhidas especialmente, e estas não são fermentadas; já o chá verde é feito das folhas levemente fermentadas; o chá oolong ou chá azul possui um tempo de fermentação intermediário; já o chá preto passa por um processo de fermentação mais demorado, ganhando uma coloração escura e um gosto forte. 

Tipos de chá feitos a partir da camellia sinensis

A palavra chá: 

Na China antiga havia duas formas de se referir a essa planta e bebida. Uma baseada no dialeto Min referia-se a t'u, te, tai, que originou a palavra teaPor sua vez, a segunda forma de pronunciar essa palavra advém do cantonês e mandarim, onde se pronúncia cha. Na tabela abaixo podemos ver tais variações. 


Tabela mostrando alguns países que adotaram as duas etimologias para a palavra chá. Fonte: HALL, Nick. The Tea Industry, p. 18. 
O chá na China: 

Não se sabe quando exatamente o chá começou a ser cultivado. Os relatos mais antigos datam da China. Porém, o uso do chá necessariamente não surgiu apenas como bebida, mas suas folhas também eram usadas para tempero e o chá chegou a ser usado na produção de medicamentos, sendo ingerido sozinho ou misturado a outras ervas. Porém, segundo um mito chinês, o consumo de chá teria começado por volta de 2700 a.C. com o mítico imperador Shen Nung, o qual estava sob uma árvore de Camellia sinensis, enquanto aguardava a água ferver numa tigela quando uma folha ou folhas caíram na água e o imperador não as notou. Quando foi conferir a tigela, viu as folhas e que a coloração da água havia escurecido. Ao pegar a tigela ele sentiu um aroma agradável e decidiu provar aquele líquido, tendo gostado do que bebeu. Segundo esse mito, Shen Nung ao ficar maravilhado com aquilo, ordenou que o chá começasse a ser cultivado para que sua corte o degustasse. (WEISBURGER; COMER, 1998, p. 713). 

Segundo um mito chinês, o imperador Shen Nung descobriu por acaso as propriedades consumíveis da planta de chá. 
Apesar do mito do imperador, não se sabe quando o chá começou a ser cultivado pelos chineses, mas relatos da Dinastia Zhou Ocidental (1200-771 a.C) apontam o consumo dessa planta, mas principalmente para fins medicinais. (HALL, 2000, p. 1).  Posteriormente, data do século VI a.C, um relato do filósofo Confúcio no qual ele referia-se ao consumo de uma erva chamada t'u, a qual originou a  variação te, que virou tea. Entretanto, alguns estudiosos questionam se o t'u referido por Confúcio seria a planta de chá ou outro tipo de erva. 

Na época da Dinastia Han (206 a.C - 220 d.C) época que surge o império unificado da China, o chá era consumido ocasionalmente em companhia de outras especiarias. No tempo das Seis Dinastias (220-581) o chá já era cultivado regularmente, sendo utilizado para fins medicinais ou como bebida, inclusive sendo consumido sozinho ou com algumas especiarias. Seu consumo teria se estendido a terras distantes como a Mongólia e o Tibete


Finalmente com a Dinastia Tang (618-907 d.C), o chá popularizou-se. Nesse período a corte passou por uma reforma nos costumes, incluindo novos hábitos alimentares. Data desse período, por volta do ano 800 um livro intitulado Cha Ching (Escrito sobre o Chá), atribuído a autoria de Lu Yu, o qual nesse manual sobre o chá, o autor explicava como devia-se escolher as folhas da planta, como seria o modo de preparo e a forma de servi-lo. Em outras palavras, Lu Yu em seu livro já apresentava a descrição da cerimônia do chá. (WEISBURGER; COMER, 1998, p. 713). 


