Seguindo os passos da História: Canudos: Esperança e Tragédia

Este texto foi escrito em parceria com meus amigos, Thiago D. Silva, John H. Silva e Rafael de Lima V. Dantas. Além disso, quero agradecer a minha amiga Ana Paula, por ter cedido uma das fontes bibliográficas usadas neste trabalho.

"Quem vai morrer,não chora"
Ditado sertanejo do século XIX.

A história de Canudos começa ainda durante o século XVIII, e passa a ter mais destaque nos primeiros anos da República Velha do Brasil (1889-1930). Essa é uma história de infortúnios, tragédias, esperança, paz, guerra, salvação, destruição, traição, morte, sangue e sofrimento. Que ocorreu no sertão baiano, local árido e hostil, mas, no qual muitos encontraram nas palavras de um conselheiro a esperança de um futuro melhor.

Origem:

Canudos era um pequeno povoado nos arredores da fazenda de gado Canudos à beira do rio Vaza-Barris, tendo se formado ainda no século XVIII. Por volta de 1890 ela contava com cerca de três mil habitantes e centenas de casas de pau-a-pique.

“Já em 1876, segundo o testemunho de um sacerdote, que ali fora, como tantos outros, e nomeadamente o vigário de Cumbe, em visita espiritual às gentes de todo despeadas da terra, lá se aglomerava, agregada à fazenda então ainda florescente, população suspeita e ociosa, “armada até aos dentes” e “cuja ocupação, quase exclusiva, consistia em beber aguardente e pitar uns esquisitos cachimbos de barro em canudos de metro de extensão, de tubos naturalmente fornecidos pelas solanáceas (canudos-de-pito), vicejantes em grande cópia à beira rio”. (CUNHA, 1963, p. 145).

Localização:

Canudos era cercado pelas serras do Cocorobó, Calumbi, Cambaio e Caipã. Nos seus arredores havia pequenas lavouras, e alguns rios perenes, e o açude Cocorobó, no qual hoje em dia cobre grande parte da antiga comunidade. A região é de clima semiárido típico do sertão nordestino, tendo um baixo índice pluviométrico durante o ano. A vegetação e escassa, e composta por plantas de espinhos, de poucas folhas, típicas do cangaço. Além desta fazenda contava também nas proximidades com as fazendas do Urubu, Saúde, etc., e com as cidades de, Cumbe, Uauá, Monte Santo, Bom Conselho, Jeremoabo, Juazeiro, Queimadas, etc. Neste caso, Canudos não era uma região isolada do restante do país, mas, sim um local de pouco atrativo para quem vivia no litoral e muito longe deste e da própria capital, Salvador.

Localização de Canudos e sua área de influência.

Belo Monte:

A história do lugar passou a mudar drasticamente com a chegada e a permanência de Antônio Conselheiro e seus seguidores no ano de 1893. Antônio Conselheiro era um homem de grande reputação pelo sertão afora, muitos dos moradores de Canudos conheciam sua história, e muitos o respeitavam. Conselheiro, foi para Canudos a fim de ajudar a construir uma nova igreja, trabalho este que ele realizava há anos, no entanto acabou ficando no lugar, na tentativa de mudar as condições daquela região. Sobre tal fato uns dizem que ele pretendia criar uma "Nova Jerusalém" no meio do sertão baiano. Com o seu estabelecimento na comunidade, não tardou para que outros seguidores viessem a se estabelecer ali. O local passou a se chamar de Belo Monte, no entanto entrou para a História pelo nome de Canudos.

Em pouco tempo o pequeno povoado de casas de pau-a-pique, se tornou um grande povoado chegando a conter cerca de 25 a 30 mil habitantes no ano de 1895. Tal crescimento vertiginoso causou um espanto para a capital e as cidades litorâneas. Canudos era o segundo centro urbano mais populoso do estado da Bahia, só estava atrás da capital Salvador.

O motivo deste rápido crescimento se deve a devoção a Antônio Conselheiro. Pelo fato desta região esta permanentemente marcada pelo ciclo da seca, da pobreza e da miséria, ou as pessoas partiam para o Litoral para ganhar a vida e sobreviver, ou permaneciam nesta região, e nesse caso Canudos passou a se tornar literalmente um “oásis no meio do deserto”. Sertanejos sem terra para morar, peregrinos, jagunços, fugitivos, pequenos camponeses, que moravam nas fazendas da região, todos passaram a habitar o povoado. Muitos iam na promessa que o Conselheiro os pudessem ajudar, não pelo fato de ser visto como um homem santo (questão que gera muito debate) mas pela fama de ser solidário com quem precisava.

