Neste ano a maior revolução pautada em ideologias de esquerda completou um século de ocorrência. Para que esse acontecimento não passasse em branco, decidi escrever esse texto para contar um pouco como foi o processo histórico que levou ao desencadeamento e realização dessa revolução no ano de 1917. A preocupação foi mostrar que embora tenha sido uma revolução marxista-socialista, as questões que levaram ao seu desenvolvimento perpassavam diferentes pontos de vista políticos, envolvendo questões relacionadas a monarquia, absolutismo, liberalismo, conservadorismo, capitalismo, nacionalismo, socialismo, democracia, republicanismo, anarquia etc. Juntando-se tudo isso ao longo de 60 anos, tivemos o contexto de uma Rússia em mudança, mas ao mesmo tempo assombrada pela insegurança de governos instáveis e impopulares.
1) Introdução
Para entender porque uma revolução eclodiu na Rússia em plena Primeira Guerra Mundial (1914-1918) é preciso comentar um pouco dos principais fatores que confluíram para culminar na derrubada da monarquia czarista e a ascensão de uma democracia socialista. No caso os fatores foram essencialmente de ordem econômica, política e social.
A Rússia no final do século XIX era um país predominantemente rural, com uma grande população pobre e analfabeta, que desde meados daquele século promovia revoltas pelo país, tentando chamar a atenção do governo para necessidades como miséria, fome, desemprego e injustiça. O ano de 1861 foi um marco, pois o czar Alexandre II aboliu a servidão. (REIS FILHO, 1989, p. 8-9). No caso, a servidão russa não foi igual a escravidão moderna que imperou nas Américas e na África, pois enquanto na escravidão apenas os negros e indígenas eram feitos escravos, tratados sem direito algum, e considerados mercadorias, objetos, animais etc. os servos russos possuíam direitos, não eram mercadorias, eram pessoas obrigadas a servir um senhor e sua família por tempo indeterminado, o que incluía as próximas gerações. O fim da servidão na Rússia é um ponto a ser destacado. Não apenas aboliu um sistema de relação de trabalho e dependência social-política-econômica que vigorava desde a Idade Média, mas também permitiu que os camponeses que eram servos pudessem se reunir e criar as comunas rurais, que curiosamente foi algo inventado pelo governo de Alexandre II, no intuito de amparar os 23 milhões de ex-servos.
As comunas rurais eram um fundo de terra, em parte doado e vendido aos camponeses, de forma que eles pudessem assentar suas famílias e sobreviver. Essas comunas possuíam uma administração interna e eletiva regularmente. Apesar de tais características, as comunas ainda continuavam a mercê dos senhores de terra, os quais manipulavam os interesses das assembleias comunais, além de vender lotes de baixa qualidade a preço elevado; por sua vez, o Estado embora fornecesse créditos para a compra desses lotes, o fazia sobre pesados juros, o que comprometia a renda de uma família por anos. (REIS FILHO, 1989, p. 9).
A partir dessa abertura política promovida por Alexandre II, deu-se início a um período de movimentos populistas chamado de narodnichestvo, cujo um dos lemas era zemla y volya (terra e liberdade). Apesar da proposta das comunas rurais promovida pelo Estado, parte da população rural não se contentou com isso, pois continuavam dependentes dos juros impostos pelo governo, e da influência política e econômica de seus antigos senhores, assim, surgiram movimentos que reivindicavam uma reforma agrária, implantação do liberalismo, industrialização do país, mais democracia, fim dos privilégios dos boiardos (aristocracia rural russa) etc., e até mesmo movimentos mais radicais que pediam o fim da monarquia e implantação de uma república. (WOOD, 2003, p. 16-17).
Nesse ponto, o historiador Alan Wood (2003, p. 17-19) comenta que as décadas de 1860 e 1870 na Rússia, foram permeadas pelo crescimento da conscientização da população russa pelos seus direitos políticos, e o surgimento de militâncias, principalmente advindos dos camponeses. Todo esse enorme contingente que ansiava por mudanças e estava descontente com o governo, serviu de base de apoio para homens que pregavam ideais revolucionários liberais, republicanos, socialistas, marxistas etc. Alguns desses homens como Alexander Herzen (1812-1870) e Nicholas Chernyshevsky (1826-1889) influenciados pela Primavera dos Povos (1848), tentaram promover revoluções em seu país, apesar de não terem obtido êxito. Ainda assim, a semente para uma classe trabalhadora rural preocupada com seus direitos políticos, civis, melhorias sociais, econômicas e de vida, estava plantada.
Mas além da mão-de-obra rural que representava mais de 80% da população do país, a mão-de-obra urbana com o tempo começou a se mostrar importante, e a adentrar essa luta por direitos e reformas. No final do século XIX, a Rússia começou a se industrializar. O Estado vendo que não dispunha de recursos próprios para alavancar seu crescimento interno, começou a firmar parcerias e acordos com empresas, investidores e bancos estrangeiros. O historiador Daniel Reis Filho (1989, p. 14) comenta que a economia russa naquele tempo possuía dois grandes problemas: dependência do capital estrangeiro, que era responsável por pelo menos 72% dos investimentos no país, cuja produção era focada principalmente em três setores: agricultura, indústria têxtil e indústria siderúrgica; e o fato do Estado ser centralizador, não possibilitando espaço para o desenvolvimento independente, concorrência, liberalismo, além de não fornecer direitos trabalhistas, realidade vista em outros países da época. Os operários russos não tinham direito de formar sindicatos, trabalhavam de 12 a 15 horas por dia, em condições insalubres e degradantes; recebiam um salário abaixo da média se comparado a países vizinhos; e havia casos de serem pagos em gêneros alimentícios ou com outros produtos.
Tal fator foi preponderante para que nas décadas de 1880 a 1900, começassem a surgir militâncias para a criação de sindicatos e partidos trabalhistas, como o Grupo para a Liberação do Trabalho, iniciado em 1883. Nesse ponto, Alan Wood (2003) comenta que devido a politização dos operários russos os quais eram significativamente letrados, seus anseios e revoltas, isso permitiu que ideais socialistas e marxistas fossem bem recebidas no país, pois muitos se viam claramente inseridos no contexto apontado por Karl Marx (1818-1883). Marx em vários de seus escritos, mas especialmente no Manifesto do Partido Comunista (1848) e em O Capital (1867), assinalava a importância da união do proletário, da população em geral para combater a exploração do trabalho, a exploração da burguesia, dos bancos, dos empresários; criticava a alienação política, a alienação pelo consumismo desenfreado e vazio de sentido; criticava a mais-valia (tese central na crítica de Marx ao capitalismo); incentivava a luta por direitos trabalhistas, melhores condições de emprego e vida, pautada em sua teoria de luta de classes; incentivava a luta por reformas sociais e jurídicas que tornassem o país um lugar melhor etc. (BOBBIO, 1998).
Embora hoje o Marxismo, o Socialismo e o Comunismo sejam considerados a mesma coisa, e até mesmo mal interpretados, eles não são iguais, mas possuem algumas particularidades em comum. Além disso, é preciso sublinhar que o socialismo abordado na Revolução Russa foi influenciado principalmente por Lenin, o qual por sua vez, já apresentava ideias diferentes das propostas por Karl Marx e Friedrich Engels (1820-1896), co-autor do Manifesto do Partido Comunista. O posicionamento político-econômico-social de Lenin ficou conhecido como Leninismo. Sendo assim, se faz necessário comentar um pouco sobre esse ativista e revolucionário.
2) O Leninismo:
Nascido Vladimir Illyich Ulyanov (1870-1924), mais conhecido pelo pseudônimo de Lenin, pertencia a uma família de classe média de Simbirsk, de raízes monarquistas e conservadoras. Apesar disso os três filhos de Ilya Ulyanov e Maria Ulyanov não puxaram o posicionamento político dos pais, no caso, Alexandre, Ilya Filho e Vladimir (Lenin) todos os três ainda na adolescência ingressaram em movimentos estudantis e se interessaram pelos ideais republicanos, marxistas e socialistas. Recordemos que nesse tempo a Rússia vivenciava uma onda de movimentos populistas no campo, na indústria, nas universidades, e nos meios de comunicação, logo, não era incomum que os jovens russos não estivessem envolvidos com algum tipo de movimento ou militância. De qualquer forma, dos três irmãos Ulyanov, Lenin foi o que mais se destacou. Alexandre optou em agir de forma moderada, Ilya faleceu ainda cedo, após a morte do irmão do meio, Lenin ingressou na Universidade de Kazan para estudar Direito em 1887, mas acabou sendo expulso devido ao seu envolvimento com grupos militantes radicais.
Apesar de ter sido expulso da universidade, Lenin ainda continuou a estudar Direito e política, aprofundando-se cada vez mais no Marxismo, Socialismo e Comunismo. Sua família mudou-se para Samara, onde viveram nos anos seguintes. Lenin acabou se formando em Direito, e ingressando em grupos socialistas e marxistas. Nesse tempo ele começou a romper com a ideia dos populistas de que o socialismo seria implantado a partir dos campesinato; assim, adotando o modelo de Karl Marx, o qual defendia que o capitalismo era fundamental para o desenvolvimento do Estado, de forma a constituir as bases para a vinda do socialismo, Lenin passou a defender a industrialização, algo criticado por alas revolucionárias da esquerda russa, as quais defendiam que o socialismo não necessitava de uma etapa pré-capitalista; como também se envolveu com a organização de sindicatos não oficiais, pois o governo russo não permitia a criação de sindicatos naquele tempo. (SETTEMBRINI, 1998, p. 680).
No tempo que morou em Samara, Lenin escreveu alguns artigos e manifestos, os quais eram impressos ilegalmente e dado a militantes. Chegou a viajar para Suíça e a Alemanha, a fim de entrar em contato como pensadores de esquerda e conseguir obras teóricas. Embora Lenin seja lembrado por ter sido um ávido militante, ele foi um intelectual e teórico. Tais condições lhe renderam uma ida a prisão. O fato do governo russo proibir a formação de sindicatos operários, e até mesmo ter proibido a manifestação pública de ideias antimonarquistas, socialistas, comunistas, republicanas e marxistas, rendeu prisão a Lenin no ano de 1895. Em 1897 ele foi sentenciado ao exílio na Sibéria, onde viveu até 1900, vindo a se casar com sua namorada Nadezda Krupskaja, mais conhecida pelo apelido de Nadya.
O tempo que esteve na prisão não impediu que Lenin interrompesse seus estudos, a escrita de seus livros e o contato com pensadores, revolucionários e militantes. Nesse tempo na prisão escreveu algumas obras importantes como o Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia (1899), obra que defendia que a Rússia já apresentava uma condição capitalista, algo necessário para se conscientizar a classe operária de iniciar o movimento rumo ao socialismo. Apesar de receber críticas de alas não-marxistas e contrárias ao movimento operário e sindicalismo defendidos por Lenin, ainda assim, sua teoria que adaptava o marxismo para a realidade russa começou no início do século XX a ganhar adeptos. Na prática, a obra de Lenin distorcia a realidade industrial russa, criando um contexto não real, ainda assim, verossímil para se tentar promover uma revolução socialista. Se antes Lenin era adepto das fases propostas por Marx, que recomendava a industrialização e capitalização de um Estado, para poder somente tentar ingressar no socialismo, Lenin desconsidera isso e pulava tais fases.
Em 1900, Lenin cumpriu sua prisão na Sibéria e partiu para exílio fora do país. Mesmo a distância continuou escrevendo e ganhando apoio de partidos, grupos, sindicatos e movimentos de esquerda na Europa e na Rússia. Em 1902 foi criado o Partido Socialista Revolucionário (PSR), em parte baseado nas propostas de Lenin. Tal condição levou ao surgimento do Leninismo, termo usado para se referir ao pensamento teórico-político de Vladimir Lenin, pautado no marxismo, socialismo e comunismo.
No caso, o pensamento político de Lenin possui ideias singulares, as quais não iremos aqui adentrar, pois requerer um trabalho específico para explicar suas teorias. De qualquer forma, as ideias de Lenin foram tão influentes ao ponto de criar uma cisão dentro do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), surgido em 1898, no qual Lenin era uma das principais lideranças. Assim, no Segundo Congresso Internacional do POSDR, realizado em 1903, em Bruxelas, na Bélgica, e em Londres, na Inglaterra, o partido sofreu uma divisão em duas alas: os Bolcheviques que defendiam as propostas de Lenin, e os Mencheviques liderados por Julius Martov.
