Muito que se conhece hoje sobre ninjas e samurais advêm da cultura pop: filmes, desenhos, romances, história em quadrinhos, videogames. De fato, nos últimos dois séculos criou-se uma mitificação sobre estes guerreiros do Japão feudal ao ponto, de que mesmo hoje, as representações nas artes ainda mantêm vários estereótipos surgidos nesse período, um deles é o uso da palavra ninja, termo que não era utilizado no Japão feudal, mas que começou a ser usado pelos estrangeiros no século XIX para se referir aos guerreiros conhecidos como shinobi. No entanto, o termo foi tão difundido, que acabou se tornando comum usá-lo.
A proposta deste texto é apresentar quem foram os ninjas, quando eles surgiram, porque surgiram. A época que estiveram em maior evidência e seu papel nas guerras feudais contra os samurais. Por sua vez, também comentarei acerca dos samurais, os quais são bem mais antigos que os ninjas, além de terem formado uma classe guerreira que governou o Japão por quase 800 anos. Aqui conheceremos a origem dos samurais e como eles se tornaram uma classe poderosa e governante.
Introdução:
Antes de falarmos sobre os ninjas e samurais é preciso apresentar o contexto histórico pelo qual o Japão passava, para que assim possamos entender o papel desses dois tipos de guerreiros e suas ações naquela sociedade, cultura, política e arte da guerra.
Convenho-se no Ocidente chamar o período que vai do século XII ao XIX, da história japonesa como sua época feudal devido ao fato de que neste longo período da história japonesa, o imperador perdeu sua autoridade política e militar, sendo essa transferida para os xoguns, e por sua vez, clãs poderosos e outros emergentes começaram a se digladiar entre si, criando uma profunda divisão entre as províncias e os feudos. Por tais características das quais algumas se assemelham ao feudalismo europeu, optou-se em se empregar o termo feudalismo para os japoneses também. No entanto, neste texto, decidi utilizar a cronologia histórica japonesa, dividida em períodos.
As origens do feudalismo japonês tiveram início no Período Heian (794-1192), já na Idade Média. Nessa época, o imperador Kwammu Tenno (r. 781-804) transferiu a capital real, da cidade de Nara para a cidade de Heian (atual Kyoto). A mudança de capital era uma estratégia político-econômica para que o novo monarca conseguisse apoio da nobreza e da aristocracia da província de Yamashiro, onde ficava situada Kyoto.
Maquete da antiga cidade de Heian, no século XI, (atual Kyoto). Ao fim da grande avenida, o palácio imperial. |
"Situava-se a nova capital num sítio
aprazível, cercado de montes por três lados, banhado por límpidas águas e
gozava de vistas realmente belíssimas. Além disso, ficava no centro de
comunicações entre o leste e oeste do país. Pelo rio Yodo saía-se no porto de
Naniwa (Osaka). Os homens que subiam à nova capital deram-lhe logo o nome de
Heian-kyô, ou Metrópole da Paz. Desde então, até a Restauração de Meiji (1868),
Kyoto foi a sede do trono, durante mais de mil anos. Especialmente, até a
fundação do bakufu de Kamakura, Heian-kyo foi, de fato, o centro
político e cultural do país. É o chamado "Período de Heian"
(794-1192)". (YAMASHIRO, 1964, p. 48).
Nos dois séculos seguintes a Corte de Kyoto tratou de urbanizar e desenvolver o norte do país, o qual era mais atrasado, como também integrar norte e sul, além de civilizar os "yezo", termo usado na época para se referir aos "bárbaros" que habitavam o norte do Japão. Seguiu-se também a expansão do budismo pelo país, o desenvolvimento das artes, principalmente da poesia, literatura e pintura, no que ocasionou na expansão das letras, embora que a alfabetização ainda fosse restrita a aristocracia, a nobreza e o clero.
O nirvana de Buda. Seda colorida, c. 1085. Durante o Período Heian o budismo e as artes se expandiram pelo país. |
“No século IX surgiram o
"hiragana" e o "katakana". silabários resultantes, ambos,
da extrema simplificação de caracteres chineses. Os "kana" serviram
de alfabeto elementar para o povo nipônico, que desde o seu aparecimento (não
se sabe ao certo quem os inventou) deixou de ficar sob a dependência absoluta
dos complicados "kanji". Consiste
o silabário, tanto do "hiragana" como do "katakana", em 48
sons, com as variações consonantais baseadas nas cinco vogais: a, i, u, e,
o. Como os ideogramas chineses apresentam-se em duas formas, a uncial ou
letra de forma e a cursiva, usada mais na grafia comum, foram também criados
dois tipos de "kana"”. (YAMASHIRO, 1964, p. 52).
“O uso do "kana" foi
difundido com grande proveito para a cultura. Embora longamente habituado a
escrever somente o difícil "kanji", o japonês aprendeu a empregar o
"kana" para expressar-se mais naturalmente no seu idioma. Com o uso
do "kana", a linguagem falada pode ser posta sob forma escrita e
também os sentimentos e pensamentos encontraram um veículo mais apropriado de
expressão. Como decorrência natural da divulgação dos "kana", a
produção de "waka" se tornou intensa. Até então, mesmo essa modalidade
de poesia, genuinamente nacional, era escrita em caracteres chineses adaptados
à fonética japonesa. Livros como o "Kokin-Shû" (Coletânea de Poemas
Antigos e Modernos), que teve como seu colaborador principal o poeta Tsurayuki,
foram publicados uns após outros. Apareceram também as primeiras obras de
ficção como o "Taketori Monogatari" (História do Cortador de Bambu)”.
(YAMASHIRO, 1964, p. 53).
Os três alfabetos japoneses. O kanji é uma adaptação do alfabeto chinês antigo. Por sua vez, o hiragana e o katakana já são variações do kanji, sendo sua simplificação. |
O desenvolvimento do país alcançou grande êxito, ao ponto de que a Corte havia restabelecido sua autoridade e prestígio de outrora. Os historiadores costumam dizer que a primeira metade do Período Heian, consistiu numa "era de ouro" para o Japão, pois a partir da segunda metade, o país entrou uma crise política, a qual deu início ao declínio da nação.
O governo imperial de Kyoto tentou centralizar a administração do país, porém a falta de uma lei de terras e uma fiscalização dos governadores e demais funcionários, abriu portas para a corrupção e a ambição.
“A realeza procurou, por todos os
meios, impedir a formação de "shoen" e diminuir a influência
perniciosa dos grandes proprietários, mas nada conseguiu devido à força
conquistada pela aristocracia. Esta veio como que restabelecer o antigo regime
de clãs, sob outra roupagem. Originariamente, "shoen" tinha o sentido
de casa de campo ou terra abandonada, campo inexplorado, distribuído a
príncipes, nobres, cortesões ou templos para que fossem cultivados. Assim,
antigas propriedades da coroa bem como de particulares também se transformavam
em "shoen". Os habitantes das terras públicas pagavam impostos mas os
"shoen" não. No começo eram eles obrigados a contribuir com seus
tributos, mas com o decorrer do tempo e paulatino crescimento do seu poderio
foram desobedecendo aos "kokushi" (governadores provinciais), cuja
autoridade diminuía, em geral, na razão direta da distância da metrópole.
Gozavam os "shoen" de uma espécie de direito de
extraterritorialidade. Eram autônomos, econômica e, até certo ponto,
politicamente”. (YAMASHIRO, 1964, p. 57).
Mapa de um shoen, o qual equivaleria a um feudo europeu. O sistema de shoen vigorou entre os séculos VIII e XV no Japão. |
No século XI, a situação irregular da aristocracia provençal tornou-se um problema de Estado. Os imperadores percebem que sua política de centralização não estava funcionando adequadamente devido a intervenção da aristocracia, e isso leva alguns monarcas a declararem guerra. Por sua vez, a aristocracia sentido-se tão poderosa quanto a nobreza, decidiu reagir, então começou a se recrutar guerreiros, os samurais e assim iniciaram-se guerras pelo país. (HENSHALL, 2004, p. 30).
Após quase um século de guerras entre a nobreza e a aristocracia, o conflito chegou ao final com a vitória do Clã Minamoto em 1185. O que levou o Japão a entrar em uma nova era de sua história, o Período Kamakura (1185-1333). Com a ascensão de Minamoto no Yoritomo (1147-1199) ao poder, a organização estatal passou por mudanças profundas. O poder antes da aristocracia agora era transferido para uma aristocracia militar, os samurais. Se antes os samurais como veremos mais a frente, eram simples guerreiros, agora no final do século XII, eles se apresentavam com uma classe social poderosa e emergente.
Em 1192 ou terceiro ano da Era Kenicyu, Minamoto por decreto do imperador Go-toba, recebeu o título de seii tai-shogun ("grande general subjugador dos bárbaros), o qual foi simplificado para shogun ("comandante-general" ou "grande general"), e com isso fundou o bakufu (literalmente posto militar) de Kamakura. A criação do bakufu de Kamakura iniciava o governo militar no Japão, o qual seria dominado pelos samurais ao longo de 700 anos (ANDERSENN, 2003, p. 48)
A formação do shinobi
a) Habilidades essenciais
Vimos que os shinobi "surgiram" em meados do século XV, e já estavam envolvidos na Guerra de Onin (1467-1477), e que ainda hoje, a cidade de Iga (antiga província), reivindica como sendo o berço de origem dos shinobi.
As técnicas de batalha dos shinobi ficaram conhecidas como ninjutsu, embora não se saiba quando essa arte marcial tenha surgido, pois lendas permeiam suas origens, remontando seu início antes do século XV. De qualquer forma, no século XVII, eram reconhecidas três escolas (ryûha) principais: Iga-ryû, Koga-ryû e Kishû-ryû. Estas escolas originaram-se no século XV, e eram conhecidas por serem as referências no treinamento da arte do ninjutsu (GREEN, 2001, p. 354).
Para além da habilidade de luta desarmada, o shinobi aprendia a lutar com espadas, arco e flecha, lança e outros tipos de armamentos. Ele também era ensinado a andar, prender a respiração, escalar, correr por diferentes terrenos; andar sorrateiramente, evitando fazer barulho; aprendia cavalgar, preparar veneno, preparar medicamentos; fazer explosivos; usar disfarces; usar camuflagem; técnicas de espionagem e sabotagem; técnicas de estratégia; aprendia a ler, contar, informações sobre geografia, topografia, meteorologia, etc. Como se tratava de um guerreiro que exercia várias funções, diferente dos samurais os quais basicamente lutavam a guerra convencional ou realizavam escoltas e vigilância, o shinobi, era treinado em distintas habilidades. (GREEN, 2001, p. 355).
No século XVII, época que se conhece os mais antigos livros e manuais sobre ninjutsu, a escola Togakure-ryû, em Iga, estabeleceu 18 disciplinas de estudo para o ninjutsu, sendo que algumas destas disciplinas ainda hoje são ensinadas. (WILHELM; ANDRESS, 2011, p. 10).
Quanto ao "recrutamento" dos shinobis, isso é algo que não se sabe ao certo como era feito. A ideia de que apenas órfãos seriam recrutados, não é totalmente verídica, pois se conhece história de famílias de shinobis, as quais pelo menos três gerações estiveram envolvidos com estas atividades (WILHELM; ANDRESS, 2011, p. 11). Por outro lado, Turnbull (2003, p. 12) lembra que na cultura japonesa, as artes marciais são algo geralmente legado de pai para filho, e esse contexto familiar eram bastante presente na época feudal. Embora que havia casos dos filhos fossem enviados para serem treinados e educados por mestres (sensei). Neste aspecto, Willhelm e Andress (2011, p. 11) assinalam que muitos shinibos, teriam pertencido a famílias de ninja, as quais construíram uma tradição nisso. As escolas shinobi parecem ter se tornado mais comuns, apenas no século XVII em diante.
Como os shinobis eram mercenários na maioria das vezes, acredita-se que eram pertencentes a classe baixa, filhos de agricultores, pescadores, pequenos comerciantes, sacerdotes, artesãos, servos, etc. Porém, sabe-se que homens de origem mais elevada e até mesmo samurais, treinavam ninjutsu ou tiveram suas escolas.
Não obstante, não se sabe como as escolas de shinobi operavam exatamente, além disso, a ideia de que elas ficassem em locais escondidos, não era uma certeza. Uma das escolas era a Nakagawa-ryû, localizada na Província de Metsu, e em meados do século XVII, era uma das principais escolas shinobis da região, e curiosamente foi fundada por um samurai, Nakagawa Shoshunjin, o qual legou aos seus filhos a escola, a qual treinava samurais na arte do ninjutsu (TURNBULL, 2003, p. 12).
Outro caso, bem mais conhecido dizia respeito a Hattori Hanzô (1541-1596), samurai vassalo do clã Tokugawa, foi para a guerra aos 16 anos, lutou nas importantes batalhas de Udo (1557), Anegawa (1570) e Mikata Hagara (1572). Sua violência no campo de batalha lhe rendeu a alcunha de Oni-Hanzô "Demônio Hanzô". No entanto, o que destaca aqui é o fato de que além de ter sido samurai, Hattori era também um shinobi. O Clã Hattori de Iga, treinou vários ninjas ao longo de três gerações pelo menos. Normalmente Hattori é mais lembrado como sendo um samurai, mas ele possuía uma ryûha de ninjas, além de ter sido um jonin. (TURNBULL, 2003, p. 12).
Quanto a idade de ingresso, normalmente se fazia isso na infância, mas há casos que o aluno entrava na adolescência e iniciava o seu treinamento, o qual era carregado até a velhice. Em geral o guerreiro japonês profissional, mantinha-se em treinamento, isso fazia parte da questão da disciplina, algo bastante presente não apenas no código samurai (bushidô), mas na conduta dos shinobi também.
