A história militar tradicional e a "nova história militar"
Dr. Fernando Velôzo Gomes Pedrosa
"A história militar nos ensina sobre honra,
sacrifício e a inevitabilidade do conflito".
Victor Davis Hanson
1. UMA ANTIGA TRADIÇÃO
A
História Militar é a mais antiga forma de História. Na verdade, a História
começou como História Militar. A própria etimologia da palavra história remete
a Heródoto (485-420 a.C.), autor das Histórias, relato minucioso das
guerras entre gregos e persas entre os séculos IV e V a.C. Todos os demais
textos históricos mais antigos que chegaram aos nossos dias são histórias de
guerras, como a História da Guerra do Peloponeso, de Tucídides (460-400
a.C.); ou a Anábase, história da expedição do exército mercenário grego
a serviço de Ciro, o Jovem, contra seu irmão Artaxerxes, imperador da Pérsia,
escrita por um de seus protagonistas, Xenofonte (c430-355 aC); ou as Histórias,
de Políbios (203-120 a.C.), relatando a história das Guerras Púnicas, entre
Roma e Cartago (264-146 a.C.).
Antes
desses historiadores, já havia relatos históricos, mas eles pouco se
distinguiam das narrativas míticas, nas quais os humanos conviviam e entravam
em disputa com os deuses e seres mitológicos. Esses relatos históricos,
entretanto, eram invariavelmente descrições de episódios militares, como a Epopeia
de Gilgamesh (c.Séc XII a.C.) ou a Ilíada, de Homero (Séc VIII
a.C.). A onipresença dos fenômenos militares nos primórdios da História apenas
reflete a importância que as guerras sempre tiveram para os destinos dos
homens. Como observou o coronel professor Pedro Cordolino, antigo mestre de
História Militar da Escola Militar no Realengo,
"Sendo a guerra o mais brutal fenômeno que nos
apresenta a humanidade no seu lento evolver, está claro que ela seria a
preocupação precípua dos historiadores nos primórdios da vida social. Daí o
limitar-se a História, durante muito tempo, às narrativas dessas guerras e
revoluções intercaladas com as aventuras dos potentados e as intrigas de suas
cortes". (AZEVEDO, 1998:
21).
Tradicionalmente, a História Militar tem sido a história das
guerras, campanhas, batalhas e feitos dos grandes generais, bem como o registro
de todas as atividades das forças militares na guerra e na paz. Para John
Keegan, um moderno historiador militar de postura tradicional:
"A História Militar é um
conjunto de muitas coisas. É – e para muitos escritores do passado e do presente é pouco mais do que
isso – o estudo dos generais e do
generalato [...]. A História Militar é também o estudo do armamento e do
sistema de armas, da cavalaria, artilharia, castelos e fortificações, do
mosquete, do arco, do cavaleiro com armadura, do encouraçado, do bombardeiro
estratégico. [...] A História Militar é, por outro lado, o estudo das
instituições, regimentos, estados-maiores e escolas de estado-maior, dos
exércitos e das marinhas em geral, das doutrinas estratégicas adotadas na batalha
[...]. A História Militar, podemos inferir daqui, tem, em última análise, de
tratar da batalha". (KEEGAN, 2000: 28-30).
Assumindo uma postura claramente profissional, o Manual de
História Militar Geral usado pela Academia Militar das Agulhas Negras adota a
definição proposta pelo historiador militar brasileiro Cláudio Moreira Bento,
antigo professor daquela academia. Para ele,
"História Militar é a parte da História da
Humanidade que nos permite reconstituir a História da Doutrina Militar. E
Doutrina Militar são os princípios pelos quais os exércitos têm se preparado
(organizado, equipado, instruído e desenvolvido as forças morais) para a
eventualidade de conflitos e se empregados em guerras". (Apud. SAVIAN; LACERDA, 2009: 08).
