domingo, 1 de janeiro de 2012

Confúcio

"Se um homem aprende com os outros mas não pensa, ele ficará confuso. Se, por outro lado, um homem pensa mas não aprende com os outros, ele estará em perigo". 
Confúcio

Para grande parte dos ocidentais a doutrina de Confúcio ainda é desconhecida a nós. Quem fora este homem com um nome tão sugestivo (Confúcio = confusão?), no entanto, para os asiáticos, especialmente os chineses, coreanos e japoneses, a filosofia deste velho mestre que viveu há dois mil e quinhentos anos ainda está bem viva, embora tenha sofrido várias influências e mudanças ao longo destes quase vinte e cinco séculos. Confúcio em seu tempo, tentou mudar a sociedade em que vivia, em uma época que a China não era um império, mas sim vários reinos feudais, onde reis e duques lutavam entre si, onde as tradições se perdiam ou eram esquecidas pelos mais jovens. Confúcio começou a ensinar um modo de vida que guiaria o homem a um estado de benevolência, compaixão, sabedoria, honra, coragem e respeito. Ele foi chamado de mestre, de louco e de tolo, mas seu legado ainda vive.

Nesse texto procurei esboçar alguns fatos de sua vida e de sua filosofia, chamada de Confucionismo, mas nesse caso, falarei do Confucionismo em seus primórdios, já que o mesmo sofrera ao longo destes séculos algumas mudanças.

O velho mestre de Lu

Confúcio como outros pensadores da China Antiga possui poucos relatos sobre sua vida, e em alguns casos possuem lendas sobre seus feitos, porém no caso de Confúcio, existem alguns livros de credibilidade que falam de alguns aspectos de sua vida, embora que grande parte desta ainda seja desconhecida. Entre estes livros estão, Os analectos (Lun yü) escrito por seus discípulos e o Mencius, escrito pelo filósofo Mêncio (370-289 a.C). Contudo, existe uma biografia sobre Confúcio, que compõem o capitulo 47 do livro Shih chi (Registro dos historiadores), escrita por volta do século I a.C, por Ssu-ma Ch'ien, mas tida hoje pelos historiadores como sendo de pouca credibilidade devido a inconsistências históricas. Há outras obras que também falam sobre a vida e os ensinamentos de Confúcio, embora que algumas possuam inconsistências e anacronismos históricos. 

K'ung Ch'iu ou K'ung Chung-ni, também chamado de K'ung Tzu "mestre Kung" (quando o seu nome fora latinizado pelos viajantes europeus, passou a ser chamado de Confucius, em português, Confúcio) nasceu em 551 a.C, no vigésimo primeiro ano do reinado do duque Hsiang no Reino de Lu, atualmente Shantung na moderna China. Confúcio viveu no período da história chinesa chamado Período das Primaveras e  Outonos (722-481 a.C)

Gravura retratando Confúcio (552/551 - 479 a.C)
De acordo com o ministro Meng Hsi Tzu, este dissera em seu leito de morte no ano de 518 a.C que Confúcio era descendente de Fu Fu He, filho mais velho do Duque Min do Reino de Sung. Nesse caso, Confúcio possuía ascendência nobre, e devido a problemas políticos entre a sua família, Cheng K'ao Fu (bisneto de Fu Fu He) teria deixado o Reino de Sung por volta do século VIII a.C e passou a morar no Reino de Lu. Embora, tivesse linhagem nobre como sugerem alguns relatos contidos no livro Tso chuan chu shu e nos Analectos (obra que irei falar mais detalhadamente adiante), Confúcio disse que nasceu em uma família pobre, no entanto ele não especifica nada sobre seus familiares, apenas disse que nasceu em Lu, que seus pais morreram quando ele ainda eram bem jovem. O nome destes não é citado, contudo em outros livros, existem sugestões de seus possíveis nomes, mas nenhuma credibilidade acerca disso. No Tso chuan no relato do décimo ano do governo do Duque Hsiang, o autor aponta que o nome do pai de Confúcio era Shu He de Tsou, que era conhecido como um forte e bravo guerreiro. Já no relato do Shih chi, seu pai era chamado de Shu Liang He, e era considerado um magistrado do reino.

Tirando os pais de Confúcio, através dos Analectos, sabe-se que ele possuía um irmão mais velho, a quem Confúcio ajudou no casamento de sua sobrinha, filha mais nova deste irmão. Sabe-se que Confúcio fora casado e tivera filhos e que um de seus filhos morreu poucos anos antes dele. Contudo, ele não cita o nome destes e de nenhum outro parente. 

Pelo fato de seus pais terem morrido ainda quando ele era bem jovem, Confúcio disse que ele tivera que aprender a trabalhar desde cedo, logo ele começou a trabalhar em vários ofícios manuais, até que por volta de seus quinze anos,  decidiu se dedicar aos estudos. Após isso nada se sabe sobre sua vida. 

Em 525 a.C, com seus 26 anos, Confúcio, na época um homem erudito, apresentou-se ao Visconde de T'an, o qual estava em visita a Lu. Possivelmente nessa época ele já estivesse empregado em algum pequeno cargo público, e possivelmente o visconde tenha feito alguma indicação sua para assumir outro cargo. Em 518 a.C, o ministro Meng Hsi Tzu faleceu, o ministro em seu leito de morte, pediu que seus dois filhos mais novos fossem instruídos por Confúcio. Não se sabe se ele chegou a ser tutor das crianças, mas de qualquer forma ele passou vários anos engajado a serviço da corte de Lu, participando da vida politica do reino mesmo sendo de forma pequena. 

Em alguns outros livros, os autores sugerem que Confúcio, fora tutor de filhos de nobres, exercera vários cargos públicos inclusive o de ministro do reino, porém não há provas suficientes que confirmem que ele chegou a ser ministro de Lu. 

