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Leandro Vilar

sexta-feira, 22 de março de 2019

Baba Yaga

Uma das personagens mais conhecidas do folclore russo e do folclore de outros países de origem eslava, é Baba Yaga, sombria bruxa que vive solitária nas florestas, e que costuma causar mal as pessoas. As histórias sobre Baba Yaga possui distintas versões, ao ponto de alterar alguns aspectos sobre suas lendas e o temor que ela gerava nas crianças e até em adultos. Baba Yaga no século XX deixou as narrativas orais russas e os livros de contos para ser reutilizada em filmes, livros, jogos, etc. tornando-se inclusive uma figura ainda mais conhecida. 

Chamada de Baba Yaga, Yegi Baba, Baba Jaga, Yagishna, Baba Jedza, Babaroga e por outros nomes, essa personagem folclórica desde o século XIX, assombra as crianças e adultos, seja através de relatos folclóricos ou de contos de fadas, essa terrível bruxa tornou-se um dos vilões mais conhecidos do folclore do leste europeu. Em língua russa Baba Yaga é referida nos relatos mais antigos como ved'ma, palavra usada para se referir a bruxa, mas que também poderia ser usada para se referir a vidente ou advinha, o que sugere que antes de encarnar o estereótipo da bruxa velha, feia e má, Baba Yaga pode ter sido uma figura associada com a adivinhação, algo comum em narrativas folclóricas europeias. (FORRESTER, 2013, p. XXI-XXII; OLESZKIEWICZ-PERALBA, 2015, p. 15). 

Sibelan Forrester (2013, p. XXII) ao analisar a etimologia do nome da bruxa, comenta que trata-se de um nome composto com palavras coloquiais. A autora aponta que atualmente a palavra baba é usada num sentido pejorativo para se referir a mulheres pobres, mulheres feias e até no sentido de vadia. Por outro lado, ela comenta que no passado baba tivesse outros sentidos, significando parteira, velha e talvez sendo uma alusão a borboleta. No caso, a autora aponta que normalmente uma parteira é uma mulher mais velha, que tem experiência com partos. Além disso ela aponta que a ideia de velha não significa no sentido de idoso, mas pode se referir a mulheres com seus 40 ou 50 anos. No caso da borboleta, existe a crença que borboletas personifiquem a alma, e Baba Yaga em algumas narrativas está associada com a morte. 

Baba Yaga. Ivan Bilibin, c. 1900. 

Quanto a palavra yaga, Forrester diz que essa é mais difícil de ser definida. Filólogos sugeriram que poderia se referir a caçadora, viajante, perseguidora, mas também poderia significar horrível e horripilante. Nesse ponto Baba Yaga a grosso modo poderia significar algo como "velha horripilante" ou "a velha que persegue", duas possíveis interpretações que fazem sentido, quando pensamos que ela em algumas narrativas é descrita vagando pelas florestas atrás de suas próximas vítimas. No entanto, isso não são conceitos conclusivos. 

O folclorista russo Vladimir Propp (1895-1970), observou que Baba Yaga possuía características e atitudes diferentes conforme o conto. Isso por um lado revela que não havia apenas uma história sobre essa bruxa, mas várias histórias, apesar que a maioria ele recolheu do folclore russo, não se aprofundando nos países vizinhos que também possuem histórias sobre ela. De outro lado, essa diversidade também é resultado da condição que se tratavam de narrativas transmitidas oralmente, que vivenciavam o dinamismo da oralidade e da língua. No Brasil, Monteiro Lobato fez algo parecido ao recolher histórias sobre o Saci-Pererê, notando que apenas no estado de São Paulo havia várias versões do mesmo personagem folclórico. 