2. AMPLIAÇÃO CONCEITUAL
Depois
da Segunda Guerra Mundial, o conceito de História Militar se ampliou
significativamente, passando de uma história das guerras, campanhas, batalhas e
feitos dos grandes generais, para a história das instituições militares, na paz
e na guerra e sua relação com a sociedade. Essa evolução não é um fenômeno
isolado, mas coincide, e na verdade reflete, a ampliação da dimensão dos
fenômenos militares e a democratização das sociedades. O fenômeno da guerra
evoluiu de uma dimensão puramente militar para uma dimensão total (Ver RAPOSO
FILHO, 1990), no qual as operações militares já não se restringem a um espaço
limitado, conhecido como campo de batalha, mas afetam a toda a sociedade,
incluindo a totalidade dos países ao alcance dos modernos meios de destruição e
fazendo a população civil vítima de ataques indiscriminados. Nessa nova e
ampliada dimensão da guerra, o cidadão comum é chamado a pegar em armas, sendo
de seu interesse conhecer as entranhas e os mecanismos das instituições
militares. No final do século XX, a interpenetração entre os combates e a vida
das pessoas havia chegado a tal ponto que o tenente-general britânico Rupert
Smith, antigo comandante das forças da OTAN no Kosovo, entendeu que surgia uma
nova categoria de conflito que seria prevalente no futuro: a “guerra entre o
povo” (SMITH, 2005: 313).
Nas modernas sociedades democráticas, portanto, os cidadãos
buscam compreender suas instituições militares, para as quais contribuem por
meio de impostos e nas quais são chamados a servir em situação de guerra. Entendem
também que o conhecimento dessas instituições armadas é relevante para evitar
que se transformem em ameaça à própria democracia.
A ampliação do campo da História Militar é também fruto da
evolução da História como ciência no decorrer do século XX, passando de uma
História tradicional, de caráter descritivo, para uma “Nova História”, de
natureza crítica. A História tradicional era uma crônica de acontecimentos, com
foco nos eventos históricos e em busca do ideal positivista da objetividade e
do registro da “verdade histórica”. Era fundamentalmente uma história política
e militar. A Escola Marxista levou o foco para a economia e para a luta de
classes, mas continuou sendo uma história política e com a pretensão de ser uma
ciência exata.
A
ideia de uma Nova História surgiu no princípio do século XX na Europa e nos
Estados Unidos, significando uma abertura da História para o campo
sociocultural. (JAGUARIBE, 2001: 37) A tendência por uma Nova História
firmou-se, porém, na França, com a criação da revista Annales d’Histoire Économique et Sociale por Marc Bloch (1886-1944) e Lucien
Febvre (1878-1956) em 1929. A proposta da Escola dos Annales e de seus
seguidores é de uma forte rejeição à História Política e à história dos
acontecimentos. Para alguns expoentes da Nova História francesa, os
acontecimentos não são mais que “a espuma da história” (DUBY, 1993: 14). Os
adeptos da Nova História buscam a multidisciplinaridade dos estudos históricos,
com a utilização de novas fontes de pesquisa, além dos tradicionais documentos
escritos, e de novos pontos de vista, como a história vivida e protagonizada
pelos estratos inferiores da sociedade, no que ficou conhecido como a “história
vista de baixo”. Seu ideal é ser a “„Ciência dos homens‟ [...] [e] É preciso
acrescentar: „dos homens no tempo‟” (BLOCH, 2002: 55), buscando um sentido de
síntese histórica, de história das mentalidades e das perspectivas do longo
prazo. A “Nova História” pretende, enfim, ser uma “História Total”, rejeitando
a divisão em histórias parciais: política, diplomática, econômica, militar,
religiosa etc. (GURIÊVITCH, 2003: 32).
