Pesquisar neste blog

Comunicado

Comunico a todos que tiverem interesse de compartilhar meus artigos, textos, ensaios, monografias, etc., por favor, coloquem as devidas referências e a fonte de origem do material usado. Caso contrário, você estará cometendo plágio ou uso não autorizado de produção científica, o que consiste em crime de acordo com a Lei 9.610/98.

Desde já deixo esse alerta, pois embora o meu blog seja de acesso livre e gratuito, o material aqui postado pode ser compartilhado, copiado, impresso, etc., mas desde que seja devidamente dentro da lei.

Atenciosamente
Leandro Vilar

sábado, 12 de janeiro de 2019

Os Templários e a lenda do Santo Graal

Recentemente terminei de assistir a primeira temporada do seriado do History Channel, Knightfall (2017-2020), o qual aborda a lenda do Santo Graal e o complô dos templários em protegê-lo. Embora trata-se de uma narrativa ficcional pautada em fatos históricos, li em alguns sites, comentários de internautas dizendo que realmente os templários buscaram o Graal ou teriam encontrado-o, e o escondido. Sendo assim, decidi escrever esse breve texto para comentar a respeito de onde e como teve início essa lenda que liga os templários ao cálice sagrado. Para isso conheceremos um pouco sobre o que seria o Santo Graal e quando surgiu sua história, depois veremos algumas informações sobre a origem da Ordem do Templo, para no fim, ler a respeito da relação entre os dois. 

O Santo Graal: 

Embora hoje o Santo Graal seja atualmente lembrado por ser o suposto cálice que Jesus Cristo fez uso durante a Última Ceia, na Quinta-Feira de Páscoa, nem sempre o Graal foi considerado um cálice ou sua história esteve associada com a Última Ceia, e tampouco correlacionada com os templários. Apesar que os relatos dessa lenda tendem a situar a origem do Graal na província romana da Judeia, datado do século I d.C, as histórias sobre esse cálice sagrado somente começaram a se popularizar a partir do século XII em diante. Provavelmente houve narrativas orais ou até escritas nos séculos anteriores, mas que se perderam no tempo. As melhores fontes escritas sobre o Santo Graal datam da Baixa Idade Média (XI-XV).

Sendo assim, não se sabe quando surgiu as lendas sobre o Santo Graal, apesar de se saber que suas lendas possuem elementos sincréticos entre a mitologia celta e a mitologia cristã (conjunto de mitos e lendas de origem popular). No caso, entre os celtas haviam mitos e lendas sobre caldeirões mágicos, os quais concederiam cura ou imortalidade para quem bebesse a água sagrada contida neles. Esses caldeirões em geral estavam associados a deuses ou espíritos guardiões, e normalmente escondidos no mundo dos mortos como sugerem os poemas. Esses caldeirões aparecem em diferentes narrativas celtas na França, Inglaterra e País de Gales. Poemas do século X já associavam o Rei Arthur e seus cavaleiros, em busca desse sagrado caldeirão. Dois séculos depois o caldeirão dos deuses celtas tornou-se o cálice sagrado do deus dos cristãos. (ZIERER, 2011a, p. 77). 

Nesse caso Zierer (2011a) comenta que alguns historiadores e literatos, consideram que o Santo Graal não tenha surgido propriamente do cálice sagrado associado com Cristo na época que ele viveu, mas foi a adaptação cristã de populares lendas celtas sobre caldeirões mágicos. Essas adaptações ocorreram em outros casos para fins distintos como parte do processo de cristianização da Igreja Católica sobre os povos pagãos. Se até então o lendário Rei Arthur era um monarca pagão, em lendas dos séculos XI em diante, ele tornou-se um modelo de rei cristão. Com essa mudança, Arthur não poderia estar mais associado a deuses celtas, que eram vistos no cristianismo como "falsos deuses" ou "demônios", assim houve a necessidade de adaptar a lenda, mudando o objeto e a divindade associada. 