Um dos motivos que levou a cisão do POSDR, se deveu a discordância de como encaminhar sua luta partidária. Lenin naquele tempo defendia ações mais enérgicas e inclusive iniciar uma revolução, enquanto Martov e seus adeptos eram a favor de esperar um pouco mais, seguir o modelo de Marx, aguardando um melhor desenvolvimento do capitalismo russo, para depois se tentar a transição ao socialismo. Lenin era a favor de uma mudança mais abrupta, alegando que as bases capitalistas já eram suficientes para se realizar a tal transição, porém, o governo absolutista do czar Nicolau II nunca iria tolerar isso, então a saída era pegar em armas e pressioná-lo. (WOOD, 2003, p. 30).
3) A crise de 1904-1905:
Revoltas e protestos já ocorriam na Rússia desde meados do século XIX, mas em dados momentos elas se intensificavam, e os anos de 1904 e 1905 fizeram parte desse período intenso. Nessa época coincidiu com a condição que o czar Nicolau II em sua ânsia expansionista, decidiu entrar em guerra contra o Império do Japão, a fim de disputar territórios fronteiriços na Coreia e Manchúria. O conflito rendeu um saldo de 84 mil japoneses mortos e pelo menos 143 mil feridos, mas apesar desses número elevados, ainda assim, o exército russo foi derrotado. A derrota russa na Guerra russo-japonesa (1904-1905) foi desastrosa não apenas para a política expansionista de Nicolau II, mas para seu governo num todo. (HOBSBAWM, 2008, p. 410).
A Rússia neste cinco primeiros anos do século XX, vivenciava uma turbulência interna: queda no crescimento econômico, desemprego, revoltas camponesas, operárias, estudantis, greves, fome, miséria, descontentamento da nobreza, dos militares, derrota na guerra, revolta da população pelos gastos na guerra e a perda de milhares de pais de família, tios e filhos; aumento nos movimentos republicanos e socialistas etc. Unindo-se toda essa efervescência, janeiro de 1905 começou sob uma série de protestos. A capital na época Petrogrado (atual São Petersburgo) foi palco de grande greves e protestos. No dia 5 de janeiro de 1905 reuniram-se 26 mil manifestantes, dois dias depois o número estimado já passava dos 100 mil. Os protestos de janeiro de 1905 ficaram conhecidos como Revolução Russa de 1905. (KOCHAM, 1968, p. 89).
Embora haja historiadores que questionem se a rotulação de revolução poderia ser usada para o movimento político oriundo das greves de 1905. De qualquer forma, revolução ou não, a situação em janeiro daquele ano piorou de forma alarmante no domingo, dia 9. Na ocasião mais de 100 mil grevistas a maioria operários, mas contando também com profissionais liberais, policiais, estudantes, comerciantes etc., se reuniu próximo ao palácio de inverno da Família Real. A manifestação era liderada pelo padre e policial Georg Gapon, o qual carregava uma lista de reivindicações para ser entregue ao czar, que na ocasião residia ali com sua família.
Apesar de a Rússia, Alemanha, França, Itália, Inglaterra entre outros países terem entrado na guerra por questões de alianças, eles também entraram por outros motivos.
"O regime czarista, ao entrar na guerra, pretendia dois objetivos: no plano externo, garantir a hegemonia nos Bálcãs e o controle dos estreitos que dão acesso ao Mediterrâneo. Internamente, recoesionar o povo em torno do czarismo e da defesa da pátria. Os generais russos imaginavam que a guerra seria curta e vitoriosa e que o povo a apoiaria maciçamente". (REIS FILHO, 1989, p. 38).
A tentativa de evocar o patriotismo foi bem recebida por parte da população nos mais diversos segmentos sociais. Hobsbawm (1999) e Wood (2003) comentam que em 1914 a onda de protestos contra o governo, decaiu significativamente devido a atenção da população dada a guerra. Lenin na época ainda estava em exílio, e foi um dos quais manifestou-se contrário a guerra imperialista, defendendo uma guerra contra a burguesia. Todavia, muitos não levaram em consideração seu apelo. Mesmo os partidos socialistas e marxistas nesse primeiro momento aderiram a convocação nacionalista. Mas se por um lado Lenin evitou de ir para o campo de batalha, outros futuros líderes da Segunda Guerra como Hitler, Mussolini e Stalin ingressaram no conflito.
Todavia, esse entusiasmo durou pouco. Em 1915 a situação já era assombrosa para os russos. A falta de planejamento e de logística no recrutamento, treinamento, transporte, deslocamento das tropas, abastecimento e comunicação foram determinantes para o fracasso da Rússia na Grande Guerra. No ano de 1915, dos 8 milhões de soldados disponíveis, 1,5 milhão estava morto ou ferido. Um número bastante elevado mesmo para os padrões da época. Somando-se a tal enorme perda do efetivo de combate, começou a se apresentar problemas na falta de abastecimento dos acampamentos e bases. Neste caso o abastecimento dizia respeito a comida, medicamentos, munição, veículos, roupas etc. Além da falta de suprimentos, o transporte também foi prejudicado e o recrutamento também sofreu problemas. Grande parte dos soldados disponíveis era formado por recrutas, os quais haviam sido convocados ainda em 1914, a maioria não concluiu o treinamento regular. Assim, 1915 terminava com a criação do Bloco Progressista, formado por parte dos parlamentares da Duma, representados pela nobreza e a burguesia, os quais estavam descontentes com a decisão de Nicolau II de ter adentrado na guerra e o andar do conflito. (REIS FILHO, 1989, p. 41).
O Bloco Progressista começou a pressionar o czar por atitudes frente a guerra, além de tomar decisões relacionadas aos problemas internos que vinham se desenvolvendo na última década, além da condição de que o czar não tinha cumprido com as reformas propostas em 1905. Nicolau II indignado com isso, suspendeu a Duma, e depois a reabriu com mudanças na direção e no conselho. Em quatro meses ele nomeou três presidentes de conselho favoráveis aos seus interesses, no intuito de barrar os protestos e reivindicações do Bloco Progressista. (REIS FILHO, 1989, p. 42).
Nicolau II em 1916 se via cada vez mais pressionado. O país estava em uma crise profunda: faltava comida, os impostos haviam subido para poder bancar uma guerra que se revelava desastrosa. Mais de 1,6 milhão de mortos, 1 milhão estava desaparecido ou desertado; 2 milhões estavam presos em diferentes países onde lutavam. O exército além de ter perdido quase metade do seu contingente, estava desmotivado e desamparado. O czar chegou a viajar para um dos quartéis-generais a fim de reverter a situação, mas sua presença pouco mudou a realidade dos planos de guerra. (LA REVOLUCIÓN RUSA, 2014, p.8).
Grandes greves voltavam a eclodir pelo país: salários atrasados, exploração do trabalho, impostos altos, falta de alimentos, insegurança diante das revoltas e protestos; desamparo do governo etc., marcava o cenário dos anos de 1915-1916. Por outro lado, sua ausência da capital, deixou o país a frente de duas pessoas despreparadas, a czarina Aleksandra e Rasputin, o conselheiro místico e curandeiro da família real. Ambos foram alvos de boatos e calúnias. E o próprio Rasputin que era invejado e odiado na corte, foi assassinado no final de dezembro de 1916.
5) Eclode a revolução:
O cenário conturbado dos últimos três anos iria culminar na deflagração de uma revolução. Dessa vez não seria apenas algo levado a cabo por grevistas como visto em 1905, mas a população russa estaria envolvida massivamente nos protestos. Em 1917, 5,5 milhões de soldados russos estavam mortos, feridos, desaparecidos, aprisionados ou haviam desertado. Muitos destes com suas famílias estavam indignados, o que incluía não apenas os soldados, mas os capitães, majores, coronéis e generais pelo desastre de ter adentrado a Grande Guerra. Além das mortes no campo de batalha, pessoas estavam morrendo de fome, frio, doenças e pela violência promovida pelo cenário de crise no país. Em 1916, nobre e militares chegaram a cogitar um golpe de Estado, mas esse foi adiado. (COMÍN, 2017, p. 23).
Neste caso, 1917 se iniciou com novos levantes grevistas e protestos contra o governo. No dia 9 de janeiro, uma greve de 150 mil pessoas foi realizada em Petrogrado para relembrar o ocorrido no Domingo Sangrento em 1905. Além disso, algumas pessoas gritavam palavras de ordem pedindo paz, pão e terra. As manifestações em Petrogrado continuaram pelo restante do mês, motivando novos levantes em outras cidades, até desemborcar numa greve geral. Homens e mulheres passam a participar das manifestações quase diárias. As fábricas ficam fechadas por semanas. Policias e soldados aderem aos protestos.
No final de fevereiro, uma greve geral já começava a ser convocada. Os bolcheviques que até então não havia aderido as greves, algo promovido principalmente pelos sindicatos operários, decidiram se unir a população. Os protestos deixaram de ter apenas um tom sindical, para ganhar um tom mais políticos. Palavras de ordem e revolução passaram a ser entoadas. O dia 26 de fevereiro de 1917, foi uma data crucial. O governo já havia ordenado o uso da força para desbaratar as manifestações e acabar com as greves, apesar de ter havido alguns casos de mortos e feridos, os números eram pequenos, comparado a tragédia de 1905. Todavia, naquela data, os batalhões de polícia e do exército em Petrogrado cruzaram os braços, negando-se a confrontar os manifestantes e grevistas, e aderindo a causa.
No dia 27, formou-se um Soviet composto por deputados operários e soldados. Além disso criou-se também um comitê executivo para comandar o soviete, que contava com mais de dois mil membros, os quais representava os interesses do povo. O soviet formado naquela ocasião faria frente a Duma, reduto da nobreza, ocupado por monarquistas favoráveis ao czar. Porém, é preciso lembrar que a própria Duma estava dividida naquela época. O Bloco Progressista surgido em 1915, representava a dissidência interna. E isso foi um problema para o governo, o qual havia perdido parte de seu apoio. O soviet na ocasião reivindicava a convocação de uma assembleia constituinte, governo popular, o que significava fim da monarquia, e instituição de uma república, cujo líder teria que ser eleito por sufrágio universal. (COMÍN, 2017, p. 26).
Apesar do Soviet de Petrogrado de início agir de forma moderada, em outras cidades como Moscou, Kazan, Tver, Samara, Saratov, Pskovy, Kharkov etc., nos primeiros dias de março tiveram seus governos destituídos. Todos os representantes políticos que eram a favor do Estado autocrático foram presos, expulsos e alguns assassinados. Isso tudo foi realizado pelo povo. Curiosamente não foi algo encabeçado pelos partidos socialistas como alguns alegam; a revolução de 1917 iniciou-se com a população no geral, independente da convocação partidária. De qualquer forma, o mês de março foi decisivo para o andamento da revolução. (REIS FILHO, 1989, p. 45-46).
Após a destituição e perseguição aos aliados do governo, Nicolau II vendo que não tinha mais nada a fazer, no dia 15 de março (2 de março no antigo calendário russo) apresentou sua abdicação voluntária, e disse que seu herdeiro direto, o príncipe Mikhail também abdicaria, algo que ocorreu no dia seguinte. Nicolau II e seu filho abdicaram mediante um acordo com a Duma, propondo que a monarquia seria mantida, mas convocaria-se uma assembleia constituinte, e tornaria-se a Rússia numa monarquia parlamentarista. No dia 20 de março o governo provisório da Duma sentenciou a família real a prisão domiciliar no Palácio Tsarkoe Tselo. Nicolau II ainda tentou solicitar exílio para sua família na França ou Inglaterra, mas o pedido foi negado devido ao clima de guerra, pois oficialmente a Rússia ainda permanecia no conflito e era inimiga de ambas as nações. Entretanto, a Alemanha decidiu agir.
Vladimir Lenin, na época com 47 anos, o qual vivia há vários anos fora da Rússia, ainda assim, era um militante reconhecido internacionalmente na Europa, foi incentivado a retornar ao seu país. O governo alemão ofereceu salvo-conduto para que Lenin deixasse a Suíça (onde estava exilado), tomando um trem que cruzaria o território alemão. Lenin chegou a Rússia no começo de abril, onde tornou público suas Teses de Abril.