3. A NATUREZA E A UTILIDADE DA HISTÓRIA MILITAR
Como já foi demonstrado acima, a História Militar está na
origem da própria História. Refere-se fundamentalmente às atividades militares,
ou seja, às guerras, campanhas e batalhas. Caso contrário não seria uma
história verdadeiramente militar. Como observou John Keegan, “não
é pelo que os exércitos são, mas pelo que os exércitos fazem que as vidas das
nações e dos indivíduos se modificam” (KEEGAN, 2000: 31)
Do
ponto de vista militar, o estudo da História Militar tem caráter
fundamentalmente utilitário. É uma ferramenta para aprender com o passado,
facilitando a compreensão de conceitos militares teóricos por meio de exemplos
históricos de sua aplicação. Auxilia a aprendizagem do emprego de forças
militares nos níveis estratégico, operacional e tático, bem como a compreensão
da evolução da doutrina militar, servindo como uma ponte entre a teoria militar
e a aplicação dessa teoria. Segundo Clausewitz: “Os exemplos históricos
esclarecem tudo; possuem, além disso, um poder demonstrativo de primeira
categoria [...]. Isto verifica-se na arte da guerra mais do que em qualquer
outro campo.” (CLAUSEWITZ, 1979: 191).
O
ensino da História Militar tem, pois, uma tradicional função didática na
educação de chefes militares, oferecendo valiosas lições práticas sobre a arte
da guerra, principalmente nos níveis da estratégia e do emprego tático de
grandes efetivos militares, quando não existem soluções padronizadas em
manuais. À medida que as atividades militares ascendem do nível técnico, como o
de como carregar, apontar e disparar um fuzil, para o nível da tática de
emprego de forças militares e daí para a estratégia, é cada vez mais difícil
encontrar soluções nos manuais militares. Manuais podem prescrever a técnica
para calibrar e sintonizar um rádio de campanha, ou para desdobrar no terreno e
manobrar um grupo de combate (ou esquadra) de nove homens. Ações técnicas ou de
tática elementar têm poucas variáveis e podem ser facilmente descritas,
prescritas e ensaiadas. É muito mais difícil estabelecer regras para o emprego
de uma brigada de quatro mil homens ou uma divisão com 15 mil homens e milhares
de veículos, manobrando para abordar o inimigo em situação vantajosa, levando
em conta a incerteza do combate, as configurações do terreno, as condições
atmosféricas, a disponibilidade de suprimentos e de transporte, a rede viária e
um sem fim de outras variáveis. Da mesma forma, o adestramento ou ensaio de
efetivos dessa magnitude ou maiores implica em elevados custos econômicos e na
disponibilidade de campos de instrução com enormes espaços de terreno desimpedido
de atividades civis. Embora a História Militar não seja capaz de estabelecer
regras prescritivas para os comandantes de grandes formações militares e para
os decisores estratégicos, o estudo de casos históricos pode oferecer modelos
de soluções para casos variados, enriquecendo o seu leque opções. Como observou
Napoleão Bonaparte, “o conhecimento das partes superiores da guerra só se
adquire pela experiência e pelo estudo da história das guerras e das batalhas
dos grandes capitães”. (Apud. AZEVEDO, 1998: 23).
Uma
segunda função didática da História Militar é servir de fonte de inspiração
para os aprendizes da vida militar, sejam recrutas em treinamento para o
exercício das funções mais elementares do soldado, sejam jovens cadetes,
preparando-se para assumir funções de mando militar como oficiais. O estudo das
vidas dos soldados do passado proporciona exemplos de procedimento em situações
extremas, quando a sobrevivência pessoal e do grupo estão em jogo. A dureza
extrema e a ameaça iminente à própria vida são características inerentes à
atividade de combate. Quando um soldado tem que seguir avançando e manter a
cabeça erguida para ver e atirar, no cumprimento de seu dever legal e moral, o
suporte da crença em valores e virtudes militares, mais do que uma ajuda, é
fundamental. É da lembrança de atos de coragem, desprendimento e sacrifício perpetrados
por soldados do passado e pelos seus antecessores, que o homem, contrariando
seus impulsos naturais de fugir ou esconder-se, torna-se capaz de seguir em
frente. E é da História que vem essa inspiração. Quase 200 anos antes de
Cristo, Políbios já afirmava que “o mais seguro e na realidade o único método
de aprender a suportar altivamente as vicissitudes da sorte é recordar as
calamidades alheias”. (POLÍBIOS, 1996: 41).