De qualquer forma, no estudo de Propp, ele observou que Baba Yaga nem sempre aparecia como a figura da bruxa má, ela em algumas narrativas é retratada como a velha sábia, que vive como ermitã na floresta. A qual possui conhecimento curandeiro e mágico e ajuda as pessoas. Em outras narrativas, Baba Yaga é retratada como uma bruxa que sequestra crianças, joga feitiços em caçadores, rapta mulheres ou homens, causa maldades ou até mesmo assassinatos. No entanto, tornou-se mais recorrente a visão negativa de Baba Yaga como uma bruxa macabra e cruel. (PROPP, 2012; OLESZKIEWIEZ-PERALBA, 2015). 

Nesse ponto tem-se relatos e representações iconográficas que mostram Baba Yaga, usando um saco para carregar as crianças sequestradas; representações dela voando numa vassoura, num caldeirão, num batedor de manteiga ou morando numa casa (izba) de madeira que tem pernas de galinha ou de outro pássaro - representação bem típica hoje em dia -, o que concederia o fato de sua casa ser difícil de ser localizada, pela condição de ser uma residência móvel. Forrester (2013, p. XXVII) comenta com base num estudo sueco que a casa da Baba Yaga poderia ter sido inspirada em casas de palafita, as quais são construídas em terrenos pantanosos ou ribeirinhos. Isso justificaria o fato da casa dela ter "pernas". Porém, é apenas uma suposição, já que não se sabe a origem desse relato propriamente. 

Representação mais recente de Baba Yaga. Mostrando sua casa com patas, caveiras humanas no quintal, e a bruxa arrastando uma criança. 

Oleszkiewiez-Peralba (2015, p. 18) aponta que no conto Vasilisa a bela, a protagonista que está perdida na floresta, acaba chegando a casa da bruxa, e depara-se com ossos humanos tendo sido usados para fazer cercas, postes e outros adornos.  Forrester (2013) comenta que em outros contos como: O irmão, A princesa sapa e O jovem rapaz e as maçãs da juventude, a casa da bruxa não é referida tendo pernas e é descrita como sendo uma pequena cabana. Não obstante, em outras narrativas, Baba Yaga não tem a capacidade de voar, locomovendo-se a pé. Além disso, a bruxa necessariamente não voa numa vassoura como citado anteriormente. 

Oleszkiewiez-Peralba (2015) comenta com base no estudo dos folcloristas Propp e Toporov, que as histórias macabras sobre Baba Yaga possa ser resultado de interpretações equivocadas sobre antigas práticas pagãs, que envolviam ritos e cultos a divindades da floresta e espíritos da natureza, que eventualmente foram demonizadas pelo cristianismo. Por outro lado, a bruxa também poderia representar o medo que se tem da floresta e seus perigos, além de ter uma utilidade moral para fins de instruir as crianças a ficarem longe da floresta, a não falar com estranhos, a não ficar perambulando sozinhas ou de noite, para não serem sequestradas pela Velha do Saco. No entanto, esse lado sombrio também possa advir do próprio imaginário da bruxaria, desenvolvido desde o século XV na Europa. 

O fato que nas narrativas de Baba Yaga conhecemos elementos do cotidiano dos camponeses russos. Temos casas feitas de toras, ou cabanas; uso de vassouras, pilões, batedores de manteiga, baldes, caldeirões, fusos, utensílios de cozinha, etc. A bruxa as vezes está acompanhada de gatos, sapos, cobras, morcegos, insetos, animais que concedem um tom sombrio devido a associação com a bruxaria. Em algumas narrativas onde ela é benéfica, há referência ao uso de ervas utilizadas para fins medicinais. (AFANAS'EV, 1975; FORRESTER, 2013). 