Entre os shinobis havia três graus de hierarquia: genin, chunin e jonin. Diferente do que se ver em alguns desenhos e histórias em quadrinhos, o genin não eram uma criança, mas um ninja de nível baixo, que em geral tinha como missão, espionar, coletar informações e servir de mensageiro. Alguns shinobi já na adolescência já participavam dessas missões mais simples, inclusive, alguns mestres colocavam até mesmo as crianças para irem despertando sua capacidade de espionagem, disfarce e coletar informações, mesmo que fosse para questões pouco importantes, mas fazia parte do treinamento. Dependendo da dificuldade da missão, um genin mais habilidoso, poderia realizar invasões, sabotagens e assassinatos, mas normalmente o assassinato de alvos era deixado para shinobis mais experientes (WILHELM; ANDRESS, 2011, p. 12-13).
O chunin era o nível intermediário, já dispunha do direito de comandar algumas missões, dar ordens para os genin e participar de missões mais complexas. Por sua vez, os jonin eram o nível alto, consistiam nos comandantes, nos mestres, nos senhores de clãs, etc. Eram ninjas mais velhos e habilidosos em diferentes categoriais. Uns ficavam diretamente associados a questões políticas, treinamento e administração dos negócios; outros participavam de missões de campo, mas em geral, eram os genin e chunin que iam a campo. Dependendo da identidade dos jonin, os genin e chunin não os conheciam, apenas sabiam que ele seria um chefe ou um guerreiro habilidoso. Para evitar vazamento de informações ou traições, os comandantes shinobis evitavam expor suas identidades (WILHELM; ANDRESS, 2011, p. 12).
No que diz respeito ao treinamento shinobi, como em outros treinamentos de artes marciais, a disciplina e o foco nos exercícios, sempre foram algo bastante cobrado durante os treinos. Da mesma forma que um samurai era educado e instruído num código de marcialidade, de honra e de obediência, o ninja também passava pelo mesmo, mas a diferença residia no quesito de honra. O bushidô como veremos, possuía posturas quanto ao que seria honrado e desonrado se fazer.
É claro que nem todo samurai seguia arrisca tais posturas, mas no caso dos ninjas haviam estas posturas, mas a ideia de honra era diferente. Enquanto para um samurai, matar seu oponente numa luta justa era algo que se presava, para o ninja isso não tinha tanto valor, pois eles necessitavam em algumas missões matar o oponente desarmado, ou enquanto dormia, ou enquanto passeava, estava no banheiro, comendo, etc. (TURNBULL, 2007, p. 155).
Por outro lado, além da disciplina, da honra, do dever e da obediência, existiam valores religiosos também. No Japão como na China, a religião não era algo tão desassociado da vida mundana. De fato, havia ligação entre as artes marciais com alguns preceitos religiosos. No Japão as principais religiões no século XV, ainda eram o zen budismo e o xintoísmo. No século XVI tivemos a chegada do cristianismo com os portugueses, mas ainda assim, o budismo e o xintô, continuariam (e continuam) a ser as religiões predominantes.
c) vestimenta, equipamentos e armamento:
Os mais antigos manuais sobre ninjutsu conhecido, datam do século XVII, antes disso, encontram-se fragmentos de outros escritos. O Ninpiden ("Lendas dos ninjas secretos"), consiste numa coletânea de textos de histórias, contos e manuais sobre técnicas de combate e treinamento, tendo sido escrito por Hattori Kiyonobu, em 1655. O segundo livro é o Bansen shûkai ("Dez mil rios fluíram para o mar"), redigido por Fujibayashi Yasutake, e concluído em 1675, após dez anos de estudo. O terceiro livro é o Shôninki ("Registros do verdadeiro ninjutsu"), de Fujibayashi Masatake, em 1681, consistindo no livro mais conhecido sobre ninjutsu (GREEN, 2001, p. 358).
O Bansen shûkai dizia que um shinobi deveria saber escolher bem seus equipamentos, e isso dependeria o objetivo da missão, o risco, os obstáculos que poderia haver; a distância a ser percorrida e o tempo que a missão poderia demorar. Se um shinobi levasse muitos equipamentos, isso o deixaria lento, ou se não soubesse escolher as ferramentas certas, isso poderia se tornar um problema para ele. Todavia, o Bansen shûkai, recomendava seis ferramentas básicas: chapéu de palha, corda (com o sem gancho), lápis, medicamento, toalha pequena (tenugui) e uma pederneira (tsuketake). Caso a viagem demorasse, o ninja levaria água e alimento seco (GREEN, 2001, p. 359).
Na ilustração acima, Stephen Turnbull apresenta os seis acessórios básicos do shinobi, como comentado no Bansen shûkai, mas complementa com outros equipamentos. Vejamos a legenda abaixo:
Green (2001, p. 359), diz que os shinobis só se vestiam com uniforme preto em missões noturnas ou quando estavam na escola, mas em missões de dia ou mesmo de noite, mas onde houvesse luminosidade alta, era preferível usar roupas em tom de marrom ou de cinza, pois ajudava mais na camuflagem do que o preto. Além disso, ele lembra que os ninjas eram treinados também para se disfarçarem. Inclusive até mesmo em missões noturnas, eles poderiam estar disfarçados.
No que se refere ainda ao traje dos shinobis, eles usavam roupas leves, dependendo do objetivo da missão, pois um traje leve era mais útil caso tivesse que nadar, escapar a pé, escalar e se movimentar em locais apertados e sorrateiramente, pois armaduras tendem a chacoalhar. No entanto, em missões que se requeria combate direto, e se dispensava a furtividade, o shinobi poderia usar uma armadura leve como vista na figura abaixo.
Na armadura acima nota-se semelhanças com outros trajes militares usados no Japão, como no caso da couraça de placas, normalmente feita de couro cozido ou de couro cru. Embora que no século XVII e posteriormente, se encontrem couraças revistadas com placas de metal ou até de aço, devido ao uso de armas de fogo no campo de batalha, embora que essas começaram a serem usadas ainda no século XVI. Porém, outra característica que se destaca na roupa do ninja era sua simplicidade, pois como veremos, as armaduras samurais eram mais coloridas, e eles também usavam máscaras e capacetes com chifres.
Mas como dito, os shinobi eram treinados para se disfarçarem. Houve casos de samurais que se disfarçavam, mas a conduta de honra deles, normalmente presava para não fazerem isso, pois estavam sendo desleais. Mas no caso dos shinobis, eles geralmente se vestiam de monges, pois geralmente você não desconfia de um monge. Assim, encontram-se relatos de ninjas vestidos de komusô (tipo de monge que usava um cesto na cabeça) ou de yamabushi ("monge da montanha"). Mas além dos clérigos, os shinobis também se disfarçavam de agricultores, pescadores, soldados, serviçais, artesãos, músicos, dançarinos, etc.
No caso das ninjas mulheres, chamadas de kunoichi a partir do século XVII, pois antes usava-se o termo shinobi, independente do sexo, pouco se conhece da atuação de mulheres ninjas. Mas sabe-se que quando tinham que se disfarçar, normalmente disfarçavam-se como serviçais, empregadas, prostitutas, concubinas, pois eram mais fácil adentrar o círculo pessoal de algum homem importante e espioná-lo ou matá-lo.
No que se refere ao armamento dos ninjas, foi comentado que eles usavam para além das três armas básicas: espada, arco e lança, outros tipos de armas. Agora passemos para ver algumas destas suas armas.
Em 1192 ou terceiro ano da Era Kenicyu, Minamoto por decreto do imperador Go-toba, recebeu o título de seii tai-shogun ("grande general subjugador dos bárbaros), o qual foi simplificado para shogun ("comandante-general" ou "grande general"), e com isso fundou o bakufu (literalmente posto militar) de Kamakura. A criação do bakufu de Kamakura iniciava o governo militar no Japão, o qual seria dominado pelos samurais ao longo de 700 anos (ANDERSENN, 2003, p. 48)
Suposto retrato do xogum Minamoto no Yoritomo, criador do Bakufu Kamakura (1192), responsável por iniciar o domínio dos samurais sobre o Japão. |
"A administração do Estado, até então em mãos da aristocracia da corte ("kugue"), transferiu-se para os militares (samurai ou bushi). Tornaram-se necessárias várias repartições públicas para os bushi governarem o país. Apareceram, assim, o "Mandokoro", departamento político e o "Samurai-dokoro", departamento fiscalizador dos samurais. Também se criaram os "Monchû-jo", tribunais. Os serviços do "Samurai-dokoro" e do "Mandokoro" podiam ser executados por samurais, mas as tarefas políticas e forenses precisavam ser entregues a pessoas experientes em tais assuntos. Yoritomo chamou "kugues" de Kyoto, que com ele quisessem colaborar, para dar-lhes essas funções". (grifos meu), (YAMASHIRO, 1964, p. 64).
O Mandokoro além de questões políticas, também tratava da administração das finanças do Estado. Por sua vez, o Samurai-dokoro e o Monchû-jo, consistiam numa forma de fiscalizar as ações dos samurais, no intuito de coibir revoltas, complôs, abusos de poder etc., pois neste tempo, os samurais haviam se tornado governantes, embora que muitos samurais ainda fossem servos, pois os samurais que assumiam cargos públicos, geralmente pertenciam as famílias mais importantes e de confiança dos xoguns, o grosso dos samurais ainda continuaram a serem soldados.
Além destes departamentos e tribunais, Yoritomo, como pretexto de caçar seu irmão rebelde Yoshitsune, mas também combater aqueles que não reconheciam a autoridade do xogum, criou dois novos cargos: shugo ("comissário de polícia") e jitô ("comissário de terra"). O shugo consistia num delegado ou comissário de polícia, podendo ser um samurai ou não, designado pelo próprio xogum, havendo shugo em cada província do país. Por sua vez, o jitô seria uma espécie de fiscal e cobrador de impostos, atuando em todas as províncias também. (HENSHALL, 2003, p. 34).
As reformas burocráticas e administrativas criadas pelo xogum Minamoto, ainda continuaram em funcionamento pelos séculos seguintes, embora foram sendo reformuladas com o tempo. No entanto, a criação do bakufu de Kamakura ou xogunato de Kamakura, iniciava a fase feudal da história japonesa. Os shoen que foram combatidos pela Corte de Kyoto durante o Período Heian, ainda continuariam a existir por mais alguns séculos, passando a maioria a serem controlados por samurais.
O país voltaria a se reintegrar, pois Minamoto e seus sucessores procuraram manter uma boa política com a Corte, a qual continuou a residir em Kyoto. Todavia, no século XIV, algumas alas conservadoras e pró-monarquia, tentaram restaurar a autoridade imperial, pois na prática, no xogunato, o xogum era quem detinha a autoridade político-militar do país. Isso gerou uma guerra, a qual enfraqueceu o Xogunato Kamakura, permitindo que outro poderoso clã assumisse o poder, os Ashikaga (HENSHALL, 2004, p. 39-41).
O Mandokoro além de questões políticas, também tratava da administração das finanças do Estado. Por sua vez, o Samurai-dokoro e o Monchû-jo, consistiam numa forma de fiscalizar as ações dos samurais, no intuito de coibir revoltas, complôs, abusos de poder etc., pois neste tempo, os samurais haviam se tornado governantes, embora que muitos samurais ainda fossem servos, pois os samurais que assumiam cargos públicos, geralmente pertenciam as famílias mais importantes e de confiança dos xoguns, o grosso dos samurais ainda continuaram a serem soldados.
Além destes departamentos e tribunais, Yoritomo, como pretexto de caçar seu irmão rebelde Yoshitsune, mas também combater aqueles que não reconheciam a autoridade do xogum, criou dois novos cargos: shugo ("comissário de polícia") e jitô ("comissário de terra"). O shugo consistia num delegado ou comissário de polícia, podendo ser um samurai ou não, designado pelo próprio xogum, havendo shugo em cada província do país. Por sua vez, o jitô seria uma espécie de fiscal e cobrador de impostos, atuando em todas as províncias também. (HENSHALL, 2003, p. 34).
"Politicamente, a criação dos cargos de "shugo" e "jitô" teve grande importância, porque visou, principalmente, controlar o poder e a influência dos governadores das províncias ("kunitsukasa"), pertencentes à corrente dos nobres ("kugue"), em particular dos Heishi. Yoritomo controlou também a posse das terras, que ainda constituíam as principais fontes de renda e avocou a si o direito da tributação. Estas medidas tiveram, naturalmente, íntima relação com o subsequente desenvolvimento do novo regime, que, na prática, arrebatou os podêres temporais da coroa". (grifos meu), (YAMASHIRO, 1964, p. 65).
A reforma política introduzida pelo xogum Minamoto Yoritomo não apenas concedeu mais autoridade, riqueza e poder aos samurais, principalmente os samurais de famílias oriundas da antiga aristocracia e nobreza, pensando que desde o século X, havia famílias que se especializaram em servir no exército, tornando-se famílias de samurais, no entanto, além de tais características, o xogum criou novas funções para os samurais, ao torná-los funcionários públicos. (ANDRESSEN, 2003, p. 49). Assim podemos falar de "samurais-burocratas" ou "samurais-funcionários".
As reformas burocráticas e administrativas criadas pelo xogum Minamoto, ainda continuaram em funcionamento pelos séculos seguintes, embora foram sendo reformuladas com o tempo. No entanto, a criação do bakufu de Kamakura ou xogunato de Kamakura, iniciava a fase feudal da história japonesa. Os shoen que foram combatidos pela Corte de Kyoto durante o Período Heian, ainda continuariam a existir por mais alguns séculos, passando a maioria a serem controlados por samurais.