"Ao se espalhar a notícia de que Antônio Conselheiro fundara a comunidade de Belo Monte, sob sua única direção, independente das autoridades eclesiásticas e civis, os sertões se estremeceram. Agora haveria um abrigo estável para os esbulhados dos seus bens, para os que viviam errantes, sem trabalho, para os perseguidos pelos grandes proprietários, pelo fisco, pelas autoridades policiais e políticas. Neste novo povoado, todos seriam iguais, conforme os ensinamentos do Conselheiro". (MONIZ, 1984, p. 53).

Se para os sertanejos Canudos representava a esperança, uma espécie de utopia, para os litorâneos esta representava uma ameaça. Antônio Conselheiro no passado arranjou problemas com a justiça e com os senhores de fazendas da região, e com a própria Igreja Católica, na qual via as ações dele como algo subversivo a autoridade da Igreja. Diziam que ele se passava como um falso profeta ou messias, e que pregava mentiras. Além disso, surgiu em Salvador os boatos que Canudos era um centro de resistência de monarquistas que pretendiam derrubar a república, que lá consistia em um esconderijo para ladrões, assassinos e toda pária daquela região, dos quais o Conselheiro os utilizava para controlar a vizinhança. Tais motivos colaboraram para o ódio a Canudos e a guerra travada contra esta.

“Canudos era o homizio de famigerados facínoras. Ali chegavam, de permeio com os matutos crédulos e vaqueiros iludidos, sinistros heróis da faca e da garrucha”. (CUNHA, 1963, p. 153).

"A tentativa de criar uma comunidade igualitária não tardaria em despertar o temor dos fazendeiros que viviam da exploração dos camponeses. Seria perigoso para eles se as idéias do Conselheiro se estendessem pelo sertão e surgissem outros Canudos. Aí teriam de reunir-se para acabar com tão arriscada experiência". (MONIZ, 1984, p. 51).

Organização de Canudos:

A comunidade, só possuía uma rua convencional, chamada de Campo Alegre, de resto só possuíam ruelas tortuosas, a comunidade também possuía túneis subterrâneos que ligavam algumas residências. Além disso, estudos arqueológicos mostram que o local onde foi fundada a comunidade, se mostrava perfeito, pois ficava perto do rio Vaza-barris, a região também era montanhosa facilitando as defesas e emboscadas.

“A ausência de ruas, as praças que, à parte a das igrejas, nada mais eram que o fundo comum dos quintais, e os casebres unidos, tornavam-no como vivenda única, amplíssima, estendida pelas colinas, e destinada a abrigar por pouco tempo o clã tumultuário de Antônio Conselheiro”. (CUNHA, 1963, p. 148).

“Feitas de pau-a-pique e divididas em três compartimentos minúsculos, as casas eram paródia da antiga morada romana: um vestíbulo exíguo, um átrio servindo ao mesmo tempo de cozinha, sala de jantar e de recepção; e uma alcova lateral, furna escuríssima mal revelada por uma porta estreita e baixa”. (CUNHA, 1963, p. 147).

Arraial de Belo Monte ou Canudos.

Canudos era muito organizada, apesar da alta densidade populacional, o Conselheiro, era quase um coronel, presidindo um “estado” próprio. Era proibido o consumo e a venda de bebidas alcoólicas, não havia prostíbulos ou prostitutas, o uso de dinheiro era escasso, em geral o comércio feito era a base de escambo, e em outros casos, a comunidade ganhava donativos dos admiradores e seguidores do Conselheiro. Rezava-se a missa todos os dias, e era comum as pessoas rezarem várias vezes por dia. O "culto" ao Conselheiro não existia, já que este não gostava da ideia de ser adorado, com isso ele sempre repitia que "Só Deus é Grande".

Para Conselheiro trabalhavam vários homens, muitos deles eram considerados criminosos perigosos pela população, talvez daí também viesse o medo que a comunidade exercia, entre esses homens temos: Joaquim, vulgo “tranca pé”; Raimundo, vulgo “boca-torta”, Chico ema, Manuel quadrado, Pedro o invisível e outros.