Propp (2012) sugeria a interpretação que Baba Yaga também em algumas narrativas, pudesse expressar o elemento de guardião de fronteira. Havendo interpretações que apontam que a bruxa estaria associada com o mundo dos mortos, e a condição de ela vagar por florestas, poderia representar o medo das pessoas quanto ao desconhecido e a crença de que o mundo dos mortos poderia ser acessado por meios físicos, fosse atravessando-se rios, entrando em florestas, cavernas ou subindo em montanhas. Para Forrester (2013), essa relação da bruxa com os mortos e o submundo seria mais visível em contos ucranianos, e não necessariamente russos. Para Oleszkiewiez-Peralba (2015), Baba Yaga teria surgido a partir de alguma antiga deusa eslava associada com os mortos, mas sofrido várias variações com o tempo, até chegar a imagem da bruxa que conhecemos. Embora os contos tenha começado a serem recolhidos no século XIX, as histórias sobre essa bruxa são anteriores e se perdem no tempo, não sabendo quando surgiram. 

As histórias sobre Baba Yaga são diversas, e para um melhor conhecimento sobre essa icônica bruxa, seria necessário a leitura de tais contos. Por sorte, folcloristas como Propp reuniram vários desses contos. No entanto, recomendou o livro de Sibalan Forrester, a qual reúne 26 contos a respeito de Baba Yaga. Sendo assim, para concluir esse breve texto, volto a destacar que apesar da imagem perversa e sombria dessa bruxa ser atualmente mais conhecida através de outras mídias, é notável como na tradição folclórica, personagens por nós tidos como sendo apenas vilões ou heróis, possam possuir características ambíguas e contrastantes. 

NOTA: No jogo Rise of the Tomb Raider (2015), em uma das DLCs, Lara Croft confronta a bruxa Baba Yaga. 
NOTA 2: No jogo Castlevania: Lord of Shadows (2010), Baba Yaga aparece e ajuda o protagonista Gabriel Belmont
NOTA 3: Baba Yaga aparece em algumas histórias de Hellboy
NOTA 4: Na série de filmes John Wick, o protagonista é apelidado de Baba Yaga, por ser um temido assassino. Inclusive seu quarto filme é intitulado John Wick 4: Baba Yaga (2023). 
NOTA 5: O filme de terror russo Baba Yaga: The Terror in the Dark Forest (2020) é uma releitura da lenda da bruxa, adaptando-a para o século XXI. Onde ela reaparece após ficar vários anos presa, para começar uma série sequestros e mortes. 

Referências bibliográficas: 
AFANAS'EV, Aleksandr. Russian Fairy Tales. Toronto, Pantheon Books, 1975.
FORRESTER, Sibelan. Baba Yaga: The wild witch of the East in Russian fairy tales. Jackson, University Mississippi Press, 2013. 

PROPP, Vladimir. The Russian Folktales. Edited e translated by Sibalan Forrester. Detroit, Wayne State University Press, 2012. 
OLESZKIEWIEZ-PERALBA, Malgorzata. Fierce feminine divinities of Eurasia and Latin America. Baba Yaga, Kali, Pombagira and Santa Muerte. New York, Palgrave Macmillan, 2015. 

5 comentários:

Devaneios disse...

Véio eu só tenho uma coisa pra ti dizer:continue escrevendo,pq blog de história igual ao teu eu ñ vi ainda.Sou leitor assíduo dos teus assuntos postados em teu blog,creio q do final de 2013 a final de 2017 li quase q inerrupitamente teus artigos...mas pretendo retomar a leitura dos mesmos

Leandro Vilar disse...

Fico grato por me seguir esse tempo todo e curtir meu trabalho. Nos últimos anos decaiu a quantidade de postagens devido a falta de tempo. Os estudos e o trabalho tem me tomado bastante tempo.

Rebeca disse...

Mulheres que correm com os lobos fala dela

Leandro Vilar disse...

Rebeca, não li esse livro, mas vi o sumário. Sim, há menção a Baba Yaga e várias outras personagens femininas de lendas e mitos.

Emili Hugh disse...

Primeira vez lendo o blog e eu amei!! sempre fico com pé atrás de ler algo em blog pq muitas vezes não tem referencias, e eu amei que você deixa elas ao final do texto que por sinal é muito bem construído!!