"Os fins justificam os meios"
Nicolau Maquiavel
1795: O Ano III
Com a derrocada dos jacobinos do poder, a execução de Robespierre, o fim do Terror, a ascensão dos termidorianos ao poder, as vitórias no campo de batalha, especialmente no sul da França, no sul da Alemanha e no norte da Itália; levaram a França a um novo período de sua fase republicana.
"A queda de Robespierre não arrastou a da República, que continuou, invulnerável, a dominar. Sem chefes nem guias, pois os sucessores do "Incorruptível" não passaram de homens hábeis e comuns, a república europeia continuou a lutar, caindo aqui para de novo se levantar e cair outra vez e erguer-se ainda, lutando sempre, emaranhada e atada e perturbada, mas invencível". (WELLS, 1966, p. 322).
O Diretório
Em agosto de 1795, foi promulgada uma nova constituição, a Constituição do Ano III ou Constituição de 5 de Frutidor. O novo governo não via necessidade de seguir a decadente Constituição de 1793, a qual não chegou nem a ser seguida oficialmente, então se basearam em reformular a Constituição de 1791, abolindo algumas leis propostas durante do governo dos jacobinos, o que permitiu a criação de novos órgãos do Estado, o retorno ao voto censitário (exclusivo para os homens maiores de vinte um anos, com determinado rendimento financeiro).
"Tornou-se então bastante claro à burguesia, que para a consolidação da posição já conquistada de classe dominante e detentora de fato da soberania política, era preciso votar uma outra Constituição, que afastasse o povo do poder". (COMPARATO, 2008, p. 156).
"A nova Carta política, promulgada em 22 de agosto de 1795, já não fala em soberania popular, preferindo uma fórmula neutra: a "universalidade dos cidadãos". Ao mesmo tempo, são reforçados o mecanismos de separação e controle dos Poderes Estatais. Ou seja, o novo modelo teórico é dado por Montesquieu e não mais por Rousseau". (COMPARATO, 2006, p. 157).
"O programa dos termidorianos que permaneceram no poder era ambicioso: conjurar o perigo realista e reprimir as facções sem tornar a cair no Terror, ressuscitar a indústria e o comércio, trazer de volta a paz". (BLUCHE; RIALS; TULARD, 2009, p. 135).
Não obstante, para auxiliar as funções do Diretório foram criadas duas câmaras para deterem o Poder Legislativo, O Conselho dos Anciãos (também chamado de Conselho dos Antigos) e o Conselho dos Quinhentos. Os membros do Conselho dos Anciãos, os quais dispunham de 250 membros com idade superior a 40 anos, sendo obrigatório que tais membros fossem casados ou viúvos. Estes eram eleitos pelos quinhentos deputados do Conselho dos Quinhentos, com membros a partir dos 25 anos, eleitos pelo povo.
Sessão no Conselho dos Anciãos. |
Visconde de Barras |
1796: A Conjuração dos Iguais
O ano de 1796 foi terrível para a França. Os cofres da nação estavam quase vazios, devido aos exorbitantes gastos com a guerra desde 1792 e as crises de anteriormente. Para piorar, desde o final de 1795, o governo decretou leis que aumentavam os impostos sobre os ricos, e isso continuou a aumentar no ano seguinte, levando a revolta destes, e para piorar, isso repercutiu nas camadas mais baixas, onde ocorreu demissões em massa. Logo, milhares de pessoas estavam desempregadas, endividadas e sem dinheiro para comprar comida. O inverno de 1796 foi um dos piores nos últimos anos, vitimando muitos e deixando ainda mais sofrível as condições de penúria no país.
Gracchus Babeuf |
"É nesse ambiente que Gracchus Babeuf desenvolve os temas de um comunismo agrário e constitui, com Buonarroti e antigos jacobinos, a minoria ativa que pretende exercer uma ditadura provisória". (BLUCHE; RIALS;TULARD, 2009, p. 136).
As ideias radicais de Babeuf são vistas hoje, como preceitos de ideais comunistas, socialistas e até mesmo anarquistas para alguns. Babeuf dizia que um dos grandes motivos para a miséria do país residia no fato de que os pobres trabalhavam muito para enriquecerem os ricos, não obstante, havia aqueles que não trabalhavam e viviam do banditismo. Assim, ele preconizava a defesa de uma reforma agrária, a administração comum das riquezas, o princípio de que todos os homens deveriam trabalhar, etc.