Confúcio também chegou a viajar para Ch'i onde teria sido hóspede do duque Ching de Ch'i. Em Os analectos, há indicações que o filósofo tenha ficado pelo menos três meses em Ch'i, e nesse período tenha prestado alguns serviços ao duque, que inclui uma conversa sua com o duque relatada nos analectos

"O duque Ching de Ch'i perguntou a Confúcio sobre o governo. Confúcio respondeu: "Deixei que um governante seja um governante, o súdito, um súdito, o pai, um pai, o filho, um filho". O duque disse: "Esplêndido! Realmente, se o governante não for um governante, o súdito, um súdito, se o pai não for um pai e o filho, um filho, então, mesmo que houvesse grãos, eu conseguiria comê-los?". (XII. 11).

"Nem Os analectos nem o Mencius dão data alguma para a visita a Ch'i, mas duque Ching de Ch'i reinou de 547 a.C a 490 a.C. Confúcio pode ter estado em Ch'i em qualquer época antes de 490, mas, na verdade, sua visita parece ter ocorrido muito antes de 490, pois como veremos, ele já estava de volta a Lu antes do ano 502". (LAU, 2011, p. 169).

Entre 502 a.C e 500 a.C, já com mais de 50 anos de idade, Confúcio fora nomeado ssu k'ou, que equivaleria hoje ao comissário de polícia. Nesse caso, em Os analectos os seus discípulos fazem menção a este cargo que assumira. No ano de 500 a.C participou da comitiva de recepção da cerimônia que marcou o encontro entre o duque Ting de Lu e o duque Ching de Ch'i em Chia Ku. Nessa época, Confúcio, já possuía discípulos e já era respeitado como mestre. Nesse caso, ele era chamado para participar de algumas conversas sobre politica, para dá seus conselhos e tentar implantar sua filosofia.

Uma vez perguntaram para Confúcio como ele conseguira chegar tão longe na vida, já que o mesmo havia nascido numa família pobre, e embora não fosse um homem rico, não possui-se muitos servos e nem um cargo alto no Estado, era um homem respeitado, procurado e requisitado por muitos. Confúcio disse que não havia segredo nenhum em sua carreira, ele disse que dedicou-se aos estudos para chegar até onde chegou. Confúcio dizia que a educação é contínua, ela não termina na escola, mas segue o individuo pelo resto da vida, e nesse caso você deve sempre procurar se atualizar sobre o conhecimento e aprender coisas novas. Além de manter uma educação contínua, Confúcio também dizia que o individuo devia estudar a fundo os ritos (li) e as Odes

Os ritos eram um conjunto de leis que ditavam algumas práticas morais, religiosas e sociais, as quais Confúcio diziam que eram necessárias para o desenvolvimento do caráter e para se conhecer o legado dos ancestrais os quais ele dizia terem sido mais sábios do que homens da época em que viveu. Quanto as Odes, estas consistiam um conjunto poético de trezentos versos, nos quais abrangiam vários assuntos, através de uma linguagem metafórica e poética, que eram vistos como essenciais para um homem saber falar bem. Contudo, Confúcio fazia uma ressalva nesta questão. Não bastava apenas a pessoa saber recitar de cor aqueles versos, ela deveria procurar entender seus significados e saber usá-los nas conversas. 

Em 498 a.C, alguns problemas diplomáticos ocorreram entre Lu e alguns reinos vizinhos. Em Os analectos não há detalhes acerca de tais questões, mas sabe-se que Confúcio sugeriu ao ministro na época que atacassem e derrubassem o forte das Três Famílias. As Três Famílias descendiam dos três filhos do duque Huan de Lu: Meng-sun, Shu-sun e Chi-sun. O ministro recusou a atacar o forte, já que até então as Três Famílias eram bem influentes e poderosas no reino. Não se sabe ao certo como se procedeu a solução deste impasse, já que nos analectos não há menções após a recusa do ministro ao pedido de Confúcio. Possivelmente houverá conflitos armados, já que em muitos casos, Confúcio era chamado para dá conselhos sobre questões de Estado e até mesmo lhe fora perguntado sobre guerra, embora que ele dissesse que não gostava de falar sobre guerra, devido ao fato e ter pouco conhecimento sobre esta. 

No ano de 497 a.C, Confúcio decidiu deixar Lu e partir em viagem, visitando alguns reinos vizinhos. As causas de sua partida não são bem especificadas. Nos analectos, se diz que ele teria deixado Lu depois de ter sofrido um desgosto com a família Chi, onde Chi Huan Tzu após ter aceitado um presente dado por alguns homens de Ch'i não comparecera a corte, Confúcio prezava muito a etiqueta e as honrarias, e como possuía um cargo ligado a corte, vira nisso um ultraje. Somando-se a isso, houverá a tentativa fracassada de demolir o forte das Três Famílias. Já Mêncio, diz que os conselhos e as ordens de Confúcio enquanto era ssu k'ou não eram obedecidos e seguidos, isso teria magoado o filósofo, e por causa disto, teria decidido ir para outros reinos a fim de encontrar pessoas que lhe escutassem. 

"Depois de deixar Lu, Confúcio viajou pelo exterior, visitando vários reinos, mas em nenhum ugar está registrado quando ele começou suas viagens e nem a ordem na qual ele visitou estes reinos". (LAU, 2011, p. 172-173).

De acordo com o Mencius, o autor aponta que Confúcio enquanto viajava com alguns de seus discípulos pelo Reino de Sung tivera que viajar disfarçado devido ao fato de ter sofrido uma ameaça de morte dada por Huan Ssu-ma. Não se sabe ao certo os motivos os quais levaram Huan Ssu-ma em tentar matar Confúcio, mas provavelmente pelo fato de Confúcio ser um homem ligado ao Estado e a corte, tivesse conhecimento de muita coisa. Nos analectos Huan Ssu-ma é chamado de Huan T'uiNão obstante, nos analectos e no Mencius, apontam que Confúcio tenha visitado além de Sung, os reinos de T'sai e Ch'en

"Como T'sai é mencionada após Ch'en, a visita a T'sai muito provavelmente veio depois que Confúcio assumiu um cargo em Ch'en. Isso é inteiramente razoável, já que T'sai, como parte de Ch'u ficava a sudoeste de Ch'en, e Ch'en por sua vez ficava a sudoeste de Sung. Se lembrarmos que Confúcio passou por Sung para chegar até Ch'en, então ele deve ter chegado a Ch'en antes que ele pudesse ir a T'sai". (LAU, 2011, p. 173). 