6) O retorno de Lenin:
As Teses de Abril consistiram num documento no qual Vladimir Lenin apresentava a proposta revolucionária defendida por seu partido os Bolcheviques, ala dissidente do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR). O fato se devia que o governo provisório que assumiu após a abdicação do czar e seu filho era composto por membros conservadores e ainda favoráveis a monarquia, sendo formado pelos partidos de direita dos Outubristas, Kadetes (que eram social-democratas) e Progressistas, os quais foram reunidos num novo conselho sob liderança do deputado Vladimir Lvov dos Outubristas. (COMÍN, 2014, p. 26).
Lenin na ocasião criticou esse governo provisório que deixou de fora representantes das classes baixas, concentrando-se em si apenas representantes da nobreza e da burguesia. Se a ideia era continuar com a revolução iniciada em fevereiro daquele ano, que diga de passagem, encabeçada pelos operários, camponeses, funcionários liberais de classe baixa, porque eles estavam de fora? Assim, para tentar apaziguar o protesto apresentado por Lenin e outros, o governo provisório elegeu Alexander Kerensky, representante dos Soviets, para assumir o cargo de Ministro da Justiça. Neste caso, Kerensky levou uma série de reivindicações ao governo provisório, dentre as quais se pedia: anistia ao presos políticos, formação de milícias populares, eleição para uma assembleia constituinte, elaboração de uma constituição etc. (COMÍN, 2017, p. 26).
O governo provisório distribuiu a anistia, reconheceu a separação da Finlândia e da Polônia, anteriormente ocupadas pela Rússia, reconheceu a jornada diária de 8 horas de trabalho entre outras reivindicações. Porém, reforma agrária, saída do país da guerra, eleições, assembleia constituinte entre outros temas eram desconversados ou sempre adiados. E isso começou a inquietar os soviets (conselhos de operários e soldados) e o restante da população. Lenin nessa época defendia que a revolução foi iniciada pela burguesia, pois embora o povo tenha ido as ruas protestar na capital e em outras cidades, foram os burgueses e nobres que destituíram os governadores, prefeitos, e forçaram a abdicação do czar e seu filho. Porém, a revolução deveria continuar, mas agora nas mãos das classes oprimidas. Com isso, Lenin a frente dos Bolcheviques procurava apoio dos Mencheviques, dos Socialistas revolucionários, dos anarquistas e dos soviets para levar a frente sua proposta de revolução do proletariado.
No final de abril os ânimos voltaram a ficar esquentados. O Ministro do Exterior, Pavel Miliukov defendeu a permanência da Rússia na Primeira Guerra, isso desagradou a muitas alas políticas e a população, pois enquanto o país estivesse em guerra não seria possível realizar as reformas políticas propostas, além de que a crise econômica continuaria, pois as despesas com a guerra eram altas. Manifestações pedindo a saída de Miliukov do cargo eclodiram ainda em abril. O general Larv Kornílov, um dos principais nomes do Exército Russo, ordenou atirar contra manifestantes. Alguns manifestantes que incluíam civis e militares foram mortos ou feridos. Curiosamente Kornílov voltaria a ser manchete quando tentaria promover um golpe de Estado ainda naquele ano.
7) Crises em maio, junho e julho:
A morte de manifestante no final de abril, gerou mudanças de atitudes nos meses de maio e junho. Os camponeses convocaram o I Congresso de Comitês Agrários a fim de deliberar o programa de uma reforma agrária, apesar que na prática em alguns lugares do país, estes comitês já tivessem se apropriado ilegalmente das terras, e as redistribuía entre si. Não obstante, o mês de maio viu um grande aumento de revoltas rurais, pelo menos 678 revoltas em 236 distritos, número que continuaria a crescer. Por outro lado, o governo provisório continuava adiando a convocação de uma assembleia constituinte, recusava retirar-se da guerra, e reconhecer devolver territórios ocupados na Finlândia, Polônia e Ucrânia, o que gerava revoltas nestes lugares. (REIS FILHO, 1989, p. 52; COMÍN, 2017, p. 30).
Todavia não foram apenas os camponeses que se organizaram para protestar contra o governo provisório. Nas cidades fabris, os soviets também se mobilizavam com greves e protestos para pressionar o governo que agilizasse suas reformas e convocasse eleições para uma constituinte. Em junho foi convocado o I Congresso de Soviets e Soldados que contou com mais de mil delegados, 305 soviets municipais e 53 soviets regionais. Curiosamente a maioria dos delegados e representantes advinham dos partidos dos Mencheviques e dos Socialistas revolucionários. Os Bolcheviques ainda estavam em menor número, embora Lenin estivesse fazendo seus contatos para ganhar apoio. Porém a situação piorou.
No mês de julho o governo provisório elegeu como Primeiro Ministro o ex-Ministro da Justiça, Alexander Kerensky (1881-1970), o qual embora tenha adentrado no governo provisório como representante dos soviets, já apresentava dúvidas quanto ao seu posicionamento político, tendo se debandando para o lado da direita, aderindo ao partido dos Kadets (Sociais-democratas). De qualquer forma, Kerensky também ajudou o general Kornílov a assumir o cargo de general-chefe do Exército Russo. Nesse ponto Kerensky tomou duas medidas importantes as quais mudaram o rumo da revolução: primeiro, ele decidiu que o Exército realizaria uma grande campanha contra os alemãs, seus principais inimigos, no que ficou conhecido como a Ofensiva de Kerensky; por outro lado, ordenou que as greves e protestos fossem punidas, dando voz de prisão a quem participasse das mesmas. Além disso, o primeiro-ministro decidiu perseguir os partidos de esquerda, no intuito de bani-los e prender seus líderes. No dia 16 de julho os Bolcheviques protestaram contra as decisões tomadas por Kerensky, reunindo pelo menos 500 mil manifestantes em Petrogrado. A polícia disparou contra os manifestantes deixando centenas de mortos e feridos. No dia seguinte o governo ordenou uma batida policial no jornal e na sede do partido, dando voz de prisão a quem estivesse presente. Um dos presos foi o intelectual e militante Leon Trótski (1879-1940), importante nome durante o governo socialista implantado a partir de 1917. Todavia, Lenin e um jovem rebelde chamado Josef Stalin (1878-1953), conseguiram escapar, mas foram para a clandestinidade. (LA REVOLUCIÓN RUSA, 2013, p.
Kerensky decretou que Lenin era espião dos alemães, enviado para desestabilizar o governo. Assim o primeiro-ministro decretou a ilegalidade dos Bolcheviques, e também fez o mesmo com os Mencheviques e os Socialistas revolucionários, os quais só não sofreram mais, pois decidiram negociar com o governo. Todavia, Lenin considerou a negociação de seus companheiros de causa, uma covardia, e recomendou aos Bolcheviques não aderirem a tal acordo. (COMÍN, 2017, p. 30).
8) O golpe de Kornílov:
Embora Kornilov tenha sido eleito Comandante-chefe do Exército russo pelo primeiro-ministro Kerensky, ambos não se entendiam bem. Kornilov defendia a continuação da guerra, assim como tomar medidas urgentes e severas para conter as ondas de protestos pelo país. O mesmo também era a favor de ideias conservadoras, abolir os partidos de esquerda e até mesmo em agosto daquele ano sugeriu ao primeiro-ministro e demais ministros a possibilidade de instaurar uma ditadura militar. A ideia foi recebida de forma dividida. Kornilov era um veterano que gozava de prestígio entre parte da direita conservadora e da extrema-direita. Todavia, Kerensky recusou a proposta. A Rússia havia a poucos meses saído de um governo autoritário, e agora sugeria-se retornar-se para outro. (D'AGOSTINO, 2010, p. 46).
As negociações entre os ministros e Kornílov não resultaram no esperado para ele e seus apoiadores, assim ele decidiu agir por conta própria, incentivando um levante na tentativa de destituir o governo provisório. Kornílov reuniu militares que lhe eram favoráveis, ganhou seguidores entre os Outubristas e Kadetes, chegou até mesmo a oferecer o cargo de vice-presidente a Karensky, mas este recusou. Diante de tais recusas, ainda no final de agosto Kornílov tomou medidas dramáticas: espalhou o boato de que Kerensky estava negociando uma rendição com os alemãs, e que ele pretendia dar o poder aos soviets, além de outras calúnias. Por outro lado, Kornílov convocou em situação de urgência o general Krimov, enviando-o com sua Divisão Selvagem para cercar a capital Petrogrado. Na ocasião os Bolcheviques iniciaram um levante para proteger a cidade, convocando todo mundo a impedir o golpe. (COMÍN, 2017, p. 31).
O próprio primeiro-ministro Kerensky decidiu fornecer apoio a causa dos Bolcheviques, também incentivando os demais partidos e a população a defenderem a cidade, assim como, libertou bolcheviques que estavam presos e lhes deu armas para combater a divisão do general Krimov. Leon Trostky foi liberto e tornou-se comandante da chamada Guarda Vermelha. Todavia, um conflito foi evitado. Kornílov e seus aliados foram presos em Moscou. Krimov cometeu suicídio e as tropas foram retiradas. (LA REVOLUCIÓN RUSA, 2013, p. 18-19).
9) A insurreição de outubro:
Com o malogro da tentativa de golpe de Estado do general Kornílov a situação do mandato de Kerensky voltara a piorar. Embora não fosse amigo de Kornílov, a indicação dele para assumir o cargo de Comandante-chefe foi sua. Mas além desse fato, o primeiro-ministro Kerensky também tinha como problema para sua imagem e governo o fato de ter libertado presos políticos e os armados, no que constituiu na Guarda Vermelha dos Bolcheviques. Em outras palavras, se antes ele havia se mostrado favorável banir os partidos socialistas e marxistas da Rússia, teve que recorrer a estes para se defender de um golpe de Estado promovido pela direita a qual ele fazia parte.
"Kerensky salva o governo, mas sai desmoralizado por suas ligações com Kornílov. Os SRs e mencheviques ficam debilitados: a prolongada aliança com os partidos burgueses não parece justificável. A organização soviética se fortalece e cresce a pressão em favor do atendimento - imediato - das reivindicações populares - pão, paz e terra". (REIS FILHO, 1989, p. 57).
Revoltas e protestos continuavam a ocorrer pelo país. Movimentos separatistas de regiões etnicamente insurretas se realizam; Finlândia, Ucrânia e Polônia pressionam o governo para devolverem seus territórios ocupados; Alemanha continua avançando na frente de batalha, pois a Rússia ainda continuava em guerra. Os operários e soldados voltavam a gritar o lema: "Todo o poder aos soviets!". Fábricas continuavam a ser ocupadas pelos grevistas. No campo os comitês agrários confiscavam ilegalmente terras e as redistribuíam numa "reforma agrária" desorganizada.
Apesar desse cenário caótico e da desmoralização do governo provisório e dos partidos dos Mencheviques e dos Socialistas revolucionários, os Bolcheviques saíram fortalecidos após evitarem o golpe militar de Kornílov. Embora Lenin estivesse escondido na Finlândia naquele momento de final de agosto, Trotsky estava a frente da reorganização do partido que havia deixado de ser ilegal, e agora passava a dispor de uma milicia. Não obstante, os soviets elegeram Trotsky para o cargo de presidente do Soviet de Petrogrado. Os Bolcheviques ganham eleições iguais em Moscou, Baku, Ural e em outras 50 cidades. (REIS FILHO, 1989, p. 58). A influência dos Bolcheviques também se faz ser sentida na Finlândia, Ucrânia e Sibéria. Embora que no campo os Socialistas revolucionários ainda são a maioria. (COMÍN, 2017, p. 31).
Setembro foi decisivo para a ação dos Bolcheviques ocorrida em outubro. Lenin ainda no final daquele mês retornou para Petrogrado, reassumindo a liderança do partido e convocando reuniões emergenciais para debater o que seria feito. As tropas alemãs avançavam rumo a Petrogrado, o plano do Império Alemão era tomar a capital russa e forçar uma rendição do país. Se isso ocorresse a revolução seria abalada e talvez interrompida. A Rússia não dispunha mais de forças para barrar o avanço alemão, tão pouco estava internamente unificada, e para completar o governo legal estava desmoralizado e sem credibilidade e respeito. Nesse ponto, Lenin foi altivo ao dizer que a Rússia somente poderia resistir aquela calamidade se o povo tomasse o poder. A república que deveria ser instaurada deveria ser soviética e não burguesa.