O principal representante político do Conselheiro era João Abade, conhecido pelos canudenses como comandante da rua. Esse homem comandava a principal milícia de Canudos conhecida como Guarda Católica, essa milícia possuía cerca de 800 homens, todos esses homens seguiam cegamente João Abade que foi morto já nos últimos dias do conflito. Dentro da guarda católica temos outros homens que se sobressaiam como Pajeú, ajudante leal de João Abade, Zé Venâncio acusado de cerca de 80 assassinatos na cidade de Volta Grande.

Para as testemunhas do conflito em especial os jornalistas e soldados, a população de Canudos era belicosa, pessoas violentas e desprezíveis. Pessoas desprovidas de fé que apenas seguiam um louco igualmente perigoso. Essa concepção se deve muito por causa do conflito, tendo em vista que a população precisava se proteger é claro que elas se tornariam violentas, mas também se deve ao fato das famílias da região espalhar boatos de atrocidades e roubos cometidos pelos conselheiristas e também por causa da procedência de muitos homens do conselheiro.

Antônio Conselheiro:

Antonio Vicente Mendes Maciel nasceu em 13 de março em Santo Antônio do Quixeramobim, Ceará, em 1830. Filho do vaqueiro e negociante Vicente Mendes Maciel e de Maria Joaquina.

"Aos vinte e dois de maio de mil oitocentos e trinta baptizei e pus os Santos Oleos nesta matriz de Quixeramobim ao parvulo Antonio pardo nascido aos treze de março do mesmo ano supra, filho natural de Maria Joaquina: foram padrinhos, Gonçalo Nunes Leitão, e Maria Francisca de Paula. Do que, para constar, fiz este termo, em que me assinei. O Vigário, Domingos Álvaro Vieira" (Livro de Assentamentos de Batizados da Paróquia de Quixeramobim, Livro 11, fl. 221 v. Documento encontrado pelo pesquisador cearense Ismael Pordeus e publicado em "O Nordeste", 06.07.1949/ Fortaleza. Apud Calasans, 1997, p.25.)

Sua família por parte de pai era descendente de fazendeiros da região, sendo assim, seu pai possuía condições de vida razoáveis, sendo um próspero comerciante, dono de vários imóveis na cidade. No entanto ele era um homem muito violento, o qual quase chegou a matar sua primeira esposa, depois desse ocorrido, ele se divorciou desta e se casou com Maria Joaquina (Maria Chana), era uma mulher devota e profundamente seguidora das rigidez eclesiástica, criando o filho a base de provações e penitências, algo que marcou profundamente a vida de Antônio. Ainda muito novo, seu pai começou a perder dinheiro, fazer apostas, péssimos investimentos e a ser tornar alcoólatra. A vida do jovem Antônio foi bem rígida e desprovida de carinho tanto pela mãe e pelo pai, sua vida pioraria ainda mais, quando sua mãe morreria, tendo este apenas seis anos.

"Em 1855, Vicente morreu. Nessa época, os problemas financeiros da família se tinham agravado ainda mais devido a especulações irresponsáveis. Antônio tinha então 25 anos e era responsável por quatro irmãs menores solteiras (sendo duas meias-irmãs)". (LEVINE, 1995, p. 184).

A partir dessa época em diante, Antônio passaria a trabalhar em trabalhos de vários tipos para manter a família, tornando-se professor, de português, aritmética e geometria na Fazenda Tigre, trabalhou como balconista, dono de lojas as quais foram a falência, caixa e rábula. Por volta de 1859 ele se casou com Brasilina Laurentina de Lima, filha de sua prima Francisca.

Certidão de Casamento de Antônio Vicente Mendes Maciel e Brasilina Laurentina de Lima

"Aos sete dias do mês de janeiro de 1857, nesta matriz de Quixeramobim, pelas oito horas da noite, depois de preenchidas as formalidades de direito, assisti a receberem-se em matrimônio e dei a benção nupciais aos meus paroquianos Antonio Vicente Mendes Maciel e Brasilina Laurentina de Lima, naturais e moradores nesta freguesia de Quixeramobim, esta filha natural de Francisca Pereira de Lima e aquele filho legítimo de Vicente Mendes Maciel e de Maria Joaquina do Nascimento, ambos já falecidos, sendo dispensados do impedimento do terceiro grau atinente ao segundo, de consanguinidade lateral desigual; foram testemunhas José Raimundo Façanhas e Pedro José de Matos; do que para constar mandei fazer este assento que assino. O Vigário interino José Jacinto Bezerra". (Arquivo do Arcebispado. Quixeramobim. Casamentos Liv. 4 p.53 / Apud Ismael Pordeus in "O Nordeste", 26.09.1949. / Arquivo de José Calasans/Núcleo do Sertão, UFBA)