Mapa retratando os reinos chineses do Período das Primaveras e Outonos (722 a 481 a.C). Em verde está o reino de Lu, onde Confúcio nasceu.
Não se sabe quando ele chegou no Reino de Wei mas tudo aponta que tenha sido antes dos ano de 493 a.C, ano da morte do duque Ling, tal fato deve-se que nos analectos existem registros de algumas conversas de Confúcio com o duque. Também sabe-se que ele visitou Wei duas vezes, a primeira enquanto o duque Ling ainda estava vivo e a segunda, quando já havia falecido.

Em sua primeira visita, Confúcio fora hóspede de Tzu-lu filho do duque Ling, contudo por pouco Confúcio não acabou entrando em um incidente real. Tzu-lu não gostava da esposa de seu pai, a bela Nan Tzu, e em um certo dia, Confúcio fora convidado para tomar chá e conversar com a duquesa, isso tomou Tzu-lu de raiva. 

"O Mestre foi ver Nan Tzu. Tzu-lu não gostou. O Mestre jurou: "Se fiz algo inapropriado, que o castigo do Céu caía sobre mim! Que o castigo do Céu caía sobre mim!". (VI.28).

Além deste incidente, Confúcio teria recebido a proposta para assumir o cargo de ministro em Wei, Tzu-lu havia lhe oferecido, contudo ele a recusara, perguntando: Há o Decreto? Pelo fato de procurar ser um homem honesto e honrado ele recusou a oferta de Tzu-lu. Não se sabe ao certo quanto tempo Confúcio viveu em Wei, mas sabe-se que no ano de 484 a.C, ele retornou para Lu, nesse mesmo ano ele fora consultado por Jan Yu sobre questões ligadas a cobrança de impostos, e quando tal conversa ocorreu, Confúcio já se encontrava em Lu. No Tso chuan, diz que Confúcio retornou para Lu a pedido da corte, e enquanto estava em Wei, K'ung Wei Tzu, sucessor de Ling, lhe perguntou sobre questões militares, como o mestre não falava acerca da guerra, arranjou um pretexto para ir embora. Curiosamente, quando o duque Ling também lhe perguntou acerca da guerra, Confúcio disse que não conhecia a arte da guerra, e no dia seguinte deixou Wei.

De volta a Lu, Confúcio passaria seus últimos anos de vida lá. Quando chegou em 484 a.C, o duque Ai, já governava Lu há dez anos e seu filho Chi K'ang Tzu era o ministro de Lu desde 493 a.C. Nos analectos e no Tso chuan, são relatadas conversas entre Confúcio o duque e seu filho. 

"O duque Ai perguntou: "O que devo fazer para que o povo veja em mim um exemplo?". Confúcio respondeu: "Promova os homens corretos e os coloque acima dos desonestos, e o povo o admirará. Promova os homens desonestos e os coloque acima dos corretos, e o povo não o admirará". (II.9).

"Chi K'ang perguntou: "Como se pode inculcar no povo a virtude da reverência, de dar o melhor de si com entusiasmo?". O Mestre disse: "Governe-o com dignidade e o povo será reverente, trate-o com bondade e o povo dará o melhor de si, promova os homens bons e eduque os mais atrasados, e o povo ficará tomado de entusiasmo". (II.20). 

Não obstante, no ano de 481 a.C um incidente repercutiu em todos os reinos. O duque Chien de Ch'i, descendente de uma família tradicional, influente e poderosa fora assassinado por Ch'en Heng Tzu. Confúcio fora falar com o duque Ai, e teria pedido ao duque que enviasse um exército para punir o assassino e usurpador do trono. O duque por sua vez dissera: "Diga isso aos Três Senhores". Confúcio que na época provavelmente assumira algum cargo ministerial, fora reportar-se aos Três Senhores, e os mesmos disseram: "Diga isso ao duque". Não se sabe ao certo o que aconteceu depois, mas provavelmente Ch'en Heng tenha sido punido por seu crime, mas tudo isso indicou que embora Confúcio fosse requerido como conselheiro por sua sabedoria, os governantes não lhe davam ouvidos, quando não era de seu interesse. 

De acordo com as fontes do Tso chuan, Confúcio teria morrido no décimo ano do reinado do duque Ai, isso fora em 479 a.C. O velho mestre e filósofo morreu aos 73 ou 72 anos. As causas da morte não se sabe, mas provavelmente pudesse ter sido natural. Após a sua morte, seus discípulos escreveram Os analectos e deram incumbência de continuarem com o legado do mestre, assim surgiram os templos e escolas confucionistas. De qualquer forma, como irie falar com mais detalhes adiante, de inicio surgiram oito vertentes do confucionismo que acabaram dando origem a outras ramificações ou acabaram sumindo ao longo da história, mas a essência do confucionismo ainda pode ser encontrada hoje, mesmo após estes quase 2.500 anos da morte de Confúcio em livros, principalmente Os analectos


Túmulo de Confúcio em Qufu, Shantong, China. 

A persona de Confúcio

Embora muitos dados de sua vida tenham se perdido ao longo do tempo ou estejam envoltos em lendas, algumas características da pessoa e do caráter de Confúcio podem ser vistos nos analectos e no Mencius


Estátua de Confúcio em Berlim, Alemanha.
Confúcio era descrito pelos seus discípulos como um homem reservado em seu trabalho na corte, procurava ser discreto e silencioso. Ele defendia a hierarquia e a submissão a essa.

"O Mestre disse: "Ao servir o senhor, deve-se cumprir os deveres com reverência e considerar o pagamento como algo de importância secundária". (XV.38).