Estátua de Lu Yu no Dragon Well Tea Platation, na província de Hangzhou. Lu Yu é considerado um dos fundadores da cerimônia do chá na China. 
No livro Cha Ching destacava-se o consumo de chá verde, porém, a obra também informava que já naquele tempo tomava-se chá misturado com casca de cebola, alho, hortelã, laranja, soja preta e algumas especiarias. O consumo poderia ser feito de uma mistura de chá verde com tais plantas, ou tomado separadamente como chá de casca de cebola, chá de casca de laranja, chá de hortelã etc. O consumo de chá popularizou-se na nobreza e depois foi ganhando outras camadas da sociedade, vindo posteriormente a tornar-se uma bebida tão comum que muitas pessoas a bebiam várias vezes ao dia e regularmente. (WEISBURGER; COMER, 1998, p. 713). 

Durante a Dinastia Tang o consumo de chá foi introduzido na Coreia. Posteriormente na Dinastia Song (960-1279) o chá foi levado ao Japão. Data desse período novos ritos na cerimônia do chá e até mesmo concursos para se eleger o melhor chá. A forma de se prepará-lo também mudou um pouco, parecendo com o chá instantâneo de hoje em dia. No século XI surgiram as chamadas casas do chá, frequentadas pela nobreza e a elite inicialmente, onde as pessoas iam para beber chá. Posteriormente estabelecimentos desses mais populares foram inaugurados. No ano de 1107 o imperador Hui Zong escreveu um relato sobre o cultivo do chá, algo que lhe interessava bastante. Por tal obra, nota-se como o chá havia conquistado de vez a nobreza chinesa. (HALL, 2000, p. 3).


Gravura ilustrando uma casa de chá, as quais surgiram durante a Dinastia Song. 
Com a dominação mongol iniciada por Genghis Khan no século XIII e continuada por seus filhos e netos, surgiu a Dinastia Yuan (1279-1368). Os mongóis não desenvolveram novas formas de cultivo ou de preparo do chá, porém, introduziram novas maneiras de se consumir essa bebida, passando a se beber chá com pitadas de sal ou chá com creme feito de queijo ou manteiga. Com o retorno dos chineses ao poder na Dinastia Ming (1368-1611) a cerimônia do chá foi resgatada e reformada. Data desse período também o fabrico de utensílios de chá feitos de requintada porcelana. Inclusive ter um jogo de chá de porcelana, era sinal de status. Por sua vez, o consumo de chá se espalhou por todo o império chinês definitivamente. Além disso, ele também passou a influenciar o interesse dos europeus nos séculos XVI e XVII. (HAL, 2000, p. 4). 

O chá no Japão: 

Uma lenda japonesa que consiste numa adaptação de uma lenda indiana, diz que a descoberta do chá foi creditada a um príncipe indiano chamado Bodhidharma, chamado de Daruma no Japão. Esse príncipe que era monge budista, tentava meditar por longas horas, reclamava que acabava tendo sono, até que um dia ele pegou umas folhas de uma árvore próxima e as mascou, no intuito que o ato de mastigação o mantivesse mais desperto. Para sua surpresa aquilo deu certo, pois misteriosamente as folhas lhe concediam energia para ficar mais tempo acordado. Tratavam-se de folhas de chá. Segundo a versão indiana da lenda, o príncipe viajou à China para ensinar budismo. Mas na versão japonesa, diz que ele viajou também ao Japão com esse intuito, vindo falecer no ano de 528 d.C. A partir de Daruma, os monges budistas japoneses adotaram o hábito de beber chá. (HALL, 2000, p. 5). 

De fato, a cerimônia do chá do zen budismo é famosa tanto no Japão e até conhecida em outros lugares do mundo. Entretanto, o chá não teria chegado ao país com Daruma, mas com uma missão de monges chineses que no século VIII visitaram o país a pedido do então imperador da época, o qual demonstrou interesse pelo budismo. Durante aquela época o chá verde foi levado para consumo próprio dos monges chineses, mas também foi ofertado aos japoneses como medicamento e para se beber. O imperador Shomu teria aprovado a bebida e ordenado que aquela planta fosse cultivada para sua degustação. No século IX, plantações de chá começaram a se espalhar nos territórios circunvizinhos da corte, na época situada na cidade de Nara, pois a nobreza passou a apreciar o chá. (OKAKURA, 1964, p. 18).
Todavia, a difusão do consumo do chá para outras camadas da sociedade e o desenvolvimento da cerimônia do chá, foram algo que somente começou mais tardiamente. No ano de 1191, o monge Eisai (1141-1215) retornou de seus estudos na China, assim como, trouxe também os costumes quanto ao preparo e consumo de chá pelos chineses. De volta ao seu templo, Eisai passou a beber chá regularmente e acabou por influenciar seus companheiros a fazerem a mesma coisa. Com o tempo, os monges começaram a cultivar seu próprio chá e até mesmo adotarem os modos chineses de servi-lo. Isso rendeu a Eisai a alcunha de "Pai do Chá". (HALL 2000, p. 6). 