Após a morte de seu pai, Antônio Maciel trabalhou em diferentes empregos, morando em diferentes lugares nesses anos, e por volta de 1860, já casado e pai de dois filhos, vivenciaria uma dura realidade. na cidade de Tamboril, ele ficou sabendo que sua esposa estava de caso com um tal soldado chamado João de Melo. Dize-se que o próprio viu sua esposa com o tal amante, então pegou suas roupas e saiu de casa, sua mulher depois fugiu com o amante. Antônio arruinado, deixou seus filhos sob os cuidados de sua sogra, e decidiu tomar um novo rumo em sua vida. De acordo pela lei da honra do sertão, ou ele aceitava a ser chamado de "corno", ou ele iria atrás de sua esposa e mataria ela e o amante dela. Antônio escolheu um terceiro caminho, foi viajar e trabalhar como caixeiro-viajante, mascate, participando de campanhas missionárias e peregrinações, dando início a sua vida como pregador e beato pelos sertões do nordeste.

"No inicio de sua vida religiosa leiga, era conhecido como Irmão Antônio, ou também por Antônio dos Mares, Santo Antônio dos Mares, Antônio Aparecido e, finalmente, em meados da década de 1870, Antônio Conselheiro. Este último título demonstra que ele era considerado, mais que um beato, um sábio conselheiro, titulo religioso oitocentista que poucos sertanejos chegaram a receber". (LEVINE, 1995, p. 186).

Em 1876 ela já teria um reconhecimento considerável, vale aqui a citação utilizada por Euclides da Cunha em Os Sertões:

Caricatura de Antônio Conselheiro

"Apareceu no sertão do norte um indivíduo, que se diz chamar Antônio Conselheiro, e que exerce grande influência no espírito das classes populares servindo-se de seu exterior misterioso e costumes ascéticos, com que impõe à ignorância e à simplicidade. Deixou crescer a barba e cabelos, veste uma túnica de algodão e alimenta-se tenuamente, sendo quase uma múmia. Acompanhado de duas professas, vive a rezar terços e ladainhas e a pregar e a dar conselhos às multidões, que reúne, onde lhe permitem os párocos; e, movendo sentimentos religiosos, vai arrebanhando o povo e guindo-o a seu gosto. Revela ser homem inteligente, mas sem cultura". Citado por Euclides em Os Sertões, p. 269-270. Nota do Autor: Folhinha Laemmert, de 1877. Nota do Editor: Esta nota biográfica do Conselheiro não se encontra na Folinha de 1877. Provavelmente, Euclides estaria citando o artigo publicado no Diário da Bahia de 29.6.1876.

Conselheiro mantinha-se através de doações que recebia. Ele afastava-se dos luxos e prazeres terrenos, negando-se até mesmo a dormir em uma cama. Durante sua vida sofreu inúmeras acusações e prisões, ocasionadas por desentendimentos entre fazendeiros e funcionários do governo que eram avessos as suas condutas de peregrinação, as suas ideias em favor dos pobres e oprimidos.

A teologia do Conselheiro estaria baseada nos ensinamentos da Igreja oitocentista, dando destaque ao tema do pecado e do juízo final. Suas fontes seriam acessíveis, como as Horas Marianas e os ensinamentos do padre Ibiapina. É celebre a sua afirmativa de que “só Deus é grande”, questão que exemplifica bem sua crença e que objetivava afastar a possibilidade da adoração de sua figura por parte dos fiéis.

Frontispício da primeira edição da Missão Abreviada, publicada em 1859.

Outra fonte de destaque na teologia do Conselheiro seria a Missão Abreviada, escrita pelo padre José Gonçalves Couto. A Missão apresenta inúmeras referências à danação eterna e ao inferno. Ela enfatiza o sofrimento e a morte, sendo estes necessários para satisfação da justiça divina. Questões como a aceitação do sofrimento, a resignação, o conformismo e o martírio são outros pontos presentes na Missão e extremamente presentes na realidade nordestina.

Os escritos do Conselheiro, que foram encontrados por tropas nas ruínas de sua casa, faziam larga referência à Missão, as Horas Marianas e a Bíblia, apresentava uma linguagem bastante culta, por isso é provável que em seus discursos a linguagem fosse simplificada. Seus escritos destacam a pobreza, a humilhação, a angústia, o sofrimento; a caridade pouco aparece. Ele faz denúncia às forças do mal, que seriam os judeus e os falsos cristãos. Faz ainda referências à República, ponto que abordarei mais a frente.