Era muito ligado a prática dos ritos, os quais ele defendia como um dos caminhos para um bom caráter.  Confúcio também gostava de música e poesia, ele também falou um pouco desse assunto nos analectos. Não obstante, um fato curioso é que muitos tratavam Confúcio como sábio, mas este nunca aceitava ser chamado de sábio, ele dizia que não era sábio, havia outras pessoas que poderiam ser chamadas de sábio. Nesse caso, ele cita alguns homens do passado, que segundo ele mereciam ser chamados de sábio.

"O Mestre disse: "Eu transmito, mas não inovo; sou verdadeiro no que digo e devotado à Antiguidade. Arrisco me comparar ao nosso Velho P'eng". (VII.1). 

Confúcio procurava praticar a humildade, a benevolência, o desapego as coisas materiais, ele procurava praticar a simplicidade, ou seja não ostentar riquezas, se vestir de forma simples, apenas refinada quando ditasse a ocasião; comer de forma moderada, embora que alguns discípulos dissessem que o mestre gostava de beber vinho. Eles diziam que ele gostava de vinho, mas nunca o bebia para se embriagar. 

Algumas das manias e hábitos de Confúcio são descritos no Livro X dos analectos, onde os discípulos descrevem a forma como o mestre andava, como ele se comportava na corte, diante dos amigos, dos familiares, dos discípulos e das outras pessoas, etc.

"Na comunidade local, Confúcio era submisso e parecia inarticulado. No templo ancestral e na corte, embora fluente, ele não falava com leveza". (X.1).

"Ele não conversava durante as refeições; tão pouco falava quando deitado na cama". (X.10). 

"Ele já mas sentava sobre uma esteira que não estivesse bem esticada". (X. 12).

"Ao enviar uma mensagem para alguém de outro reino, ele curvava-se até o chão duas vezes antes de despachar o mensageiro". (X.15).

"Sempre que morria um amigo que não tinha parentes por quem o corpo pudesse ser levado, ele dizia: "o funeral partirá de minha casa". (X.22).

Ele procurava ser um homem de palavra, era uma pessoa honesta, fato este que já pode ter sido visto anteriormente neste texto, onde Confúcio recusou a oferta de Tzu-lu para se tornar ministro, e em outra ocasião, tal questão também aconteceu em Lu, mas o velho mestre recusou, dizendo que havia outras pessoas melhores do que ele para aquele cargo. 

"O Mestre disse: "A virtude nunca está sozinha. Está destinada a ter vizinhos". (IV.25). 

"O Mestre disse: "Aplico o meu coração no caminho, baseio-me na virtude, confio na benevolência para apoio e encontro entretenimento nas artes". (VII.6).

Com os discípulos, Confúcio costumava fazer algumas piadas, chamava a atenção deles através de metáforas, nunca os repreendia com arrogância ou com palavrões, embora fosse descrito como sendo severo em seus ensinamentos. Eles o descrevem com sendo um homem de fala mansa, clara, brincalhão as vezes, gostava de falar muito. Sempre era aberto para a conversa e perguntas, embora que não respondesse tudo e não falasse de todos assuntos.

"Jejum, guerra e doença era coisas que o Mestre tratava com cuidado". (VII.13).

Um dos seus discípulos, chamado Yen Yüan (mais adiante voltarei a falar nele), o descreveu da seguinte forma:

"Quanto mais eu o observo, mais alto ele parece. Quanto mais eu pressiono, mais duro ele se torna. Vejo-o à minha frente. De repente ele está atrás de mim. O Mestre é bom em conduzir alguém passo a passo. Ele me estimula com a literatura e me traz de volta às coisas essenciais por meio dos ritos. Eu não conseguiria desistir nem que quisesse, mas, uma vez que dei o melhor que pude, ele parece levantar-se acima de mim e não consigo segui-lo, por mais que eu queira". (IX.11).

Confúcio não gostava de bajuladores, abominava os hipócritas, não gostava de gente preguiçosa, desaprovava os chamados "homens vulgares" os quais não procuravam se melhorar e viviam na ignorância e na decrepitude dos vícios. Ele também não gostava de pessoas que quebrassem a etiqueta na corte, de pessoas que se alto vangloriassem, de pessoas mesquinhas, de medrosos, não gostava da falta de seriedade e de palavra; de pessoas que fizessem muito barulho, de pessoas de fala ardilosa como ele dizia, as quais conseguiam iludir as pessoas com promessas e promover a desordem e o interesse próprio. Não gostava de falar na vida alheia. 

"O Mestre disse: "Essas são as coisas que me causam preocupação: não cultivar a virtude, não conseguir ir mais fundo naquilo que eu aprendi, incapacidade de, quando me é dito o que é certo, tomar uma atitude e incapacidade de me reformar quando apresento defeitos". (VII.3).


"Havia quatro coisas as quais o Mestre recusava ter qualquer relação: recusava-se em fazer conjecturas ou a ser dogmático; recusava-se a ser inflexível e egocêntrico". (IX.4).


Ele evitava em falar em guerra, em religião, embora no caso da religião, dizia que os homens deveriam sempre se guiar pelo Caminho (Tao). 

"Os assuntos sobre os quais o Mestre não discorria eram milagres, violência, desordem e espíritos". (VII.21).

"O Mestre disse: "Aos quinze anos dediquei-me de coração a aprender; aos trinta, tomei uma posição; aos quarenta, livrei-me das dúvidas; aos cinquenta, entendi o Decreto do Céu; aos sessenta meus ouvidos foram sintonizados; aos setenta, segui o meu coração, sem passar dos limites". (II.4). 

As lendas de Confúcio

Como eu já havia dito, após a morte de Confúcio várias lendas sobre sua vida e seus feitos surgiram. Algumas lendas creditaram a Confúcio um nascimento quase que divino, mas o curioso é que embora o nascimento dele não tivesse sido divino, em algumas histórias o descreviam tendo certas peculiaridades na forma física. Há algumas retratações de Confúcio na qual ele é apresentado como tendo uma cabeça grande, ou a cabeça achatada, ou alguma deformidade nesta, isso era um sinal de que ele não era uma pessoa comum, daí o fato de ressalvarem sua sabedoria, numa tentativa de divinizar sua pessoa.