Pintura representando o mestre zen, Eisei, conhecido no Japão como o "Pai do Chá". 
Entretanto, a famosa cerimônia do chá que hoje conhecemos somente começou a surgir séculos após Eisei, surgindo no século XV. O mestre zen Murata Shuko (1423-1502), estabeleceu as bases para o que viria a ser cerimônia do chá. Na época que Shuko viveu, o consumo de chá já havia se regularizado entre os japoneses, não sendo mais uma bebida exclusiva da nobreza, dos samurais e dos monges, mas difundida pelas demais classes sociais. O ensinamentos de Shuko levaram ao surgimento do "caminho do chá" (chado), os quais quase um século depois foram formalizados pelos monges Takeno Jo-o (1504-1555) e Se-no-Rikyu (1522-1591), originando o que até hoje é conhecido como cha-no-yu (cerimônia do chá). Neste caso, assinala-se que essa cerimônia surgiu com os monges sendo feita para outros monges, possuindo um aspecto espiritual. Com o tempo a cerimônia deixou os mosteiros e passou a ser realizada por não religiosos, ainda assim, somente por homens. Só no século XIX é que as mulheres passaram a ter direito de presidir a cerimônia. (HALL, 2000, p. 7).

O monge Se-no-Rikyu escreveu que o cha-no-yu pautava-se em quatro princípios: harmonia (wa), pureza (sei), respeito (kei) e tranquilidade (jaku). Existe todo um procedimento, treinamento e etiqueta que são seguidos para a realização do cha-no-yu, a começar pela vestimenta, a arrumação do local onde será feita a cerimônia, a forma como anfitrião, ajudante e convidados devem se portar. Durante a execução da cerimônia, o convidado é recebido com uma pequena refeição ou doce antes de beber o chá que será preparado pelo anfitrião. Durante todo o processo, o silêncio deve ser mantido como sinal de harmonia, respeito e tranquilidade. O anfitrião não deve agir de forma apressada, mas tranquilamente e ter o cuidado de não cometer nenhum erro. E depois de preparado o chá e o servido, os utensílios devem ser limpos. (DUBRIN, 2010, p. 22-23). 


Três mulheres participando de uma cerimônia do chá durante a Era Meiji. A foto foi tirada pelo fotógrafo Kasukabe Kimbei. 
A expansão do chá pelo mundo: 

No século XIII d.C. o chá já havia se expandido por quase todo o Extremo Oriente. Já a Ásia Central e o Oriente Médio não possuíam um consumo regular desse produto devido as condições climáticas e o solo inapropriado para seu plantio, com isso, os árabes, persas, turcos e outros povos dessas regiões tendiam a importar o chá na maior parte das vezes de comerciantes indianos, pois depois dos chineses ainda hoje os indianos são os maiores produtores de chá no mundo. Não obstante, a medida que os exércitos muçulmanos foram adentrando a Índia, o chá foi ganhando cada vez mais o gosto das nações árabes, dividindo espaço com o café, outra planta a qual os árabes ajudaram a difundir por várias terras. Dessa forma o chá começou a se espalhar pelo Oriente Médio e até adentrando a África através dos territórios árabes. 

O mercador veneziano Marco Polo (1254-1324) que viajou com seu pai e tio à China, e vivido lá por vários anos, ele citou em seu livro sobre o apreço dos chineses pelo chá. Em seu retorno a Veneza no final da década de 1290, Polo passou a falar a respeito da planta de chá e como essa bebida era bastante consumida pelos orientais. Todavia, os mercadores venezianos não se interessaram por ela. Mesmo os bizantinos que conviviam mais próximos dos árabes, persas e outros povos do Oriente Médio, tendo acesso a Rota da Seda, também não apresentaram interesse no chá e tampouco no café. O chá somente começou a despertar o interesse dos europeus vários séculos depois, no tempo das Grandes Navegações. 