O país voltaria a se reintegrar, pois Minamoto e seus sucessores procuraram manter uma boa política com a Corte, a qual continuou a residir em Kyoto. Todavia, no século XIV, algumas alas conservadoras e pró-monarquia, tentaram restaurar a autoridade imperial, pois na prática, no xogunato, o xogum era quem detinha a autoridade político-militar do país. Isso gerou uma guerra, a qual enfraqueceu o Xogunato Kamakura, permitindo que outro poderoso clã assumisse o poder, os Ashikaga (HENSHALL, 2004, p. 39-41).
Ashikaga Takauji, nomeado xogum em 1338. Foi o primeiro xogum do Período Muromachi, responsável por criar um novo xogunato. |
O general Ashikaga Takauji (1305-1358), o qual apoiava o imperador exilado Go-Daigo, conseguiu que o monarca retornasse para Kyoto, e lhe foi permitido restabelecer sua autoridade sobre o país. Tal acontecimento ficou conhecido como Restauração Kemmu (1333-1336). Todavia, a tentativa do imperador Go-Daigo em recuperar o poder imperial falhou, e Ashikaga foi feito novo xogum, transferindo o bakufu de Kamakura para Muromachi, iniciando o Período Muromachi (1336-1568), o qual seria marcado por grandes revoltas e guerras.
A primeira parte do novo xogunato foi chamada de período Nanboku-chô (1336-1392) ou período da Corte de Hokuchô (norte) e da Corte de Nanchô (sul), época na qual passou a existir duas cortes e dois imperadores. O imperador Go-Daigo tendo se negado a obedecer ao general Ashikaga, reuniu sua família e funcionários e se mudou para o sul, onde estabeleceu sua corte em Yoshino. Por sua vez, Ashikaga elegeu um "imperador-fantoche", Komyo, e o deixou em Kyoto. Todavia, o que nos interessa é a fase após a reconciliação das cortes, a qual gerou uma relativa paz, até que as dissidências voltassem a agir e iniciarem uma época de sangrentas guerras e foi nesse período que surgiram os ninjas.
1) A origem dos shinobis:
Os ninjas ficaram conhecidos na história e na cultura pop como habilidosos guerreiros, especialistas em artes marciais, os quais empregavam táticas de batalha não convencionais envolvendo armadilhas, emboscadas, espionagem, sabotagem, disfarce, invasão e assassinato. Os ninjas ficaram conhecidos como um grupo de assassinos especializados que usavam um uniforme preto, os quais eram temidos e respeitados por suas habilidades, as vezes "sobre-humanas" ou "mágicas". No entanto, isso é a lenda. Qual é a história real?
Stephen Turnbull (2007, p. 144), especialista em história militar japonesa, diz que os shinobis surgiram a partir de dois tipos de guerreiros: o espião e o mercenário, e ambos os tipos já eram bem antigos no Japão. A ideia de que a espionagem nasceu com os ninjas, não é verdade. Séculos antes deles aparecerem por volta do século XV, já havia espiões (sekko) e missões de espionagem (kancho). Não obstante, no que diz respeito aos mercenários, não havia um exército nacional no Japão, mas sim milícias e depois exércitos provinciais, subordinados a daimiôs (senhor feudal) e outros samurais. Nesse caso, fazia-se necessário o recrutamento de mercenários para compor as frentes de batalha, ou para exercer atividades de espionagem, sabotagem, sequestro e assassinato.
Assim, desde o século X, encontram-se alguns relatos sobre guerreiros que teriam assassinado aristocratas ou nobres, incendiado castelos, sabotado e espionado, mas não se pode chamá-los de ninjas de acordo com Turnbull (2014, p. 10-11), pois ele alega que a ideia de um grupo ou uma sociedade de shinobis consistiu numa "tradição inventada" no século XVII, pois há dúvidas se realmente existiram grupos ou "escolas" onde shinobis eram treinados, anterior ao século XV. Não obstante, considerar que todo assassino furtivo e espião antes desse período seria um shinobi, é um erro. Inclusive considerar que mesmo entre os séculos XV e XVII, todos os atos de espionagem e assassinato furtivo fossem cometidos por shinobis, também é um exagero.
E isso de deve ao fato do pouco material histórico que se possui sobre os shinobis. Embora haja relatos sobre as atividades de alguns deles, se desconhece seus grupos, sua disciplina, suas identidades. Em geral os ninjas eram guerreiros anônimos e morreram no anonimato, e mesmo as histórias que abordam alguns feitos notáveis, devem ser lidas em ressalva, pois a partir do século XVII, começaram a surgir contos romantizando os shinobis. De qualquer forma, a tradição diz que os ninjas surgiram na antiga província de Iga (atual oeste de Mie) e na cidade de Koga (hoje em Shiga).
Em meados do século XV, eclodiu em 1467 a Guerra de Onin, a qual lançou o país numa série de conflitos, ao ponto de lançar o Japão numa violenta guerra civil que durou pelo menos cem anos. A autoridade do Xogunato Ashikaga foi desafiada por vários daimiôs e isso gerou uma divisão territorial no país, onde províncias começaram a se rebelar e a atacar umas as outras. Alianças militares e políticas se faziam necessárias, mas ao mesmo tempo, também eram perigosas, pois não raramente traições banhavam de sangue algumas reuniões. E neste período turbulento, o qual ficou conhecido como Sengoku ("país em guerra", "país dividido", "guerras feudais"), os ninjas apareceram.
O surgimento dos ninjas é um mistério, pois não se sabe realmente quando eles começaram a operar no século XV, pois hoje historiadores contestam a versão de que Iga e Koga tenham sido o centro de origem desse grupo de guerreiros, embora se saiba que de fato havia grupos operando nas regiões e até mesmo com sede em Iga, como atestam alguns relatos da época. Não obstante, devido a efervescência do estado de guerra que o Japão vivenciava, se fazia necessário estar pelo menos dois passos a frente de seus inimigos, daí a necessidade de espioná-los, roubar informações, sabotar armamentos, depósitos; incendiar mantimentos, sequestrar homens importantes ou membros de sua família para negociar resgates, tréguas, etc., ou assassinar os adversários e desestabilizar a ordem deles. (TURNBULL, 2004, p. 9).
No que se refere ao termo ninja, este surge no século XX, mas por influência ocidental, na época que o Japão se modernizava. Inclusive o termo se tornou popular no Ocidente, depois que passou a ser melhor aceito pelos japoneses. Ninja seria uma junção das palavras nin + ja = "homem de sigilo". Embora que Stephen Turnbull (2014, p. 13), aponte que a palavra ninja tenha sido uma invenção contemporânea, para se referir ao termo shinobi no mono, termo original usado para se referir a estes guerreiros, inclusive nos próprios documentos encontra-se a palavra shinobi, mas nada de ninja. Sendo shinobi uma variação para "espião" ou "aquele que age com furtividade".
Green (2001, p. 355) aponta que além da palavra shinobi, havia outros termos para se referir aos ninjas como: onmitsu (agente secreto), rappa ("onda selvagem"), suppa ("onda transparente"), toppa ("onda de ataque"), kasa (grama), monomi (vidente de coisas) e nokizaru ("macaco sobre o beiral"). Com exceção da palavra shinobi e onmitsu, nota-se que as demais palavras para se referir aos ninjas, eram gírias.
Stephen Turnbull (2007, p. 144), especialista em história militar japonesa, diz que os shinobis surgiram a partir de dois tipos de guerreiros: o espião e o mercenário, e ambos os tipos já eram bem antigos no Japão. A ideia de que a espionagem nasceu com os ninjas, não é verdade. Séculos antes deles aparecerem por volta do século XV, já havia espiões (sekko) e missões de espionagem (kancho). Não obstante, no que diz respeito aos mercenários, não havia um exército nacional no Japão, mas sim milícias e depois exércitos provinciais, subordinados a daimiôs (senhor feudal) e outros samurais. Nesse caso, fazia-se necessário o recrutamento de mercenários para compor as frentes de batalha, ou para exercer atividades de espionagem, sabotagem, sequestro e assassinato.
Assim, desde o século X, encontram-se alguns relatos sobre guerreiros que teriam assassinado aristocratas ou nobres, incendiado castelos, sabotado e espionado, mas não se pode chamá-los de ninjas de acordo com Turnbull (2014, p. 10-11), pois ele alega que a ideia de um grupo ou uma sociedade de shinobis consistiu numa "tradição inventada" no século XVII, pois há dúvidas se realmente existiram grupos ou "escolas" onde shinobis eram treinados, anterior ao século XV. Não obstante, considerar que todo assassino furtivo e espião antes desse período seria um shinobi, é um erro. Inclusive considerar que mesmo entre os séculos XV e XVII, todos os atos de espionagem e assassinato furtivo fossem cometidos por shinobis, também é um exagero.
E isso de deve ao fato do pouco material histórico que se possui sobre os shinobis. Embora haja relatos sobre as atividades de alguns deles, se desconhece seus grupos, sua disciplina, suas identidades. Em geral os ninjas eram guerreiros anônimos e morreram no anonimato, e mesmo as histórias que abordam alguns feitos notáveis, devem ser lidas em ressalva, pois a partir do século XVII, começaram a surgir contos romantizando os shinobis. De qualquer forma, a tradição diz que os ninjas surgiram na antiga província de Iga (atual oeste de Mie) e na cidade de Koga (hoje em Shiga).
Em meados do século XV, eclodiu em 1467 a Guerra de Onin, a qual lançou o país numa série de conflitos, ao ponto de lançar o Japão numa violenta guerra civil que durou pelo menos cem anos. A autoridade do Xogunato Ashikaga foi desafiada por vários daimiôs e isso gerou uma divisão territorial no país, onde províncias começaram a se rebelar e a atacar umas as outras. Alianças militares e políticas se faziam necessárias, mas ao mesmo tempo, também eram perigosas, pois não raramente traições banhavam de sangue algumas reuniões. E neste período turbulento, o qual ficou conhecido como Sengoku ("país em guerra", "país dividido", "guerras feudais"), os ninjas apareceram.
O surgimento dos ninjas é um mistério, pois não se sabe realmente quando eles começaram a operar no século XV, pois hoje historiadores contestam a versão de que Iga e Koga tenham sido o centro de origem desse grupo de guerreiros, embora se saiba que de fato havia grupos operando nas regiões e até mesmo com sede em Iga, como atestam alguns relatos da época. Não obstante, devido a efervescência do estado de guerra que o Japão vivenciava, se fazia necessário estar pelo menos dois passos a frente de seus inimigos, daí a necessidade de espioná-los, roubar informações, sabotar armamentos, depósitos; incendiar mantimentos, sequestrar homens importantes ou membros de sua família para negociar resgates, tréguas, etc., ou assassinar os adversários e desestabilizar a ordem deles. (TURNBULL, 2004, p. 9).
No que se refere ao termo ninja, este surge no século XX, mas por influência ocidental, na época que o Japão se modernizava. Inclusive o termo se tornou popular no Ocidente, depois que passou a ser melhor aceito pelos japoneses. Ninja seria uma junção das palavras nin + ja = "homem de sigilo". Embora que Stephen Turnbull (2014, p. 13), aponte que a palavra ninja tenha sido uma invenção contemporânea, para se referir ao termo shinobi no mono, termo original usado para se referir a estes guerreiros, inclusive nos próprios documentos encontra-se a palavra shinobi, mas nada de ninja. Sendo shinobi uma variação para "espião" ou "aquele que age com furtividade".
Green (2001, p. 355) aponta que além da palavra shinobi, havia outros termos para se referir aos ninjas como: onmitsu (agente secreto), rappa ("onda selvagem"), suppa ("onda transparente"), toppa ("onda de ataque"), kasa (grama), monomi (vidente de coisas) e nokizaru ("macaco sobre o beiral"). Com exceção da palavra shinobi e onmitsu, nota-se que as demais palavras para se referir aos ninjas, eram gírias.
A formação do shinobi
a) Habilidades essenciais
Vimos que os shinobi "surgiram" em meados do século XV, e já estavam envolvidos na Guerra de Onin (1467-1477), e que ainda hoje, a cidade de Iga (antiga província), reivindica como sendo o berço de origem dos shinobi.
As técnicas de batalha dos shinobi ficaram conhecidas como ninjutsu, embora não se saiba quando essa arte marcial tenha surgido, pois lendas permeiam suas origens, remontando seu início antes do século XV. De qualquer forma, no século XVII, eram reconhecidas três escolas (ryûha) principais: Iga-ryû, Koga-ryû e Kishû-ryû. Estas escolas originaram-se no século XV, e eram conhecidas por serem as referências no treinamento da arte do ninjutsu (GREEN, 2001, p. 354).
Gravura do século XIX, do Hokusai manga (vol. 6, c. 1817), retratando um shinobi escalando por uma corda. |
No século XVII, época que se conhece os mais antigos livros e manuais sobre ninjutsu, a escola Togakure-ryû, em Iga, estabeleceu 18 disciplinas de estudo para o ninjutsu, sendo que algumas destas disciplinas ainda hoje são ensinadas. (WILHELM; ANDRESS, 2011, p. 10).
- Refinamento espiritual (seishin teki kyoyo)
- Combate desarmado (taijutsu)
- Arte da espada (kenjutsu)
- Arte do bastão (bojutsu)
- Arte da shuriken (shurikenjutsu)
- Arte da lança (yarijutsu)
- Arte da naginata (naginatajutsu)
- Arte da kusarigama (kusarigamajutsu)
- Arte dos explosivos (kayakujutsu)
- Arte do disfarce (hensojutsu)
- Arte da furtividade (shinobi-iri-jutsu)
- Equitação (bajutsu)
- Treino aquático (sui-ren)
- Estratégia (bo-ryaku)
- Espionagem (cho bo)
- Escapismo (intonjutsu)
- Meteorologia (ten-mon)
- Geografia (chi-mon)
Quanto ao "recrutamento" dos shinobis, isso é algo que não se sabe ao certo como era feito. A ideia de que apenas órfãos seriam recrutados, não é totalmente verídica, pois se conhece história de famílias de shinobis, as quais pelo menos três gerações estiveram envolvidos com estas atividades (WILHELM; ANDRESS, 2011, p. 11). Por outro lado, Turnbull (2003, p. 12) lembra que na cultura japonesa, as artes marciais são algo geralmente legado de pai para filho, e esse contexto familiar eram bastante presente na época feudal. Embora que havia casos dos filhos fossem enviados para serem treinados e educados por mestres (sensei). Neste aspecto, Willhelm e Andress (2011, p. 11) assinalam que muitos shinibos, teriam pertencido a famílias de ninja, as quais construíram uma tradição nisso. As escolas shinobi parecem ter se tornado mais comuns, apenas no século XVII em diante.
