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Leandro Vilar

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Máscaras: Eu te conheço, Carnaval!


Máscaras: Eu te conheço, Carnaval!


Ma. Perny M. Mônica
Dra. Denise M. Mello


1.  INTRODUÇÃO

O carnaval surgiu na Antiguidade, a partir dos cultos religiosos e agrários. Tinham como características a ludicidade com danças e cânticos, logo incorporando máscaras e adereços, os festejos eram dedicados aos deuses para a proteção do plantio e da colheita. As festividades eram marcadas pelos excessos de vinho e orgias, que muitas vezes levavam o indivíduo à morte. Comemorando a entrada da primavera e a prosperidade da comunidade, essa prática difundiu-se pelo Mediterrâneo no mundo Antigo, atravessou a Europa na Idade Média. Na Idade Moderna, o carnaval passou a ser representado como inversão de valores da vida cotidiana. Chegou ao Brasil como manifestação cultural dinâmica com características plurais, repletas de ritos, mitos, símbolos, muitos dos quais não resistiram ao tempo.

2 - SÍNTESE HISTÓRICA DO CARNAVAL

Assim como a origem do Carnaval, as raízes do termo também têm se constituído em objeto de discussão. Segundo José Carlos Sebe (1986, p.31), o vocábulo advém da expressão latina "carrum Novalis" (carro naval), uma espécie de carro alegórico em forma de barco, com o qual os romanos inauguravam suas comemorações. Apesar de ser foneticamente aceitável, a expressão é refutada por diversos pesquisadores, sob a alegação de que esta não possui fundamento histórico.

Para muitos autores, a palavra seria derivada da expressão do latim "carnem levare", modificada depois para "carne, vale!" (adeus, carne!), palavra originada entre os séculos XI e XII que designava a quarta-feira de cinzas e anunciava a supressão da carne devido à Quaresma, 40 dias de penitência e de jejum criado pela Igreja Católica na Idade Média. A relação do carnaval com a Igreja Católica é evidente, visto que, sem Quaresma não haveria carnaval, já que este significa os três dias precedentes à quarta-feira de cinzas, que são dedicados à liberdade, diversões e folias. Provavelmente vem também daí a denominação "Dias Gordos", onde a ordem é transgredida e os abusos tolerados, em contraposição ao jejum e à abstenção total do período vindouro (Dias Magros da Quaresma). No dialeto milanês tem Carnevale, do baixo latim carnelevamen, de “Caro”, carne, e “levamen”, ação de tirar, assim, pois, tempo em que se tira o uso da carne, pois Carnaval é propriamente a noite antes da quarta-feira de cinzas (Sebe, 1986; Ferreira, 2004).

A história do carnaval começa na Pré-História, entre os homens que habitavam as cavernas, e viviam rudimentarmente da caça e pesca. Os milênios passam e ao chegar à Idade da Pedra Polida ou Neolítica, depois de atravessar o Mesolítico, transição entre o lascar e polir a pedra, o homem que aprendera a desenhar e pintar, continua desenhando e pintando, como também a ritmar os sons, os movimentos e palavras, criando música, dança e canto.

Do ponto de vista histórico, o Carnaval teria se iniciado com o paganismo, como as festas promovidas no antigo Egito, relacionadas aos culto a Ísis, uma jovem deusa, protetora da natureza. Em homenagem a ela, os mortais se reuniriam, ciclicamente, para render graças à vida. Esta cerimônia ocorria sempre no período dos plantios (ou das colheitas), abrindo uma nova era no ciclo anual. Segundo remotas tradições, os mortais deveriam dançar, brincar e festejar muito para que as sementes crescessem e os frutos fossem bons. Conta a lenda que, para o renascimento da natureza, Ísis tornava-se mais provocante e sedutora. Osíris, seu parceiro, teria o direito de gozar, temporariamente, todos os prazeres presumíveis. Depois de saciado no mais íntimo de seus desejos, Ísis sacrificaria seu amante para que cessasse a turbulência dos dias de prazer. Todo o ano a mesma história deveria se repetir, segundo o ritmo da natureza. É fácil identificar a ideia do ciclo anual da celebração com a época das plantações, e aliar a concepção de um deus que morre, depois de prazeres desmedidos, com o longo período de rotina que deve seguir a fase de germinação das sementes plantadas (Sebe,1986).

As antigas festas babilônicas, como por exemplo, as chamadas sacéias, que remontam ao século III antes de Cristo, possuíam muitas dessas características “carnavalescas”; marcadas pelas exageradas comemorações e trocas de papéis entre o rei e um mendigo. Ferreira (2004, p.17), afirma que as primeiras manifestações festivas “carnavalizadas”, foram marcadas pela ingestão excessiva de bebidas alcoólicas. As primeiras festividades com estas características, encontradas na literatura pesquisada, ocorreram nas antigas civilizações, como a greco-romana e a mesopotâmia.