O
desenvolvimento de virtudes cívicas e militares, e a instilação dos valores
correspondentes não são fruto de uma visão ingênua e idealista, afastada da
brutal realidade da guerra. Não há atividade humana na qual as questões morais
sejam tão evidentes e cruciais. Decisões que resultam na matança de pessoas, na
destruição de bens particulares e de patrimônios públicos não podem ser tomadas
sem forte respaldo da ética. Embora a História das guerras esteja recheada de
exemplo do uso da mentira e da falsificação, essa própria hipocrisia é uma prova
do quanto as questões morais são relevantes quando os governos desejam
comprovar que a guerra tem uma causa justa e que está sendo travada de forma
justa (Ver WALZER, 2003: 31). Ademais, mesmo em tempos de paz, soldados e
principalmente chefes militares destituídos de valores morais são um risco para
a sociedade que os mantém e a eles confia sua segurança.
O
estudo da História Militar também permite a aprendizagem de lições sobre
liderança militar, sob duas perspectivas distintas e complementares. A primeira
é a compreensão do comportamento do homem e da tropa em combate; de suas
reações diante do risco de ser morto ou ferido e, no caso dos homens em funções
de comando, de como eles reagirão diante do desgaste físico e emocional
decorrente de suas responsabilidades. A segunda é a obtenção de modelos de
liderança e de tomada de decisão por meio do estudo do desempenho de antigos
chefes militares em combate. Esses modelos podem ser tomados como exemplares,
mas também como objeto de avaliações críticas, em busca de soluções mais
adequadas. Ambas as perspectivas são de grande valia na educação de oficiais,
apurando suas percepções nos níveis interpessoal e intrapessoal. Do ponto de
vista interpessoal, lhe permitirá uma melhor avaliação das expectativas,
motivações e temores de seus subordinados. Do ponto de vista intrapessoal lhe
permitirá levar em conta seu próprio estado emocional ao tomar decisões e fazer
julgamentos a respeito de pessoas e situações.
Tradicionalmente, a História Militar também tem desempenhado
as funções de ferramenta de simulação de combate, por meio da vivência e
análise de experiências militares passadas. Essa função tem sido substituída em
grande parte pelos “jogos de guerra”, introduzidos nas escolas de estado-maior
no século XIX, e fortemente expandida com os instrumentos da tecnologia da
informação após a 2ª Guerra Mundial. Até o surgimento desses jogos de guerra, a
leitura de obras de História Militar era o único meio disponível aos
comandantes e oficiais de estado-maior para vivenciar, durante os períodos de
paz, a experiência de estar em combate.
Finalmente,
a História Militar é o repositório da memória das instituições militares, sob a
forma de práticas, valores e tradições. As instituições militares são
essencialmente realistas e conservadoras, como observou Samuel Huntington, em O
Soldado e o Estado (HUNTINGTON, 1996: 76-97). Esse conservadorismo é fruto
de uma ética que
"enfatiza a imutabilidade, a
irracionalidade, a fraqueza e a maldade da natureza humana... [que] proclama a
supremacia da sociedade sobre o indivíduo e a importância da ordem, da
hierarquia e da divisão de funções... [que] salienta a continuidade e o valor
da história". (HUNTINGTON, 1996: 96).
A
atitude profissional conservadora dos militares não é apenas compreensível, mas
desejável em pessoas que são as executoras do monopólio estatal da violência,
detentoras de armas e engenhos destruição, e treinadas na sua utilização. O
apego às tradições e o culto de valores militares, como a honra pessoal, o
cumprimento do dever a todo custo, a lealdade aos comandantes, pares e
subordinados, o respeito às leis e à dignidade da pessoa humana, e o amor à
pátria são garantias contra a degeneração das instituições militares em bandos
armados.
4. A ESCOLA TRADICIONAL
A
História Militar tradicional estuda a evolução da arte da guerra e da doutrina
militar.2 Seu foco está nas campanhas, batalhas e nos feitos dos grandes chefes
militares, em busca princípios universais para a vitória e para a liderança
militar. Tem fundamental função didática no estudo da estratégia, da tática e
da liderança militar, com base em estudos de caso nas academias militares –
dedicadas à formação de jovens oficiais –, e nas escolas de estado-maior – cuja
função é habilitar oficiais amadurecidos para as funções de assessoramento de
alto nível e o comando de grandes unidades militares.