Entre as principais heranças deixadas por Ibiapina na visão de Conselheiro, seria o compromisso em auxiliar os pobres e os sofredores. Para tal, Conselheiro dedicou-se a reformar e construir capelas e cemitérios.

Como crente em uma teologia de cunho extremamente prática, Conselheiro via os poderes do mal nos mais variados campos, sobretudo no âmbito político. Ele era hostil aos maçons, aos judeus, aos republicanos, aos protestantes e seguidores de outras seitas. De fato, este é um ponto a ser destacado na teologia de Conselheiro, ele tentava relacionar as coisas de forma concreta, sem qualquer abstração.

Um ponto que deve se considerar é o fato de que Conselheiro não estava tentando desafiar a ordem social ao criar a chamada “Nova Jerusalém”, antes ele queria criar uma comunidade livre de corrupções aos que desejassem ter uma vida de santidade e autonegação.

A mensagem do Conselheiro era alicerçada num discurso terrorífico, de ameaças e de profecias chocantes. Contudo, tal discurso era extremamente mais atraente do que o proferido pela Igreja Romana, sobretudo porque Conselheiro estava inserido na realidade sertaneja e matinha contato com os fiéis enquanto o arcebispo residia em um palácio em frente à Baía de Todos os Santos.

Apesar de nem todos os moradores de Belo Monte serem seguidores das doutrinas do Conselheiro, sua mensagem atingia a todos os que ali residiam e traição a seus princípios era punida com a morte. Nesta terra não havia prostituição, o alcoolismo não era um problema que incomodava e havia poucos vagabundos e criminosos.

Conselheiro via a Igreja Romana como sendo corrupta moralmente e excessivamente poderosa. De fato, Conselheiro tinha conhecimento das manobras que Roma realizava a fim de fortalecer o poder do Vaticano, esta restauração ortodoxa se apresentava como uma grande ameaça para as tradições locais. Apesar disto, o Papa não estaria entre os inimigos do Conselheiro. Algumas das mensagens de Conselheiro causavam certo incomodo nos altos clérigos do litoral, visto que ele insistia que a Igreja Católica havia se enfraquecido moralmente e ainda mencionava que haveria inimigos do catolicismo infiltrados na própria instituição.

A associação entre a República e Satã era muito comum, não apenas no discurso de Conselheiro. Os sertanejos, em geral, viam em acontecimentos como o fim da escravidão, no exílio do imperador e na ascensão da República, sinais claros do fim dos tempos, assim como a seca e o sofrimento também o eram. Vale ainda citar a data milenarista tão perturbante que o era o 1900.

Outra motivação de Conselheiro em rejeitar o governo republicano seria o fato de que ele estaria realizando obras que seriam de competência governamental, como a reconstrução de igrejas e de cemitérios, visto que as autoridades deixavam estes ruírem.

A maioria dos seus ataques à República advinha da oposição desta ao catolicismo, sobretudo pelo fato desta insistir na necessidade do estabelecimento dos registros de nascimento, casamento e óbito. De fato, após a queda da monarquia, cresceu entre os sertanejos uma forte preocupação entre a unidade da Igreja com a sociedade, a ascensão da República propiciou o rompimento desta base tão tradicional. Este novo conjunto de leis, impostas pelo republicanismo e aceito pela Igreja Romana, representavam para o Conselheiro e para a Missão Abreviada uma tentativa de abolir a palavra de Deus e estabelecer o ateísmo.

Vejamos o que diz a Missão Abreviada acerca dos judeus e do que Couto chama de respeitos humanos (na visão de Conselheiro poderíamos compreender como autoridades civis):

“Pilatos conheceu perfeitamente a inocência de Jesus Cristo, e a mortal inveja dos Judeus: sua mulher também lhe disse: “Que tens lá com esse homem? Ele é justo; deixa-o, que por sua causa tive eu hoje visões”. Desta sorte Pilatos procurou sempre, e por diversos modos, aplacar a fúria dos Judeus e conservar a vida a Jesus Cristo; porém os respeitos humanos o estorvaram. – Ai de vós! Os que ainda olhais para os respeitos humanos; ai de vós! Porque os respeitos humanos perdem muitas almas. Quantas obras boas se deixam fazer, e quantas más se fazem por via dos respeitos humanos? Por via do parente, do amigo, do rico, do poderoso; por via da mulher e dos filhos; e por via de outras muitas pessoas? Quantas vezes se diz: Na verdade isso assim é, e é o que se deve fazer, mas assim não faço, porque fico mal com o senhor fulano. E Deus? Ah! Deus não te importa: nem te importa Deus, nem religião, nem céu, nem inferno!... Que grande cegueira! Pois cortas tudo para não ficar mal com o senhor fulano. Mas pergunto eu: e se tu caíres no inferno por via dele, será ele capaz de te arrancar de lá para fora?” (COUTO, pág. 328).