No século XVI quando os portugueses, ingleses, franceses e holandeses passaram a ir mais frequentemente para à Índia, Sri Lanka, Bangladesh, Malásia, Vietnã, Indonésia, China e Japão, eles começaram a demonstrar interesse pelo chá. Vários comerciantes, aventureiros, clérigos e estudiosos escreveram relatos sobre essa planta, seu consumo, propriedades medicinais e até mesmo milagrosas, pois corriam boatos que o consumo regular do chá poderia curar diferentes tipos de doenças e até mesmo prolongar a vida. Embora esses boatos não tenham sido inventado pelos europeus, mas desde muito tempo já existiam entre os asiáticos. 

Porém, o chá somente adentrou a Europa propriamente em maior escala - pois anteriormente era levado em pequenas quantidades para consumo próprio, iguaria e presente - a partir do século XVII, sendo creditado aos holandeses tal comércio. A Companhia Holandesa das Índias Orientais por volta de 1610 começou a importar chá verde do Japão. Na década de 1630 apotecários holandeses vendiam chá desidratado como medicamento, embora algumas pessoas também comprassem apenas para consumo regular. Nesse período, cidades como Veneza e Gênova já estavam interessadas no chá. Os franceses e ingleses também passaram a importar chá verde para consumo por volta dessa época. Em 1675 na Holanda, país pioneiro no consumo de chá na Europa, já havia vendedoras de rua vendendo chá com leite e as hospedarias passaram até mesmo a servir essa bebida. (HALL, 2000, p. 10-11). 

Massimo Montanari (2004, p. III-IV) comenta que o consumo de chá ao lado do café, tornaram-se iguarias bastante apreciadas na Europa a partir da segunda metade do século XVII, quando a nobreza e as elites passaram a apreciar tais bebidas, a ponto de surgirem cafeterias e casas de chá. E essa procura por chá aumentou no século XVIII a ponto de se tornar algo refinado você beber chá e ter jogo de chá em casa. Os franceses teriam sido os responsáveis por difundir o consumo de chá com leite, prática já realizada pelos chineses séculos antes. No entanto, praticamente todo europeu bebia chá em companhia de um pouco de açúcar ou de alguma especiaria. Inclusive foram os portugueses que introduziram no Japão o açúcar, levando alguns japoneses adotarem o hábito europeu de adoçar o chá. Além disso, foram os europeus que popularizaram o consumo de chá em xícaras, pois os asiáticos e africanos o faziam em tigelas ou copos. 


O jogo de chá é uma invenção chinesa, mas o hábito de usar xícara é um costume surgido na Europa. 
Na Inglaterra no ano de 1662, a nobreza e aristocracia começaram a apreciar o chá como algo da moda através da rainha Catarina de Bragança, esposa do rei Charles II. Catarina era de origem portuguesa e já bebia chá, seu marido durante o exílio na Holanda desenvolveu o gosto pelo produto também. A rainha começou a diariamente tomar chá com suas damas de companhia e outras nobres, por sua vez, o rei fazia algo similar. Em pouco tempo a corte inglesa passou a usufruir do chá como algo requintado e na moda, vindo a influenciar a origem de casas de chá. Embora que nesse período o chá fosse um produto reservado apenas as elites ainda, apenas no século XVIII seu consumo começou a se difundir pelo restante da sociedade inglesa. 


Retrato da rainha Catarina da Inglaterra, a qual difundiu a moda de tomar chá entre a nobreza. 
Ainda no século XVII, o chá chegou também ao Novo Mundo. Os holandeses teriam levado o produto para algumas de suas colônias. O político e militar Peter Stuyvesant, último diretor-geral da colônia dos Novos Países Baixos, com capital em Nova Amsterdã (atualmente a cidade de Nova York) é creditado como sendo o primeiro interessado em desenvolver plantações de chá nas Américas, já que era um grande apreciador do produto. Embora tais plantações não tenham surgido de imediato, ainda assim, os holandeses seguiram importando chá para suas colônias americanas. E pouco tempo depois dos britânicos começaram a fazer o mesmo com a Treze Colônias. Os franceses também vieram a fazer o mesmo, porém, os espanhóis e portugueses demoraram a apresentar interesse em exportar chá para suas colônias. 