Como os shinobis eram mercenários na maioria das vezes, acredita-se que eram pertencentes a classe baixa, filhos de agricultores, pescadores, pequenos comerciantes, sacerdotes, artesãos, servos, etc. Porém, sabe-se que homens de origem mais elevada e até mesmo samurais, treinavam ninjutsu ou tiveram suas escolas.
Não obstante, não se sabe como as escolas de shinobi operavam exatamente, além disso, a ideia de que elas ficassem em locais escondidos, não era uma certeza. Uma das escolas era a Nakagawa-ryû, localizada na Província de Metsu, e em meados do século XVII, era uma das principais escolas shinobis da região, e curiosamente foi fundada por um samurai, Nakagawa Shoshunjin, o qual legou aos seus filhos a escola, a qual treinava samurais na arte do ninjutsu (TURNBULL, 2003, p. 12).
Outro caso, bem mais conhecido dizia respeito a Hattori Hanzô (1541-1596), samurai vassalo do clã Tokugawa, foi para a guerra aos 16 anos, lutou nas importantes batalhas de Udo (1557), Anegawa (1570) e Mikata Hagara (1572). Sua violência no campo de batalha lhe rendeu a alcunha de Oni-Hanzô "Demônio Hanzô". No entanto, o que destaca aqui é o fato de que além de ter sido samurai, Hattori era também um shinobi. O Clã Hattori de Iga, treinou vários ninjas ao longo de três gerações pelo menos. Normalmente Hattori é mais lembrado como sendo um samurai, mas ele possuía uma ryûha de ninjas, além de ter sido um jonin. (TURNBULL, 2003, p. 12).
Hattori "Oni" Hanzô, samurai e shinobi. |
Entre os shinobis havia três graus de hierarquia: genin, chunin e jonin. Diferente do que se ver em alguns desenhos e histórias em quadrinhos, o genin não eram uma criança, mas um ninja de nível baixo, que em geral tinha como missão, espionar, coletar informações e servir de mensageiro. Alguns shinobi já na adolescência já participavam dessas missões mais simples, inclusive, alguns mestres colocavam até mesmo as crianças para irem despertando sua capacidade de espionagem, disfarce e coletar informações, mesmo que fosse para questões pouco importantes, mas fazia parte do treinamento. Dependendo da dificuldade da missão, um genin mais habilidoso, poderia realizar invasões, sabotagens e assassinatos, mas normalmente o assassinato de alvos era deixado para shinobis mais experientes (WILHELM; ANDRESS, 2011, p. 12-13).
O chunin era o nível intermediário, já dispunha do direito de comandar algumas missões, dar ordens para os genin e participar de missões mais complexas. Por sua vez, os jonin eram o nível alto, consistiam nos comandantes, nos mestres, nos senhores de clãs, etc. Eram ninjas mais velhos e habilidosos em diferentes categoriais. Uns ficavam diretamente associados a questões políticas, treinamento e administração dos negócios; outros participavam de missões de campo, mas em geral, eram os genin e chunin que iam a campo. Dependendo da identidade dos jonin, os genin e chunin não os conheciam, apenas sabiam que ele seria um chefe ou um guerreiro habilidoso. Para evitar vazamento de informações ou traições, os comandantes shinobis evitavam expor suas identidades (WILHELM; ANDRESS, 2011, p. 12).
No que diz respeito ao treinamento shinobi, como em outros treinamentos de artes marciais, a disciplina e o foco nos exercícios, sempre foram algo bastante cobrado durante os treinos. Da mesma forma que um samurai era educado e instruído num código de marcialidade, de honra e de obediência, o ninja também passava pelo mesmo, mas a diferença residia no quesito de honra. O bushidô como veremos, possuía posturas quanto ao que seria honrado e desonrado se fazer.
É claro que nem todo samurai seguia arrisca tais posturas, mas no caso dos ninjas haviam estas posturas, mas a ideia de honra era diferente. Enquanto para um samurai, matar seu oponente numa luta justa era algo que se presava, para o ninja isso não tinha tanto valor, pois eles necessitavam em algumas missões matar o oponente desarmado, ou enquanto dormia, ou enquanto passeava, estava no banheiro, comendo, etc. (TURNBULL, 2007, p. 155).
Por outro lado, além da disciplina, da honra, do dever e da obediência, existiam valores religiosos também. No Japão como na China, a religião não era algo tão desassociado da vida mundana. De fato, havia ligação entre as artes marciais com alguns preceitos religiosos. No Japão as principais religiões no século XV, ainda eram o zen budismo e o xintoísmo. No século XVI tivemos a chegada do cristianismo com os portugueses, mas ainda assim, o budismo e o xintô, continuariam (e continuam) a ser as religiões predominantes.
Templo Myôryû-ji, mais conhecido como Templo Ninja. Consiste num templo budista associado no século XVI e XVII, aos shinobis. Cidade de Kanazawa, província de Ishikawa. |
Os mais antigos manuais sobre ninjutsu conhecido, datam do século XVII, antes disso, encontram-se fragmentos de outros escritos. O Ninpiden ("Lendas dos ninjas secretos"), consiste numa coletânea de textos de histórias, contos e manuais sobre técnicas de combate e treinamento, tendo sido escrito por Hattori Kiyonobu, em 1655. O segundo livro é o Bansen shûkai ("Dez mil rios fluíram para o mar"), redigido por Fujibayashi Yasutake, e concluído em 1675, após dez anos de estudo. O terceiro livro é o Shôninki ("Registros do verdadeiro ninjutsu"), de Fujibayashi Masatake, em 1681, consistindo no livro mais conhecido sobre ninjutsu (GREEN, 2001, p. 358).
O Bansen shûkai dizia que um shinobi deveria saber escolher bem seus equipamentos, e isso dependeria o objetivo da missão, o risco, os obstáculos que poderia haver; a distância a ser percorrida e o tempo que a missão poderia demorar. Se um shinobi levasse muitos equipamentos, isso o deixaria lento, ou se não soubesse escolher as ferramentas certas, isso poderia se tornar um problema para ele. Todavia, o Bansen shûkai, recomendava seis ferramentas básicas: chapéu de palha, corda (com o sem gancho), lápis, medicamento, toalha pequena (tenugui) e uma pederneira (tsuketake). Caso a viagem demorasse, o ninja levaria água e alimento seco (GREEN, 2001, p. 359).
Principais acessórios de um shinobi. Ilustrações de Wayne Reynolds. Fonte: TURNBULL, Stephen. Warriors medieval Japan, 2007, p. 158. |
- Sandálias (waraji): consistiam em sandálias especiais, sendo leves, macias e que tinham flexibilidade, como o fato de que o dedão podia se mover independente do demais dedos, pois ajudava na hora de ter que escalar;
- Capuz: pedaço de tecido que lembra uma pequena camisa, mas que eram envolto na cabeça, para ocultar a face do shinobi.
- Espinhos (tetsu bishi): usados para atrasar os perseguidores, os quais espetariam os pés;
- Shuriken: lâminas em formato de "estrela", usadas em curtas distâncias para causar danos leves, caso os adversários estivessem sem armadura. Dificilmente matava alguém. Mas poderiam perfurar olhos;
- Corda com gancho (kaginawa): uma das cordas padrões usadas para escalar;
- Chapéu de palha (amekusa): chapéu de palha comum, usado para se proteger do sol e da chuva.
- Toalha (tenugui): distintos usos;
- Porta-pólvora (uchitake): usado para se acender fogueiras ou para causar algum incêndio. O recipiente de bambu era impermeável. O shinobi também costumava carregar uma pederneira junto, para fazer fogo;
- Porta-remédios (inro): recipiente de bambu, no qual se guardava extratos, poções, antídotos, etc.
- Lápis (seki hitsu): usado para fazer anotações, deixar mensagens para companheiros, deixar informações de ameaça, informações erradas, calcular, desenhar, etc.
Equipamentos e algumas armas dos shinobis. Ilustrações de Wayne Reynolds. Fonte: TURNBULL, Stephen. Warriors of Medieval Japan, 2007, p. 163. |
- Ganchos de escalar (uchikagi): como o próprio nome sugere, tratavam-se de ganchos de ferro, os quais lembram os martelos usados por escaladores e alpinistas. Todavia, tais equipamentos também poderiam ser usados como arma;
- Dispositivo de escuta (saoto hikigane): um cilindro simples de metal, mas oco, o qual era colocado diante de portas, paredes, cercas, divisórias, etc., o que permitiam amplificar o som e os ruídos;
- Ferramenta de arrombamento (tsubogiri): consistia numa ferramenta com duas pontas, as quais eram usadas normalmente para se arrombar frestas de cercas, portas, janelas ou de divisórias de paredes, lembrando que muitas casas de nobre, a divisória das paredes era feita de madeira ou com papel de parede;
- Serra (shikoro): uma serra dobrável, o que a tornava compacta e mais fácil de ser transportada. Geralmente era usada para se serrar janelas e portas.
- Kunai: tipo de adaga com lâmina grossa, ponta dura e gume nos dois lados. Poderia ser usado como arma, mas também era empregado para se quebrar madeira, e até mesmo escavar a argamassa de muros, para remover pedras;
- Kunai com corrente (kusarigama ou shinobi-gama): consistia numa lâmina em forma de pequena foice, acoplada a uma corrente com um peso na outra ponta, o que ajudava a equilibrar a arma, quando movimentada e arremessada. Dependendo da habilidade do shinobi, a kusarigama poderia ser mortal. Ela permitia que o ninja não apenas efetuasse ataques rápidos e a distância, mas também poderia ser usada para amarrar e imobilizar o oponente;
- Soqueira e sapato de escalar (tekken): ambos possuíam espinhos que auxiliavam a escalar-se muros ou terrenos rochosos. Todavia, a soqueira poderia ser usada como arma também;
- Garras (hokude): outro equipamento para se escalar, embora também pudesse ser usado como arma.
No que se refere ainda ao traje dos shinobis, eles usavam roupas leves, dependendo do objetivo da missão, pois um traje leve era mais útil caso tivesse que nadar, escapar a pé, escalar e se movimentar em locais apertados e sorrateiramente, pois armaduras tendem a chacoalhar. No entanto, em missões que se requeria combate direto, e se dispensava a furtividade, o shinobi poderia usar uma armadura leve como vista na figura abaixo.
Fotografia de uma armadura leve shinobi. Museu Histórico de Kyoto. Fonte: TURNBULL, Stephen. Ninja AD 1460-1650, 2003. p. 16. |
Mas como dito, os shinobi eram treinados para se disfarçarem. Houve casos de samurais que se disfarçavam, mas a conduta de honra deles, normalmente presava para não fazerem isso, pois estavam sendo desleais. Mas no caso dos shinobis, eles geralmente se vestiam de monges, pois geralmente você não desconfia de um monge. Assim, encontram-se relatos de ninjas vestidos de komusô (tipo de monge que usava um cesto na cabeça) ou de yamabushi ("monge da montanha"). Mas além dos clérigos, os shinobis também se disfarçavam de agricultores, pescadores, soldados, serviçais, artesãos, músicos, dançarinos, etc.
Monges komusô e seu estranho capacete em forma de cesto. Alguns shinobis costumavam se disfarçar dessa forma. |
No que se refere ao armamento dos ninjas, foi comentado que eles usavam para além das três armas básicas: espada, arco e lança, outros tipos de armas. Agora passemos para ver algumas destas suas armas.
- Shinobigatana ou Ninja-tô: espada padrão usada pela maioria dos shinobis. Sua lâmina permitia ser usada para se forçar janelas e portas, a fim de arrombá-las. Também poderia ser usada como ponto de apoio para se escalar o muro, pois o ninja amarrava o punho por uma corda ao seu cinto ou na sua bainha;
- Ninja tanto: tipo de adaga. Poderia ser usada também para se forçar janelas e portas;
- Bo: bastão comum de madeira, usado principalmente como arma;
- Yari: tipo de lança;
- Naginata: tipo de lança com a lâmina maior, a qual além de furar, permitia também cortar;
- Kusarigama: kunai em forma de foice acoplada a uma corrente com contra-peso;
- Kusarifundo ou manriki: corrente com dois pesos, um em cada ponta. Diferente da kusarigama, não possuía uma lâmina. Era mais usado para incapacitar, desarmar e imobilizar o oponente;
- Shoge: arma similar ao kusarigama, mas a lâmina era diferente, ao invés de ser em formato de foice, era reta e possuía um ganho em um dos lados;
- Chigikiri: lembra uma maça com corrente, usada na Europa. Consistia num cabo de bambu acoplado a uma corrente, com um peso cheio de espinhos;
- Fukiya: tipo de zarabatana feita de caniço, na qual se colocavam pequenos dardos, geralmente envenenados, então se soprava para dispará-los. Era uma arma eficiente a curtas distâncias e silenciosa;
- Shuriken: peças que variavam de forma desde um simples dardo a uma estrela de quatro ou seis pontas. Eram usadas para serem arremessadas a curta distância;
- Nunchaku: consiste em dois bastões de madeira ou de ferro, presos um ao outro por uma corrente;
- Yumi: arco e flecha;
- Happô: bomba de fumaça. Usada para distração;
- Kayaku: diferentes tipos de artefatos explosivos, que eram usados desde para causar apenas barulho e fumaça, como para iniciar incêndios ou para causar uma explosão forte a ponto de ferir gravemente ou matar;
d) A vida diária de um shinobi
Os ninjas não passavam o tempo todo em missões, havia necessidade de aprimorar o treinamento, estudar, descansar e principalmente, viver a sua vida. Mas o que eles faziam quando não treinavam ou estavam em missão? Eles seguiam com suas rotinas. Antes do século XX, o Japão era massivamente rural, logo, grande parte da população vivia em aldeias, vilarejos e nos shoen (feudos). A província de Iga, a qual defende ter sido o berço dos ninjas, é uma região montanhosa, a qual na Idade Média e Moderna, era povoada de aldeias e vilarejos, e muitos dos clãs shinobi que se conhece, viviam nestas pequenas comunidades.