Entre 1181 e 1185 o poeta e escritor francês Chrétien de Troyes (c. 1135 - c. 1191) escreveu várias histórias sobre o Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda, uma das mais destacáveis trata-se de Perceval ou Lis Contes du Graal, obra não concluída, que narrava a trajetória do plebeu Percival para torna-se cavaleiro de Arthur e sua visita ao castelo do misterioso Rei Pescador, onde se encontrava o Graal. Posteriormente a narrativa apresenta o cavaleiro Gauvain que se envolve na trama, mas por outros motivos. Essa narrativa de Troyes é importante pelas seguintes questões: consiste no primeiro relato escrito conhecido, onde a palavra Graal aparece e está associada com um cálice, apesar que no poema fala-se também que pudesse ser um termo simbólico para a hóstia sagrada; embora o Graal naquele momento ainda não fosse dito de forma clara ser o cálice usado por Jesus Cristo. Segundo, temos o Rei Arthur e seus cavaleiros envolvidos com essa relíquia religiosa. Terceiro, Percival e Gauvain ainda não estão em busca do Graal, por acaso eles o encontram no castelo do Rei Pescador. Quarto, nota-se uma transição entre crenças celtas para crenças cristãs. (SILVA, 2011, p. 32).  


Nessa gravura do século XIV, temos a representação do cavaleiro Perceval chegando ao castelo do Rei Pescador. Enquanto o monarca o recebe, membros da sua corte estão num banquete e uma mulher segura o Graal. 
Adriana Zierer (2011b) comenta que no século XIII o uso do nome Graal aparece em outras narrativas. O poeta Robert de Boron (XII-XIII) escreveu algumas histórias sobre o ciclo arthuriano, duas delas relacionadas com o Graal: Le Roman de l'Estoire dou Graal e Didot-Perceval, nessas narrativas os cavaleiros Percival e Gauvain buscam o Graal, e até mesmo outras relíquias. No caso, destaca-se que nessas histórias o Graal esteja associado a Cristo e José de Arimatéa, e esteja sendo procurado, diferente do poema de Troyes, que não havia essa busca ainda. A obra de Boron influenciou outros autores originando o chamado Ciclo de Lancelot-Graal ou Vulgata (c. 1210-1230) e o Ciclo Pós-Broton ou Pós-Vulgata (c. 1240). 

No primeiro ciclo temos Lancelot em busca do Graal, havendo duas narrativas da época, conhecidas como L'Estoire du Saint Graal e La Queste del Saint Graal. Percival é substituído nessas histórias pela figura do nobre Lancelot, considerado o melhor cavaleiro do mundo. Apesar dessa mudança, nota-se que a associação do Graal com os Cavaleiros da Távola Redonda permanece e que a ideia de ele ser um cálice sagrado que conteria o sangue de Cristo, ou teria sido usado na Última Ceia, foi sendo desenvolvida. Não obstante, Zierer (2011b) salienta que por volta de 1240, novas versões foram feitas do Ciclo de Lancelot-Graal, sendo que a poesia foi adaptada para a prosa. Nessas versões, narrativas foram unidas e outras tiveram o conteúdo alterado. 

O personagem bíblico José de Arimatéa entra em cena, passando a estar associado com o Santo Graal. Segundo a lenda, José de Arimatéa teria coletado o sangue de Cristo, morto na cruz, usando um cálice ou taça. Aquele objeto tornaria-se o famoso Santo Graal. Essas variações deram origem a uma nova versão de A Demanda do Santo Graal, um dos livros mais famosos do século XIII, que aborda o Graal. Tal romance foi traduzido para línguas hispânicas, português-galego e línguas italianas. Nessa versão o cavaleiro que foi incumbido pelo Rei Arthur de encontrar o Graal não é mais Lancelot, mas sim seu filho bastardo, Galahad, que é auxiliado pelos cavaleiros Percival e Boorz. (ZIERER, 2011a). 


A visão do Santo Graal por Sir Galahaz, Sir Boorz e Sir Perceval. Ilustração do século XIX. Nessa imagem vemos que o Graal era guardado por anjos, como é narrado em algumas versões dessa história. 
A versão de Galahad como cavaleiro que achou o Graal, se tornou até mais popular do que as histórias onde tal feito era atribuído a Percival. Ademir Silva (2011) comenta que São Bernardo de Claraval (1090-1153), famoso clérigo do século XII, associado com a fundação de igrejas, com a Ordem de Cister, os templários e as cruzadas, escreveu obras sobre o valor cristão da cavalaria. Em alguns de seus ensaios, Bernardo utilizava a figura de Galahad como modelo de cavaleiro cristão. Pois Galahad foi um cavaleiro nobre e honrado, devotado e puro, e isso lhe permitiu encontrar o Graal. 