Em resposta a sua ideologia a qual ficou conhecida como babovismo, Babeuf e outros se uniram e criaram a Conjuração dos Iguais. A conjuração ou conspiração, como alguns costumam dizer, era formada pelos babovistas, jacobinos, sanscullotes e outros partidários que se identificavam as propostas do grupo. A conjuração provocou revoltas nas ruas de Paris, e tentou tomar o poder do Diretório, mas fora esmagada pela policia parisiense. O Diretório declarou pena de morte a todos os seus membros. Gracchus Babeuf foi executado na guilhotina em 1797.
A Conjuração dos Iguais, mesmo tendo sido breve e infrutífera fora um dos primeiros movimentos, onde se buscou a ideia do bem comum e a igualdade entre as riquezas, preceitos que fundamentariam, décadas depois o comunismo.
1797 e 1798: Embates
O ano de 1797 continuou com o sabor amargo dos problemas de sempre, apenas melhorado com as vitórias produzidas no campo de batalha, onde os exércitos franceses, subjugavam os exércitos espanhóis, holandeses e italianos. Tais vitórias proporcionaram a riqueza aos militares, e aumentaram sua autoridade e poder sobre o Estado. Antes de 1792, os exércitos franceses eram irregulares, mau treinados e indisciplinados. A partir de 1795, eles se tornaram disciplinados, organizados, bem equipados e poderosos, fato este que ficaria evidente durante o reinado de Napoleão.
Mas tais vitórias não amenizaram as discordâncias que se multiplicavam entre o Diretório e as câmaras. Isso acirrava ainda mais as disputas entre a direita e a esquerda, o que gerou sucessivas tentativas de golpes de Estado, vistas desde 1795. No caso de 1797, o golpe de Estado partiu do próprio Diretório, onde Barras, Reubell e La Revellière tentaram em 18 de frutidor (4 de setembro) deporem seus companheiros Carnot e Barthélemy, membros da direita. O golpe foi bem sucedido graças ao apoio de Napoleão. Com a deposição de Carnot e Barthélemy, encerrou-se por hora, os movimentos contrarrevolucionários e antirreligiosos que perduravam desde 1794. Não obstante, isso garantiu que no ano seguinte, deputados jacobinos pudessem ser eleitos para as câmaras.
Porém, isso não ficou por menos. A reação da direita levou a um novo golpe de Estado, ocorrido em 22 de floreal de 1798 (11 de maio), onde a esquerda, ou seja, girondinos e termidorianos, uniram-se para impedir a posse dos deputados jacobinos. Napoleão não participou desse movimento, porque se encontrava com seus exércitos no Oriente Médio, a caminho do Egito, onde durante os meses de junho e julho, o mesmo subjugaria o Egito ao governo francês, tornando este uma colônia francesa. Todavia, a iniciativa da direita, frustou-se mais uma vez, devido a um contra golpe dado pelos jacobinos, chamado de Golpe de Estado dos Conselhos contra o Diretório.
"A balança pende doravante para a esquerda: reabertura dos clubes, ressurreição dos jornais jacobinos, confisco forçado de 100 milhões dos ricos, voto de uma "lei de reféns", que permite deportar quatro parente de nobres ou de emigrados em caso de assassinato de funcionário do governo ou de adquirente de bens nacionais". (BLUCHE; RIALS; TULARD, 2009, pp. 135-136).
Para muitos historiadores, os acontecimentos de 1797 e 1798, eram evidências precoces de que o fim do Diretório não tardaria. Era apenas questão de tempo, para que alguém poderoso e hábil desse um golpe de Estado bem dado, e tomasse para si o governo do país. E isso veio ocorrer em 1799.
1799: Napoleão
Revoltas ainda eclodiram pelos meses seguintes de 1799 até a verdadeira derrocada final em novembro. Mas, antes de chegarmos ao gran finale, como falam os franceses, devemos conhecer um pouco mais da figura do homem que mudaria a história da França e se tornaria um mito, Napoleão Bonaparte. Nascido em 1769 na ilha da Córsega, então domínio francês, proeminente de uma família burguesa mediana e com antepassados nobres, o homem de baixa estatura, mas de grande ambição, galgaria de forma surpreendente e maquiavélica, altas posições através do serviço militar. Em 1793, durante o chamado Ano II, Napoleão, tornou-se general, e partidário dos jacobinos. Ele não participou dos eventos do Terror entre 1793-1794 por esta no campo de batalha, mas mantivera sua postura jacobina mesmo após a queda de Robespierre e a morte do mesmo. Em 1797 passou a cooperar mais assiduamente com o Visconde de Barras, contudo já em 1798, enquanto se encontrava ainda no Egito, soube dos problemas que tomavam a França, e decidiu voltar para por ordem na casa. Era claro que havia outros generais que estavam cobiçosos pelo poder, mas para muitos Napoleão era o melhor nome a ser indicado.