Confúcio retratado com a cabeça grande. Prenúncio de sua vasta sabedoria.
Se por um lado, algumas lendas sugerem disformidades que acentuassem a questão de Confúcio ter sido uma pessoa "elevada", há outras lendas que acentuam seu conhecimento nato. Algumas histórias sugerem que fora Confúcio que reeditou as Odes, que ele sabia resolver charadas e questões que pareciam não ter solução. Em outras histórias, Confúcio em suas viagens, teria visitado tribos bárbaras, e conseguido civilizá-las, ele teria se deparado com criaturas lendárias como unicórnios e dragões, e até mesmo teria viajado para além do que hoje é a China. 

Confúcio também teria conhecido o mestre Lao Zi. Lao Zi (Lao Tsé ou Lao Tzu) ainda é uma figura enigmática. Alguns historiadores sugerem que ele não existiu, que não passa de uma figura lendária, outros sugerem que ele realmente existiu e teria vivido antes, durante ou depois da época de Confúcio, que teria sido um homem da corte, que decidiu largar tudo e partir em viagem, montado em seu búfalo.

Gravura retratado Lao Zi montado em seu búfalo
No Shih chi, há um relato de um encontro entre Confúcio e Lao Zi pela estrada.

"Nan-kung Ching-shu de Lu disse para o senhor de Lu: "Dê permissão para que o seu serviçal vá para Chou com Confúcio". O senhor de Lu deu-lhe uma carruagem e dois cavalos, além de um serviçal, e ele foi [com Confúcio] para Chou, para perguntar sobre os ritos. Foi provavelmente então que eles encontraram Lao Tzu. Quando partiram, Lao Tzu despediu-se deles e disse: "Ouvi dizer que homens ricos e com altos cargos dão dinheiro como presente, enquanto homens benevolentes dão palavras. Não pude ganhar nem riqueza nem altos cargos, mas me chamam, ainda que não mereça, de homem benevolente. Estas palavras são meu presente de despedida. 'Há homens com mentes inteligentes e penetrantes que estão sempre perto da morte. Isso porque expõe as más ações dos outros. Nem um filho e nem um súdito deveria encarar a sua pessoa como sua própria'". (LAU, 2011, p. 187 apud Shih chi, p. 1909). 


Pintura mostrando Confúcio apresentado o bebê Buda para Lao Zi. Tal imagem representa uma das lendas sobre a vida de Confúcio.
Os discípulos de Confúcio

"Confúcio ensinava as Odes, o Livro da História, os ritos e música, e diz-se que seus discípulos chegaram a três mil, enquanto que aqueles que eram versados nas seis artes chegavam a 72. (p. 1938). 

Tal relato advêm do Shih chi, escrito por Ssu-ma Ch'ien. Embora o autor tenha falado em três mil discípulos algo um tanto exagerado, ele aponta que apenas 72 era versáteis nas seis artes. Tal número de 72 discípulos também é sugerido em livros anteriores ao Shih chi; no Mencius (II.A.3), no Lü shih ch'un ch'iu (cap. 14, parte 7), no Han fei tzu (cap. 49), no Ta Tai li chi (cap. 60) e no Huai nan tzu (cap. 21), todos apontam que Confúcio teria tido entorno de setenta discípulos. Porém, nos analectos existe menção apenas a 25 discípulos, e não se sabe ao certo de onde vieram os outros quarenta e cinco.  

De qualquer forma, falarei um pouco dos discípulos de Confúcio, baseado nos relatos deixados por estes nos analectos. Embora credita-se Os analectos a Confúcio, tal livro, como já fora dito no começo fora escrito pelos seus discípulos, e em algumas pesquisas, sugerem que os 20 livros que compõem a obra no todo, não datam do mesmo período, os últimos três livros são mais tardios em relação ao restante da obra, e há variações na forma de como fora narrado e descrito as conversas de Confúcio e de outros discípulos ao longo da obra. Mas de qualquer forma, a obra ainda consiste na principal fonte para se conhecer os discípulos de Confúcio.

"De todos os discípulos que aparecem em Os analectos, há um grupo de cinco que merece menção especial desde o inicio. São eles: Tseng Tzu, Tzu-hsia, Tzu-yu, Tzu-chang e Yu Tzu. Eles desempenharam um papel importante na divulgação dos ensinamentos de Confúcio após a morte do Mestre. Isso pode ser deduzido de dois fatos. Primeiro, eles são os únicos discípulos que têm observações e declarações próprias registradas em Os analectos. Outros discípulos aparecem sobretudo em conversas, geralmente com Confúcio". (LAU, 2011, p. 201). (grifo meu).

Outros nomes de seus discípulos aparecem no Livro XI, onde Confúcio quando questionado a respeito dos mesmos, fizera a seguinte observação:

"Conduta virtuosa: Yen Yüan, Min Tzu-ch'ien, Jan Po-niu e Chung-kung; discurso: Tsai Wo e Tzu-kung; governo: Jan Yu e Chi-lu; cultura e educação: Tzu-yu e Tzu-hsia". (XI.3). (grifo meu). 


Pergaminho representando Confúcio instruindo alguns discípulos.
Um fato que marca os discípulos de Confúcio, é que não se sabe a idade deles. Pela a análise historiográfica, todos os discípulos aqui apresentados, eram maiores de idade, inclusive, havia alguns que deveriam está na faixa dos quarenta e cinquenta anos, devido aos cargos que assumiam na corte. Exemplo disso, é que Tzu Kao, fora prefeito de Pi, Ch'i-tiao K'ai recebeu a proposta para trabalhar no Estado mas recusou a oferta dizendo que não era apto para exercê-la e Yüan Ssu se tornou administrador de Confúcio.