Alguns autores, entre eles Bulfinch (2005, p.94) e Sebe (1986, p.15) discorrem que em Roma, as raízes dos festejos carnavalescos estão ligadas às danças em homenagem ao deus , que usa uma guirlanda de folhas de pinheiro em torno da cabeça, (Fauno para os romanos), deus dos campos, dos pastores e protetor dos rebanhos. Essas festas, chamadas Lupercais, eram celebradas em 15 de fevereiro, data em que os Lupercos (sacerdotes de Pã) saíam nus dos templos banhados em sangue de cabra e, depois de lavados com leite, eram cobertos com capas de pele de bode e corriam atrás das pessoas. Quando alcançadas, as virgens acreditavam tornarem-se férteis e as grávidas de livrarem-se das dores do parto.

O enredo da lupercais consistia na existência de dois reis ou sacerdotes chamados flâmines e lupercos; um simbolizava a ordem, a harmonia e a paz, e o outro representava a desordem, a depravação e o tumulto. Segundo a tradição, o primeiro sobreviveria e o outro seria morto em meio a grandes festas. Ao fim de um ano a dramatização coletiva era recriada e a efervescência do festejo permitia renascer a festa. Além da majestosa procissão, dos êxtases coletivos, das danças rituais e das orquestras musicais, muitas dessas festas também incluíam concursos dramáticos, com poetas trágicos e dramas satíricos, concursos de coros e sacrifícios humanos.

Em 370 a.C., foram as Bacanais romanas que marcaram época, data em que o culto a Dionísio chegava com o nome de Baco à Roma. As Bacantes, ou Mênades (mulheres tomadas de paixão por Dionísio e entregues a seu culto com tamanho fervor, que por vezes chegavam ao delírio e à morte) por ocasião das orgias em homenagem a Evan, alcunha de Baco, cometeram tantos excessos que as Bacanais foram proibidas em 186 a.C. pelo Senado Romano. Como a proibição não vingou por muito tempo, as Bacanais voltaram com mais vigor ainda no tempo do Império. (Chevalier; Gheerbrant, 2003, p.112).

Alguns ritos nessa época já incluíam pessoas mascaradas e fantasiadas. Um deles era realizado como comemoração à iniciação de jovens na integração da vida adulta. Nestas festividades eram comuns atividades em que brincadeiras, que aparentemente, não cumpriam com a ordem vigente serviam para reafirmar a ordem dos grupos sociais. (Ferreira, 2004, p.18).

Em Esparta, os meninos eram treinados para serem soldados, pois o pensamento nesta época era que só através dos ensinamentos militares seria possível a formar cidadãos. Ao término da formação realizava-se numa grande mascarada onde, por algumas horas, o comportamento era o oposto daquele que deveriam adotar na vida adulta: fantasiados de mulher, velho ou sátiro, os rapazes realizavam encenações obscenas ou humorísticas, com muita bebedeira e cantorias. (Ferreira, 2004, 18).

Por ocasião da vindima, celebrava-se, a cada ano, em Atenas e por toda a Ática, a festa do vinho novo, em que os participantes, como outrora os companheiros de Baco, se embriagavam e começavam a cantar e dançar ao som dos címbalos, até caírem desfalecidos. (Brandão, 1980, p.113).

Em Atenas celebrava-se o culto a Dionísio. Eram celebradas quatro grandes festas em honra do deus do vinho: Dionísias Rurais, Lenéias, Dionísias Urbanas ou Grandes Dionísias e Antestérias.

As Dionísias Rurais são as mais antigas festas áticas de Dionísio, eram celebradas na segunda metade do mês de dezembro. A cerimônia central consistia numa alegre e barulhenta procissão de danças e cantos, em que se escoltava um enorme falo. Os participantes dessa ruidosa faloforia cobriam o rosto com máscaras ou disfarçavam-se em animais, como uma forma de sortilégio para promover a fertilidade dos campos e dos lares. A partir do século V a.C., estas festas foram enriquecidas com concursos de tragédias e comédias. (Brandão, 1980, p.97).

As Lenéias, descritas por Brandão (1980, p.27) eram celebradas no inverno, correspondente aos fins de janeiro e início de fevereiro. O nome Lenéias é uma abreviação comum utilizada pelos atenienses, uma vez que a designação oficial da festa era Dionísio de Lénaion, isto é, cerimônias religiosas dionisíacas que se realizavam no Lénaion, local onde se erguia o mais antigo templo do deus e, mais tarde também um teatro. O autor ressalta que, pouquíssimas são as informações desta festa. Sabe-se tão somente que Dionísio era invocado com auxílio do daduco, “o condutor de tochas”, e, consoante uma glosa de um verso de Aristófanes, o sacerdote elusino, “trazendo na mão uma tocha”, exclamava: “Invocai o deus!”. Os participantes do festival gritavam em resposta: “Ó Iaco, filho de Sêmele, distribuidor de riquezas!”. Trata-se, de uma invocação para provocar a fertilidade e a hierofania de Dionísio, que deveria presidir às solenidades de Lenéias. Estas ao que tudo indica, se iniciavam com uma procissão de caráter orgiástico.