Outubro transcorreu caoticamente: Kerensky havia mudado os cargos no ministério, destituindo quem lhe contrariasse, como no caso do Ministro da Guerra que havia proposto um armísticio com os alemães; no Exército, os soldados estavam indisciplinados e desertavam; na Marinha, os marinheiros se rebelaram contra a ordem de abandonar suas posições, iniciando insurreições; os Socialistas revolucionários cobravam do governo reconhecimento da reforma agrária promovida pelos Comitês Agrários; os operários em greve exigiam uma reforma trabalhista e a estatização da indústria. Lenin e Trotsky cogitavam uma ação enérgica contra o governo provisório.
No dia 9 de outubro, Leon Trotsky fundou o Comitê Revolucionário Militar dos Soviets de Petrogrado, passo importante para a tomada do poder ainda naquele mês. Os Bolcheviques que agora eram maioria nos Soviets de Petrogrado, se mostravam favoráveis a uma ação armada. No restante do mês novas reuniões foram convocadas para mobilizar civis e militares, e conseguir armamento e munição. No dia 21 de outubro o primeiro-ministro Kerensky declarou que a mobilização militar dos soviets da capital era abusiva e deveria ser desfeita, mas os soviets se negaram acatar tais ordens. O primeiro-ministro ameaçou de declará-los rebeldes e lhes conceder voz de prisão, mas isso não os impediu com os planos. No dia 25, ocorreu a realização do II Congresso dos Soviets de Petrogrado o qual reuniu Bolcheviques, Socialistas revolucionários (de direita e esquerda), Mencheviques, anarquistas e outros grupos menores. No caso os Bolcheviques eram a maioria. (D'AGOSTINO, 2010, p. 48). O congresso seguiu acalorado ao ponto de haver desentendimento interno por parte dos Mencheviques e metade dos Socialistas revolucionários os quais discordavam de Lenin. Lembrando que apesar de todos serem partidos de esquerda, influenciados por ideias marxistas, socialistas e comunistas, cada um agia de uma forma diferente. Mas além dessa falta de consenso entre os partidos de esquerda, no II Congresso dos Soviets foi decidido a tomada do poder antes que fosse tarde. Durante a madrugada do dia 26 de outubro teve início a ação.
Lenin e Trotsky a frente do comando da ação despacharam as ordens. As estações de trem, centrais telefônicas, correiros, arsenais, quartéis, pontes, praças foram ocupados. Trotsky mobilizou pelo menos 15 mil membros entre soldados, marinheiros, operários, camponeses, que incluíam homem e mulheres. Dois encouraçados foram posicionados para dar cobertura, o Aurora e o Amur. Inclusive as fortalezas de São Pedro e São Paulo também faziam parte da ação. As 2h da madrugada o Palácio de Inverno, sede do governo foi ocupado. Diferente da romantização que foi exibida no cinema e em livros, onde retratavam a "revolução de outubro" como gloriosa, épica, pautada numa acirrada guerra entre os revolucionários e o governo provisório corrupto e decadente. A realidade não foi bem assim. A tomada do Palácio de Inverno foi algo bem operacional, com pouco efeito colateral, apenas alguns poucos feridos e mortos, não tendo envolvido uma guerra acirrada, com trincheiras, barricadas, bombardeios e trocas de balas como visto em alguns filmes russos. (ESTOPAÑÁN, 2017, p. 37).
10) Um novo governo, um país dividido:
"Às 5 horas do dia 26, os bolcheviques propõem formalmente que os soviets assumam o poder e formem um novo governo "que proporá paz imediata, terra aos camponeses, estatuto democrático às forças armadas, controle sobre a produção, e convocará na data determinada a Assembléia Constituinte, além de garantir o direito das nações da Rússia a disporem delas mesmas". O plenário ovaciona a proposta contra 2 votos e 12 abstenções. Pouco depois a sessão é encerrada". (REIS FILHO, 1989, p. 66).
Apesar desse ovacionamento na primeira sessão formal, pois tomada do Palácio de Inverno, não significava que a vitória estava garantida e os problemas haviam terminado. Isso era apenas o começo. Os partidos de direita como os federalistas, kadetes, monarquistas e liberais formariam uma coalização para derrubar os bolcheviques. Além disso, a própria esquerda também não estava unificada. Os socialistas revolucionários e os mencheviques cogitavam se unir para derrubar os bolcheviques e até mesmo se aliarem a direita para isso. Todavia, o governo provisório antes comandado por Kerensky, estava oficialmente destituído, e por hora o governo provisório dos soviets de Petrogrado estavam no comando.
Ainda no dia 26 de outubro, já de noite, em nova reunião do II Congresso dos Soviets de Petrogrado, foram propostos a formulação de um armistício com os alemães, a saída da Rúsia da Grande Guerra, anistia, abolição da pena de morte, prisão de Kerensky, Kornílov e todos envolvidos nas falcatruas do governo provisório e no golpe militar de Kornílov, reconhecimento que o governo enquanto estivesse naquela condição, seria um governo popular, gerido pelos soviets e camponeses, não pelos burgueses e nobres; reconhecimento de uma reforma agrária, algo que o próprio Lenin leu na ocasião o decreto-lei. (REIS, FILHO, 1989, p. 68).
Nos meses seguintes mais de cem medidas foram tomadas, as quais diziam respeito a assuntos ligados a gestão do Estado, indústria, agricultura, educação, direitos civis, direitos políticos, exército, guerra, paz, ordem pública, economia, imprensa, transporte, religião, estradas, serviços públicos, abastecimento etc. Embora o governo bolchevique estivesse obtendo êxito na aprovação dessas medidas, não significava que seu governo estivesse consolidado, esse era apenas o início da luta. Enquanto os soviets bolcheviques de Petrogrado e das grandes cidades se uniam para firmar o andar da revolução socialista que eles alegavam está em processo, a oposição se mobilizou para derrubá-los, iniciando vários conflitos armados durante este meses, além do fato, que problemas relacionados a fome, falta de abastecimento, deserções, indisciplina dos soldados, assaltos, invasões de propriedade, brigas etc., ainda continuavam a ocorrer no país. E isso tudo culminaria numa guerra civil que duraria outros quatro anos. ( Porém, isso é história para outra ocasião, pois por hora, a revolução socialista como era alegada na época, havia vencido a primeira das batalhas. (ESTOPAÑÁN, 2017, p. 39).
Considerações finais:
Por muitos anos a Revolução Russa de 1917 foi mal compreendida, em parte isso se deu pela manipulação deliberada da URSS em reescrever a sua origem, tendo criado um vilão (monarquia e burguesia) que deveriam ser derrotados pelos heróis (bolcheviques), mas em parte o problema de compreensão se deveu também a política anticomunista, na qual reduziu todo o movimento como se fosse um mero golpe de Estado proclamado por Lenin e seus aliados. Todavia, neste texto tentei mostrar mesmo que de forma pontual, o amplo contexto político, social, econômico e histórico que marcou a premissa para uma revolução socialista. No caso, a indignação do povo russo, sua adesão a movimentos sociais e políticos, a chegada de ideias marxistas, socialistas e comunistas, formação de sindicatos e comunas agrárias tudo isso são acontecimentos que se desenvolveram décadas antes de 1917, não foi algo que surgiu de imediato.
Como visto, desde a década de 1860, eclodiram na Rússia movimentos populares pressionando o governo absolutista dos czares, inclusive movimentos pedindo o fim da monarquia e a instauração de uma república. Por outro lado, foi a partir da década de 1880 que começou a se formalizar a ideia de sindicatos operários e comunas agrárias, mesmo que na prática os sindicatos fossem proibidos por lei. Não obstante data daquele período a chegada de ideias trabalhistas, marxistas, liberais, federalistas, comunistas, socialistas, anarquistas etc., que adentram o país, advindo de nações como Alemanha, Polônia, Ucrânia, França, Finlândia e Suécia. Mas embora a classe trabalhadora russa fosse predominantemente analfabeta, isso em parte não impediu que uma consciência de classe (usando aqui um conceito marxista), pudesse se formar.
Essa consciência dos trabalhadores urbanos e rurais da Rússia ainda surgida na segunda metade do século XIX, foi fundamental para o desenvolvimento de partidos políticos tanto de esquerda quanto de direita, os quais reivindicavam mudanças políticas, econômicas, legais e sociais. Mas além dessa condição que levou a formação dos sindicatos e comunas, é preciso salientar que os militares tiveram um papel importante durante a Revolução de 1917. Foi a partir do descontentamento principalmente das patentes inferiores, o que permitiu uma forte adesão de soldados e marinheiros aos soviets. O fracasso da guerra russo-japonesa (1904-1905), mas principalmente as duras derrotas durante a Primeira guerra (1914-1918), foram essenciais para criar dentro das forças armadas antipatias para o czarismo, e solidariedade a ideias republicanas, parlamentaristas, socialistas e revolucionárias.
Por outro lado, a ideia de que os Bolcheviques e Lenin foram os grandes articuladores dos eventos de 1917, não é exata. Lenin passou muitos anos fora da Rússia devido a perseguição política que sofreu. Apesar de ser um marxista e socialista, o próprio discordava de alguns pontos propostos por Karl Marx, e inclusive atropelou alguns dos conselhos dados por Marx quanto ao desenvolvimento de um Estado socialista. Nesse ponto, outro líderes bolcheviques como Leon Trotsky também cometeram o mesmo erro, ao querem através do uso da força implantar um sistema que não possuía bases sólidas para ser construído.
Nesse ponto, a revolução de 1917 começou com base na mobilização dos soviets, comunas agrárias, militares, burgueses e nobres que forçaram a abdicação do czar Nicolau II, instaurando um governo provisório fraco, dividido e incompetente que contrariava os anseios populares por paz, comida e terra, mas que ambicionava criar um novo Estado onde eles fossem os senhores. É meio a esse dilema que os bolcheviques, que eram uma minoria ainda no começo de 1917, vão agindo por fora dos atritos entre Mencheviques e Socialistas revolucionários contra social-democratas (kadetes), nacionalistas, liberais e monarquistas, conseguiram conquistar apoio, principalmente durante o incidente do malogro do golpe militar do general Kornílov, que permitiu aos Bolcheviques a chance de constituir uma força armada e conclamar a união dos soviets a sua causa.
Mas apesar de eles terem conseguido tomar o poder no final de outubro de 1917, isso deu início a uma guerra civil que duraria mais quatro anos, até que o socialismo pudesse triunfar na Rússia. A ideia de que o socialismo sempre venceu desde imediato, pois Lenin e seus aliados foram gênios revolucionários que jamais cometeram erro algum, não é verdadeira. Lenin, Trotsky, Stalin e os demais tiveram muitos problemas após 1917, o que resultou na mudança de atitude deles e do partido frente as propostas de organizar uma república soviética e socialista.
De qualquer forma o mérito da Revolução Russa de 1917 consistiu em mostrar que o povo unindo-se, mesmo que sob partidos, sindicatos, ideologias diferentes, mas mantendo causas em comum poderia realmente vencer. O problema é que embora essa vitória possa eventualmente ser alcançada, a falta de uma união e coesão entre os partidos de esquerda, partidos de direita, movimentos sociais, populares e políticos pesou contra a manutenção de um governo provisório de 1917 a 1921. A unidade nacional que sempre foi alegada existindo com o proletariado urbano, rural e os militares de baixa patente nem sempre coexistiu em harmonia, tão pouco os Bolcheviques sozinhos foram responsáveis por tudo. O mérito deles esteve em conseguir estabelecer uma república socialista, a primeira oficialmente da história, que mostrou preocupação com as classes menos favorecidas, que empregou inclusive princípios comunistas como a reforma agrária, estatização da indústria, dando controle das mesmas e sua produção aos conselhos fabris, educação e saúde gratuitos, medidas para se combater a fome e a miséria etc., embora que tais ideias acabaram se perdendo durante o governo do próprio Lenin, e principalmente com a ascensão de Stalin e seu totalitarismo.
NOTA: O famoso escritor russo Leon Tolstói (1828-1910), em alguns de seus livros abordou o tema da servidão em seu país, criticando a manutenção desse sistema servil antiquado e desumano. Isso é visto em alguns livros como Anna Karenina (1877) e Senhores e Servos (1895).
NOTA 2: Por mais que o czar Alexandre II tenha abolido a servidão e promovido algumas outras reformas, isso não tornou se governo popular ou satisfatório. Alexandre II foi contrário aos movimentos populares. Ele foi assassinado em 1881, por um grupo de militantes radicais que defendiam o fim da monarquia.