A
História Militar tradicional tem sido o campo de “militares historiadores”. Em
geral, tem pouca acuidade metodológica, pois não resulta do trabalho de
historiadores profissionais, mas de aficionados. Tende, portanto, à
grandiloqüência e à adjetivação excessiva. É basicamente uma história
descritiva e busca o ideal de apresentar “os fatos como aconteceram”. Em função
dessas características, ficou conhecida depreciativamente nos Estados Unidos
como “História-Batalha” ou História de “tambores e clarins”. Em função de sua
origem não especializada e “corporativa”, tem clara tendência ao mito,
ao enaltecimento de figuras históricas e a certa condescendência no julgamento
dos fatos e protagonistas. Essa tendência é natural e inerente ao “militar
historiador”, pois, como observou Jay Luvaas:
"Ao soldado que apanha uma pena para escrever,
é muito difícil esquecer-se, por uma carrada de razões, perfeitamente
compreensíveis, da possibilidade de que um dia sua mão venha também a empunhar
uma espada. Há reputações a proteger, velhas amizades que não podem ser
esquecidas, governos que devem ser atendidos". (LUVAAS, 1981: 54).
Por
sua vez, a tendência ao mito é uma consequência da própria ancestralidade da
História Militar, que deita raízes nos relatos históricos mitológicos da
antiguidade mais remota. É também resultado da forte carga emocional que
envolve os eventos militares. Guerras resultam em ódios profundos e
ressentimentos, lidam com a questão da própria sobrevivência da nação ou do
grupo social, envolvem as reputações de chefes e instituições militares e, com
frequência, implicam na necessidade e justificar ações cruéis ou derrotas.
Em
geral, termo "mito" é empregado com sentido pejorativo para se
referir às crenças comuns, vistas apenas como histórias de um universo
puramente maravilhoso. Mas os mitos são essencialmente narrativas de caráter
simbólico, e constituem uma das substâncias das representações coletivas, no
sentido dado por Emile Durkheim: “maneiras de agir, pensar e de sentir,
exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção” (DUKHEIM,
2007: 3). Para Serge Moscovici, as representações coletivas incluem “ciências,
religiões, mitos (grifo meu), espaço, tempo” (MOSCOVICI, 2001:
47). No caso das instituições militares, os mitos têm a fundamental função de
estabelecer modelos de comportamento e difundir os valores e tradições que são
o sustentáculo emocional para homens em combate, pois, quando o homem está
frente a frente com a morte, a pura razão não é suficiente para sustentar seu
estado moral. A esse respeito, Keegan afirmou que Moltke “considerava „um dever
de piedade e patriotismo‟ não destruir certos depoimentos tradicionais” que
pudessem ser usados com um fim inspirador. (KEEGAN, 2000: 23).
Do
ponto de vista profissional militar, em função de sua natureza e do seu
utilitarismo, a História Militar tem como objetos de estudo: as campanhas e
batalhas; a estratégia e a tática; a doutrina militar; a organização e o
preparo das forças militares; a liderança militar; a logística; o armamento e a
tecnologia aplicada aos equipamentos militares; e a evolução das instituições
militares e de suas práticas, valores e tradições. Entretanto, durante a
segunda metade do século XX o mundo acadêmico passou, cada vez mais, a dedicar
atenção ao estudo das forças armadas em sua relação com as sociedades às quais
servem, numa tendência que passou a ser conhecida como Nova História Militar.
4. UMA NOVA ESCOLA
Após a 2ª Guerra Mundial, surgiu nos EUA uma corrente
historiográfica conhecida como Nova História Militar. A gênese dessa nova
tendência historiográfica foi marcada pelo clima de confrontação ideológica da
guerra fria e pelo mal-estar vivido no país em função da guerra do Vietnã. Os
acadêmicos vinculados à nova escola tinham clara inspiração marxista na
ideologia e na metodologia de trabalho, além de demonstrarem desprezo pelas
instituições militares.