Mas além dessas edições mais conhecidas, outras histórias sobre o Graal também circulavam no século XIII. O poeta alemão Wolfram von Eschenbach (1170-1220) escreveu o poema Parsifal (1210), inspirado no poema de Troyes. A grande diferença é que em sua história o Graal não era um cálice, mas uma pedra mágica (lápis exilis) associada com lendas alquimistas e guardada por uma ordem secreta de cavaleiros, da qual falarei posteriormente. Essa pedra teria caído do céu na época que Lúcifer e os Anjos Caídos foram banidos do Paraíso. O interessante da versão de Eschenbach é que o Graal não surge na forma de cálice, sendo que outros escritores também vão relatá-lo como uma pedra mágica. Um poema anônimo intitulado Le Grand Graal (XIII), baseado na obra de Robert de Boron, o Graal é descrito como um livro, no qual conteria os últimos ensinamento de Cristo. Esse livro teria sido escrito por José de Arimatéa, atribuído até então como o primeiro guardião do Graal. (ZIERER, 2011b). 

Após o século XIII, período conhecido por marcar a origem de várias histórias sobre o Santo Graal, outras foram escritas, mas sua lenda foi saindo do gosto dos escritores e poetas, e novas histórias não foram escritas. Por outro lado é importante mencionar que apesar da popularidade do cálice sagrado, não significou que a Igreja Católica e os fiéis o considerassem uma relíquia real. Mesmo São Bernardo mencionando as histórias do Graal, ele as considerava como mera ficção literária. A crença na Lança de Longinus e em outras relíquias de santos, como São Pedro e São Tiago, foram mais reais do que a crença no Graal. 

A origem da Ordem do Templo: 

Feita uma breve apresentação das origens do Graal, falarei um pouco da formação da Ordem dos Templários, para depois comentar sua relação com o Graal. A Ordem dos Templários foi uma das ordens religiosas militares mais famosas e influentes durante Idade Média europeia. Todavia, muito da fama que se conhece hoje dessa ordem advém do romanceamento sobre sua história e as lendas pelas quais os templários passaram a serem associados. De fato, os templários surgiram como um grupo informal de cruzados que passaram vários anos pleiteando perante o papado reconhecimento oficial para se estabelecer como uma ordem militar a serviço da Santa Madre Igreja de Deus. No caso, a origem dos templários está diretamente ligada ao contexto das Cruzadas. 

As cruzadas que se iniciaram em 1095 com a convocação do Papa Urbano II, alegando motivos religiosos e políticos para se conquistar Jerusalém e a Terra Santa, reuniu um poderoso exército de reis e senhores feudais, os quais marcharam por pelo menos seis meses até chegar a São João de Acre, a primeira grande conquista dos cruzados. Entretanto antes de chegarem a Acre, os cruzados tiveram problemas durante a longa viagem, além de se envolverem com intrigas políticas com os bizantinos, como também participaram de massacres de judeus e muçulmanos no caminho. Mesmo cristãos ortodoxos acabaram sendo assassinados pelos cruzados, acusados de serem hereges ou aliados dos muçulmanos. De qualquer forma, as campanhas militares da Primeira Cruzada tiveram início em 1097 e triunfaram em 1099 com a conquista de Jerusalém. Nos anos seguintes os cruzados lutaram para manter suas conquistas. (FRANCO JR, 1989).