NOTA 3: Normalmente as pessoas tendem a dizer que Marx odiava o capitalismo e dizia que ele não era importante e deveria ser destruído ou abolido. Mas isso não é um dado exato. Em suas obras Marx defendia a existência do capitalismo como sendo necessária para o desenvolvimento econômico e social. Em sua teoria pautada num princípio evolucionista, Marx considerava que o Estado socialista e comunista seriam evoluções do Estado capitalista. Sua grande crítica ao capitalismo era a exploração do trabalho, o lucro em primeiro lugar, a coisificação da vida, a alienação pelo consumismo etc.
Referências bibliográficas:
ESTOPAÑAM, Luis Lecina. La revolución de Octubre. In: PENÓN, Javier Alquézar (coord.). La revolución Rusa en su centenário. Andorra, Ediciones Celam, 2017. p. 33-46.
REIS FILHO, Daniel Aarão. A revolução russa: 1917-1921. 4a ed. São Paulo, Editora Brasiliense, 1989.
SETTEMBRINI, Domenico. Leninismo. In: BOBBIO, Noberto (org.). Dicionário de política. Brasília, Editora da UnB, 1998. p. 679-686.
WOOD, Alan. The origins of the Russian revolution: 1861-1917. 3a ed. London/New York, Routledge, 2003.
Links relacionados:
O último czar
100 anos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
1) Introdução
Para entender porque uma revolução eclodiu na Rússia em plena Primeira Guerra Mundial (1914-1918) é preciso comentar um pouco dos principais fatores que confluíram para culminar na derrubada da monarquia czarista e a ascensão de uma democracia socialista. No caso os fatores foram essencialmente de ordem econômica, política e social.
Retrato do czar Alexandre II |
As comunas rurais eram um fundo de terra, em parte doado e vendido aos camponeses, de forma que eles pudessem assentar suas famílias e sobreviver. Essas comunas possuíam uma administração interna e eletiva regularmente. Apesar de tais características, as comunas ainda continuavam a mercê dos senhores de terra, os quais manipulavam os interesses das assembleias comunais, além de vender lotes de baixa qualidade a preço elevado; por sua vez, o Estado embora fornecesse créditos para a compra desses lotes, o fazia sobre pesados juros, o que comprometia a renda de uma família por anos. (REIS FILHO, 1989, p. 9).
A partir dessa abertura política promovida por Alexandre II, deu-se início a um período de movimentos populistas chamado de narodnichestvo, cujo um dos lemas era zemla y volya (terra e liberdade). Apesar da proposta das comunas rurais promovida pelo Estado, parte da população rural não se contentou com isso, pois continuavam dependentes dos juros impostos pelo governo, e da influência política e econômica de seus antigos senhores, assim, surgiram movimentos que reivindicavam uma reforma agrária, implantação do liberalismo, industrialização do país, mais democracia, fim dos privilégios dos boiardos (aristocracia rural russa) etc., e até mesmo movimentos mais radicais que pediam o fim da monarquia e implantação de uma república. (WOOD, 2003, p. 16-17).
"O populismo russo caracterizou-se
por três elementos; 1) uma devoção mística pelo povo do campo; 2) a rejeição da
industrialização por causa do preço que, na forma privatístico-concorrencial do
modelo inglês, cobra das classes rurais, com a conseqüente idéia de se chegar
diretamente ao socialismo partindo da estrutura comunitária tradicional própria
do campo, alicerçada na comuna rural ou obstina, pulando a etapa do
capitalismo; 3) e, por último, um elemento messiânico-nacionalista, que recebeu
da direita eslavófila e a ela o assimila, através do qual a percepção do enorme
atraso do país, tão dolorosamente sentida pelos intelectuais russos, transforma-se
num sentimento compensatório de superioridade, totalmente irreal, mas nem por
isso menos poderoso e eficaz come estímulo para a ação". (SETTEMBRINI,
1998, p. 679).
Nesse ponto, o historiador Alan Wood (2003, p. 17-19) comenta que as décadas de 1860 e 1870 na Rússia, foram permeadas pelo crescimento da conscientização da população russa pelos seus direitos políticos, e o surgimento de militâncias, principalmente advindos dos camponeses. Todo esse enorme contingente que ansiava por mudanças e estava descontente com o governo, serviu de base de apoio para homens que pregavam ideais revolucionários liberais, republicanos, socialistas, marxistas etc. Alguns desses homens como Alexander Herzen (1812-1870) e Nicholas Chernyshevsky (1826-1889) influenciados pela Primavera dos Povos (1848), tentaram promover revoluções em seu país, apesar de não terem obtido êxito. Ainda assim, a semente para uma classe trabalhadora rural preocupada com seus direitos políticos, civis, melhorias sociais, econômicas e de vida, estava plantada.
Mas além da mão-de-obra rural que representava mais de 80% da população do país, a mão-de-obra urbana com o tempo começou a se mostrar importante, e a adentrar essa luta por direitos e reformas. No final do século XIX, a Rússia começou a se industrializar. O Estado vendo que não dispunha de recursos próprios para alavancar seu crescimento interno, começou a firmar parcerias e acordos com empresas, investidores e bancos estrangeiros. O historiador Daniel Reis Filho (1989, p. 14) comenta que a economia russa naquele tempo possuía dois grandes problemas: dependência do capital estrangeiro, que era responsável por pelo menos 72% dos investimentos no país, cuja produção era focada principalmente em três setores: agricultura, indústria têxtil e indústria siderúrgica; e o fato do Estado ser centralizador, não possibilitando espaço para o desenvolvimento independente, concorrência, liberalismo, além de não fornecer direitos trabalhistas, realidade vista em outros países da época. Os operários russos não tinham direito de formar sindicatos, trabalhavam de 12 a 15 horas por dia, em condições insalubres e degradantes; recebiam um salário abaixo da média se comparado a países vizinhos; e havia casos de serem pagos em gêneros alimentícios ou com outros produtos.
Tal fator foi preponderante para que nas décadas de 1880 a 1900, começassem a surgir militâncias para a criação de sindicatos e partidos trabalhistas, como o Grupo para a Liberação do Trabalho, iniciado em 1883. Nesse ponto, Alan Wood (2003) comenta que devido a politização dos operários russos os quais eram significativamente letrados, seus anseios e revoltas, isso permitiu que ideais socialistas e marxistas fossem bem recebidas no país, pois muitos se viam claramente inseridos no contexto apontado por Karl Marx (1818-1883). Marx em vários de seus escritos, mas especialmente no Manifesto do Partido Comunista (1848) e em O Capital (1867), assinalava a importância da união do proletário, da população em geral para combater a exploração do trabalho, a exploração da burguesia, dos bancos, dos empresários; criticava a alienação política, a alienação pelo consumismo desenfreado e vazio de sentido; criticava a mais-valia (tese central na crítica de Marx ao capitalismo); incentivava a luta por direitos trabalhistas, melhores condições de emprego e vida, pautada em sua teoria de luta de classes; incentivava a luta por reformas sociais e jurídicas que tornassem o país um lugar melhor etc. (BOBBIO, 1998).
Embora hoje o Marxismo, o Socialismo e o Comunismo sejam considerados a mesma coisa, e até mesmo mal interpretados, eles não são iguais, mas possuem algumas particularidades em comum. Além disso, é preciso sublinhar que o socialismo abordado na Revolução Russa foi influenciado principalmente por Lenin, o qual por sua vez, já apresentava ideias diferentes das propostas por Karl Marx e Friedrich Engels (1820-1896), co-autor do Manifesto do Partido Comunista. O posicionamento político-econômico-social de Lenin ficou conhecido como Leninismo. Sendo assim, se faz necessário comentar um pouco sobre esse ativista e revolucionário.
2) O Leninismo:
Nascido Vladimir Illyich Ulyanov (1870-1924), mais conhecido pelo pseudônimo de Lenin, pertencia a uma família de classe média de Simbirsk, de raízes monarquistas e conservadoras. Apesar disso os três filhos de Ilya Ulyanov e Maria Ulyanov não puxaram o posicionamento político dos pais, no caso, Alexandre, Ilya Filho e Vladimir (Lenin) todos os três ainda na adolescência ingressaram em movimentos estudantis e se interessaram pelos ideais republicanos, marxistas e socialistas. Recordemos que nesse tempo a Rússia vivenciava uma onda de movimentos populistas no campo, na indústria, nas universidades, e nos meios de comunicação, logo, não era incomum que os jovens russos não estivessem envolvidos com algum tipo de movimento ou militância. De qualquer forma, dos três irmãos Ulyanov, Lenin foi o que mais se destacou. Alexandre optou em agir de forma moderada, Ilya faleceu ainda cedo, após a morte do irmão do meio, Lenin ingressou na Universidade de Kazan para estudar Direito em 1887, mas acabou sendo expulso devido ao seu envolvimento com grupos militantes radicais.
Apesar de ter sido expulso da universidade, Lenin ainda continuou a estudar Direito e política, aprofundando-se cada vez mais no Marxismo, Socialismo e Comunismo. Sua família mudou-se para Samara, onde viveram nos anos seguintes. Lenin acabou se formando em Direito, e ingressando em grupos socialistas e marxistas. Nesse tempo ele começou a romper com a ideia dos populistas de que o socialismo seria implantado a partir dos campesinato; assim, adotando o modelo de Karl Marx, o qual defendia que o capitalismo era fundamental para o desenvolvimento do Estado, de forma a constituir as bases para a vinda do socialismo, Lenin passou a defender a industrialização, algo criticado por alas revolucionárias da esquerda russa, as quais defendiam que o socialismo não necessitava de uma etapa pré-capitalista; como também se envolveu com a organização de sindicatos não oficiais, pois o governo russo não permitia a criação de sindicatos naquele tempo. (SETTEMBRINI, 1998, p. 680).
Lenin ao centro, cercado por membros da Liga de Luta pela Emancipação da Classe Operária, 1897. |
O tempo que esteve na prisão não impediu que Lenin interrompesse seus estudos, a escrita de seus livros e o contato com pensadores, revolucionários e militantes. Nesse tempo na prisão escreveu algumas obras importantes como o Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia (1899), obra que defendia que a Rússia já apresentava uma condição capitalista, algo necessário para se conscientizar a classe operária de iniciar o movimento rumo ao socialismo. Apesar de receber críticas de alas não-marxistas e contrárias ao movimento operário e sindicalismo defendidos por Lenin, ainda assim, sua teoria que adaptava o marxismo para a realidade russa começou no início do século XX a ganhar adeptos. Na prática, a obra de Lenin distorcia a realidade industrial russa, criando um contexto não real, ainda assim, verossímil para se tentar promover uma revolução socialista. Se antes Lenin era adepto das fases propostas por Marx, que recomendava a industrialização e capitalização de um Estado, para poder somente tentar ingressar no socialismo, Lenin desconsidera isso e pulava tais fases.
Em 1900, Lenin cumpriu sua prisão na Sibéria e partiu para exílio fora do país. Mesmo a distância continuou escrevendo e ganhando apoio de partidos, grupos, sindicatos e movimentos de esquerda na Europa e na Rússia. Em 1902 foi criado o Partido Socialista Revolucionário (PSR), em parte baseado nas propostas de Lenin. Tal condição levou ao surgimento do Leninismo, termo usado para se referir ao pensamento teórico-político de Vladimir Lenin, pautado no marxismo, socialismo e comunismo.
No caso, o pensamento político de Lenin possui ideias singulares, as quais não iremos aqui adentrar, pois requerer um trabalho específico para explicar suas teorias. De qualquer forma, as ideias de Lenin foram tão influentes ao ponto de criar uma cisão dentro do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), surgido em 1898, no qual Lenin era uma das principais lideranças. Assim, no Segundo Congresso Internacional do POSDR, realizado em 1903, em Bruxelas, na Bélgica, e em Londres, na Inglaterra, o partido sofreu uma divisão em duas alas: os Bolcheviques que defendiam as propostas de Lenin, e os Mencheviques liderados por Julius Martov.