Logo, pelo fato de viverem em comunidade agrícolas, supõe-se que os shinobis exercessem atividades relacionadas ao mundo rural, como plantar, cultivar, lavrar a terra, construir ferramentas, casas, armazéns, coletar lenha, caçar, pescar, criar animais, comercializar produtos, enviar mensagens, vigiar, etc. No caso dos samurais, como veremos, eles exerciam outras atividades, algumas já mencionadas, as quais estavam relacionadas a administração pública.
2) A origem dos samurais
Logo, pelo fato de viverem em comunidade agrícolas, supõe-se que os shinobis exercessem atividades relacionadas ao mundo rural, como plantar, cultivar, lavrar a terra, construir ferramentas, casas, armazéns, coletar lenha, caçar, pescar, criar animais, comercializar produtos, enviar mensagens, vigiar, etc. No caso dos samurais, como veremos, eles exerciam outras atividades, algumas já mencionadas, as quais estavam relacionadas a administração pública.
Representação de um vilarejo shinobi, na província de Iga. Ilustração de Wayne Reynolds. Fonte: TURNBULL, Stephen. Warriors the Medieval Japan, 2007, p. 170. |
Como veremos, a história dos samurais é mais bem documentada e estudada, havendo com isso uma enorme quantidade de livros e outros trabalhos a respeito, enquanto trabalhos (acadêmicos) sobre ninjas, são poucos devido as dificuldades de se estudá-los, pela falta de material escrito e a própria natureza das atividades deles, as quais prezavam-se pela discrição e anonimato. Mas no que se refere aos samurais, primeiramente é preciso salientar que embora os samurais tenham surgido séculos antes do Período Sengoku, a tradição samurai foi mudando ao longo do tempo, logo, não podemos pensar no samurai do XVI, como sendo igual ao do XII, como sendo igual ao do IX.
Para Yamashiro (1964, p. 59), o guerreiro samurai ou bushi, como também eram conhecidos, surgiu no Período Heian (794-1185), talvez entre os séculos X e XI, época em que a aristocracia rural conquistou grande autoridade e riqueza devido ao controle dos shoen (feudos), o que acabou levando os imperadores a intervirem nesta questão de terras e política. Como não havia um exército fixo propriamente, então estes chefes começaram a recrutar a população rural, armá-los, equipá-los e até a fornecer treinamento. A partir destas milícias rurais, os samurais surgiram. Com o passar dos anos, estas milícias amadoras se especializaram na arte da guerra, então o samurai deixava de ser um simples miliciano para se tornar um soldado profissional. Isso ocorreu ainda no século XI, pois no período de transição para o Período Kamakura (1185-1333), os samurais já eram soldados profissionais e compunham uma classe militar.
Para Stephen Turnbull (2005, p. 9), os samurais surgiram no século X, pois naquele século, já se encontram relatos históricos de alguns líderes notórios, como Taika no Masakado (c. 903-940), bisavô do imperador Kanmu. Masakado pertencia ao tradicional e importante Clã Taika, o qual possuía ligações com a nobreza. De fato, ele pertencia a baixa nobreza, tendo servido ao imperador por alguns anos em data ainda não precisada. No entanto, em 931, o estadista Fujiwara Tadahira, como recompensa pelos serviços de Masakado, lhe deu terras ao norte, próximo do que hoje é Tóquio. Masakado se mudou para lá e estabeleceu sua vida, no entanto, o fato dele ser um Taika, acabou atraindo a atenção de um clã poderoso da região, os Minamoto. Não se sabe ao certo, os motivos pelos quais Masakado entrou em conflito com os Minamoto, pois em 935, tentaram matá-lo. Em resposta, ele formou uma milícia e decidiu retalhar o ataque.
Além dos Minamoto, Taira no Masakado acabou fazendo outros inimigos como Okiyo Okimi, Taira no Sadamori (parente seu) e Fujiwara Hidesato (político e militar, primo de Tadahira). Além de lutar contra estes homens, Masakado entrou em disputas de terra e políticas, envolvendo a província de Hitachi e outros territórios vizinhos, o que levou a ser investigado e acusado pelo Estado, por alguns crimes. Neste ponto, Masakado tornou-se um rebelde, pois negou-se duas vezes a comparecer ao tribunal da corte para se explicar. Sua fama levou ao surgimento de contos como o Shomonki, o qual narra de forma parcialmente ficcional a "rebelião de Masakado". Nesta história e em outros contos é dito que Taira no Masakado pretendia se proclamar "imperador". Foi morto em combate, como um rebelde. (TURNBULL, 2005, p. 10).
Turnbull (2003, p. 13) assinala que além do fato do destaque de Taira no Masakado em sua rebelião de cinco anos, ele salienta que o registro histórico mais antigo para a palavra samurai ("aquele que serve"), no sentido para se referir a soldado, data do século X. O termo foi empregado para se referir aos homens que iam para a capital Kyoto, se alistarem no serviço policial, militar e de guarda. No entanto, ainda naquele século, durante os conflitos entre daimiôs, o termo samurai também foi usado para referir-se aos homens recrutados para formar as milícias destes senhores.
Bryant (1989, p. 3) aponta que a palavra samurai veio do antigo verbo saburau ("aquele que serve"). No Período Heian, a língua japonesa observou uma mudança tanto na escrita, pois foram criados os alfabetos do katagana e do hiragana, como também ocorreu mudanças fonéticas, entre as quais a substituição da palavra saburau por samurai.
Por outro lado, os samurais também eram chamados de bushi, termo usado para se referir a guerreiro, não havendo uma distinção clara entre o tipo de guerreiro, pois o samurai, como veremos adiante, ele se tornou um soldado profissional e acabou compondo uma classe marcial.
Não obstante, o que pouca gente sabe é que havia samurais mulheres. Não existe um termo específico para samurai mulher como kunoichi ("shinobi mulher"), o que revela que o significado da palavra samurai "aquele que serve", era aplicado tanto a homens quanto a mulheres. Todavia, é preciso salientar que houve poucas mulheres samurais, mas chegou haver tropas de mulheres as quais até participaram de algumas batalhas.
As primeiras samurais mulheres que se tem notícia data do século XII, sendo Tomoe Gozen (c. 1157-1184), a mais famosa samurai mulher daquela época, tendo lutado nas Guerras Genpei (1180-1185), onde veio falecer em combate. Gozen, segundo os relatos, decidiu apoiar os Minamoto na guerra, então acompanhou Minamoto Kiso Yoshinaka na Batalha de Awazu (1184), onde faleceu em combate. Embora tenha morrido prematuramente, o fato de uma mulher vestir uma armadura samurai e seguir ao campo de batalha foi notável na época (TURNBULL, 2010, p. 9).
Para Yamashiro (1964, p. 59), o guerreiro samurai ou bushi, como também eram conhecidos, surgiu no Período Heian (794-1185), talvez entre os séculos X e XI, época em que a aristocracia rural conquistou grande autoridade e riqueza devido ao controle dos shoen (feudos), o que acabou levando os imperadores a intervirem nesta questão de terras e política. Como não havia um exército fixo propriamente, então estes chefes começaram a recrutar a população rural, armá-los, equipá-los e até a fornecer treinamento. A partir destas milícias rurais, os samurais surgiram. Com o passar dos anos, estas milícias amadoras se especializaram na arte da guerra, então o samurai deixava de ser um simples miliciano para se tornar um soldado profissional. Isso ocorreu ainda no século XI, pois no período de transição para o Período Kamakura (1185-1333), os samurais já eram soldados profissionais e compunham uma classe militar.
Para Stephen Turnbull (2005, p. 9), os samurais surgiram no século X, pois naquele século, já se encontram relatos históricos de alguns líderes notórios, como Taika no Masakado (c. 903-940), bisavô do imperador Kanmu. Masakado pertencia ao tradicional e importante Clã Taika, o qual possuía ligações com a nobreza. De fato, ele pertencia a baixa nobreza, tendo servido ao imperador por alguns anos em data ainda não precisada. No entanto, em 931, o estadista Fujiwara Tadahira, como recompensa pelos serviços de Masakado, lhe deu terras ao norte, próximo do que hoje é Tóquio. Masakado se mudou para lá e estabeleceu sua vida, no entanto, o fato dele ser um Taika, acabou atraindo a atenção de um clã poderoso da região, os Minamoto. Não se sabe ao certo, os motivos pelos quais Masakado entrou em conflito com os Minamoto, pois em 935, tentaram matá-lo. Em resposta, ele formou uma milícia e decidiu retalhar o ataque.
Taira no Masakado (c. 903-940), considerado o primeiro comandante samurai (935-940). |
Turnbull (2003, p. 13) assinala que além do fato do destaque de Taira no Masakado em sua rebelião de cinco anos, ele salienta que o registro histórico mais antigo para a palavra samurai ("aquele que serve"), no sentido para se referir a soldado, data do século X. O termo foi empregado para se referir aos homens que iam para a capital Kyoto, se alistarem no serviço policial, militar e de guarda. No entanto, ainda naquele século, durante os conflitos entre daimiôs, o termo samurai também foi usado para referir-se aos homens recrutados para formar as milícias destes senhores.
Bryant (1989, p. 3) aponta que a palavra samurai veio do antigo verbo saburau ("aquele que serve"). No Período Heian, a língua japonesa observou uma mudança tanto na escrita, pois foram criados os alfabetos do katagana e do hiragana, como também ocorreu mudanças fonéticas, entre as quais a substituição da palavra saburau por samurai.
Por outro lado, os samurais também eram chamados de bushi, termo usado para se referir a guerreiro, não havendo uma distinção clara entre o tipo de guerreiro, pois o samurai, como veremos adiante, ele se tornou um soldado profissional e acabou compondo uma classe marcial.
Não obstante, o que pouca gente sabe é que havia samurais mulheres. Não existe um termo específico para samurai mulher como kunoichi ("shinobi mulher"), o que revela que o significado da palavra samurai "aquele que serve", era aplicado tanto a homens quanto a mulheres. Todavia, é preciso salientar que houve poucas mulheres samurais, mas chegou haver tropas de mulheres as quais até participaram de algumas batalhas.
As primeiras samurais mulheres que se tem notícia data do século XII, sendo Tomoe Gozen (c. 1157-1184), a mais famosa samurai mulher daquela época, tendo lutado nas Guerras Genpei (1180-1185), onde veio falecer em combate. Gozen, segundo os relatos, decidiu apoiar os Minamoto na guerra, então acompanhou Minamoto Kiso Yoshinaka na Batalha de Awazu (1184), onde faleceu em combate. Embora tenha morrido prematuramente, o fato de uma mulher vestir uma armadura samurai e seguir ao campo de batalha foi notável na época (TURNBULL, 2010, p. 9).
Tomoe Gozen, considerada a primeira samurai mulher da História. |
A presença de mulheres na guerra não era algo inédito, embora não fosse regular, apenas eventualmente acontecia. Os relatos históricos apontam que nos séculos anteriores ao surgimento dos samurais, houve casos de guerreiras e até de tropas femininas, atuando em algumas batalhas.
a) habilidades essenciais
Como visto, os samurais num primeiro momento eram os recrutas que formavam a guarda real e a polícia na capital imperial, ou os camponeses convocados pelos senhores da aristocracia e da nobreza, nas províncias para servir em suas milícias. Turnbull (1996, p. 11) aponta que antes da fama do samurai como incrível espadachim, manejando sua "lendária" catana, algo que surge bem depois, os primeiros samurais essencialmente eram uma infantaria leve, armada com arco e lança. As vezes para a batalha, levavam também uma espada, a qual ainda não era a famosa catana.
Não obstante, Turnbull (2005, p. 5) aponta que durante essa fase inicial dos samurais, ainda ligados ao arco e flecha e a cavalaria arqueira, encontram-se expressões que diziam que o "Caminho do Guerreiro" seria kyuba no michi (o caminho do cavalo e do arco) ou kyusen no michi (o caminho do arco e da flecha), o que revela essa forte ligação inicial do samurai com a arquearia e a cavalaria.
À medida que o samurai foi se profissionalizando na arte da guerra, ele aprimorou suas habilidades, não apenas como espadachim, mas na luta desarmada, no arco e flecha, na luta com lança e no uso de armas de fogo a partir do século XVI. O treinamento dos samurais variou com o tempo, se pensarmos que eles agiram continuamente ao longo de sete séculos, todavia, algumas habilidades básicas foram mantidas:
- Luta desarmada (taijutsu)
- Luta com espada (kenjutsu)
- Arte de desembainhar a espada (iaijutsu)
- Luta com bastão (jojutsu)
- Luta com lança (sojutsu)
- Luta com naginata (naginatajutsu)
- Equitação (bajutsu)
- Treino com arco (kyujutsu)
- Treino com arma de fogo (hokajutsu)
- Refinamento espiritual (seishin teki kyoyo)
Nos séculos X ao XII, fase da formação dos samurais como uma força militar específica, o recrutamento ocorria basicamente de duas formas: a primeira dizia respeito a convocação de homens para servir na capital Kyoto, os quais se alistavam para formar a guarda dos nobres, a guarda palaciana, a guarda policial da cidade e compor as tropas de reserva. Nessa época, no século X, usava-se o termo samurai para se referir a esses recrutas que iam servir na capital (TURNBULL, 2003, 13). A segunda forma de recrutamento era particular, neste caso, o samurai era recrutado para formar a milícia de algum nobre, aristocrata ou senhor.