Mas enquanto a Segunda Cruzada (1145-1149) não ocorreu, os cruzados estabelecidos em fortalezas e cidades pela Terra Santa, passaram não apenas a defender aquela região, mas seus comandantes se tornaram governantes, passando a gerir as cidades e províncias. Tendo assegurado o caminho até Jerusalém, excursões de peregrinos à Terra Santa começaram a acontecer, aumentando o fluxo de viajantes por mar e terra. Por outro lado o exército templário estimado entre 30 a 60 mil homens na sua partida em 1096, após 1099 estava reduzido a algo entre 10 a 20 mil guerreiros, e nos anos seguintes, parte desses homens cansados dos anos de guerra, decidiram retornar para casa, forçando os cruzados a solicitarem reforços ou utilizar tropas locais. 

O rei Balduíno II de Jerusalém, relatou em 1115 que havia pouquíssimos cristãos na cidade santa, sendo esses formados por cruzados e alguns peregrinos. O problema é que o monarca não confiava nos habitantes locais que eram judeus e muçulmanos para fornecer segurança a cidade. Além disso, o rei queixou-se ao papa e os governantes latinos da Terra Santa que as estradas estavam perigosas. Caravanas de peregrinos eram assaltadas no caminho. (BAUER, 2007, p. 14).

Um nobre francês chamado Hugo de Payens (1070-1136), originário de Champanha, decidiu reunir um pequeno grupo de cruzados sob seu comando, entre 1118 e 1120. Não se conhecem relatos da época da fundação dos Templários. Os relatos escritos datam de décadas após o ocorrido, não permitindo saber os motivos claros que levaram Payens a criar aquele grupo, quantos eram no início e quem foram os primeiros templários. O cronista Guilherme de Tiro em seu livro Historia rerum in partibus transmarinis gestarum (1185) escreveu que os templários em 1118, teriam feito votos beneditinos perante o Patriarca de Jerusalém, Garimond. Sendo assim, a ordem que ainda era informal, baseava-se na regra beneditina. No entanto, não se sabe realmente como Payens conseguiu convencer o rei Balduíno II, pois embora a missão deles fosse de defender os peregrinos que viajavam a Jerusalém por terra, isso não seria bastante para cair nas graças do rei, ao ponto de ele oferecer parte do palácio próximo ao Templo de Salomão para estabelecer aqueles cavaleiros. (BAUER, 2007, p. 16).


Gravura medieval do século XIII, mostrando o rei Balduíno II conversando com Hugo de Payens e Godofredo de Saint-Omer. Atrás do rei está um possível conselheiro. A imagem seria uma referência a reunião que Payens e o rei tiveram a qual marcou a doação do palácio para servir de base para os templários. 
Com a criação de uma sede para aqueles cavaleiros em 1119 ou 1120 nas proximidades do Templo de Salomão, Payens começou a chamar seu grupo de Pobres Cavaleiros de Cristo do Templo de Salomão. Popularmente também eram referidos como Cavaleiros do Templo, Soldados de Cristo, Irmãos do Templo, e com o tempo, apenas Templários. Após a fundação daquele grupo não se conhece sua história. Não há registros conhecidos de como foi a atuação dos templários nos primeiros anos, se eles apenas fizeram o trabalho de escolta de peregrinos e patrulhar as estradas. Em 1128 sabe-se que Hugo de Payens viajou a França para solicitar reconhecimento oficial da ordem. (GARTEN, 1987, p. 12).

Um dos fatores que levou Hugo de Paynes a viajar a França, deveu-se a um convite de Bernardo de Claraval, importante abade e doutor da Igreja na época, Bernardo ficou bastante interessado com o papel que os templários haviam realizado nos últimos anos. Não se sabe ao certo o que teria inspirado essa admiração de Bernardo, já que os templários eram uma ordem informal e um grupo de algumas dezenas de cavaleiro, mas segundo ele, os templários se mostravam cavaleiros justos, devotos, comprometidos com obedecer os votos que fizeram, além de demonstrarem desapego aos bens materiais e o poder. Os templários naquele momento ainda tinham a fama de serem "pobres cavaleiros", trajando vestes surradas, e apresentando barbas e cabelos longos e desgrenhados. De qualquer forma, Paynes interessado em conhecer Bernardo de Claraval e apresentar sua ordem as autoridades eclesiásticas francesas, viajou para a França. (GARTEN, 1987, p. 12). 