As Dionisíacas Urbanas ou Grandes Dionisíacas era comum a realização de concursos de arte dramática, o que favoreceu o desenvolvimento do teatro ateniense. As comemorações eram realizadas na primavera, sendo festejada durante seis dias. No primeiro era realizada uma majestosa procissão que transportava a estátua do deus. Nos dois dias seguintes eram realizados concursos de dez Coros de Ditirâmbicos1. Sendo os três últimos dias dedicados aos concursos dramáticos. (Brandão,1987, p.126).

A Antestéria era a “festa das flores”, festejada na primavera. No primeiro dia, os tonéis de terracota, nos quais eram armazenados o vinho da colheita do outono, eram levados até o Santuário de Dionísio no Lénaion. O vinho novo era “dessacralizado”, ou seja, levantava-se o tabu que ainda pesava sobre a colheita anterior e, após a libação de Dionísio pela boa safra, dava-se início a “bebedeira” sagrada”. (Brandão,1987, p.133).

Até o Concílio de Nicéia, no ano de 325 do nosso calendário, o mesmo que oficializou o Cristianismo como religião do Império Romano, tais rituais foram objeto de discussão, dada a sua aceitação na sociedade da época (Batista; Ávila, 2006, p2). No ano de 604, o papa Gregório I deliberou que num determinado período do ano, os fiéis deveriam deixar de lado a vida cotidiana para, durante um determinado número de dias, dedicarem-se exclusivamente às questões espirituais. Todo esse evento durava em torno de quarenta dias, lembrando os quarenta dias de jejum e provações passadas por Jesus no deserto antes de iniciar o seu ministério apostólico. Por causa disso, o período ficou conhecido como “quadragésima” ou “quaresma”. No ano de 1091, o papa Urbano II, convocou uma reunião com representantes da Igreja – Chamada de Sínodo de Benevedo – na qual se decidiu entre muitas outras coisas, que era necessário se escolher a data oficial para o período da Quaresma. O primeiro dessa sequência de dias passa a ser chamado de Quarta-feira de Cinzas, em vista do costume, que até hoje perdura de se marcar a testa dos fiéis com uma cruz feita com as cinzas de uma fogueira, em sinal de penitência. (Batista; Ávila, 2006, p.25).

3 - CARNAVAL CARIOCA

O Carnaval é uma festa democrática, realizadora e conscientizadora, uma festa que concentra e redistribui riquezas; capaz de suprir as necessidades reais, ao mesmo tempo em que as simbólicas. Uma festa que vivifica a história popular e a construção da brasilidade, podendo ser entendida como o modelo de ação e participação social do brasileiro.

No Brasil, o Carnaval desenvolveu-se muito e num período relativamente curto, devendo ser entendido não só um fenômeno social, mas, simultaneamente, se constitui como um fundamento de comunicação, uma das expressões mais completas e perfeitas das utopias humanas de igualdade e liberdade. Segundo o pesquisador Hiram Araújo:

“O Carnaval é comumente definido como a festa da confraternização universal, a festa da democracia social e racial, que une e iguala a todos: brancos e pretos, ricos e pobres. Esta pressuposta universalidade da festa, capaz de destruir as diferenças e desigualdades culturais internas, de unificá-las e de promover a integração social, possibilitou sua conversão em símbolo da identidade nacional” (Araújo, 1996, p.19).

As brincadeiras tinham características agressivas, com atitudes contrárias da norma social através de zombarias e pancadaria simbólicas (Ferreira, 2006, p.12).

São muitas as descrições do festejo no Rio de Janeiro. As narrativas, em geral, atêm-se à sua parte mais visível, que era o costume de molhar e sujarem-se uns aos outros com limões ou laranjinhas de cera recheados com água perfumada, com recurso a seringas, gamelas, bisnagas, até banheiras – todo e qualquer recipiente que pudesse comportar água a ser arremessada. Incluía também, em determinadas situações, o uso de polvilho, “vermelhão”, tintas, farinhas, ovos e mesmo lama, piche e líquidos fétidos, entre os quais urina ou “águas servidas”. As festividades carnavalescas, chamadas de Entrudo (palavra de origem latina que significa "entrada"), eram semelhantes às que ocorriam em Portugal, mas, segundo Queiroz (1999, 46) foi específico do meio urbano durante todo o período colonial.