No século XI e XII, esse recrutamento se manteve, pois os samurais ainda não eram uma classe guerreira, como também as famílias samurais ainda estavam em desenvolvimento. Nesse período duas famílias samurais se destacavam: o clã Minamoto e o clã Taira, os quais se confrontaram de 935 a 1185, várias vezes, mantendo uma rivalidade de mais de duzentos anos. (BRYANT, 1989, p. 7).
Todavia, quando chegamos ao Xogunato Kamakura (1185-1333), no qual o clã Minamoto estabeleceu o governo militar do xogunato, famílias samurais já estavam estabelecidas, assim como, samurais já ocupavam cargos públicos. O recrutamento militar já estava formalizado, como também o samurai já era visto como um guerreiro de elite. Tal visão manteve-se quase inalterada pelos séculos seguintes. Os samurais já não assumiriam postos de subordinado, mas passavam a assumir postos de comando ou atuar como infantaria e cavalaria pesada.
No século XVII e XVIII, com a diminuição das guerras, o recrutamento massivo caiu, no entanto, as linhagens samurais ainda se mantiveram, ao mesmo tempo em que as guerras tivessem diminuído, ainda havia grande procura pelas escolas marciais (GREEN, 2001, p. 190). Parte dos samurais tornaram-se professores, outros ainda continuaram a servir no exército, outros migraram para o funcionalismo público, alguns se tornaram monges, poetas, escritores; alguns mais influentes receberam terras, mas a maioria teve que procurar um senhor para servir em sua guarda ou em suas terras. Em outros casos, alguns tornavam-se ronin (samurai sem mestre), vagando pelo país, atrás de duelos, aventura, etc.
Na segunda metade do século XIX, quando foi criado o exército nacional, muitos samurais que estavam desempregados ou não se acostumaram com a vida civil, ingressaram nas forças armadas, mas o prestígio social não era mais o mesmo. Algumas pessoas consideravam os samurais de baixa estirpe como encrenqueiros e representantes de um legado decadente.
No que se refere ao treinamento, os primeiros samurais eram essencialmente camponeses, os quais possuíam ou não conhecimento militar. Quando eram recrutados passavam por um treinamento básico de luta com espada, lança e arco. Posteriormente, no século XI é que começaram a especializar alguns samurais no combate de arco montando a cavalo, formando a cavalaria arqueira. Com a consolidação do bakufu, os samurais passaram a serem treinados mais cedo, alguns iniciavam a formação na infância, outros na adolescência.
Acampamento de treinamento militar de samurais. |
Outra arma usada pelos samurais em seu treinamento era o jô (bastão de madeira com cerca de 1,20 m de comprimento). Tal arma também é usada em alguns estilos de aikidô. Além da espada e do jô, os samurais também treinavam com lança, com a naginata, o arco e flecha, e inclusive usavam outros tipos de armas, o que incluía diferentes tipos de lanças e porretes de guerra, mas enquanto os shinobis possuíam uma variedade de armas, os samurais se restringiam ao uso da espada, do arco e da lança.
Curiosamente os samurais mulheres usavam principalmente naginata e arcos, embora elas também carregassem espadas consigo, as mulheres se especializaram na luta com lanças e arco e flecha, embora que a naginata usada pelas mulheres fosse mais leve do que a usada pelos homens (TURNBULL, 2010, p. 20-21). Mas é preciso lembrar que mesmo os samurais homens também até o século XVI, muitos lutavam com tais armas. A espada tornou-se a principal arma do samurai a partir do século XVII.
A samurai Ishi-jo, empunhando uma naginata, a arma tradicional das samurais mulheres. |
O século XVI também se notabilizou pelo uso das armas de fogo. No século XIII os japoneses haviam tido contato com o poder explosivo da pólvora preta, durante as invasões mongóis em 1274 e 1281, pois os soldados sino-mongóis usaram bombas, porém, o uso de tais armas não foi recorrente, apenas alguns conflitos pontuais (TURNBULL, 2000, p. 129-130). No entanto, o emprego da pólvora como armamento se intensificou com uso das armas de fogo.
Em 1543, três portugueses que viajavam num junco chinês, partido do entreposto lusitano em Macau, chegaram à ilha de Tanegashima, ao sul do Japão. Na época, Antônio da Mota, Francisco Zaimoto e Antônio Peixoto, levavam consigo alguns arcabuzes. As armas de fogo interessaram um comerciante japonês que as comprou. Anos depois em 1549, São Francisco Xavier viajou ao Japão, no intuito de iniciar uma missão de evangelização. Nos anos seguintes foi permitido que comerciantes portugueses e missionários portugueses, espanhóis e italianos pudessem visitar o país, com isso arcabuzes e mosquetes foram levados também, e alguns senhores começaram a ver que tais armas poderiam ser usadas nas suas guerras (YAMASHIRO, 1964, p. 90).
Modelos de tanegashima (arcabuz) do século XVII. |
Os japoneses desde o século XIII já possuíam conhecimento sobre a pólvora e até sabiam fabricar bombas e lança-chamas, então copiaram os arcabuzes e mosquetes portugueses e passaram a fabricá-los em massa, armando suas infantarias com centenas e depois milhares de armas. Muitos samurais relutaram em usar tal armamento, sobrando aos ashigarus o uso massivo das armas de fogo até que alguns samurais aderissem ao poder de fogo da pólvora.
O samurai Inaue Masatada usando um canhão de mão (kebiki-laced domaru). Fonte: TURNBULL, Stephen. Samurai warfare: arms & armor, 1996, p. 75. |
Sabe-se que no século XI já havia contos (monogatari) e poemas que narravam histórias (inclusive com teor fantasioso e exagerado) sobre alguns samurais, o que revela o prestígio de alguns desses guerreiros, porém, a obra mais antiga que se conhece sobre ensinamentos dos samurais é o livro Mensagem do Mestre Gokurakuji (séc. XIII), escrito por Hojo Shigetoki (1198-1261).
No entanto, dos vários livros que abordam o código de honra dos samurais, os mais conhecidos são o Go Rin no Sho ("O Livro dos Cinco Anéis"), escrito pelo famoso e controverso samuraiMiyamoto Musashi, no século XVII, já na sua "aposentadoria" como ronin errante, quando ele decidiu torna-se um sensei (mestre). Ao redigir sua obra influenciada por preceitos budistas e xintoístas, o Livro dos Cinco Anéis consiste num manual que tanto instruía os samurais em técnicas de combate, mas também na moral e filosofia.
O outro livro importante é o Hagakure ("Folhas Ocultas"), escrito por Yamamoto Tsunotomo a partir das conversas com seu discípulo Tsuramoto Tashiro, e concluído por volta de 1716. Diferente do livro de Musashi, o Hagakure focava mais na parte cerimonial e filosófica da vida do samurai, abordando hábitos, comportamentos diários, e não tinha foco no treinamento de combate. O Hagakure mostra bastante a fusão de elementos budistas e confucionistas. Do budismo temos a simplicidade, a humildade, a temperança, a compaixão, o respeito, a honestidade. Do confucionismo retiramos a obediência, o serviço, a lealdade, a devoção e a honra. Tais preceitos estão relacionados as sete virtudes do bushido criadas para o livro Bushido: Soul of Japan (1899) do escritor Inazo Itobe.
c) vestimenta, equipamentos e armas
Falar sobre os equipamentos, armas e armaduras usados pelos samurais ao longo da história é um assunto bem extenso, logo, farei um resumo aqui, apresentando as características principais. No entanto, para os interessados em conhecer mais a fundo tal tema, recomendo a leitura dos livros de Stephen Turnbull, Samurai warfare: arms & armor (1996), The samurai soucerbook (2000), Samurai heraldry (2002) e Katana: the samurai sword (2010) e do livro Early Samurai AD 200-1500 (2001) de Anthony Bryant. Como veremos, as armas e equipamentos dos samurais não eram tão diversificados quanto dos shinobis, pois os samurais se restringiram mais a guerra e combate convencional.
Comecemos pela vestimenta militar. Enquanto os shinobis usavam uniformes simples na cor preta, marrom, cinza e talvez em outros tons; e por sua vez, adotavam trajes leves, o que contribuía para a mobilidade e o sigilo, usando as vezes uma armadura leve, os samurais usavam desde armaduras leves a armaduras pesadas, coloridas e capacetes bem adornados, alguns até extravagantes.
As armaduras dos samurais eram chamadas de ô-yoroi ("grande armadura"), surgida no século X, e em voga até o século XIV, foi principalmente usada pelos samurais comandantes ou samurais cavaleiros. A armadura era bastante pesada, chegando a pesar de 20 a 30 kg. Devido ao fato dos comandantes se moverem a cavalo ou lutarem sobre estes, eles compensavam a falta de mobilidade das armaduras e seu excessivo peso, além de que os samurais cavaleiros, essencialmente lutavam com arco e flecha, o que garantia distância do inimigo. (TURNBULL, 2000, p. 95).
Componentes de uma ô-yoroi do período Kamakura. Fonte: BRYANT, Anthony J. Early Samurai AD 200-1500, 2001, p. 30. |
Componentes da parte de trás de uma ô-yoroi do período Kamakura. Fonte: BRYANT, Anthony J. Early Samurai AD 200-1500, 2001, p. 31. |
As ô-yoroi eram feitas a partir da junção de várias placas de couro cru envernizado, de madeira e no século XVI e XVII, alguns dô eram feitos de ferro ou de aço. Mas essencialmente a armadura não levava ferro, exceto o capacete (kabuto), o qual poderia ser de couro ou conter partes metálicas. Completando a ô-yoroi, havia braçadeiras, luvas, caneleiras e até protetores para as coxas, tudo feito de couro. O uso de botas não foi comum, pois os samurais usavam um tipo de sandália para lutar.
O samurai antes de pôr o kabuto, geralmente ele colocava um lenço par proteger a cabeça, chamado hachimaki, em seguida colocava o kabuto, então dava-se o nó sob o queixo para prender o capacete. Complementando o capacete, também se usava uma máscara (hoate), a qual se prendia por um laço (shinobi-no-ô), atrás da cabeça. A máscara tinha função tanto de ocultar a identidade do samurai, como de proteger sua face de estilhaços e flechas, mas também a função de intimidação, pois geralmente as máscaras possuíam um aspecto horripilante, com bocas monstruosas, narizes grandes, bigodes, presas, etc.
Algumas máscaras samurais, conhecidas pelos termos hoate, mengu, mempo e somen. As máscaras não eram obrigatórias, o samurai escolhia se queria usá-la ou não. |
Seis modelos de dô-maru no estilo tosei gusoku (século XVI-XVII). Fonte: TURNBULL, Stephen. The Samurai soucerbook, 2000, p. 98. |
Ilustração de época do Tanki Yoriaku, mostrando as etapas que um samurai deveria seguir para vestir uma dô-maru. Fonte: TURNBULL, Stephen. The Samurai soucerbook, 2000, p. 105. |
Outro aspecto importante a ser mencionado dizia respeito a heráldica. Enquanto os shinobis procuravam ocultar suas identidades e para quem estavam trabalhando, os samurais através das cores de suas armaduras, dos símbolos em seus capacetes, das bandeiras e estandartes que carregavam, indicavam sua identidade, sua família, e para qual senhor estava servindo.
Stephen Turnbull (1996, p. 3-4) assinala que basicamente a heráldica militar possui três funções: a) identificação do exército: assim você saberia reconhecer quem seria o inimigo e o aliado; b) identificação familiar: o que indicava a casa a qual o guerreiro pertencia ou estava servindo; c) identificação das alas do exército: o que distinguia entre infantaria, artilharia, cavalaria e suas subdivisões. No caso da Europa, usava-se as escudo-de-armas ou brasões, no Japão feudal, fazia-se uso de selos familiares, chamados de mon. Eram imagens simples e não tão elaboradas como nos países europeus.
Três partes se destacavam no kabuto, as quais estavam relacionadas com a heráldica: a datemono, situado na testa, onde se colocavam chifres e outros adornos; o mabizashi, o qual seria uma espécie de viseira, a qual poderia trazer símbolos pintados ou fixados; e o tehen, onde se colocavam chifres ou outros adornos.
No que se refere as armas dos samurais, basicamente estas compreendiam três categorias: espada, arco e lança, embora ao longo da História, os samurais usaram distintos tipos destas armas. No caso do arco, seu uso foi recorrente até do século X ao XV, depois começou em parte a ser substituído pelas armas de fogo, embora que os samurais ainda mantiveram o seu uso até o final do século XIX, e ainda hoje, samurais treinam arco e flecha. Todavia, o auge do arqueiro samurai foi entre os séculos X e XIII, quando a espada começou a ganhar destaque (TURNBULL, 1996, p. 22).
Os samurais usavam predominantemente o arco longo (yumi), o qual tinha mais de dois metros de envergadura, podendo chegar até 2,5 m, devido ao fato de que muitos samurais arqueiros lutavam a cavalo, e em movimento era mais fácil manejar um arco maior (pelo menos para eles, pois os mongóis usavam arcos recurvos, bem menores e mais potentes). Além do arco longo, eles também usavam uma balista (yoroi). (TURNBULL, 1996, p. 23).