O Concílio de Troyes (1228 ou 1229) foi importante por legitimar nem tanto a ordem dos templários, algo que somente foi feito pelo papa anos depois, mas de oficializar a regra da ordem, chamada Regra do Templo, inspirada inicialmente na Regra Beneditina e depois adaptada para a Regra Cistercense, desenvolvida pelo próprio Bernardo de Claraval, que inclusive nos anos seguintes pleiteou que o papado reconhecesse o valor dos templários. No caso a importância da aprovação da Regra do Templo que referia-se as normas de conduta, afazeres, obrigações, direitos, ritos, privilégios, votos e o modo de se viver foi significativa, pois tornou-se o primeiro passo para os templários começarem a ser reconhecidos na Europa


Selo da Ordem dos Templários, apresentando dois cavaleiros montados num cavalo, o que expressava pobreza, pois a ordem não teria dinheiro para comprar cavalos para todos; na segunda imagem, tempo uma cúpula e colunas representando o Templo de Salomão, de onde a ordem retirou parte de seu nome.
No ano de 1139 o papa Inocêncio II através da bula Omne Datum Optimum, reconheceu oficialmente os Templários como uma ordem militar religiosa a serviço da Igreja. Os templários eram oficialmente incluídos como parte do exército cristão subordinado ao papado. Isso não apenas lhes concedeu reconhecimento e status, mas uma série de benefícios. Os templários agora passaram a receber donativos e recursos para erguerem templos, acampamentos, bases, fortalezas e castelos. Em alguns casos as fortalezas e castelos foram tomados dos inimigos, mas precisavam de recursos para serem mantidos, a Igreja os fornecia isso. Os templários também foram autorizados a possuírem terras e desenvolverem sua economia. Eles também passaram a possuir sacerdotes e criados. Foram também autorizados a fazer recrutamento e gerir seu exército. O próprio São Bernardo em 1228 já havia sugerido a Hugo de Payens que a ordem deveria procurar redimir os pecadores, recrutando homens dispostos a servir a Deus em busca de perdão. (BAUER, 2007, p. 45; GARTEN, 1987, p. 51). 

A partir de 1140 a história dos templários foi se desenvolvendo de forma mais animada. Apesar de fracassos na Segunda e Terceira Cruzadas, a ordem continuou a crescer e se fortalecer. No século XIII havia se tornando uma das mais ricas e influentes na Europa, até culminar em sua crise e decadência no começo do século XIV. Todavia não foi de meu intuito narrar a história da ordem, apenas apresentar sua origem para poder seguir ao ponto central desse texto: a suposta relação dos templários com o Santo Graal. 


Os Templários e o Santo Graal: 

Durante a existência da Ordem dos Templários entre 1118/1119 a 1312 várias histórias sobre seus feitos surgiram, algumas de caráter duvidoso e outras ficcionais para os exaltarem. No começo do século XIV com a ordem em crise, histórias depreciativas envolvendo os templários a escândalos e intrigas políticas marcavam o cenário de decadência deles. Todavia, nesse período de quase duzentos anos não há relatos que ligavam diretamente os templários ao Santo Graal, mesmo que a literatura sobre o Graal estivesse em alta naquela época ainda, a Igreja e os fiéis o consideravam apenas uma lenda ou uma criação literária. 

A fama de que os Templários teriam encontrado o Santo Graal e o escondido, começou a surgir propriamente no século XX, através de romances e livros que teorizavam a respeito desse grande segredo. Alguns escritores baseados no poema Percival (1210) de Wolfram von Eschenbach, consideraram que os misteriosos cavaleiros que guardavam o Graal, chamados de templeisen, fosse uma referência aos templários. Alguns sugeriram que o nome templeisen fosse um erro de grafia de Eschenbach, o qual errou ao escrever templários, outros alegam que o nome possa ter sido inspirado nos templários, mas não seja uma referência direta a eles. Eschenbach talvez se inspirou na boa reputação da Ordem do Templo, para criar sua ordem ficcional. Na literatura isso é bem comum, o autor basear-se em organizações reais e criar sua versão fictícia. No caso é importante sublinhar como comentado por Zierer (2011a), que o Santo Graal descrito em Percival, tratava-se de uma pedra e não de um cálice, porém, as histórias que conhecemos dos templários, eles não buscam uma pedra mágica, mas um cálice. 