Um dos motivos que levou a cisão do POSDR, se deveu a discordância de como encaminhar sua luta partidária. Lenin naquele tempo defendia ações mais enérgicas e inclusive iniciar uma revolução, enquanto Martov e seus adeptos eram a favor de esperar um pouco mais, seguir o modelo de Marx, aguardando um melhor desenvolvimento do capitalismo russo, para depois se tentar a transição ao socialismo. Lenin era a favor de uma mudança mais abrupta, alegando que as bases capitalistas já eram suficientes para se realizar a tal transição, porém, o governo absolutista do czar Nicolau II nunca iria tolerar isso, então a saída era pegar em armas e pressioná-lo. (WOOD, 2003, p. 30).
3) A crise de 1904-1905:
Revoltas e protestos já ocorriam na Rússia desde meados do século XIX, mas em dados momentos elas se intensificavam, e os anos de 1904 e 1905 fizeram parte desse período intenso. Nessa época coincidiu com a condição que o czar Nicolau II em sua ânsia expansionista, decidiu entrar em guerra contra o Império do Japão, a fim de disputar territórios fronteiriços na Coreia e Manchúria. O conflito rendeu um saldo de 84 mil japoneses mortos e pelo menos 143 mil feridos, mas apesar desses número elevados, ainda assim, o exército russo foi derrotado. A derrota russa na Guerra russo-japonesa (1904-1905) foi desastrosa não apenas para a política expansionista de Nicolau II, mas para seu governo num todo. (HOBSBAWM, 2008, p. 410).
A Rússia neste cinco primeiros anos do século XX, vivenciava uma turbulência interna: queda no crescimento econômico, desemprego, revoltas camponesas, operárias, estudantis, greves, fome, miséria, descontentamento da nobreza, dos militares, derrota na guerra, revolta da população pelos gastos na guerra e a perda de milhares de pais de família, tios e filhos; aumento nos movimentos republicanos e socialistas etc. Unindo-se toda essa efervescência, janeiro de 1905 começou sob uma série de protestos. A capital na época Petrogrado (atual São Petersburgo) foi palco de grande greves e protestos. No dia 5 de janeiro de 1905 reuniram-se 26 mil manifestantes, dois dias depois o número estimado já passava dos 100 mil. Os protestos de janeiro de 1905 ficaram conhecidos como Revolução Russa de 1905. (KOCHAM, 1968, p. 89).
Fotografia de manifestantes durante os protestos de janeiro de 1905. |
"A
petição enumera a seguir certas exigências políticas e econômicas 'para
superar a ignorância e a opressão legal do povo russo'. Estas se assemelhavam
às que haviam sido apresentadas pelos trabalhadores de Putilov. Mas também
incluíam exigências de educação universal e compulsória, liberdade de imprensa,
associação e consciência, libertação de prisioneiros políticos,
separação entre a Igreja e o Estado, substituição da tributação indireta por
imposto de renda progressivo, igualdade perante a lei, abolição dos pagamentos
pela redenção, crédito a baixa taxa de juros, transferência das terras para o
povo, execução das ordens do Almirantado dentro e não fora da Rússia, e término
da guerra com o Japão. Finalmente, a fim de impedir a opressão do trabalho
pelo capital, a petição exigiu a abolição dos inspetores fabris, uma
comissão permanente de trabalhadores para os representar em cada fábrica,
liberdade para organizar cooperativas e sindicatos, liberdade de luta entre
trabalho e capital e seguro estatal para os trabalhadores. (KOCHAN,
1968, p. 91-92).
Todavia, essa petição não foi entregada na ocasião. O czar teria dado a ordem para repelir a manifestação, lembrando que greves eram ainda ilegais no país, e todas as que ocorriam, a polícia agia de forma violenta contra os grevistas, realizando a prisão destes, por isso Lenin foi preso duas vezes por participar de greves. Mas no caso do dia 9 de janeiro de 1905, esse ficou conhecido como Domingo Sangrento, onde a guarda palaciana abriu fogo contra os grevistas, matando pelo menos mil pessoas e deixando centenas feridos. Nicolau II teve sua boa imagem de "pai da nação" maculada e trocada para "Nicolau, o sanguinário". Os jornais noticiaram a tragédia do Domingo Sangrento em todo o país. Greves em solidariedade aos mortos e feridos eclodiram ao longo do ano. Somente nas grandes cidades industriais mais de 1,8 milhões de grevistas realizaram manifestações em 1905, isso sem contar os protestos e pequenas revoltas promovidos por operários, camponeses, soldados, estudantes, professores universitários, burgueses etc. Embora muitos fossem adeptos do socialismo, havia democratas, liberais, republicanos etc., envolvidos nas manifestações. Todos contra o governo autocrático de Nicolau II. (REIS FILHO, 1989, p. 25).
Pintura de 1905, representando o Domingo Sangrento. |
A partir da repercussão do Domingo Sangrento, as greves gerais, protestos e manifestações pelo país, no dia 17 de outubro (30 com base no atual calendário), o czar Nicolau II assinou um "pacote" de reformas que ficaram conhecidas como Manifesto de Outubro, considerado por alguns como o resultado revolucionário. A partir desse manifesto foi legalizada greve, os sindicatos, os partidos trabalhistas, permitiu-se a criação de conselhos de deputados operários, chamados de soviets, cogitou-se a criação de leis trabalhistas, melhorias na educação, economia etc., o czar pois fim a guerra contra os japoneses, assim como, se propôs em conceder maior abertura política, instituindo a criação de uma Assembleia Legislativa Representante (Duma), a qual permitia que deputados e senadores pudessem participar da elaboração das leis, algo até então restrito. Além dessa mudanças outras ocorreram, e uma delas de caráter político foi a formação do Partido Outubrista, o qual era de caráter liberal, monárquico e conservador, o qual apoiava os interesses do governo frente as demandas dos partidos socialistas, liberais, trabalhadores etc. (KOCHAM, 1968, p. 95).
Mesmo com a aplicação de algumas reformas propostas, a criação da Duma, o fim da guerra etc., greves e protestos ainda continuaram a ocorrer nos anos seguintes. E a situação voltaria a piorar durante a Grande Guerra.
4) A crise da Primeira Guerra:
Talvez o maior erro ou um dos maiores erros de Nicolau II foi declarar guerra aos alemãs, e assim, adentrando ao conflito da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Quando as declarações de guerra começaram a ser emitidas em maio de 1914, os países envolvidos acreditavam que se trataria de uma guerra rápida, que no máximo duraria um ano. Os motivos para a eclosão da Primeira Guerra eram gerados principalmente por fatores políticos, diplomáticos e geográficos, associados com questões de fronteira e colônias. Isso tudo foi se desenvolvendo e se intensificando na segunda metade do século XIX, até que o estopim que foi a morte do arquiduque da Áustria, Francisco Fernando, assassinado por um militante extremista em Saravejo, na Bósnia, foi o fator decisivo para que a Áustria-Hungria declarasse guerra a Sérvia. (CLARK, 2010, p. 303-304).
A declaração de guerra entre os austríacos-húngaros contra os sérvios teria sido mais um conflito regular, dos quais vinha ocorrendo entre os dois países nos últimos anos, mas a situação mudou, quando a Áustria-Hungria aliou-se a Alemanha e a Itália, solicitando suporte na vindoura guerra. Por sua vez, os sérvios buscaram ajuda dos russos. Com isso, Nicolau II cumprindo com o pacto militar, declarou apoiou a Sérvia contra a Áustria-Hungria, por sua vez, os alemãs cumprindo com sua parte, declararam guerra a Rússia.
A declaração de guerra entre os austríacos-húngaros contra os sérvios teria sido mais um conflito regular, dos quais vinha ocorrendo entre os dois países nos últimos anos, mas a situação mudou, quando a Áustria-Hungria aliou-se a Alemanha e a Itália, solicitando suporte na vindoura guerra. Por sua vez, os sérvios buscaram ajuda dos russos. Com isso, Nicolau II cumprindo com o pacto militar, declarou apoiou a Sérvia contra a Áustria-Hungria, por sua vez, os alemãs cumprindo com sua parte, declararam guerra a Rússia.
"No final do século XIX, o
escritor militar alemão Colmar von der Goltz havia alertado que qualquer futura
guerra europeia veria "um êxodo de nações", e suas palavras se
provaram corretas. Em agosto de 1914, os exército da Europa mobilizaram cerca
de seis milhões de homens e lançaram-nos contra seus vizinhos. Os exércitos
alemães invadiram a França e a Bélgica. Os exércitos russos invadiram a
Alemanha. Os exércitos austríacos invadiram a Sérvia e a Rússia. Os exércitos
franceses atacaram pela fronteira da Alsácia-Lorena alemã. Os britânicos enviaram
uma força expedicionária para ajudar os franceses, esperando confiantemente
chegar a Berlim pelo Natal". (HOWARD, 2010, p. 49).
Apesar de a Rússia, Alemanha, França, Itália, Inglaterra entre outros países terem entrado na guerra por questões de alianças, eles também entraram por outros motivos.
"O regime czarista, ao entrar na guerra, pretendia dois objetivos: no plano externo, garantir a hegemonia nos Bálcãs e o controle dos estreitos que dão acesso ao Mediterrâneo. Internamente, recoesionar o povo em torno do czarismo e da defesa da pátria. Os generais russos imaginavam que a guerra seria curta e vitoriosa e que o povo a apoiaria maciçamente". (REIS FILHO, 1989, p. 38).
A tentativa de evocar o patriotismo foi bem recebida por parte da população nos mais diversos segmentos sociais. Hobsbawm (1999) e Wood (2003) comentam que em 1914 a onda de protestos contra o governo, decaiu significativamente devido a atenção da população dada a guerra. Lenin na época ainda estava em exílio, e foi um dos quais manifestou-se contrário a guerra imperialista, defendendo uma guerra contra a burguesia. Todavia, muitos não levaram em consideração seu apelo. Mesmo os partidos socialistas e marxistas nesse primeiro momento aderiram a convocação nacionalista. Mas se por um lado Lenin evitou de ir para o campo de batalha, outros futuros líderes da Segunda Guerra como Hitler, Mussolini e Stalin ingressaram no conflito.
Todavia, esse entusiasmo durou pouco. Em 1915 a situação já era assombrosa para os russos. A falta de planejamento e de logística no recrutamento, treinamento, transporte, deslocamento das tropas, abastecimento e comunicação foram determinantes para o fracasso da Rússia na Grande Guerra. No ano de 1915, dos 8 milhões de soldados disponíveis, 1,5 milhão estava morto ou ferido. Um número bastante elevado mesmo para os padrões da época. Somando-se a tal enorme perda do efetivo de combate, começou a se apresentar problemas na falta de abastecimento dos acampamentos e bases. Neste caso o abastecimento dizia respeito a comida, medicamentos, munição, veículos, roupas etc. Além da falta de suprimentos, o transporte também foi prejudicado e o recrutamento também sofreu problemas. Grande parte dos soldados disponíveis era formado por recrutas, os quais haviam sido convocados ainda em 1914, a maioria não concluiu o treinamento regular. Assim, 1915 terminava com a criação do Bloco Progressista, formado por parte dos parlamentares da Duma, representados pela nobreza e a burguesia, os quais estavam descontentes com a decisão de Nicolau II de ter adentrado na guerra e o andar do conflito. (REIS FILHO, 1989, p. 41).
O Bloco Progressista começou a pressionar o czar por atitudes frente a guerra, além de tomar decisões relacionadas aos problemas internos que vinham se desenvolvendo na última década, além da condição de que o czar não tinha cumprido com as reformas propostas em 1905. Nicolau II indignado com isso, suspendeu a Duma, e depois a reabriu com mudanças na direção e no conselho. Em quatro meses ele nomeou três presidentes de conselho favoráveis aos seus interesses, no intuito de barrar os protestos e reivindicações do Bloco Progressista. (REIS FILHO, 1989, p. 42).
Nicolau II em 1916 se via cada vez mais pressionado. O país estava em uma crise profunda: faltava comida, os impostos haviam subido para poder bancar uma guerra que se revelava desastrosa. Mais de 1,6 milhão de mortos, 1 milhão estava desaparecido ou desertado; 2 milhões estavam presos em diferentes países onde lutavam. O exército além de ter perdido quase metade do seu contingente, estava desmotivado e desamparado. O czar chegou a viajar para um dos quartéis-generais a fim de reverter a situação, mas sua presença pouco mudou a realidade dos planos de guerra. (LA REVOLUCIÓN RUSA, 2014, p.8).