No século XVIII o comércio de chá tornou algo bastante lucrativo. As Companhias das Índias Orientais sediadas na Inglaterra, Holanda e França, lucravam milhões anualmente apenas com o comércio de chá, importando-o principalmente da China e depois da Índia. Mas além desse papel importante para economia internacional, o ato de beber chá se tornou uma atividade social também, como vista séculos antes entre chineses, coreanos, japoneses, indianos etc. Os europeus começaram a frequentar nas grandes e médias cidades, restaurantes, confeitarias, cafeteiras e casas de chá. Em outros casos tais reuniões eram feitas nos próprios lares.


A hora do chá. Jan Josef Horemans, séc. XVIII. 
Montanari (2004, p. IV) assinala que foi nesse período que os ingleses começaram a ganhar a fama de consumidores de chá, já que anteriormente a fama era de serem grandes bebedores de café. Além disso, popularizou-se na Europa o consumo de chá com leite e açúcar. No caso dos russos, a nobreza ficou tão interessada pelo chá que desenvolveram novos recipientes e peças para o jogo de chá, o mais famoso é o samovar. O utensílio usado para aquecer água e servir o chá por uma torneira foi tão bem recebido pelos russos que não demorou para sua ideia ser copiada por europeus e asiáticos de países vizinhos. 


Exemplo de um samovar de bronze. O utensílio é uma invenção dos russos no século XVIII, inicialmente para servir chá. Embora hoje em dia sirva café, chocolate quente, etc. 

Chá: um produto cobiçado

No século XVIII o chá também teve um papel político importante para os ingleses. Nas Treze Colônias não havia produção de chá, logo, os colonos dependiam da importação do produto. Em 16 de novembro de 1773 ocorreu um protesto dos colonos de Boston contra o aumento no preço do chá. Com isso, membros dos Filhos da Liberdade, um grupo pró-independência, organizaram um protesto no qual alguns homens se vestiram de indígenas, invadiram um navio com carregamento de chá e atiraram as caixas ao mar. O acontecimento foi chamado de "festa do chá". O ato em si teve mais um viés político de confrontar as autoridades do que uma queixa pelo preço do chá, já que naquele ano havia sido aprovada uma lei para rever o valor que vinha subindo desde 1765. O protesto ocorrido em Boston a respeito do chá foi um dos antecessores para a vindoura Revolução Americana (1776-1781). (GUNDERSON, 2004, p. 25-28). 


Gravura retratando a Festa do Chá de Boston. W. D. Cooper, 1789. 
Durante o século XIX os ingleses haviam suplantado a concorrência dos franceses e holandeses no comércio marítimo de chá. A Companhia Inglesa das Índias Orientais detinha o monopólio por direito concedido pela coroa britânica a comercializar o chá em todos os portos e mercados do império e das nações aliadas. Isso era algo tão significativo que a maior parte do chá vendido na Europa e nas Américas era transportado por navios ingleses. 

E curiosamente no Brasil houve uma tentativa de confrontar esse monopólio. O imperador D. Pedro I ainda no começo de seu reinado, incumbiu o diretor do jardim botânico, frei Leandro do Sacramento, famoso professor de botânica na época, para que escrevesse um livro que comentasse sobre o cultivo, produção e preparo do chá. Assim, Leandro escreveu Memória econômica sobre a plantação, cultura e preparação do chá (1824). O estudo foi entregue ao imperador o qual tinha planos de dar continuidade ao projeto de seu pai, o rei D. João VI, que em 1814 concebeu a ideia de passar a cultivar chá no Brasil. Naquela época, o rei mandou inclusive trazer-se colonos chineses de Macau (então colônia portuguesa) para o Rio de Janeiro. Porém, as plantações não vingaram de forma satisfatória. E dez anos depois, seu filho decidiu retomar o projeto, incumbido frei Leandro para dirigi-lo. A partir de 1825 novas plantações de chá foram iniciadas no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas e em outras províncias, mas a falta de habilidade dos agricultores brasileiros, somado com a falta de interesse da população em consumir tal produto, levaram o imperador a desistir do projeto. (VILAR, 2013). 