Sobre alguns dos discípulos, Mêncio disse o seguinte:

"Ouvi que Tzu-hsia, Tzu-yu e Tzu-chang cada um tinha um aspecto de sábio, enquanto Jan Niu, Min Tzu e Yen Hui eram réplicas dele em miniatura". (LAU, 2011, p. 202 apud Mencius, II.A.2).

"Entre todos os discípulos de Confúcio, o lugar de honra deve ser concedido a Yen Yüan, que era, sem dúvida o favorito do Mestre. Que sua conduta era exemplar pode ser deduzido do que Confúcio dizia sobre ele". (LAU, 2011, p. 205).

Yen Yüan ou Yen Hui como também era conhecido, era visto por Confúcio como o mais prodigioso de seus discípulos. Confúcio dizia que ele era um homem que sabia seguir o caminho da benevolência e da sabedoria. Confúcio o tratava como igual, e as vezes dizia que ele era mais inteligente do que ele próprio. Confúcio também disse que Yen Yüan era de família pobre, e o tinha como pai. Provavelmente Confúcio vinha no rapaz um reflexo seu de sua juventude humilde, o qual através dos estudos conseguiu mudar de vida.

"Quando lhe perguntaram qual dos seus discípulos tinha sede de aprender, Confúcio respondeu: "Havia um chamado Yen Hui que tinha sede de aprender, mas infelizmente o tempo que lhe foi concedido era curto, e ele morreu. Agora, não há ninguém". (XI.7).

De acordo com os relatos contidos nos analectos, Yen Yüan morreu ainda jovem, desconhece-se a idade e a causa da morte, sabe-se que Confúcio ficou muito ressentido pela morte dele. De fato, depois que Yen Yüan morreu, pouco tempo depois um dos filhos de Confúcio também faleceu, e o próprio morreu algum tempo depois. 

"Quando Yen Yüan morreu, os discípulos quiseram dar-lhe um funeral suntuoso. O Mestre disse: "Não seria apropriado". Mesmo assim, deram-lhe um funeral suntuoso. O Mestre disse: "Hui me tratava como um pai, e, no entanto, fui impedido de tratá-lo como filho. Não foi por escolha minha. Foi por coisa desses outros". (XI.11).

O final da fala de Confúcio "Foi por causa desses outros", sugere que Yen Yüan possa ter sido assassinado.

"Depois de Yen Yüan, Tzu-kung era aquele que mais se distinguia dentre os primeiros discípulos de Confúcio. Ele era um homem do mundo, bem-sucedido como diplomata e comerciante". (LAU, 2011, p. 209-210). 

"Tzu-kung perguntou: "Existe uma palavra que possa ser um guia de conduta durante toda a vida de alguém?". O Mestre disse: "Talvez, a palavra shu. Não imponha aos outros aquilo que você não deseja para si próprio". (XV.24). 

Na época de Confúcio a palavra shu possuía vários significados, no entanto no trabalho de D. C. Lau, o mesmo sugere que shu nesse caso fosse empregado para referir-se "a si próprio", daí o mestre ter dito "Não imponha aos outros aquilo que você não deseja para si próprio". Hoje, shu possui outros significados. 


Confucionismo

Os analectos

A melhor fonte para se entender e estudar o confucionismo em seus primórdios advêm das páginas dos analectos (Lun yü em chinês), escrito por seus discípulos após a morte do mestre. Depois desta obra, outra fonte importante é o Mencius, escrita por Mêncio o qual fora um filósofo confucionista, tendo escrito sua obra no século III a.C, quase duzentos anos depois da morte de Confúcio.

Mêncio (370-289 a.C). Proeminente seguidor do confucionismo.
Nesse falarei um pouco dos analectos antes de adentrar a falar propriamente da doutrina confucionista. Não se sabe exatamente em que época Os analectos foram escritos, e através de alguns estudos, constatou-se que os livros que compõem a obra, não datam do mesmo período. Fato este que no livro Han shu (História da Dinastia Han) escrito por Pan Ku, por volta do século I a.C, o autor cita três versões do Lun yü
  • Lu lun (versão de Lu, com vinte livros)
  • Ch'in lun (versão de Ch'in, com vinte e dois livros)
  • Ku lun (versão encontrada escondida na casa de Confúcio com vinte e um livros). 
Nesse caso, a versão que utilizei para realizar este trabalho corresponde a versão Lu lun com vinte livros. Todavia, alguns comentaristas sobre Os analectos, apontam que o Ch'in lun além de ter dois capítulos a mais, também possuía mais frases e ensinamentos de Confúcio e seus discípulos, embora que hoje em dia haja desconfiança quanto a credibilidade daqueles versos, fato este que não podemos nos esquecer que Confúcio, se tornou uma pessoa famosa e até lendária, logo as pessoas queriam se promover através de sua fama, de forma honesta o desonesta, daí haver tais variações na obra dos analectos

"Lu Te-ming cita Huan T'an (24 a.C - 56 d.C), dizendo no seu Hsin Lun que no Ku Lun a ordem dos capítulos era diferente e que havia mais do que quatrocentas variantes. Algumas das variantes das três versões foram registradas por intelectuais em uma época que elas ainda existiam e foram coletadas assiduamente por críticos em séculos recentes, mas tais leituras muito ocasionalmente lançam alguma luz sobre o significado das passagens". (LAU, 2011, p. 228). 

Uma página de Os analectos (Lun yü)

Não obstante, outros autores fizeram suas próprias edições comentadas dos analectos nos séculos seguintes, todavia, a versão mais estudada e respeitada e o Lu lun, já que é a mais antiga conhecida. De qualquer forma, não me prenderei aqui a debater acerca das especifidades contidas em cada versão, embora possuo material para fazê-lo. O importante é que o leitor saiba que independente de possuir vinte ou mais capítulos, a obra em si, traz conversas entre Confúcio e seus discípulos, entre ele e outras pessoas, principalmente pessoas ligadas a corte e ao Estado. Traz relatos da vida de Confúcio, descritos pelos discípulos; traz perguntas feitas ao mestre e as respostas dadas; traz conversas entre os os próprios discípulos; citações das Odes como referência; menções a pessoas e fatos históricos anteriores a Confúcio. Embrenhado nessas páginas, pode-se retirar os ensinamentos do velho mestre.