“Foi sobre o seu antirrepublicaníssimo que recaíram as primeiras ações punitivas empreendidas pelo governo estadual. O Conselheiro, logo após o ataque dos soldados aos seus seguidores em Masseté, proferiu um discurso, ao lado de seu velho amigo padre Sabino, dizendo que Deus havia escolhido Belo Monte como campo de batalha de Jesus. Enquanto falava, parece ter levado sua cópia da Missão Abreviada de forma a dar mais ênfase à mensagem”. (LEVINE, p. 292).

O conflito:

Não podemos esquecer também o contexto histórico em que o conflito desencadeou-se: Antes dos conflitos em Canudos temos várias calamidades suprimindo todo o sertão baiano entre elas à grande seca que durou dois anos, indo de 1866 á 1868. Brigas políticas envolvendo facções rivais em toda a Bahia, desencadeando assassinatos cometidos por assassinos contratados. O advento da república que certa forma piorou ainda mais a situação, pois provocou novas alianças e assim traições que sempre acabavam em mais violência. Ou seja, o sertão baiano estava em calamidade e instabilidade antes mesmo do conflito.

A decisão de atacar Canudos no ano de 1896 foi tomada pelo juiz da comarca de Juazeiro, Dr. Arlindo Leone, sob a alegação de que os homens de Antônio conselheiro iriam atacar a cidade por causa de um carregamento de madeira encomendado pela comunidade para construir uma nova igreja e que infelizmente não poderia ser entregue. Não se tem bases nem fontes que comprovem que os homens de Antônio Conselheiro iriam atacar mesmo a cidade de Juazeiro, o que se tem são apenas os boatos de que o ataque iria ocorrer. Enfim o primeiro ataque a Canudos foi mandado sem se apurar realmente o que estava acontecendo, não se sabe nem se Antônio Conselheiro sabia sobre o não envio da madeira.

Primeira expedição:

No dia 12 de outubro de 1896, partiram 104 soldados do Nono Batalhão de Infantaria Baiano, comandados pelo Tenente Ferreira Pires, para atacar o arraial de Canudos, eles enfrentaram alguns problemas para obter suplementos e não conheciam a área de 200 quilômetros que separava Juazeiro de Canudos, mas nada os impediu de partir. Contrataram guias e chegaram rápido a Uauá em 19 de outubro, se estabelecendo no arraial vaga-lume. A notícia de que as tropas iriam atacar o arraial já havia chegado a Canudos, mas muitos habitantes de Uauá, partiram para lá para avisar que as tropas estavam cada vez mais perto. No dia 21 de outubro a Guarda Católica de Antônio Conselheiro, partiu para interceptar as tropas baianas. A Guarda Católica era descrita como uma procissão de penitentes, carregavam uma cruz de madeira e um estandarte divido, cantavam músicas católicas, carregavam imagens de santos. Por traz disso estava à verdadeira força da Guarda Católica cerca de 1000 homens, embora alguns relatos falem até em 3000 armados com velhas armas, lanças, foices, ferramentas agrícolas e estacas de madeira. A batalha durou cerca de 4 horas e acabou com 10 soldados mortos, a tropa partiu em retirada, a superioridade em numero de homens garantiu a vitória a Antônio Conselheiro.

Acampamento da Primeira Expedição.

Segunda expedição:

"A derrota da expedição repercutiu intensamente no sertão com alguma ressonância no resto do país. Apesar da humilhação da retirada, do saque e do incêndio em Uauá, o ministro da Guerra, em aviso de 11 de dezembro, louvava o tenente Pires Ferreira pela maneira com que conduziu a expedição". (MONIZ, 1984, p. 65).