Outro fator usado pelos teóricos do Graal diz respeito a condição que São Bernardo, que se tornou patrono dos templários, fez menções ao Graal em alguns de seus escritos, especialmente ao comentar A Demanda do Graal. Para os teóricos da conspiração, tal fato seria uma pista da ligação entre a Ordem do Templo com o Graal. (BAUER, 2007, p. 208). 

Martin Bauer (2007) comenta que no século XX, alguns pesquisadores começaram a popularizar teorias envolvendo os templários e a obtenção de relíquias sagradas, além de eles supostamente estarem envolvidos em descobrimentos, guerras, revoluções e intrigas políticas. Não se sabe quando exatamente as histórias do Graal começaram a ficar em evidência, mas pelo que parece, isso teria ocorrido a partir da década de 1960. 

Bauer comenta o caso do jornalista e escritor francês Louis Charpentier (1905-1979), fascinado pelos templários, Charpentier passou vários anos realizando pesquisas de metodologia duvidosa, até publicar livros de caráter suspeito, como L'Ordre des Templiers (1944) e Les Misteres Templiers (1967), em tais livros o autor apresentava teorias conspiratórias a respeito de que os templários não foram extintos em 1312, mas fundaram ou se aliaram a sociedades secretas; o autor também abordou enigmas e códigos associados com a ordem, os quais indicariam a localização de relíquias sagradas como a Arca da Aliança e o Santo Graal. Apesar do caráter suspeito e até mesmo ficcional dos livros de Charpentier, ele influenciou outros autores nos anos seguintes, surgindo outros livros que apresentavam teorias envolvendo os templários. 

Para Mina Sehdev (2014) a lenda dos templários terem encontrado o Santo Graal surgiu principalmente no século XX, a partir de obras de escritores e jornalistas que entusiasmados com as teorias conspiratórias envolvendo a Ordem do Templo, começaram a publicar livros alegando que teriam encontrado evidências ou pistas que apontavam a existência do Graal e sustentavam tais conspirações. Tais autores foram bastante influenciados pelo esoterismo, ocultismo, teorias conspiratórias, a Nova Era, etc. Isso foi se popularizando a ponto de deixar a literatura e migrar para os filmes, histórias em quadrinhos, jogos até se difundir na internet. 

Em termos finais, a lenda do Santo Graal apesar de datar da Idade Média, tendo se popularizado no século XIII, sua relação com os templários propriamente falando é uma invenção do século XX, que foi sendo difundida por escritores, jornalistas, pseudo-intelectuais, etc. que procuraram vender livros valendo-se da popularidade dessa lenda na época. Até historiadores chegaram a escrever livros para desmentir essas obras, ou ingressaram no momento, e também redigiram livros a respeito. Por mais que haja vários livros sugerindo um complô dos templários para ocultar essa relíquia em distintos países, a maior parte não passa de mera especulação ou fantasia com presunção de ser verossimilhante, artificio usado para atrair leitores que não leriam um mero romance ou uma coletânea de lendas. 

O que posso concluir é que a ligação dos templários com o Santo Graal seja fruto da ficção literária do século XX, assim como, foi da ficção literária dos séculos XII e XIII que os relacionava com o Rei Arthur e seus cavaleiros. Se na Idade Média as lendas arturianas faziam parte de modelos sócio-culturais para a cavalaria, a nobreza, e noções de justiça, honra, cordialidade, fidelidade, etc. no século XX, o mistério criado sobre o fim dos templários e as teorias de conspiração, os tornaram alvo de complôs e mistérios. Nada melhor do que uma antiga ordem famosa que teve a honra jogada à lama, para se tornar objeto de intrigas e enigmas, envolvendo histórias de conspiração, traição, aventura, guerra, lealdade, tesouros e relíquias.  