Entretanto, não foi apenas o Brasil que passou por problemas para se cultivar, produzir e vender chá, os próprios ingleses que eram os maiores comerciantes naquele tempo, também tiveram seus percalços, alguns bem severos. Em 1833 o Parlamento britânico suspendeu o direito de monopólio da Companhia Inglesa das Índias Orientais, o que afetou os negócios da companhia, mas por outro lado, permitiu que ao se retomar a concorrência os preços melhorassem e até mesmo diminuíssem em algumas localidades. Entretanto, o comércio inglês enfrentou outro problema, não diretamente ligado ao chá, mas outro produto por eles amplamente vendido, o pópio. 

As Guerras do Ópio (1839-1842) e (1856-1860) não possuem uma ligação direta com o comércio de chá, porém, o produto esteve no meio dessa crise econômica e política. Os ingleses foram os responsáveis por traficar ópio que era produzido principalmente na Índia e Turquia, para dentro da China. Alguns mercadores ao invés de pagar os carregamentos de chá, seda, porcelana, especiarias e outros produtos em prata e ouro, pagavam com ópio. O consumo dessa droga tornou-se caso de saúde pública, levando o imperador a decretar sua proibição e confisco de todos os carregamentos de ópio. Porém, isso era péssimo para os negócios ingleses, daí o início das guerras.  (HALL, 2000, p. 12). 

Porém, se alguns mercadores ingleses faziam negócios escusos com os chineses para obter chá e outros produtos, outros mercadores optaram por um caminho menos desonesto e perigoso, voltando seus olhos para Índia, onde foram descobertas na década de 1820, algumas plantações de chá, que rapidamente foram compradas pela Companhia das Índias Orientais e depois na década de 1840 foram vendidas para a Companhia Assam, que passou a controlar boa parte da produção de chá pelas décadas seguintes. O problema é que a mão de obra dessas plantações era praticamente escrava no século XIX. Ainda assim, os ingleses conseguiram contornar o déficit gerado pela queda das importações de chá dos chineses devido as guerras do ópio. (HALL, 2000, p. 23). 

A Inglaterra não foi apenas o país responsável por deter grande parte do controle da produção e comércio de chá no século XIX, também foi a nação responsável por difundir no Ocidente, até mesmo mais que os holandeses e franceses, o costume de se beber chá. Em meio a Era Vitoriana, o chá alcançou seu status como bebida não mais requintada, mas comum, a ponto que qualquer pessoa poderia degustá-lo. Data desse período o surgimento da "hora do chá", ou "chá das cinco" ou "chá da tarde"

A história credita a Anna Russell, Duquesa de Bedford, a origem dessa prática. Na época os nobres não costumavam fazer lanche entre o almoço e o jantar, permanecendo várias horas em jejum. Todavia, a duquesa teve a ideia de romper com esse costume e por volta das cinco horas da tarde, ela passou a tomar chá e comer biscoitos, sanduíches ou bolos. Com o tempo ela convidou suas amigas para participar dessa refeição, isso acabou se espalhando e se popularizou no "chá da tarde", tornando-se até hoje um costume britânico. (DUBRIN, 2010, p. 114). 


Retrato da Duquesa de Bedford, creditada como a inventora do "chá da tarde". 
Invenções modernas: 

Embora os ingleses detivessem ao longo do século XIX e idos do XX o domínio sobre a produção e comércio de chá, foram os americanos que inventaram algumas ideias engenhosas para o consumo dessa bebida que até hoje se mantém. A primeira ideia foi o chá gelado. Ainda na segunda metade do século XIX, alguns livros de culinária já apontavam a receita para se consumir chá verde em temperatura natural ou fria, podendo estar misturado com lascas de limão ou laranja, ou receber adição de cubos de gelo. Todavia, o consumo de chá gelado somente teria se popularizado décadas depois. 