A
Nova História Militar sofria clara influência da “Nova História Cultural”,
então em voga nas universidades norte-americanas, concentrando suas atenções em
temas como poder, ideologia, classe, identidade cultural, raça, gênero etc. Seu
principal objeto de estudo eram as relações entre as instituições militares e a
sociedade, pois “como instituição, o Exército reflete a cultura nacional e
exerce um impacto sobre ela”. “Como instituição, [...] o Exército deve ser
considerado, também, como uma força social de tempo de paz” (MATALOFF, 1982:
423-424)
A Nova História Militar dava preferência a temas “de
esquerda”, como a composição social das forças e dos quadros de oficiais, o
recrutamento e questões culturais, de gênero e de raça nas instituições
militares.
Essa
tendência pouco “militar” também tinha origem na falta de intimidade da maioria
dos historiadores acadêmicos com as experiências militares. Efetivamente,
estudar as instituições militares como forças de combate é um grande desafio
para pessoas que não conhecem em profundidade suas características
organizacionais e culturais bastante peculiares, seu jargão profissional, seus
conhecimentos técnicos especializados, nem vivenciaram o tipo de experiências
profissionais extremas que tendem à formação de confrarias. Como profundo
conhecedor da alma humana, Shakespeare foi capaz de expressar essa união
forjada nas armas por meio das palavras do rei Henrique V antes da batalha de
Agincourt:
Nós poucos, nós poucos e felizes,
nós, bando de irmãos;
Pois quem hoje derramar seu sangue
comigo,
Será meu irmão; seja ele o mais
vil que for,
Este dia
enobrecerá sua condição.
(SHAKESPEARE, 2007: Ato 4, Cena 3)
A
esse respeito, em 1975, Jay Luvaas, então professor de História do Allegheny
College, confessou com franqueza:
"Muitos historiadores civis – e eu me
incluo entre eles – se ressentem da falta de uma experiência pessoal ou
de conhecimentos técnicos para escrever certos detalhes da História militar. Eu
posso acompanhar os movimentos das Brigadas e Divisões durante a batalha,
porém, como nunca, eu mesmo, tive a oportunidade de empunhar nervosamente uma
arma, só posso contar com a ajuda de outros para aquilatar das dimensões
psicológicas da batalha". (LUVAAS,
1981: 54).
Embora
afetada por certos preconceitos ideológicos, conforme reconheceu Peter Paret,
um de seus expoentes (PARET, 1991: 16), a Nova História Militar trouxe grandes
aportes metodológicos e de interpretação à história das instituições militares,
ampliando o debate sobre temas militares em campos antes pouco explorados, mas
fundamentais para a compreensão do desempenho dos exércitos em campanha – como
as questões culturais, o recrutamento da tropa e do corpo de oficiais, as
questões organizacionais, as tensões internas que refletem as existentes na
sociedade na qual foi recrutado etc.
No
Brasil, a Nova História Militar apareceu a partir do início da década de 1990,
coincidindo com o arrefecimento do confronto ideológico após o fim da guerra
fria e dos governos militares. Ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos,
a nova tendência iniciou uma desmobilização ideológica das tensões criadas nas
décadas precedentes, quando as principais correntes historiográficas
brasileiras de esquerda dedicaram-se a uma “releitura” da História do Brasil
com claras características de propaganda contra as Forças Armadas, vistas como
reacionárias e responsáveis pela frustração de seus ideais socialistas. O
início da revisão do revisionismo levada a cabo pelos “novos historiadores
militares” foi dado por Ricardo Salles, com Guerra do Paraguai: Escravidão e
Cidadania na Formação do Exército, publicado em 1990, no qual contesta a
explicação das causas da guerra do Paraguai como uma intervenção imperialista
brasileira, incitada pela Inglaterra, contra um suposto modelo de economia
autárquico e semi-socialista então vigente no Paraguai. (SALLES, 1990).