O cavalheiro

Para se compreender a doutrina do confucionismo, devemos primeiro entender o ideal do cavalheiro. Confúcio falava em dois tipos de cavalheiro: o Cavalheiro (shih) que corresponde ao título nobiliárquico e o cavalheiro (chün tzu), no sentido de cavalheirismo, cordialidade. Nesse caso, ele dizia que um homem bom deveria ser um cavalheiro, já que este segue os ritos, sabe usar as Odes nas conversas; é um homem de coragem, de honra, de palavra, que busca pregar a benevolência, a humildade, trilhar o caminho do conhecimento em busca do aperfeiçoamento. Sendo assim, viver como um cavalheiro, era viver de forma digna, honesta e complacente. Era viver não apenas por si, mas viver por aqueles que amava, por aqueles a quem servia, por aqueles a quem ajudava. 

"O Mestre disse: "O cavalheiro não almeja nem uma barriga cheia e nem uma casa confortável. Ele é rápido na ação, mas cauteloso com o que diz. Ele se dirige a homens virtuosos para receber orientação. Tal homem pode ser descrito como alguém ávido por aprender". (I.14).

Tseng Tzu um dos discípulos de Confúcio dissera o seguinte sobre ser um cavalheiro:

"Há três coisas que um cavalheiro mais valoriza no Caminho: ficar longe de violência ao apresentar uma aparência séria, tornar-se confiável ao mostrar no rosto uma expressão apropriada e evitar ser entendiante e pouco razoável ao falar em tom apropriado. Quanto as questões da liturgia ritual, há oficiais responsáveis por isso". (VIII.4).

O cavalheiro era a oposição ao "homem vulgar", na versão original, tal individuo era chamado de "homem pequeno", nesse caso pequeno não na estatura, mas pequeno no caráter. Confúcio dizia que os "homens vulgares", eram pessoas ignorantes, tolas, preguiçosas, corruptas, falsas, egoístas, mesquinhas, orgulhosas, em suma tudo aquilo que era diferente da conduta de um cavalheiro. No entanto, para ele a única coisa pior que um "homem vulgar" era um "bárbaro".

"O Mestre disse: 'Tribos bárbaras com seus líderes são inferiores aos reinos chineses sem seu líderes'". (III.4).

"O Mestre disse: 'O cavalheiro ajuda os outros a perceberam o que há de bom neles; não os ajuda a perceberem o que há de ruim. O homem vulgar faz o contrário'". (XII.16).

Os chineses antigos consideravam todos os outros povos como bárbaros, uns mais que os outros. Mas, nesse caso, naquela época, povos como os hunos, tártaros e mongóis, eram os principais "bárbaros" que atacavam os reinos mais ao norte. Confúcio dizia que o cavalheiro deveria tentar educar os "homens vulgares", para que os trouxessem para o caminho correto, embora como ele mesmo falava, isso não dependia apenas do cavalheiro, mas da pessoa querer mudar. Daí, ele em alguns trechos dos analectos, refuta sua ideia da ignorância dessas pessoas. 

"O Mestre disse: 'Enquanto o cavalheiro acalenta o bom governo, o homem vulgar acalenta sua terra natal. Enquanto o cavalheiro acalenta respeito pela lei, o homem vulgar acalenta um tratamento generoso'". (IV.11).

"O Mestre disse: 'Os erros de um homem são condizentes ao tipo de pessoa que ele é. Observe os erros e você conhecerá o homem'". (IV.7). 


Templo confucionista em Nagasaki, Japão.
A doutrina

Se até aqui já compreendemos o que é ser um cavalheiro e seu dever. É chegado a hora de saber os princípios pelos quais este cavalheiro e qualquer outra pessoa pode seguir. Embora que possa-se destrinchar muitos princípios baseados na fala de Confúcio, citarei aqui os principais e mais relevantes que acredito serem. Confúcio dizia que três princípios deveriam ser básicos para as pessoas: benevolência, sabedoria e coragem. Tendo estes três princípios ou virtudes, o individuo poderia partir para os outros princípios complementares, embora isso não fosse algo necessário como ele ressalva. Antes de prosseguir nesta discussão sobre a doutrina, irei apresentar esses princípios, baseado na minha interpretação:
  • Benevolência
  • Sabedoria
  • Coragem
  • Humildade
  • Amizade
  • Honra
  • Caminho (Tao
  • Autoaperfeiçoamento
  • Moral
  • Respeito
  • Lealdade
  • Piedade
  • Honestidade
Em suma estes são os principais princípios ou virtudes do confucionismo. Confúcio procurava ensinar isso aos seus discípulos e a todos que procuravam seus conselhos. Para ele, através da prática destes preceitos, as pessoas se tornariam melhores e poderiam tornar o mundo melhor. Todavia, muitos destes princípios estão ligados diretamente a prática da benevolência e da sabedoria. Para se entender melhor isso, citarei algumas de suas conversas e frases que exprimem sua visão acerca destes princípios.

A benevolência (jen) não era um ensinamento novo na época de Confúcio, contudo ele o resgatara. Ele dizia que a benevolência, ou seja, viver de forma digna, ajudar aos outros quando em necessidade, não praticar o mal, combater o mal, era o principal caminho que os homens deveriam seguir, embora que ser um homem verdadeiramente benevolente era quase que impossível, já que como ele cita, os homens eram imperfeitos.

"O homem benevolente é atraído pela benevolência porque ele se sente confortável com ela. O homem sábio é atraído pela benevolência porque percebe que ela é lhe favorável". (IV.2).

"Se um homem aplica seu coração no caminho da benevolência, ele estará livre do mal". (IV.4).