Em 1904 durante a Feira Mundial de Saint Louis, o vendedor Richard Blechynden teve a ideia de vender chá gelado aproveitando que os dias nos quais a feira ocorria estavam muito quente. Todavia, a receita de Blechynden não usava chá verde como constava nos livros de culinária do XIX, mas ele passou a fazer uso de chá preto, o qual até hoje é o principal tipo consumido de forma gelada pelos americanos. A partir da ideia de Blechynden outros vendedores começaram a fazer o mesmo e o chá gelado foi se popularizando nos anos seguintes. (WEISBURGER; COMER, 1998, p. 717). 


Atualmente os diferentes sabores de chá gelado são amplamente consumidos no mundo, principalmente em tempos de calor ou por pessoas que apreciam mais bebidas frias do que quente. 
Outra invenção americana importante para o comércio de chá e seu consumo foi a criação dos saquinhos de chá. É creditado ao vendedor de chá, Thomas Sullivan a difusão desse produto, embora o saquinho de chá tenha sido patenteado em 1903, e sido vendido em 1904, apenas em 1908, Sullivan melhorou a forma de comercializar esse produto, criado seu próprio produto, que tornou eficiente se fazer chá, pois até então era necessário esmagar as folhas para depois colocá-las em água quente. Porém, com o saquinho de chá não havia mais necessidade de ter que esmagar, moer e peneirar as folhas, flores, raízes e cascas, já estava pronto para ser usado. Tal produto era de confecção manual, apenas em 1929 passou-se a produzir saquinhos de chá industrializados. De qualquer forma, a ideia de Sullivan de investir nesse formato deu certo e o saquinho de chá tornou-se décadas depois um meio bastante prático para se vender chá. (WEISBURGER; COMER, 1998, p. 717). 


O saquinho de chá atualmente é uma das formas mais comuns pelas quais o chá é vendido em vários lugares do mundo, devido a sua praticidade e rapidez. 

NOTA: A festa do chá de Boston foi retratada no jogo Assassin's Creed III (2012). 
NOTA 2: A Companhia Assam ainda hoje existe e continua a produzir chá.
NOTA 3: O chá gelado é tão apreciado nos Estados Unidos que existe o Dia Nacional do Chá Gelado, celebrado em 10 de junho
NOTA 4: Depois da água, o chá é a bebida mais consumida diariamente no mundo, sendo seguida pelo café e depois pela cerveja. 
NOTA 5: Antes de ser uma expressão, a colher de chá é um utensílio desenvolvido pelos europeus para mexer o chá nas xícaras e colocar açúcar na bebida. 
NOTA 6: No livro Alice no País das Maravilhas (1865), a protagonista participa de um chá da tarde com o Chapeleiro Maluco, o Coelho Branco e outros personagens. A cena tornou-se bastante icônica nos desenhos, filmes e jogos que retratam essa história. 

Referências bibliográficas:
DUBRIN, Beverly. Tea Culture. Watertown: Charlesbridge, 2010. 
GUNDERSON, Cory. The Boston Tea Party. Minnesota, ABDO Group, 2004. 
HALL, Nick. The Industry of Tea. Philadelphia: Woodhead Publishing, 2000. 
OKAKURA, Kakuzo. The Book of Tea. USA: Dover Publications, 1964. 
MONTANARI, Massimo. Food is Culture. Translated by Albert Sonnenfeld. New York
WEISBURGER, John H; COMER, James. Tea. In: KIPLE, Kenneth F; ORNELAS, Kriemhild Coneè (eds.). The Cambridge World History of Food, vol. 1. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, p. 712-719. 

2 comentários:

Bruno Fernandes disse...

Mais um excelente artigo! Eu estou amando esse site! Eu tenho 22 anos e nunca bebi chá

Leandro Vilar disse...

Que bom que tenha gostado do texto. Eu já bebi chá, mas não é uma bebida que aprecie. Mesmo quente ou gelado.