Como
nas suas versões internacionais, a Nova História Militar brasileira também
demonstra clara preferência por temas “politicamente corretos” e não
relacionados às operações militares. Sua prioridade tem sido questões como as
relações entre as instituições militares e a sociedade, o controle civil das
Forças Armadas, o recrutamento de escravos durante a guerra do Paraguai, as
questões de gênero e raciais, o homossexualismo nas casernas etc. Embora com
essa visão parcial, os historiadores dessa corrente no Brasil têm produzido
trabalhos valiosos para a interpretação da evolução das instituições militares
brasileiras. Seus principais expoentes são: o já citado Ricardo Sales;
Francisco Doratioto, com seu volumoso Maldita Guerra: Nova História da
Guerra do Paraguai, que tem sido considerado um trabalho de referência
sobre a guerra do Paraguai (DORATIOTO, 2002); Vitor Izecksohn, com O Cerne
da Discórdia, sobre as demandas profissionalizantes no Exército Brasileiro
surgidas com a guerra do Paraguai (IZECKSOHN, 2002); Celso Castro, que,
juntamente com Izecksohn e Hendrik Kraay, organizou o livro Nova História
Militar Brasileira (CASTRO; IZECKSOHN; KRAAY, 2004); e Adriana Barreto, com
Duque de Caxias: O Homem Por Trás do Monumento, que, embora não tenha a
intenção de ser um livro de História Militar, faz uma ampla análise da formação
do corpo de oficiais do Exército Português na colônia e do Exército Brasileiro
na primeira metade do século XIX, bem como traça o perfil social e familiar que
fizeram de Luiz Alves de Lima e Silva um dos principais sustentáculos do
Império e da unidade nacional (BARRETO, 2008). Também devem ser citados os brasilianistas
Frank McCann, com seu Soldados da Pátria, uma história do Exército
Brasileiro da queda da monarquia até as primeiras décadas do século XX (McCANN,
2007) e Peter M. Beattie, com Tributo de Sangue, uma história da adoção
do serviço militar obrigatório no Brasil e de todas as transformações
institucionais que vieram em consequência ou foram condição para torná-la
possível.
A
pouca atenção do meio acadêmico brasileiro aos temas ligados à atividade bélica
é evidente para os próprios historiadores mais ligados à História Militar no
país. Coincidindo com a opinião expressa por Keegan quanto à prevalência da
batalha como objeto da história militar, os organizadores do livro Nova
História Militar Brasileira reconheceram o descuido da Nova História em
relação à atividade essencialmente militar do combate. Eles admitiram que
“talvez os historiadores sociais das organizações militares, às vezes
fascinados com a vida cotidiana, tenham negligenciado a proposta principal da
vida militar: travar a batalha com o inimigo”. (CASTRO; IZECKSOHN; KRAAY, 2004:
28).
5. A NOVA HISTÓRIA DA BATALHA
Acossada pelas tendências da Nova História Militar, a escola
tradicional reagiu com o estudo de batalhas sob uma perspectiva metodológica
moderna, inaugurando o que ficou conhecido como uma Nova História da Batalha. O
seu foco está na ação dos exércitos em combate, não em suas existências como
instituições. Afinal, como já observara Keegan, “a História Militar [...] tem,
em última análise, de tratar da batalha. E prossegue: “A história da batalha,
ou a história da campanha, merece uma primazia [...] em relação a todos os
outros ramos da historiografia militar”. (KEEGAN, 2000: 30-31)
Entretanto,
diferente dos relatos de batalha tradicionais, a nova tendência, inaugurada por
Keegan, concentra sua atenção nos protagonistas da batalha: os homens, suas
mentalidades e seus sentimentos de camaradagem, medo, excitação, ódio, angústia
e sofrimento. Grande atenção também é dedicada ao uso das armas e equipamentos,
bem como aos efeitos das armas nos ferimentos sofridos pelos homens, e à
execução das manobras e suas dificuldades, diante da realidade do terreno e das
condições meteorológicas – lama, poeira, frio, calor, terreno acidentados,
vegetação e outros fatores que reduzem ações supostamente heróicas a homens
atolados, esgotados, dispersos e desorientados no campo de batalha. A obra
paradigmática dessa nova tendência é A Face da Batalha, de John Keegan
(2000), publicado originalmente em 1976, descrevendo três batalhas em períodos
distintos da História Militar, sob o ponto de vista do soldado comum. De uma
perspectiva diferente, mas também focando o homem e a batalha, Keegan (1999)
publicou A Máscara do Comando, analisando as vidas de quatro líderes
militares e seus modelos de liderança em combate.