"O Mestre disse: 'Força inquebrantável, resolução, simplicidade e reticência são próximas da benevolência'". (XIII.27).

"O Mestre disse: 'Em seu coração, Hui pode praticar a benevolência durante três meses ininterruptos. Os outros atingem a benevolência meramente por ataques repentinos'". (VI.7). 

Até mesmo Yuan Hui não era considerado totalmente benevolente. Em um desabafo seu, Confúcio, disse que nunca conhecera um homem que pudesse ser chamado benevolente por completo. Tal fato reafirma sua ideia em dizer que os homens não podiam alcançar a perfeição. 

A partir da benevolência, outras virtudes, como lealdade, humildade, honestidade, honra, piedade, respeito, etc. partiam. Embora que nem todos possuem tais virtudes, e mesmo que as possuíssem, uns mais e outros menos. 

"O Mestre disse: 'Não se preocupe por não ter um cargo oficial. Preocupe-se com suas qualificações. Não se preocupe porque ninguém apreciar suas qualidades. Procure ser merecedor de apreço'". (IV. 14).

"O Mestre disse: 'Na antiguidade, os homens relutavam em falar. Isso porque consideravam vergonhoso se não conseguissem ser fiéis as suas palavras'". (V.22). 

"Meng Wu Po perguntou sobre piedade filial. O Mestre disse: 'Não dê ao seu pai e à sua mãe nenhuma outra causa de preocupação além da doença'". (II.6).

A sabedoria (chih) era outro assunto importante da doutrina confucionista. Embora que Confúcio fosse chamado de sábio por muitos, ele nunca se chamou de sábio ou se considerava um. Ele dizia que houve sábios, no entanto, ele ainda não era um destes. Esse fato é curioso, se lembrarmos que Sócrates (469-399 a.C) também teria dito o mesmo. O filósofo grego assim como o filósofo chinês, questionaram sua própria sabedoria.

Sabedoria era uma das virtudes que marcava o cavalheiro, além disso, Confúcio também dizia que o cavalheiro além de ser sábio era um homem inteligente. Nesse caso, o conhecimento, como já foi dito neste texto anteriormente, era visto por Confúcio como contínuo, ou seja, um "eterno aprendizado". Daí, o mesmo falar em autoaperfeiçoamento, implicando em se dizer, que o individuo deveria sempre buscar se melhorar, fosse através do estudo ou de suas ações. Confúcio se via nesse exemplo. Filho órfão de uma família pobre, conseguiu se tornar alguém na vida através dos estudos. 

"O Mestre disse: 'O sábio encontra alegria na água. O benevolente encontra alegria nas montanhas. Os sábios são ativos, os benevolentes são plácidos. Os sábios são alegres; os benevolentes são longevos'". (VI.23).

"Um homem sábio nunca fica indeciso sobre seu julgamento sobre o certo e o errado. Um homem que não é sábio, entretanto pode facilmente confundir um hipócrita pelo genuíno". (LAU, 2011, p. 24).

"Fan Ch'ih perguntou sobre benevolência. O Mestre disse: 'Ame os seus semelhantes'. Ele perguntou sobre a sabedoria. O Mestre disse: 'Conheça os homens'". (XIII.22). 

"O Mestre disse: 'O homem sábio nunca fica indeciso; O homem benevolente nunca fica aflito. O homem corajoso nunca tem medo'". (IX.29). 

Coragem (yung) era um terceiro aspecto que ponderava a virtude de um cavalheiro. Nesse caso, Confúcio não referia-se apenas a bravura, ou a coragem de não se ter medo do perigo, a "coragem de força", mas falava também na "coragem de determinação". Ele dizia, que os homens devem ter coragem para realizar aquilo o que procuram, nesse caso, ter coragem em tomar decisões. Um fato interessante, é que ele dizia que se você era um homem justo e bom, e procurava ser benevolente, deveria ter coragem em ajudar os outros e aplicar sua bondade. Se você era um homem sábio e culto, deveria ter coragem em ensinar os outros. 

"O Mestre disse: 'Um homem de virtude com certeza é autor de dizeres memoráveis, mas o autor de dizeres memoráveis não necessariamente é virtuoso. Um homem benevolente com certeza é corajoso, mas um homem corajoso não necessariamente é benevolente'". (XIV.4).

A coragem era uma faca de dois gumes, como Confúcio bem observou. O homem corajoso poderia tanto aplicar sua coragem para o bem ou para o mal. No caso do cavalheiro, este era guiado pelo respeito aos ritos (li) e pelo respeito ao próximo, sendo assim, o cavalheiro possuía moral e ética, para guiá-lo. Um homem que não possuísse isso, seria guiado por sua própria vontade, por sua ambição, por seu ego, por seus desejos. 

"Para o cavalheiro, é a moralidade que é suprema. Com coragem mais desprovido de moralidade, um cavalheiro causará problemas, ao passo que um homem vulgar se tornará um bandido". (XVII.23). 

Por fim encerro aqui este texto a respeito da vida e o obra deste grande filósofo, pouco conhecido para nós ocidentais. Embora muitos devam achar que o que Confúcio disse não é novidade nenhuma, devemos antes de afirmar isso, lembrar que, este homem viveu há 2.500 anos, que no tempo dele, isso fora novidade. E no entanto, se pensarmos bem, a doutrina que Confúcio aplicou em sua época, também pode ser aplicada nos dias de hoje, já que alguns problemas que ele vivenciou em seu tempo, são os mesmos hoje em dia. Os homens podem ter evoluído de forma vertiginosa nas ciências e na tecnologia, mas a evolução do seu caráter e de seu espírito ainda é lenta. 

NOTA: Para mais informações sobre o confucionismo recomendo lerem Os analectos. Uma boa sugestão é a versão comentada de D. C. Lau.

Referência Bibliográfica:
CONFÚCIO. Os analectos. Tradução do chinês, introdução e notas, D. C. Lau. Tradução do inglês de Caroline Chang. Porto Alegre, L&PM, 2011.