Fotografia de diferentes pontas de flecha, usadas pelos samurais. Museu Nacional de Tóquio. Fonte: BRYANT, Anthony. The Samurai, 1989, p. 15. |
Fotografia do século XIX mostrando samurais usando naginatas e uma yari. |
No que se refere as espadas, os samurais do século X ao século XIII, usavam a tachi, uma espada um pouco menor do que a catana e com uma leve diferença na lâmina. A tachi não era tão resistente e afiada quanto a catana. E mesmo com a chegada da catana, a tachi ainda continuou a ser usado por outros tipos de guerreiros, já que catanas eram espadas bem mais caras e levavam meses para ficar pronta. Além do tachi, os samurais também usavam uma espada curta chamada wakizashi, a qual também era usada para cometer o seppuku. Ou eles poderiam usar uma adaga, chamada tanto. Os samurais também usavam uma espada longa chamada ôdachi (ou nodachi), a qual media mais de 1,65m, sendo maior até que a catana (TURNBULL, 2007, p. 35-37).
Não se sabe ao certo em que ano a catana surgiu. Alguns creditam ao ferreiro Musamane (séc. XIII-XIV), a autoria de ter criado no final do século XIII, a catana, porém apenas no século seguinte é que este modelo começaria a se difundir, mas se consolidaria no século XVI, como principal modelo de espada usado pelos samurais. Stephen Turnbull (2010, p. 10), diz que no século XIII-XIV, havia dois termos para se referir aos ferreiros japoneses, kajiya (ferreiro) e tosho ("ferreiro de espada"). O que significa que os tosho, tornaram-se ferreiros especializados no fabrico de espadas, algo que é reflexo do aumento da procura destas armas, não apenas pelos samurais, mas por outros guerreiros, embora que até o século XVI, muitos ashigarus ainda usassem lanças e arco e flecha, além de que muitos samurais também usavam tais armas.
Mas o que tornava a catana diferente das outras espadas? A catana necessitava de temperaturas elevadíssimas variando de 1300C a 1500C, além de que o metal era "dobrado" centenas ou milhares de vezes, ao longo de meses. Uma catana de alta qualidade levava pelo menos de 5 a 6 meses para ficar pronta. Catanas de qualidade inferior poderiam ser feitas entre 2 a 4 meses. A lâmina da catana era lâminas feita de aço e bastantes duras, principalmente a parte de cima, pois a catana só possui fio na parte de baixo. A parte de cima por ser mais dura e cega, era usada para bloquear golpes, pois a lâmina tinha dureza para resistir a pancadas e não se partir. (TURNBULL, 2010, p. 21-22).
Pintura retratando o samurai Uesugi Kenshin (1530-1578), conferindo a qualidade de sua catana. |
- Kate-bukuro: bolsa de provisões usada para se guardar alimento;
- Uchi-bukuro: bolsa de dinheiro;
- Yo-bukuro: lenço que poderia ser usado para cobrir o rosto, guardar algo, entre outras utilidades;
- Inro e Kinchaku: porta medicamentos;
- Tenugui: toalha;
- Koshinawa: corda;
- Kaginawa: corda com gancho;
- Naga tenugui: toalha grande;
- Kubi bukuro: "saco de cabeça" usado para se colocar a cabeça do inimigo. Alguns samurais decapitavam seus oponentes e os levava até seu mestre;
- Shiko: aljava;
- Kusune: cartucheira para balas;
- Uwa-obi: cordas usadas para prender as bainhas das espadas;
Quando um samurai não estava em guerra ou treinando, ele realizava outras atividades, as quais variavam principalmente de acordo com sua condição social. Os primeiros samurais eram essencialmente camponeses, recrutados para servir por alguns meses ou por poucos anos na capital, ou convocados para servir na tropa de um senhor por tempo indeterminado. Eles ainda não eram guerreiros profissionais.
No século XIII, temos samurais exercendo atividades administrativas e burocráticas, mas isso era reservado para samurais de condição social mais elevada ou que ganharam a confiança dos xoguns ou de outros samurais que pertenciam a aristocracia ou nobreza. Estes samurais também cuidavam de assuntos políticos.
Os demais samurais continuavam a ser soldados e quando não estavam em treinamento ou no quartel, retornavam as suas funções rurais, ou poderiam exercer outros serviços militares no feudo de seu mestre ou em outros locais.
No século XVIII, o Hagakure expressa vários aspectos do cotidiano dos samurais, e neste caso, como consistia num período de paz, muitos samurais já não tinham guerras para lutar, e acabavam tendo mais tempo livre, e assim alguns se dedicavam a religião, aos estudos, as artes, política, comércio, agricultura, etc., uns se tornaram ronins, e viajavam atrás de aventura ou de problemas. Miyamoto Musashi passou vários anos nessa vida como ronin, desafiando outros samurais, a fim de provar que era o melhor espadachim do Japão. No que se refere aos samurais mulheres, estas estavam ligadas as funções de dona de casa, esposa e mãe, já que praticamente os homens não cuidavam de afazeres domésticos naquele tempo.
3) Ninjas x samurais
Nessa última parte do texto abordaremos alguns casos pontuais de conflitos entre ninjas e samurais, pois como mencionado, pouco se conhece das atividades dos shinobis devido a sua natureza sigilosa, daí não se haver registros de tais missões e no caso de ter existido algum relato, hoje são desconhecidos. Embora os shinobis tenham surgido no século XV, relatos de sua ações datam do século seguinte. As datas aqui apresentadas foram retiradas do livro Ninja AD 1460-1650 (2003), por ser uma das poucas obras sobre o tema, a qual traz alguns casos de missões de shinobis.
1487 - Rebelião em Omi
Dez anos após o término da Guerra de Onin (1467-1477), o Japão se encontrava ainda em crise política, e ainda demoraria várias décadas para sair desta. O shugo (governador de província) Rokkaku Takayori para conter uma rebelião na província de Omi, contratou vários shinobis para acabar com os revoltosos.
1541 - O incêndio do Castelo Kasagi
A crônica Tamon-In nikki, escrita por Eishun de Tamon-In, prior do Monastério Kofuku-ji em Nara, disse que no dia 26 de novembro de 1541, o Castelo Kasagi foi incendiado. Segundo o relato, o incêndio começou a partir das celas dos monges, o que sugere que os shinobis disfarçados de monges foram responsáveis por tal atentado. O próprio monge diz que acreditava que os shinobi de Iga tinham sido responsáveis por tal crime.
1558 - Ataque ao Castelo de Sawayama
Neste ano o daimiô Rokkaku Yoshikata, contratou o shinobi Tateoka Doshun de Iga, para comandar uma operação ao castelo de Sawayama no intuito de roubar alguns documentos do tesoureiro chamado Dodo. Doshun era um chunin, e liderou pelo menos 48 ninjas nesta difícil operação de se invadir o castelo e subtrair tais documentos. Desconhece-se os detalhes da operação, mas os shinobis conseguiram invadir o castelo, inclusive causaram incêndio nele. Posteriormente Rokkaku conseguiu obter vitória em Sawayama.
1561 - Ataque ao Castelo de Maibara
O daimiô Kizawa Nagamasa, contratou um ninja de Iga, e lhe deu a missão de invadir e incendiar o Castelo de Maibara, ao leste do Lago Biwa. O castelo estava sob domínio de Rokkaku Yoshikata, o mesmo que três anos antes havia usado os shinobi num ataque próprio. Nota-se aqui o caráter mercenário dos ninjas. A invasão ao castelo que se pretendia ser sorrateira, acabou sendo descoberta. Os ninjas tiveram que entrar em conflito com a guarnição. Eles conseguiram iniciar um foco de incêndio na fortificação, mas a missão não foi concluída com sucesso devido a terem sido descobertos e alguns deles foram mortos em combate.
1562 - Ataque ao Castelo Kaminjo
No ano de 1562, Tokugawa Ieyasu (futuro xogum) estava em conflito com Imagawa Ujizane, o qual havia sequestrado sua esposa e um dos filhos. Os Imagawa haviam trocado de lado na guerra após a derrota na Batalha de Okehazama (1560), vencida pelo exército de Oda Nobunaga. Como Tokugawa era aliado de Oda, Ujizane decidiu atacá-lo e chantageá-lo, porém, para infortúnio de Ujizane, seu Castelo Kaminjo foi tomado por Udono Nagamochi. Tokugawa viu uma oportunidade brilhante: se vingaria de Ujizane, tomaria seu castelo, resgataria sua esposa e filho e puniria Udono em nome do poderoso daimiô Oda Nobunaga. Mas Tokugawa Ieyasu não sujaria suas mãos de sangue neste caso, então ele contratou uma tropa de ninjas para executar a difícil tarefa de resgate de seus familiares.
O Mikawa Go Fudoki narra essa história, contando que um shinobi de Koga, chamado Tomo Sukesada, liderou 80 ninjas nessa difícil missão. A invasão ao castelo foi difícil devido ao fosso e os muros íngremes, mas os shinobis conseguiram invadi-lo, resgataram os reféns, fizeram outros reféns, mataram os irmãos Udono que controlavam o castelo e assim Tokugawa tomou para si o castelo de Ujizane e resgatou sua família.
1571 - Tentativa de assassinato de Oda Nobunaga
Oda Nobunaga (1534-1582) foi um dos mais poderosos daimiôs da história do Japão, lembrado como um dos "Três Grandes Restauradores" (os outros dois foram Toyotomi Hideyoshi e Tokugawa Ieyasu). Nobunaga não chegou a se tornar xogum, mas sua influência era tão grande que ele dispunha de prestígio na corte e os xoguns eram considerados seus "vassalos". Em 1571, ele ordenou a invasão da província de Omi. O então governador Rokkaku Yoshisuke para se vingar de Nobunaga, contratou um shinobi de Koga, chamado Sugitani Zenjubo, para assassinar o poderoso daimiô.
Sugitani que era habilidoso com o uso de armas de fogo, decidiu matar Nobunaga enquanto este estivesse passando pela Passagem Chigusa, entre as províncias de Omi e Mino. Embora Zenbujo fosse habilidoso atirador, Nobunaga não costumava viajar e sair sem armadura. O projétil do arcabuz não conseguiu perfurar a armadura de Nobunaga. Sugitani fugiu, mas quatro anos depois foi descoberto como sendo responsável pela tentativa de assassinato de Nobunaga. Zenbujo foi torturado e morto.
1573 - Segunda tentativa de assassinato a Oda Nobunaga
Neste ano, Nobunaga conseguiu derrotar o exército de Manabe Rokuro, vassalo do daimiô Hatano Hideharu. Em seguida foi a vez de Hatano ser morto. Manabe para vingar a morte de seu mestre, contratou um shinobi para assassinar Nobunaga. O ninja invadiu a residência de Oda na calada da noite, porém, os guardas e o próprio daimiô o detectaram. O shinobi como não conseguiu fugir, cometeu suicídio.
Gravura de Yoshitoshi, supostamente representando a tentativa de assassinato de Nobunga, em 1573. Na imagem, um dos guardas do daimiô segura o shinobi. |
O assassinato do daimiô Uesugi Kenshin (1530-1578) é um caso curioso. Kenshin foi um notório daimiô e habilidosos samurai, e segundo uma história, ele teria morrido devido ao agravamento de ferimentos causados por um shinobi, contrato por Nobunaga. De acordo com o relato, Kenshin estava na latrina, quando um shinobi lhe furou o ânus com uma espada ou lança. O ferimento além de causar grande dor o levou a morte dias depois. Por outro lado, os historiadores contestam essa versão, a qual carece de mais referências. Outro relato aponta que Kenshin teria sido envenenado ou teria morrido de algum problema estomacal ou hepático, pois era conhecido por beber muito.
1581 - Invasão a Iga
Como parte de sua campanha de unificação do país, Oda Nobunaga ordenou que a província de Iga fosse invadida e ocupada. Além disso, tal acontecimento também serviu como uma espécie de vingança pelas tentativas de assassinato que havia sofrido, pelas mãos dos ninjas. Os exércitos de Nobunaga tocaram o terror em Iga, se desconhece o número de mortos e quantos eram ninjas ou pertenciam a famílias de shinobis. Ainda assim, os ninjas de Iga não foram extintos.
1582 - A derrota de Akechi Mitsuhide
Em 21 de junho de 1582, Oda Nobunaga foi traído pelo seu general Akechi Mitsuhide, tendo sido encurralado no templo Honno-ji, em Kyoto. Para não ser capturado ou assassinado, Nobunaga optou em cometer o seppuku. O acontecimento gerou divisões entre os generais de Nobunaga, mas Toyotomi Hideyoshi que era um de seus generais de confiança decidiu agir, reunindo seu exército e partiu a caça do traidor Akechi. Dois dias depois, o acampamento de Akechi foi descoberto por um shinobi. O que originou a Batalha de Yamazaki, na qual Akechi Mitsuhide foi morto em combate (TURNBULL, 2008, p. 62).
1600 - A Batalha de Sekigahara
Em 1598, o segundo unificador, o daimiô Toyotomi Hideyoshi faleceu. Seu filho na época tinha 5 anos de idade. Na prática o Clã Toyotomi controlava o Japão, mas sem a presença de uma figura forte e habilidosa como de Hideyoshi, o clã estava enfraquecido o que permitiu que outras famílias decidissem disputar o poder e isso culminou na Batalha de Sekigahara em outubro de 1600. Tokugawa Ieyasu, um dos daimiôs que disputavam o poder, convocou shinobis de Iga, para o servirem durante os bastidores do conflito, pois além da batalha principal, outros conflitos menores ocorreram nas cercanias. Os ninjas atuaram nestes conflitos secundários, embora se desconheça os detalhes de suas operações.