Outro
importante autor dessa corrente é Victor Davis Hanson, com Carnage And
Culture – publicado no Brasil com o título de Por Que o Ocidente Venceu (HANSON,
2002) –, no qual descreve as batalhas que marcaram a supremacia militar do
Ocidente. De sua autoria, e na mesma tendência são A War Like No Other (HANSON,
2005), sobre a guerra do Peloponeso entre Atenas e Esparta, e The Western
Way of War (HANSON, 2009), no qual apresenta a tradição militar grega como
raiz da cultura militar ocidental. Também merece ser citada a historiadora
britânica Juliet Barker, cujo livro Agincourt (BARKER, 2010) foi
recentemente publicado no Brasil. Neste trabalho, a autora descreve os
antecedentes políticos e militares e a própria batalha de Agincourt, travada em
1415, entre o exército do rei Henrique V, da Inglaterra, e o exército liderado
pela nobreza da França. Seu estudo apresenta o intrincado jogo político e
social por trás das disputas entre a nobreza medieval europeia, bem como a organização
dos exércitos medievais e suas imbricações com as relações de suserania e
vassalagem e as obrigações militares decorrentes.
Embora
não se enquadre completamente no que se convencionou chamar de Nova História da
Batalha, convém citar o trabalho inovador de Cecil Woodham Smith em A
Carga da Brigada Ligeira: Anatomia de um Desastre, publicado
originalmente em 1953. Nesse estudo da tragédia militar britânica na batalha de
Balaclava, ocorrida durante a guerra da Crimeia em 1854, a autora realiza uma
profunda análise sociológica da nobreza e da oficialidade britânica, apontando
como causas do desastre o anacrônico sistema de compra de postos militares e
comissões de comando vigente nas forças armadas britânicas, bem como as
disputas pessoais por questões familiares e de ascendência social, que afetavam
diretamente a cadeia de comando do exército inglês.
7. CONCLUSÕES
O
fato que fica evidenciado neste trabalho é que existe efetivamente um conflito
de concepções entre os historiadores acadêmicos e os historiadores militares
tradicionais sobre o significado da História e suas funções. Embora a História
Militar tenha um amplo espectro de interesses, seu escopo é limitado. A ação
bélica é o seu tema central, ou não seria uma história verdadeiramente militar.
A “Nova História”, por sua vez, pretende ser uma “História Total”, que rejeita
a divisão em histórias parciais: política, diplomática, econômica, militar,
religiosa etc. Do ponto de vista militar, a principal função da História
Militar é didática, voltada para a formação de oficiais e soldados. Do ponto de
vista acadêmico, por outro lado, a História Militar é uma ferramenta para
compreender as instituições militares como forças sociais de tempo de paz ou de
guerra.
Deve-se
reconhecer, entretanto, que a “Nova História Militar” trouxe aportes
metodológicos importantes e ampliou o campo de pesquisa e a produção
científica. Questões como o recrutamento, as origens sociais das tropas, a
composição dos quadros de oficiais e a compreensão de suas mentalidades são
fundamentais para uma história das instituições militares e avaliação de seu
desempenho em combate. Neste sentido, a história crítica proposta pela corrente
da Nova História é uma necessidade para a evolução das forças militares. A
crítica, entretanto, depende de uma perfeita compreensão dos fatos, como
proposto pela tradicional história descritiva. Neste sentido, a História Militar
tradicional e a Nova História Militar são tão complementares como o côncavo e o
convexo.
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FONTE: PEDROSA, Fernando Velôzo Gomes. A história militar tradicional e a "nova história militar". Anais do XXVI Simpósio Nacional de História - ANPUH, São Paulo, julho de 2011.
Um comentário:
Muito boa esta publicação!
Parabéns pelo trabalho.
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