Grandes greves voltavam a eclodir pelo país: salários atrasados, exploração do trabalho, impostos altos, falta de alimentos, insegurança diante das revoltas e protestos; desamparo do governo etc., marcava o cenário dos anos de 1915-1916. Por outro lado, sua ausência da capital, deixou o país a frente de duas pessoas despreparadas, a czarina Aleksandra e Rasputin, o conselheiro místico e curandeiro da família real. Ambos foram alvos de boatos e calúnias. E o próprio Rasputin que era invejado e odiado na corte, foi assassinado no final de dezembro de 1916.
5) Eclode a revolução:
O cenário conturbado dos últimos três anos iria culminar na deflagração de uma revolução. Dessa vez não seria apenas algo levado a cabo por grevistas como visto em 1905, mas a população russa estaria envolvida massivamente nos protestos. Em 1917, 5,5 milhões de soldados russos estavam mortos, feridos, desaparecidos, aprisionados ou haviam desertado. Muitos destes com suas famílias estavam indignados, o que incluía não apenas os soldados, mas os capitães, majores, coronéis e generais pelo desastre de ter adentrado a Grande Guerra. Além das mortes no campo de batalha, pessoas estavam morrendo de fome, frio, doenças e pela violência promovida pelo cenário de crise no país. Em 1916, nobre e militares chegaram a cogitar um golpe de Estado, mas esse foi adiado. (COMÍN, 2017, p. 23).
Neste caso, 1917 se iniciou com novos levantes grevistas e protestos contra o governo. No dia 9 de janeiro, uma greve de 150 mil pessoas foi realizada em Petrogrado para relembrar o ocorrido no Domingo Sangrento em 1905. Além disso, algumas pessoas gritavam palavras de ordem pedindo paz, pão e terra. As manifestações em Petrogrado continuaram pelo restante do mês, motivando novos levantes em outras cidades, até desemborcar numa greve geral. Homens e mulheres passam a participar das manifestações quase diárias. As fábricas ficam fechadas por semanas. Policias e soldados aderem aos protestos.
Marcha pelo Dia Internacional das Mulheres, em 1917. As mulheres reivindicavam fim da guerra, alimento e democracia. |
No dia 27, formou-se um Soviet composto por deputados operários e soldados. Além disso criou-se também um comitê executivo para comandar o soviete, que contava com mais de dois mil membros, os quais representava os interesses do povo. O soviet formado naquela ocasião faria frente a Duma, reduto da nobreza, ocupado por monarquistas favoráveis ao czar. Porém, é preciso lembrar que a própria Duma estava dividida naquela época. O Bloco Progressista surgido em 1915, representava a dissidência interna. E isso foi um problema para o governo, o qual havia perdido parte de seu apoio. O soviet na ocasião reivindicava a convocação de uma assembleia constituinte, governo popular, o que significava fim da monarquia, e instituição de uma república, cujo líder teria que ser eleito por sufrágio universal. (COMÍN, 2017, p. 26).
Soldados russo participando de protestos em Petrogrado, no ano de 1917. |
Após a destituição e perseguição aos aliados do governo, Nicolau II vendo que não tinha mais nada a fazer, no dia 15 de março (2 de março no antigo calendário russo) apresentou sua abdicação voluntária, e disse que seu herdeiro direto, o príncipe Mikhail também abdicaria, algo que ocorreu no dia seguinte. Nicolau II e seu filho abdicaram mediante um acordo com a Duma, propondo que a monarquia seria mantida, mas convocaria-se uma assembleia constituinte, e tornaria-se a Rússia numa monarquia parlamentarista. No dia 20 de março o governo provisório da Duma sentenciou a família real a prisão domiciliar no Palácio Tsarkoe Tselo. Nicolau II ainda tentou solicitar exílio para sua família na França ou Inglaterra, mas o pedido foi negado devido ao clima de guerra, pois oficialmente a Rússia ainda permanecia no conflito e era inimiga de ambas as nações. Entretanto, a Alemanha decidiu agir.
Nicolau II e sua família, numa fotografia de 1915. |
6) O retorno de Lenin:
As Teses de Abril consistiram num documento no qual Vladimir Lenin apresentava a proposta revolucionária defendida por seu partido os Bolcheviques, ala dissidente do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR). O fato se devia que o governo provisório que assumiu após a abdicação do czar e seu filho era composto por membros conservadores e ainda favoráveis a monarquia, sendo formado pelos partidos de direita dos Outubristas, Kadetes (que eram social-democratas) e Progressistas, os quais foram reunidos num novo conselho sob liderança do deputado Vladimir Lvov dos Outubristas. (COMÍN, 2014, p. 26).
Lenin na ocasião criticou esse governo provisório que deixou de fora representantes das classes baixas, concentrando-se em si apenas representantes da nobreza e da burguesia. Se a ideia era continuar com a revolução iniciada em fevereiro daquele ano, que diga de passagem, encabeçada pelos operários, camponeses, funcionários liberais de classe baixa, porque eles estavam de fora? Assim, para tentar apaziguar o protesto apresentado por Lenin e outros, o governo provisório elegeu Alexander Kerensky, representante dos Soviets, para assumir o cargo de Ministro da Justiça. Neste caso, Kerensky levou uma série de reivindicações ao governo provisório, dentre as quais se pedia: anistia ao presos políticos, formação de milícias populares, eleição para uma assembleia constituinte, elaboração de uma constituição etc. (COMÍN, 2017, p. 26).
O governo provisório distribuiu a anistia, reconheceu a separação da Finlândia e da Polônia, anteriormente ocupadas pela Rússia, reconheceu a jornada diária de 8 horas de trabalho entre outras reivindicações. Porém, reforma agrária, saída do país da guerra, eleições, assembleia constituinte entre outros temas eram desconversados ou sempre adiados. E isso começou a inquietar os soviets (conselhos de operários e soldados) e o restante da população. Lenin nessa época defendia que a revolução foi iniciada pela burguesia, pois embora o povo tenha ido as ruas protestar na capital e em outras cidades, foram os burgueses e nobres que destituíram os governadores, prefeitos, e forçaram a abdicação do czar e seu filho. Porém, a revolução deveria continuar, mas agora nas mãos das classes oprimidas. Com isso, Lenin a frente dos Bolcheviques procurava apoio dos Mencheviques, dos Socialistas revolucionários, dos anarquistas e dos soviets para levar a frente sua proposta de revolução do proletariado.
Fotografia de Lenin sendo recebido por uma multidão em abril de 1917. |
7) Crises em maio, junho e julho:
A morte de manifestante no final de abril, gerou mudanças de atitudes nos meses de maio e junho. Os camponeses convocaram o I Congresso de Comitês Agrários a fim de deliberar o programa de uma reforma agrária, apesar que na prática em alguns lugares do país, estes comitês já tivessem se apropriado ilegalmente das terras, e as redistribuía entre si. Não obstante, o mês de maio viu um grande aumento de revoltas rurais, pelo menos 678 revoltas em 236 distritos, número que continuaria a crescer. Por outro lado, o governo provisório continuava adiando a convocação de uma assembleia constituinte, recusava retirar-se da guerra, e reconhecer devolver territórios ocupados na Finlândia, Polônia e Ucrânia, o que gerava revoltas nestes lugares. (REIS FILHO, 1989, p. 52; COMÍN, 2017, p. 30).
Todavia não foram apenas os camponeses que se organizaram para protestar contra o governo provisório. Nas cidades fabris, os soviets também se mobilizavam com greves e protestos para pressionar o governo que agilizasse suas reformas e convocasse eleições para uma constituinte. Em junho foi convocado o I Congresso de Soviets e Soldados que contou com mais de mil delegados, 305 soviets municipais e 53 soviets regionais. Curiosamente a maioria dos delegados e representantes advinham dos partidos dos Mencheviques e dos Socialistas revolucionários. Os Bolcheviques ainda estavam em menor número, embora Lenin estivesse fazendo seus contatos para ganhar apoio. Porém a situação piorou.
Alexander Kerensky |
Kerensky decretou que Lenin era espião dos alemães, enviado para desestabilizar o governo. Assim o primeiro-ministro decretou a ilegalidade dos Bolcheviques, e também fez o mesmo com os Mencheviques e os Socialistas revolucionários, os quais só não sofreram mais, pois decidiram negociar com o governo. Todavia, Lenin considerou a negociação de seus companheiros de causa, uma covardia, e recomendou aos Bolcheviques não aderirem a tal acordo. (COMÍN, 2017, p. 30).
8) O golpe de Kornílov:
Embora Kornilov tenha sido eleito Comandante-chefe do Exército russo pelo primeiro-ministro Kerensky, ambos não se entendiam bem. Kornilov defendia a continuação da guerra, assim como tomar medidas urgentes e severas para conter as ondas de protestos pelo país. O mesmo também era a favor de ideias conservadoras, abolir os partidos de esquerda e até mesmo em agosto daquele ano sugeriu ao primeiro-ministro e demais ministros a possibilidade de instaurar uma ditadura militar. A ideia foi recebida de forma dividida. Kornilov era um veterano que gozava de prestígio entre parte da direita conservadora e da extrema-direita. Todavia, Kerensky recusou a proposta. A Rússia havia a poucos meses saído de um governo autoritário, e agora sugeria-se retornar-se para outro. (D'AGOSTINO, 2010, p. 46).
Comandante-chefe Lavr Kornílov em visita a Moscou, durante as negociações do Conselho Estatal, em agosto de 1917. |
O próprio primeiro-ministro Kerensky decidiu fornecer apoio a causa dos Bolcheviques, também incentivando os demais partidos e a população a defenderem a cidade, assim como, libertou bolcheviques que estavam presos e lhes deu armas para combater a divisão do general Krimov. Leon Trostky foi liberto e tornou-se comandante da chamada Guarda Vermelha. Todavia, um conflito foi evitado. Kornílov e seus aliados foram presos em Moscou. Krimov cometeu suicídio e as tropas foram retiradas. (LA REVOLUCIÓN RUSA, 2013, p. 18-19).
9) A insurreição de outubro:
Com o malogro da tentativa de golpe de Estado do general Kornílov a situação do mandato de Kerensky voltara a piorar. Embora não fosse amigo de Kornílov, a indicação dele para assumir o cargo de Comandante-chefe foi sua. Mas além desse fato, o primeiro-ministro Kerensky também tinha como problema para sua imagem e governo o fato de ter libertado presos políticos e os armados, no que constituiu na Guarda Vermelha dos Bolcheviques. Em outras palavras, se antes ele havia se mostrado favorável banir os partidos socialistas e marxistas da Rússia, teve que recorrer a estes para se defender de um golpe de Estado promovido pela direita a qual ele fazia parte.
"Kerensky salva o governo, mas sai desmoralizado por suas ligações com Kornílov. Os SRs e mencheviques ficam debilitados: a prolongada aliança com os partidos burgueses não parece justificável. A organização soviética se fortalece e cresce a pressão em favor do atendimento - imediato - das reivindicações populares - pão, paz e terra". (REIS FILHO, 1989, p. 57).
Revoltas e protestos continuavam a ocorrer pelo país. Movimentos separatistas de regiões etnicamente insurretas se realizam; Finlândia, Ucrânia e Polônia pressionam o governo para devolverem seus territórios ocupados; Alemanha continua avançando na frente de batalha, pois a Rússia ainda continuava em guerra. Os operários e soldados voltavam a gritar o lema: "Todo o poder aos soviets!". Fábricas continuavam a ser ocupadas pelos grevistas. No campo os comitês agrários confiscavam ilegalmente terras e as redistribuíam numa "reforma agrária" desorganizada.
Apesar desse cenário caótico e da desmoralização do governo provisório e dos partidos dos Mencheviques e dos Socialistas revolucionários, os Bolcheviques saíram fortalecidos após evitarem o golpe militar de Kornílov. Embora Lenin estivesse escondido na Finlândia naquele momento de final de agosto, Trotsky estava a frente da reorganização do partido que havia deixado de ser ilegal, e agora passava a dispor de uma milicia. Não obstante, os soviets elegeram Trotsky para o cargo de presidente do Soviet de Petrogrado. Os Bolcheviques ganham eleições iguais em Moscou, Baku, Ural e em outras 50 cidades. (REIS FILHO, 1989, p. 58). A influência dos Bolcheviques também se faz ser sentida na Finlândia, Ucrânia e Sibéria. Embora que no campo os Socialistas revolucionários ainda são a maioria. (COMÍN, 2017, p. 31).
