Andy Walker
Programa 'Today', da BBC Radio 4
Cem anos atrás, a
região de Viena, então capital do Império Austro-Húngaro, serviu de casa para
cinco homens que viriam a ter papéis determinantes no século 20: Adolf Hitler,
Leon Trotsky, Joseph Tito, Sigmund Freud e Joseph Stalin.
Joseph Stalin em 1902 |
Em janeiro de 1913, um homem cujo passaporte trazia o nome Stavros Papadopoulos desembarcou de um trem vindo da Cracóvia, na Polônia, com um bigode
típico dos camponeses e uma mala de madeira, muito simples.
"Eu estava sentado à mesa quando a
porta se abriu com uma batida e um homem desconhecido entrou. Ele era baixo,
magro, sua pele, escura, coberta por pequenas marcas e cicatrizes... não vi
nada em seus olhos que se assemelhasse a simpatia", relembrou, muitos anos
depois, o homem que Papadoulos tinha vindo encontrar na cidade.
Mas a real identidade do forasteiro era
outra. Nascido Iosif Vissarionovich
Dzhugashvili, o homem recém-chegado à Viena era, na verdade, Joseph Stalin, também conhecido pelos
amigos como Koba. E seu anfitrião,
um intelectual dissidente russo, então editor do jornal radical Pravda
(A Verdade), chamava-se Leon Trotsky.
Disparidades
Obviamente, nem todos os "quase
vizinhos" que viriam a moldar grande parte do século 20 nos anos que se
seguiram dividiam as mesmas visões de mundo, e nem todos estavam no mesmo
momento de vida.
Leon Trotsky |
Stalin e Trotsky, por exemplo, estavam
fugindo da Rússia.
Já o psicanalista Sigmund Freud viva um momento de exaltação por, de acordo com seus
seguidores, abrir os segredos da mente, e estava bem estabelecido na rua Berggasse, onde morava e atendia
seus pacientes.
Sigmund Freud em foto tirada em 1915. |
O jovem Josip Broz Tito, que mais tarde viria a ser conhecido como o marechal Tito, líder sangrento da Iugoslávia, trabalhava na fábrica de
automóveis Daimler, em Wiener Neustadt, um vilarejo ao sul de
Viena, e procurava emprego, dinheiro e diversão.
Josip Broz Tito |
E havia ainda um jovem de 24 anos do
noroeste da Áustria cujos sonhos de estudar pintura na Academia de Belas Artes de Viena haviam sido destruídos duas vezes
e que agora vivia numa pensão na rua
Meldermannstrasse, próximo ao Danúbio. Frustrado, o austríaco que viria a
transformar a história de maneira terrível se chamava Adolf Hitler.
Adolf Hitler |
E reinando sobre todos eles, no Palácio Hofburg estava o já envelhecido
imperador Franz Joseph, que detinha
o trono austro-húngaro desde o ano das grandes revoluções, 1848. O arquiduque Franz
Ferdinand, designado como seu sucessor, morava no Palácio Belvedere, nas proximidades, e aguardava com ansiedade o
momento de tomar o poder. Seu assassinato, em 1914, seria o estopim da Primeira
Guerra Mundial.
Arquiduque Franz Ferdinand |
Império e diversidade
A Viena de 1913 era a capital do Império Austro-Húngaro, que consistia
em 15 nações e mais de 50 milhões de habitantes.
"Embora não fosse exatamente um
caldeirão de diversidade, Viena tinha seu próprio tipo de charme cultural,
atraindo os mais ambiciosos de todas as partes do império. Menos de metade dos
dois milhões de habitantes da cidade eram nativos e cerca de um quarto vinha da
Boêmia (região no oeste da República Tcheca) e da Morávia (no leste do mesmo
país), então o tcheco era falado ao lado do alemão em muitas ocasiões", explica Dardis McNamee, editora-chefe do "Vienna Review", único
periódico mensal em inglês da Áustria, e moradora da cidade há 17 anos. Ela acrescenta que, na época, os
súditos austro-húngaros pertenciam a um império onde 12 línguas diferentes eram
faladas.
"Oficiais do Exército
Austro-Húngaro tinham que estar aptos a dar ordens em 11 línguas além do
alemão, e cada uma tinha sua própria versão do hino nacional", diz.
Cafés e dissidentes
Além disso, outras características
tornavam a cidade atraente, entre elas o tipo de governo e os famosos cafés,
onde intelectuais de várias origens se encontravam e mantinham calorosos
debates.
"A comunidade intelectual vienense
era na verdade razoavelmente pequena e todos se conheciam, o que tornava
possível um intercâmbio através das fronteiras culturais", explica Charles
Emmerson, autor de 1913: Em Busca do Mundo Antes da Grande Guerra, que também
atua como pesquisador sênior no instituto de política externa Chatam House, na
Grã-Bretanha.
Mapa de Viena entre os anos de 1913-1914. |
"Não havia um Estado central muito
forte. Ele era na verdade um pouco displicente. Se você quisesse encontrar um
lugar para se esconder na Europa onde pudesse conhecer muitas outras pessoas
interessantes, Viena era o lugar para se estar", diz.
Embora todos frequentassem os cafés da
cidade e tivessem seus favoritos, ninguém sabe se Hitler esbarrou em Trotsky ou
se Tito conheceu Stalin. Mas obras como "Dr. Freud está pronto para
recebê-lo agora, senhor Hitler", uma radionovela de 2007 escrita por
Laurence Marks e Maurice Gran, dão uma amostra de como esses encontros poderiam
ter se desenrolado.
O que se sabe, de fato, é que a guerra
que emergiu no ano seguinte destruiu muito da vida intelectual de Viena,
levando à implosão do império anos mais tarde, em 1918, e dando a Hitler,
Stalin, Trotsky e Tito papéis cruciais na História.
Nenhum comentário:
Postar um comentário