Réplica de um canhão modelo Krupp

Com a derrota vergonhosa, foi organizada uma segunda expedição comandada pelo Major Febrônio de Brito, esta era formada por 543 homens das forças estaduais e federais, possuíam ainda e dois canhões Krupp de pequeno calibre a base de operações da segunda expedição foi à cidade de Frei Apolônio Todi. Logo que saíram da base foram atacados pelos homens de João Abade, cercados e sem poder fazer muita coisa por terem sido pegos de surpresa bateram em retirada. As autoridades federais, civis e militares elevaram rapidamente Canudos a status de ameaça nacional, os brasileiros de maneira geral ficaram chocados com o ocorrido e passaram a acompanhar as noticias do conflito diariamente pelos jornais.

Terceira expedição:

Moreira César

A terceira expedição se organizou rapidamente, essa expedição foi colocada sob o comando do temido coronel Moreira César, o coronel era considerado herói pelos outros oficiais, foi ele quem acabou com a rebelião da marinha no porto do Rio de Janeiro. Seus métodos eram selvagens, era um homem cruel. Moreira César sofria de epilepsia. No dia 3 de fevereiro de 1897, o coronel partiu de Salvador com cerca de 1300 homens, uma cavalaria e ainda quatro canhões, durante a marcha para Canudos o coronel teve uma crise de epilepsia, mesmo assim continuou com a marcha. Na realidade ele, assim como os comandantes das outras duas expedições eram arrogantes e não acreditavam que simples camponeses fossem capazes de lhes derrotar, mas as táticas de guerrilha empregadas pelos homens do Conselheiro eram as ideais para a luta no sertão nordestino. Moreira Cesar não aprendeu com as outras expedições e logo no primeiro embate entre suas forças e a do Conselheiro ficou ainda mais confiante, pois conseguiu uma vitória temporária. Depois desta primeira vitória partiu para Canudos, e chegaram ao monte Favela. Do topo do monte dava para ver Canudos e logo posicionaram os canhões para os disparos, os tiros destruíram inúmeras casas e construções, mas quando a poeira baixou o que se via eram inúmeros homens armados, que se esconderam dentro da comunidade. Os soldados de Moreira Cesar foram ordenados a entrar na comunidade, essa ordem foi errônea. O próprio povoado se mostrou como uma armadilha, o amontoado de casebre mais parecia um labirinto, e a grande maioria dos soldados foi morta, pelos homens que entravam e saiam de seus esconderijos, quando a noite caiu às tropas bateram em retirada.

Moreira César não concordou com a retirada, e exigiu que todos voltassem ao combate. Ele acabou sendo ignorado e morreu naquela noite, ele estava com febre, mas muito dizem que foi morto pela própria tropa. O coronel Tamarindo substituiu o comando, mas também acabou sendo morto. Na medida em que os soldados fugiam foram perseguidos e mortos, eles deixaram para traz equipamentos, o corpo de Moreira Cesar foi deixado para traz também e foi queimado pelos conselheiristas. Assim a terceira expedição foi totalmente destruída. O choque da derrota da terceira expedição foi grande para a sociedade brasileira. Governadores e deputados pediam vingança, foi declarado luto nacional, celebraram-se missas para os mortos em todas as igrejas.

Quarta expedição:

Só demorou 2 meses para a quarta expedição ser organizada. A ofensiva começou em junho de 1897 e contava com os recursos de todo o exército brasileiro. Possuíam 25 batalhões de linha, cavalarias, canhões krupp e cerca de três mil soldados vindos de inúmeros estados, inclusive da Paraíba, muitos desses soldados que foram uniformizados, vinham da zona rural dos estados do nordeste.

O ministro da guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt, deu permissão a seus comandados para utilizarem táticas flexíveis, o exército foi dividido em unidades de combate autônomas compactas e ágeis. As forças do governo já não zombavam mais de seu inimigo. Mesmo assim no primeiro embate, centenas de soldados foram mortos em uma emboscada feita por Pajeú, parecia que a quarta expedição seria derrotada, muitos homens desertaram, mas foram substituídos logo, assim também como os mortos. De junho até o último ataque, em início de outubro de 1897, procedeu-se um massacre pavoroso, a cada dia morriam tanto homens do Conselheiro como do exército, muitos outros ficaram feridos ou eram acometidos por doenças, neste meio tempo as tropas do governo conseguiram cercar Canudos e bloquear o fornecimento de água e alimento. A batalha cada vez mais violenta era conduzida de maneira surpreendente pelos últimos conselheiristas. Mesmo com a resistência, um grande número de canudenses desertou nos últimos momentos da guerra, deixando mulheres e crianças para trás, só aqueles homens mais fiéis do Conselheiro ficaram.

Acampamento militar dentro do arraial.