Setembro foi decisivo para a ação dos Bolcheviques ocorrida em outubro. Lenin ainda no final daquele mês retornou para Petrogrado, reassumindo a liderança do partido e convocando reuniões emergenciais para debater o que seria feito. As tropas alemãs avançavam rumo a Petrogrado, o plano do Império Alemão era tomar a capital russa e forçar uma rendição do país. Se isso ocorresse a revolução seria abalada e talvez interrompida. A Rússia não dispunha mais de forças para barrar o avanço alemão, tão pouco estava internamente unificada, e para completar o governo legal estava desmoralizado e sem credibilidade e respeito. Nesse ponto, Lenin foi altivo ao dizer que a Rússia somente poderia resistir aquela calamidade se o povo tomasse o poder. A república que deveria ser instaurada deveria ser soviética e não burguesa.
Outubro transcorreu caoticamente: Kerensky havia mudado os cargos no ministério, destituindo quem lhe contrariasse, como no caso do Ministro da Guerra que havia proposto um armísticio com os alemães; no Exército, os soldados estavam indisciplinados e desertavam; na Marinha, os marinheiros se rebelaram contra a ordem de abandonar suas posições, iniciando insurreições; os Socialistas revolucionários cobravam do governo reconhecimento da reforma agrária promovida pelos Comitês Agrários; os operários em greve exigiam uma reforma trabalhista e a estatização da indústria. Lenin e Trotsky cogitavam uma ação enérgica contra o governo provisório.
Leon Trotsky |
Lenin e Trotsky a frente do comando da ação despacharam as ordens. As estações de trem, centrais telefônicas, correiros, arsenais, quartéis, pontes, praças foram ocupados. Trotsky mobilizou pelo menos 15 mil membros entre soldados, marinheiros, operários, camponeses, que incluíam homem e mulheres. Dois encouraçados foram posicionados para dar cobertura, o Aurora e o Amur. Inclusive as fortalezas de São Pedro e São Paulo também faziam parte da ação. As 2h da madrugada o Palácio de Inverno, sede do governo foi ocupado. Diferente da romantização que foi exibida no cinema e em livros, onde retratavam a "revolução de outubro" como gloriosa, épica, pautada numa acirrada guerra entre os revolucionários e o governo provisório corrupto e decadente. A realidade não foi bem assim. A tomada do Palácio de Inverno foi algo bem operacional, com pouco efeito colateral, apenas alguns poucos feridos e mortos, não tendo envolvido uma guerra acirrada, com trincheiras, barricadas, bombardeios e trocas de balas como visto em alguns filmes russos. (ESTOPAÑÁN, 2017, p. 37).
10) Um novo governo, um país dividido:
"Às 5 horas do dia 26, os bolcheviques propõem formalmente que os soviets assumam o poder e formem um novo governo "que proporá paz imediata, terra aos camponeses, estatuto democrático às forças armadas, controle sobre a produção, e convocará na data determinada a Assembléia Constituinte, além de garantir o direito das nações da Rússia a disporem delas mesmas". O plenário ovaciona a proposta contra 2 votos e 12 abstenções. Pouco depois a sessão é encerrada". (REIS FILHO, 1989, p. 66).
Apesar desse ovacionamento na primeira sessão formal, pois tomada do Palácio de Inverno, não significava que a vitória estava garantida e os problemas haviam terminado. Isso era apenas o começo. Os partidos de direita como os federalistas, kadetes, monarquistas e liberais formariam uma coalização para derrubar os bolcheviques. Além disso, a própria esquerda também não estava unificada. Os socialistas revolucionários e os mencheviques cogitavam se unir para derrubar os bolcheviques e até mesmo se aliarem a direita para isso. Todavia, o governo provisório antes comandado por Kerensky, estava oficialmente destituído, e por hora o governo provisório dos soviets de Petrogrado estavam no comando.
Ainda no dia 26 de outubro, já de noite, em nova reunião do II Congresso dos Soviets de Petrogrado, foram propostos a formulação de um armistício com os alemães, a saída da Rúsia da Grande Guerra, anistia, abolição da pena de morte, prisão de Kerensky, Kornílov e todos envolvidos nas falcatruas do governo provisório e no golpe militar de Kornílov, reconhecimento que o governo enquanto estivesse naquela condição, seria um governo popular, gerido pelos soviets e camponeses, não pelos burgueses e nobres; reconhecimento de uma reforma agrária, algo que o próprio Lenin leu na ocasião o decreto-lei. (REIS, FILHO, 1989, p. 68).
Nos meses seguintes mais de cem medidas foram tomadas, as quais diziam respeito a assuntos ligados a gestão do Estado, indústria, agricultura, educação, direitos civis, direitos políticos, exército, guerra, paz, ordem pública, economia, imprensa, transporte, religião, estradas, serviços públicos, abastecimento etc. Embora o governo bolchevique estivesse obtendo êxito na aprovação dessas medidas, não significava que seu governo estivesse consolidado, esse era apenas o início da luta. Enquanto os soviets bolcheviques de Petrogrado e das grandes cidades se uniam para firmar o andar da revolução socialista que eles alegavam está em processo, a oposição se mobilizou para derrubá-los, iniciando vários conflitos armados durante este meses, além do fato, que problemas relacionados a fome, falta de abastecimento, deserções, indisciplina dos soldados, assaltos, invasões de propriedade, brigas etc., ainda continuavam a ocorrer no país. E isso tudo culminaria numa guerra civil que duraria outros quatro anos. ( Porém, isso é história para outra ocasião, pois por hora, a revolução socialista como era alegada na época, havia vencido a primeira das batalhas. (ESTOPAÑÁN, 2017, p. 39).
Considerações finais:
Por muitos anos a Revolução Russa de 1917 foi mal compreendida, em parte isso se deu pela manipulação deliberada da URSS em reescrever a sua origem, tendo criado um vilão (monarquia e burguesia) que deveriam ser derrotados pelos heróis (bolcheviques), mas em parte o problema de compreensão se deveu também a política anticomunista, na qual reduziu todo o movimento como se fosse um mero golpe de Estado proclamado por Lenin e seus aliados. Todavia, neste texto tentei mostrar mesmo que de forma pontual, o amplo contexto político, social, econômico e histórico que marcou a premissa para uma revolução socialista. No caso, a indignação do povo russo, sua adesão a movimentos sociais e políticos, a chegada de ideias marxistas, socialistas e comunistas, formação de sindicatos e comunas agrárias tudo isso são acontecimentos que se desenvolveram décadas antes de 1917, não foi algo que surgiu de imediato.
Como visto, desde a década de 1860, eclodiram na Rússia movimentos populares pressionando o governo absolutista dos czares, inclusive movimentos pedindo o fim da monarquia e a instauração de uma república. Por outro lado, foi a partir da década de 1880 que começou a se formalizar a ideia de sindicatos operários e comunas agrárias, mesmo que na prática os sindicatos fossem proibidos por lei. Não obstante data daquele período a chegada de ideias trabalhistas, marxistas, liberais, federalistas, comunistas, socialistas, anarquistas etc., que adentram o país, advindo de nações como Alemanha, Polônia, Ucrânia, França, Finlândia e Suécia. Mas embora a classe trabalhadora russa fosse predominantemente analfabeta, isso em parte não impediu que uma consciência de classe (usando aqui um conceito marxista), pudesse se formar.
Essa consciência dos trabalhadores urbanos e rurais da Rússia ainda surgida na segunda metade do século XIX, foi fundamental para o desenvolvimento de partidos políticos tanto de esquerda quanto de direita, os quais reivindicavam mudanças políticas, econômicas, legais e sociais. Mas além dessa condição que levou a formação dos sindicatos e comunas, é preciso salientar que os militares tiveram um papel importante durante a Revolução de 1917. Foi a partir do descontentamento principalmente das patentes inferiores, o que permitiu uma forte adesão de soldados e marinheiros aos soviets. O fracasso da guerra russo-japonesa (1904-1905), mas principalmente as duras derrotas durante a Primeira guerra (1914-1918), foram essenciais para criar dentro das forças armadas antipatias para o czarismo, e solidariedade a ideias republicanas, parlamentaristas, socialistas e revolucionárias.
Por outro lado, a ideia de que os Bolcheviques e Lenin foram os grandes articuladores dos eventos de 1917, não é exata. Lenin passou muitos anos fora da Rússia devido a perseguição política que sofreu. Apesar de ser um marxista e socialista, o próprio discordava de alguns pontos propostos por Karl Marx, e inclusive atropelou alguns dos conselhos dados por Marx quanto ao desenvolvimento de um Estado socialista. Nesse ponto, outro líderes bolcheviques como Leon Trotsky também cometeram o mesmo erro, ao querem através do uso da força implantar um sistema que não possuía bases sólidas para ser construído.
Nesse ponto, a revolução de 1917 começou com base na mobilização dos soviets, comunas agrárias, militares, burgueses e nobres que forçaram a abdicação do czar Nicolau II, instaurando um governo provisório fraco, dividido e incompetente que contrariava os anseios populares por paz, comida e terra, mas que ambicionava criar um novo Estado onde eles fossem os senhores. É meio a esse dilema que os bolcheviques, que eram uma minoria ainda no começo de 1917, vão agindo por fora dos atritos entre Mencheviques e Socialistas revolucionários contra social-democratas (kadetes), nacionalistas, liberais e monarquistas, conseguiram conquistar apoio, principalmente durante o incidente do malogro do golpe militar do general Kornílov, que permitiu aos Bolcheviques a chance de constituir uma força armada e conclamar a união dos soviets a sua causa.
Mas apesar de eles terem conseguido tomar o poder no final de outubro de 1917, isso deu início a uma guerra civil que duraria mais quatro anos, até que o socialismo pudesse triunfar na Rússia. A ideia de que o socialismo sempre venceu desde imediato, pois Lenin e seus aliados foram gênios revolucionários que jamais cometeram erro algum, não é verdadeira. Lenin, Trotsky, Stalin e os demais tiveram muitos problemas após 1917, o que resultou na mudança de atitude deles e do partido frente as propostas de organizar uma república soviética e socialista.
De qualquer forma o mérito da Revolução Russa de 1917 consistiu em mostrar que o povo unindo-se, mesmo que sob partidos, sindicatos, ideologias diferentes, mas mantendo causas em comum poderia realmente vencer. O problema é que embora essa vitória possa eventualmente ser alcançada, a falta de uma união e coesão entre os partidos de esquerda, partidos de direita, movimentos sociais, populares e políticos pesou contra a manutenção de um governo provisório de 1917 a 1921. A unidade nacional que sempre foi alegada existindo com o proletariado urbano, rural e os militares de baixa patente nem sempre coexistiu em harmonia, tão pouco os Bolcheviques sozinhos foram responsáveis por tudo. O mérito deles esteve em conseguir estabelecer uma república socialista, a primeira oficialmente da história, que mostrou preocupação com as classes menos favorecidas, que empregou inclusive princípios comunistas como a reforma agrária, estatização da indústria, dando controle das mesmas e sua produção aos conselhos fabris, educação e saúde gratuitos, medidas para se combater a fome e a miséria etc., embora que tais ideias acabaram se perdendo durante o governo do próprio Lenin, e principalmente com a ascensão de Stalin e seu totalitarismo.
NOTA: O famoso escritor russo Leon Tolstói (1828-1910), em alguns de seus livros abordou o tema da servidão em seu país, criticando a manutenção desse sistema servil antiquado e desumano. Isso é visto em alguns livros como Anna Karenina (1877) e Senhores e Servos (1895).
NOTA 2: Por mais que o czar Alexandre II tenha abolido a servidão e promovido algumas outras reformas, isso não tornou se governo popular ou satisfatório. Alexandre II foi contrário aos movimentos populares. Ele foi assassinado em 1881, por um grupo de militantes radicais que defendiam o fim da monarquia.
NOTA 3: Normalmente as pessoas tendem a dizer que Marx odiava o capitalismo e dizia que ele não era importante e deveria ser destruído ou abolido. Mas isso não é um dado exato. Em suas obras Marx defendia a existência do capitalismo como sendo necessária para o desenvolvimento econômico e social. Em sua teoria pautada num princípio evolucionista, Marx considerava que o Estado socialista e comunista seriam evoluções do Estado capitalista. Sua grande crítica ao capitalismo era a exploração do trabalho, o lucro em primeiro lugar, a coisificação da vida, a alienação pelo consumismo etc.
Referências bibliográficas:
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Links relacionados:
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