1614-1615 - O cerco de Osaka
Em 1603, Tokugawa Ieyasu tornou-se xogum, fundando o bakufu de Edo (atual Tóquio), o último bakufu a governa o Japão. Anos depois, em 1614, Toyotomi Hideyori, filho de Hideyoshi decidiu recuperar o que era seu por direito, e ele considerava os Tokugawa usurpadores do legado que seu pai lhe havia deixado. Hideyori ordenou reformas no castelo e nas muralhas de Osaka, cidade que estava sob controle de seu clã. Osaka tornar-se-ia seu centro de operações militares contra os Tokugawa, mas quando o xogum soube disso, tratou de invadir Osaka e derrotar os Toyotomi.
Tokugawa também tinha ninjas ao seu serviço, como os jonin Hattori Masanari de Iga, membro do importante Clã Hattori, o qual a gerações treinava ninjas; e Yamaoka Kagetsu de Koga, jonin de outra importante família de shinobis. De ambos os lados os dois daimiôs reuniram mais de cem mil homens. O cerco a Osaka durou três meses indo de 8 de novembro de 1614 a 22 de janeiro de 1615, mobilizando milhares de samurais, ashigarus e centenas de shinobis.
1637-1638: A Rebelião de Shimabara
A hegemonia Tokugawa novamente foi perturbada e desafiada em 1638, quando em Shimabara, no feudo de Hizen, no sul do país, eclodiu uma revolta de camponeses. A maioria dos camponeses eram cristãos e nessa época o cristianismo havia sido banido e proibido no Japão, ainda assim, vários cristãos relutavam abjurar sua fé. Todavia, além dessa questão religiosa, os camponeses também protestavam pela cobrança abusiva de tributos dos senhores de Shimabara e Amakusa. Liderados pelo jovem Shiro Amakusa, o simples protesto rural, ganhou proporções gigantescas. Estima-se que de 20 a 30 mil camponeses aderiram a rebelião a qual durou cinco meses (YAMASHIRO, 1964, p. 114).
O xogum Tokugawa Iemitsu (neto de Ieyasu) mobilizou um exército de mais de cem mil homens, o que envolveu milhares de samurais, ashigarus e entenas de ninjas, como também contou com o apoio da marinha holandesa, na época aliados dos japoneses. o Castelo de Hara, reduto final dos rebeldes foi o último a cair, mas ao longo destes meses de conflitos, shinobis foram enviados para obter informações sobre a movimentação dos rebeldes, seus planos, além de assassinar alvos específicos. A Rebelião de Shimabara é considerada a última guerra na qual os shinobis participaram. Depois disso, há relatos de casos pontuais.
Considerações finais:
Após a Rebelião de Shimabara (1637-1638) ter sido violentamente reprimida, tendo ocorrido verdadeiros massacres, uma era de paz se assentou sobre o Japão. A política de isolamento dos Tokugawa, cortou gradativamente laços com outras nações. Os portugueses e espanhóis já havia sido banidos, os holandeses seriam proibidos de retornar ao país na década de 1640. Os chineses e coreanos reduziram drasticamente seus contatos comerciais com os japoneses. Com o término das grandes guerras, os exércitos diminuíram e muitos ex-soldados voltaram a vida civil.
A partir do século XVII começaram a surgir contos folclóricos sobre histórias prodigiosas e até mesmo fantásticas sobre ninjas e samurais. O bushido foi formalizado no final do XIX, baseado em alguns livros de samurais do Xogunato Tokugawa, havendo dúvidas de quão antigo seria esse código. O ninjutsu ainda continuou a ser ensinado. Ninjas continuaram a serem treinados, embora se desconheça suas ações nessa época. A segunda metade do século XVII, passando por todo o século XVIII e chegando ao século XIX, o país não vivenciaria grandes conflitos, apenas questões pontuais e esparsas.
De qualquer forma vimos que os shinobis e samurais não eram guerreiros com habilidades sobre-humanas e mágicas, embora algumas lendas contassem isso; mas eram homens e mulheres altamente treinados em diferentes forma de guerrear. Por outro lado, ninjas e samurais não eram inimigos mortais como a literatura e outras artes acabaram perpetrando, mas essencialmente eram guerreiros que "serviam", logo, não foi incomum ver samurais e shinobis como aliados em guerras, como no caso da Batalha de Sekigahara, no Cerco de Osaka e na Rebelião de Shimabara. Por outro lado, também não foi incomum que samurais requisitassem o serviço de ninjas para seus próprios interesses, além de haver escolas de samurais que lecionavam ninjutsu a eles, e até samurais que chegaram a usar armamento ninja. Além do mais curioso, o fato de que houve samurais que eram também shinobis, como Hattori "Oni" Hanzô.
1581 - Invasão a Iga
Como parte de sua campanha de unificação do país, Oda Nobunaga ordenou que a província de Iga fosse invadida e ocupada. Além disso, tal acontecimento também serviu como uma espécie de vingança pelas tentativas de assassinato que havia sofrido, pelas mãos dos ninjas. Os exércitos de Nobunaga tocaram o terror em Iga, se desconhece o número de mortos e quantos eram ninjas ou pertenciam a famílias de shinobis. Ainda assim, os ninjas de Iga não foram extintos.
1582 - A derrota de Akechi Mitsuhide
Em 21 de junho de 1582, Oda Nobunaga foi traído pelo seu general Akechi Mitsuhide, tendo sido encurralado no templo Honno-ji, em Kyoto. Para não ser capturado ou assassinado, Nobunaga optou em cometer o seppuku. O acontecimento gerou divisões entre os generais de Nobunaga, mas Toyotomi Hideyoshi que era um de seus generais de confiança decidiu agir, reunindo seu exército e partiu a caça do traidor Akechi. Dois dias depois, o acampamento de Akechi foi descoberto por um shinobi. O que originou a Batalha de Yamazaki, na qual Akechi Mitsuhide foi morto em combate (TURNBULL, 2008, p. 62).
1600 - A Batalha de Sekigahara
Em 1598, o segundo unificador, o daimiô Toyotomi Hideyoshi faleceu. Seu filho na época tinha 5 anos de idade. Na prática o Clã Toyotomi controlava o Japão, mas sem a presença de uma figura forte e habilidosa como de Hideyoshi, o clã estava enfraquecido o que permitiu que outras famílias decidissem disputar o poder e isso culminou na Batalha de Sekigahara em outubro de 1600. Tokugawa Ieyasu, um dos daimiôs que disputavam o poder, convocou shinobis de Iga, para o servirem durante os bastidores do conflito, pois além da batalha principal, outros conflitos menores ocorreram nas cercanias. Os ninjas atuaram nestes conflitos secundários, embora se desconheça os detalhes de suas operações.
1614-1615 - O cerco de Osaka
Em 1603, Tokugawa Ieyasu tornou-se xogum, fundando o bakufu de Edo (atual Tóquio), o último bakufu a governa o Japão. Anos depois, em 1614, Toyotomi Hideyori, filho de Hideyoshi decidiu recuperar o que era seu por direito, e ele considerava os Tokugawa usurpadores do legado que seu pai lhe havia deixado. Hideyori ordenou reformas no castelo e nas muralhas de Osaka, cidade que estava sob controle de seu clã. Osaka tornar-se-ia seu centro de operações militares contra os Tokugawa, mas quando o xogum soube disso, tratou de invadir Osaka e derrotar os Toyotomi.
Tokugawa também tinha ninjas ao seu serviço, como os jonin Hattori Masanari de Iga, membro do importante Clã Hattori, o qual a gerações treinava ninjas; e Yamaoka Kagetsu de Koga, jonin de outra importante família de shinobis. De ambos os lados os dois daimiôs reuniram mais de cem mil homens. O cerco a Osaka durou três meses indo de 8 de novembro de 1614 a 22 de janeiro de 1615, mobilizando milhares de samurais, ashigarus e centenas de shinobis.
Shinobis durante um cerco. Ilustração de Wayne Reynolds. Fonte: TURNBULL, Stephen. Ninja AD 1460-1650, 2003. |
A hegemonia Tokugawa novamente foi perturbada e desafiada em 1638, quando em Shimabara, no feudo de Hizen, no sul do país, eclodiu uma revolta de camponeses. A maioria dos camponeses eram cristãos e nessa época o cristianismo havia sido banido e proibido no Japão, ainda assim, vários cristãos relutavam abjurar sua fé. Todavia, além dessa questão religiosa, os camponeses também protestavam pela cobrança abusiva de tributos dos senhores de Shimabara e Amakusa. Liderados pelo jovem Shiro Amakusa, o simples protesto rural, ganhou proporções gigantescas. Estima-se que de 20 a 30 mil camponeses aderiram a rebelião a qual durou cinco meses (YAMASHIRO, 1964, p. 114).
O xogum Tokugawa Iemitsu (neto de Ieyasu) mobilizou um exército de mais de cem mil homens, o que envolveu milhares de samurais, ashigarus e entenas de ninjas, como também contou com o apoio da marinha holandesa, na época aliados dos japoneses. o Castelo de Hara, reduto final dos rebeldes foi o último a cair, mas ao longo destes meses de conflitos, shinobis foram enviados para obter informações sobre a movimentação dos rebeldes, seus planos, além de assassinar alvos específicos. A Rebelião de Shimabara é considerada a última guerra na qual os shinobis participaram. Depois disso, há relatos de casos pontuais.
Considerações finais:
Após a Rebelião de Shimabara (1637-1638) ter sido violentamente reprimida, tendo ocorrido verdadeiros massacres, uma era de paz se assentou sobre o Japão. A política de isolamento dos Tokugawa, cortou gradativamente laços com outras nações. Os portugueses e espanhóis já havia sido banidos, os holandeses seriam proibidos de retornar ao país na década de 1640. Os chineses e coreanos reduziram drasticamente seus contatos comerciais com os japoneses. Com o término das grandes guerras, os exércitos diminuíram e muitos ex-soldados voltaram a vida civil.
A partir do século XVII começaram a surgir contos folclóricos sobre histórias prodigiosas e até mesmo fantásticas sobre ninjas e samurais. O bushido foi formalizado no final do XIX, baseado em alguns livros de samurais do Xogunato Tokugawa, havendo dúvidas de quão antigo seria esse código. O ninjutsu ainda continuou a ser ensinado. Ninjas continuaram a serem treinados, embora se desconheça suas ações nessa época. A segunda metade do século XVII, passando por todo o século XVIII e chegando ao século XIX, o país não vivenciaria grandes conflitos, apenas questões pontuais e esparsas.
De qualquer forma vimos que os shinobis e samurais não eram guerreiros com habilidades sobre-humanas e mágicas, embora algumas lendas contassem isso; mas eram homens e mulheres altamente treinados em diferentes forma de guerrear. Por outro lado, ninjas e samurais não eram inimigos mortais como a literatura e outras artes acabaram perpetrando, mas essencialmente eram guerreiros que "serviam", logo, não foi incomum ver samurais e shinobis como aliados em guerras, como no caso da Batalha de Sekigahara, no Cerco de Osaka e na Rebelião de Shimabara. Por outro lado, também não foi incomum que samurais requisitassem o serviço de ninjas para seus próprios interesses, além de haver escolas de samurais que lecionavam ninjutsu a eles, e até samurais que chegaram a usar armamento ninja. Além do mais curioso, o fato de que houve samurais que eram também shinobis, como Hattori "Oni" Hanzô.
Não obstante, devido a natureza sigilosa e secreta das atividades dos shinobis, pouco se conhece de suas ações ao longo da História, inclusive suas origens ainda hoje não são certezas, e estão em voltas em lendas e suposições equivocadas, pois não podemos considerar que todo assassino secreto tenha sido um shinobi. Logo, credita-se que eles tenham surgido por volta do século XV e já estavam participando da tumultuosa e sangrenta fase do Sengoku jidai.
Essencialmente, as atividades dos ninjas e dos samurais em meados da Idade Moderna, foram reflexos do estado de guerra pelo qual o Japão passava. Um estado tão caótico, no qual a honra e a trapaça, lutaram juntos.
NOTA: Os jogos Nioh (2017) e Nioh 2 (2020) mostram samurais e ninjas, em alguns momentos eles lutam entre si. Além de esses jogos cobrirem acontecimentos das campanhas de Oda Nobunaga e de Tokugawa Ieyasu.
NOTA 2: O jogo Sekiro (2019) também aborda o conflito entre samurais e ninjas, mas com uma história totalmente fictícia.
Referências Bibliográficas:
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BRYANT, Anthony J. Early Samurai: AD 200-1500. Ilustração de Angus McBride. Oxford: Osprey Publishing, 2001. (Série Elite: 35).
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TURNBULL, Stephen. Samurai Commanders: 940-1576, vol. 1. Ilustração de Richard Hook. Oxford: Osprey Publishing, 2005. (Série Elite: 125). 2v
TURNBULL, Stephen. Samurai heraldry. Ilustração de Angus McBride. Oxford: Osprey Publishing, 2002. (Série Elite: 82).
TURNBULL, Stephen. The Samurai Soucerbook. 2a ed. London: Cassell & Co, 2000.
TURNBULL, Stephen. Samurai Warfare: arms & armor. London: Cassell & Co, 1996.
TURNBULL, Stephen. Samurai Women: 1184-1877. Ilustração de Giuseppe Rava. Oxford: Osprey Publishing, 2010. (Série Warrior: 101).
TURNBULL, Stephen. Samurai: the world of warrior. Oxford: Osprey Publishing, 2003.
TURNBULL, Stephen. Warriors of Medieval Japan. Oxford: Osprey Publishing, 2007.
YAMASHIRO, José. Pequena história do Japão. 2a ed. São Paulo: Editora Herder, 1964.
WILLHELM, Thomas; ANDRESS, Jason. Ninja hacking: uncoventional penetration testing tactics and tecniques. New York: Elsevier, 2011.
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