O Estado-maior prometeu a essas pessoas que se elas se entregassem seriam poupadas, mas foram ludibriados e mortos na frente de suas famílias. Depois disso muitos outros prisioneiros foram degolados, os corpos foram queimados, assim como o que sobrou do povoado, segundo os oficiais, Canudos devia ser queimada e dinamitada por causa do odor deixado pelos corpos que foram sucumbidos durante a guerra.

Única foto conhecida de Antônio Conselheiro tirada por Flávio de Barros no dia 6 de outubro de 1897.

Antes da destruição total do povoado, o corpo de Antônio Conselheiro foi exumado, o Conselheiro havia morrido antes do fim do conflito no dia 22 de setembro de 1897, por causa de uma disenteria ou por ferimentos causados pela explosão de uma granada ou por bala. As pessoas próximas a ele se recusaram a enterrá-lo por causa da profecia de que ele ressuscitaria dentro de três dias, por causa do odor forte acabaram o enterrando depois de uma semana, quando morreu o Conselheiro já tinha quase 70 anos e não possuía boa saúde. Sua cabeça fora decapitada e levada para Salvador onde ficou exposta na Faculdade de Medicina da Bahia até inicio do século XX quando um incêndio destruiu o prédio.

Não se sabe ao certo o número de canudenses que escaparam, ou quantos tiveram um destino cruel nas mãos dos soldados, se sabe que muitas meninas viraram concubinas ainda durante o combate, muitas crianças viraram empregados, e outras foram adotadas pelos militares e jornalistas. Mas, o saldo de mortes inegavelmente girou em torno dos milhares, principalmente entre os homens, onde grande parte da população masculina de Canudos pegou em armas e morreu em combate ou não lhe foi dado misericórdia. O arraial foi bombardeado e explodido, sendo reduzido a ruínas.

Foto de prisioneiros em Canudos. A maioria eram mulheres e crianças.

Fonte: TEIXEIRA, Evandro, Canudos 100 anos, Rio de Janeiro, Textual, 1997. p. 138. (clique na tabela para ampliá-la).

A vitória sobre Canudos consolidou a força do Exército brasileiro, e do governo republicano, no qual transformou Canudos em um exemplo para qualquer outro que quisesse se rebelar contra o governo federal. A figura de Antônio Conselheiro entraria para a História como um falso pregador, louco que tentou derrubar a república, e ao mesmo tempo um homem devoto e benevolente, que quis dá ao sertanejo melhores condições de vida, algo que o Estado não proporcionava.

NOTA: O filme Guerra de Canudos (1997) retrata alguns aspectos da história de Canudos entre os anos de 1896 e 1897, culminando com a destruição do arraial.
NOTA 2: As obras de Euclides da Cunha ainda são uma das melhores fontes sobre a realidade das expedição militares, pois pelo fato de Euclides ter sido um jornalista militar participou destas expedições relatando como testemunha alguns dos acontecimentos vistos durante meses de campanha.
NOTA 3: Ainda hoje se pode ver as ruínas da capela de Canudos, construída por Antônio Conselheiro. Contudo os vestígios das casas e outras construções foram enterrados pela a areia, lama e água do açude construído na região.

Referências Bibliográficas:

BENICIO, Manoel. O rei dos jagunços: chronica histórica e de costumes sertanejos sobre os acontecimentos de Canudos. Brasília, Senado Federal, 1997. (Coleção memória brasileira: n.8).
•CUNHA, Euclides da. Os Sertões: Campanha de Canudos. Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 27ª edição, 1963.
•CUNHA, Euclides da. Diário de uma expedição. São Paulo, Companhia das Letras, 2000. (Coleção Retratos do Brasil).
•LEVINE, Robert. M. O sertão prometido: o massacre de Canudos no nordeste brasileiro, 1893. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1995.
•MONIZ, Edmundo. Canudos: A luta pela terra. 3ª ed, São Paulo, Global, 1984. (História Popular: I).
•TEIXEIRA, Evandro. Canudos 100 anos. Rio de Janeiro, Textual, 1997.
•COUTO, Manuel José Gonçalves, 1819-1897. Missão abreviada para despertar os descuidados, converter os pecadores e sustentar o fruto das missões / pelo Pe Manuel José Gonçalves Couto. - Porto : [s.n., 18--]. - 1 v. ; 17 cm.

•Referência da internet:

OLAVO, Antônio. O maior acervo virtual sobre A História de Canudos. Acesso em 25 de setembro de 2010, http://canudos.portfolium.com.br/.