Em 1799, a burguesia estava desacreditada com o governo do Diretório. Alas radicais jacobinas, girondinas e termidorianas causavam problemas em todos os lugares, atentados armados ocorriam, as finanças estavam quebradas, o povo enfurecido. Logo, parte da burguesia via a necessidade de uma nova ditadura imperar, para que tentasse solucionar estes problemas que corroíam a nação.
A fama das conquistas de Napoleão lhe garantiram apoio tanto por parte do exército como da burguesia, assim em novembro de 1799, entre os dias de 18 e 19 de brumário, findou-se o que entraria para a história, como o Golpe de 18 de Brumário.
"Os sucessos militares ou diplomáticos do Diretório não devem mascarar sua impressionante série de fracassos. Além de instituições sólidas, faltava ao grupo "dos que estavam de saída", que controlava o regime em seu próprio beneficio, um elemento essencial: a confiança". (BLUCHE; RIALS; TULARD, 2009, p. 139).
Napoleão diante do Conselho dos Quinhentos. |
"E com sua chegada, como que por milagre, os insolúveis problemas do Diretório se tornaram solúveis. Em poucos anos a França tinha um Código Civil, um Tratado com a Igreja e até mesmo os mais significativo simbolo da estabilidade burguesa - um banco nacional. E o mundo tinha o seu primeiro mito secular". (HOBSBAWM, 2010, p. 129).
Napoleão trouxe o que parte dos franceses queriam: estabilidade, prosperidade e progresso. Ele reformulou o sistema de leis que serviu de base para outros países, reestruturou a hierarquia do exército e do serviço público, fundou escolas e universidades; restabeleceu antigas instituições do país, ordenou a construção de monumentos para seus feitos e para a glória da nação, promoveu um governo nacionalista, militar e conservador. Napoleão de fato trouxe a fraternidade para a França, mas não para todos os franceses.
É evidente que tudo isso não transcorreu em seus quatro anos de governo como cônsul, mas sim em seus dez anos de governo como imperador da França. De fato, nos livros de história, põem-se fim a Revolução Francesa no ano de 1799, quando ocorreu o golpe de 18 de brumário. Assim, encerrou-se uma fase da história francesa e iniciou-se o período da era napoleônica.
NOTA: Napoleão pode ter trazido prosperidade para França, mas trouxe o horror para o resto da Europa. As Guerras Napoleônicas ceifaram centenas de milhares de vidas por todo o continente e parte do Oriente Médio e do norte da África, e por pouco ela não veio para as Américas.
NOTA 2: Entre os anos de 1789-1795, cerca de 300 mil franceses deixaram o país.
NOTA 3: Estima-se que pelo menos 700 mil franceses morreram entre 1789-1799.
NOTA 4: A França se tornaria uma nação industrializada de fato, a partir de 1830.
NOTA 5: A França ainda viveria acontecimentos revolucionários em 1820, 1830, 1848 e 1871.
NOTA 7: Os irmãos Graco, Tibério e Caio, foram tribunos da plebe durante a República Romana. Viveram no século II a.C. Uma de suas principais reivindicações para a classe plebeia era a reforma agrária.
Referências Bibliográficas:
HOBSBAWM, Erich J. A era das revoluções: 1789-1848. 26a edição, São Paulo, Paz e Terra, 2010. (Capitulo III: A Revolução Francesa).
BLUCHE, Fréderic; RIALS, Stéphane; TULARD, Jean. Revolução Francesa. Porto Alegre, L&PM, 2009.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6 ed, São Paulo, Saraiva, 2008. (Capitulo 5). WELLS, H. G. História Universal - volume 3. São Paulo, Egéria S. A, 1966. (Capitulo XXXVI: O Diretório).
Grande Enciclopédia Larousse Cultural, v. 3, São Paulo, Nova Cultural, 1998.
Grande Enciclopédia Larousse Cultural, v. 22, São Paulo, Nova Cultural, 1998.
Links relacionados:
A Revolução Francesa: Liberdade
A Revolução Francesa: Igualdade
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