NOTA: Embora se use normalmente a data de 1118 para a fundação da Ordem dos Templários, tomando como referência a data mencionada por Guilherme de Tiro, de acordo com a oficialização da regra dos templários, ocorrida no Concílio de Troyes em 1128, o documento de oficialização diz que a ordem foi fundada nove anos antes, ou seja, em 1119. Todavia, outros estudos apontam que o concílio ocorreu em 1129, devido a mudança de calendário, o que levaria a ordem dos templários ter surgido em 1120.  
NOTA 2: Perceval também pode ser grafado como Percival, Parsifal, Persefal. Por sua vez, Galahad aparece grafado também como Galaaz, Gwalchavad, Galeas, Galath.  
NOTA 3: Os templários estão associados com várias lendas além do Santo Graal e a Arca da Aliança, existindo histórias que falam que eles teriam chegado a América do Norte ou do Sul por volta do século XIII, que eles teriam criado templos e igrejas, desenvolvendo o estilo gótico, que teriam fundado a Maçonaria, que teriam participado da Revolução Francesa, que estariam associados com piratas e guerras, etc. 
NOTA 4: Dependendo do autor, a suposta localização do Graal varia estando na França, Espanha, Portugal, Escócia, Itália e até nos Estados Unidos. 
NOTA 5: O filme Monte Python em busca do Cálice Sagrado (1975) é um filme britânico que satiriza as teorias da época que diziam que os templários esconderam o Santo Graal. 
NOTA 6: O filme Indiana Jones e a Última Cruzada (1989), mostra Jones tentando impedir que os nazistas conseguissem obter o Santo Graal, que estava escondido em Petra, por um antigo cavaleiro templário. 
NOTA 7: No século XX e começo do XXI, vários romances sobre os templários se basearam na lenda do Graal. 
NOTA 8: O controverso livro The Holy Blood and The Holy Grail (1982) escrito por Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln, defende a teoria que o Santo Graal seria na verdade Sangraal ou Sangue Real, uma alegoria para se referir a Maria Madalena que teria tido uma filha de Jesus Cristo. Esse grande segredo teria sido guardado pelos Templários e depois pelo Priorado de Sião. Tal livro inspirou o escritor Dan Brown a escrever O Código Da Vinci (2006). 
NOTA 9: O famoso compositor alemão Richard Wagner, escreveu a ópera Parsifal (1882) abordando a lenda do Graal. 

Referências bibliográficas:
BAUER, Martin. Os Templários: mito e realidade. 2a ed. São Paulo: Publishing House Lobmaier, 2007. 
FRANCO JR, Hilário. As cruzadas. 6a ed. São Paulo, Brasiliense, 1989. 
GARTEN, Juan de. Os Templários: soberano ordem dos cavaleiros do Templo de Jerusalém. São Paulo, Traço Editora, 1987. 
SILVA, Ademir Luiz da. O ideal cavaleiresco de São Bernardo em A Demanda do Santo Graal. Mirabilia, jun-dez 2011, p. 27-57. 
SEHDEV, Mina. Templars and the Holy Grail. A cross-reference relantionship in an ontopoietic perspective. Agathos, vol. 5, n. 1, 2014, p. 103-113. 
ZIERER, Adriana. Do caldeirão da abundância ao Santo Graal nas fontes medievais. In: ZIERER, Adriana; VIEIRA, Ana Livia B.; FEITOSA, Márcia Manir M (Orgs.). História Antiga e Medieval. Simbologias, Influências e Continuidades: cultura e poder. São Luís: Ed. UEMA, 2011a, v. 3, p. 75-86.
ZIERER, Adriana. Literatura e História n’A Demanda do Santo Graal: o rei, o cavaleiro e a mulher. In: ZIERER, Adriana; FEITOSA, Márcia Manir M. (Orgs). Literatura e História Antiga e Medieval: diálogos interdisciplinares. São Luís: EDUFMA, 2011b, p. 13-44.

4 comentários:

Leandro Vilar disse...

Anônimo, não entendi onde você quis chegar? Pois no texto eu comentei a lenda de se associar os Templários a busca do Santo Graal, e não em comentar o final da Ordem e como ela se dispersou por alguns reinos europeus.

jonatasmanoel5@gmail.com disse...

Ótimo texto e ainda com referências bibliográficas, bom trabalho!

Leandro Vilar disse...

Obrigado, Joanatas.

Haul disse...

Texto muito bom, gostei muito de ler