O entrudo no Rio de Janeiro era uma festa repleta de atitudes inconvenientes da qual participavam tanto os escravos quanto as famílias de origem europeia. A festividade mobilizava famílias inteiras que, semanas antes da festa, já se dedicavam à fabricação artesanal da principal arma da brincadeira, os limões-de-cheiro: uma bola de cera moldada com laranja ou limão que levava em seu interior água e, em alguns casos, urina. Durante o entrudo, as famílias se reuniam em suas casas para arremessá-los das janelas ou ainda para despejar baldes de água suja e todo tipo de entulho e pó nos passantes. Do lado de fora, os afrodescendentes saíam às ruas, desfilando sua batucada. (Sebe, 1986; Cunha, 2001).

A cada ano o “jogo do entrudo” ficava mais agressivo.

Em 02 de maio de 1850 o arquiteto francês Grandjean de Montigny, de pois de ter “tomado um destes banhos de água” faleceu vitimado de uma pneumonia (Sebe, 1986, p.57).

Segundo Sebe:

”No Rio, ainda que não unanimamente, fica estabelecida a data de 1853 como uma espécie de momento de definição nacional da festa momística. A “certidão de batismo” do carnaval, em regra, é considerada a portaria baixada pelo chefe de polícia do Rio de Janeiro proibindo o entrudo pelas suas repercussões agressivas” (Sebe, 1986, p.55).

Sobre o nascimento do carnaval carioca, Sebe (1986, p.55) destaca três explicações essenciais: a primeira que o “entrudo transformado” poderia ter originado o festival de base popular; a segunda, que a mistura de duas festas diferentes, conviveram juntas durante certo tempo e depois foram organizadas em termos de espaço e variações, gerando, finalmente, uma celebração multifacetada e, por último a origem de uma celebração nova, autenticamente carioca, inspirada nos ranchos evoluídos e pela definição de um espaço urbano.

O Entrudo desapareceu completamente no início do século XX, originando uma nova forma de comemoração que foi chamada de Carnaval Veneziano (Queiroz, 1999, 32).

Em 1904, face ao empenho do Prefeito Pereira Passos, o jogo começa a perder a popularidade das ruas, voltando-se para o universo doméstico, maneira encontrada pelas elites para divertir-se com a folia. Era hora do confete, serpentina, a língua-de-sogra e o lança-perfume substituírem a cal e as bisnagas ou limões-de-cheiro com que os foliões se emporcalhavam, no Segundo Reinado e nas primeiras décadas da República. No mesmo ano, se inaugurou a Avenida Central a Gazeta de Notícias (apud Loredano, 1999, 15), lançava o slogan “O Rio civiliza-se”; nada mais natural que esta civilidade chegasse também ao Carnaval, trazendo os corsos e bailes de máscaras da França (Nice) e da Itália (Veneza e Nápoles).

4 – OS BAILES DE MÁSCARAS

A partir dos meados do século XIX, a sociedade carioca passou por variadas mudanças, entre elas, uma crescente transformação sociocultural, surgindo uma nova realidade, no âmbito das festividades carnavalescas, descritas na obra de Loredano (1999, 16). As práticas tradicionais de conviver e interagir socialmente foram sendo desprestigiadas surgindo novas ideologias de convivência social. Com o surgimento de uma nova classe média, surgia um novo modelo, o Carnaval de Veneza, em que predominavam as máscaras e as fantasias, bem mais civilizadas que o entrudo.

Os salões tornavam-se o novo espaço da convivência social elitizada, da elegância, do encontro e do divertimento. Vários bailes são anunciados na cidade do Rio de Janeiro, onde “[...] o espírito carioca estava predestinado a fazer do carnaval a sua maior festa popular” (Renault, 1969, p. 218).

O primeiro baile de máscaras documentado no Brasil data de 22 de janeiro de 1840, realizado no “Hotel Itália”, localizado no Largo do Rócio, atual Praça Tiradentes no mesmo local em que se arguiria posteriormente Cinema São Jose. O sucesso do primeiro baile fez com que se repetisse no mês seguinte durante o carnaval sendo assim anunciado: "Baile de Máscaras, como se usa na Europa por ocasião do Carnaval” (Tinhorão, 1997, p. 148).

No dia 21 de fevereiro 1846 outro famoso baile de máscaras documentado foi realizado no “Teatro São Januário”, promovido pela cantora de teatro Clara Delamastro. O preço do convite custava cera de dois mil réis e o camarote, vendido à parte, por cinco mil réis. Uma família de seis pessoas gastaria a pequena fortuna de 17 mil réis. Para efeito de comparação, naquela época o aluguel de uma escrava para lavar, passar e engomar era de 14 mil réis por mês. Entretanto o valor do convite permitia que a família levasse consigo seus escravos para atendê-los durante a noite de gala, principalmente na tarefa de ajudar seus senhores a vestir os elaborados costumes em salas reservadas exclusivamente para este fim no próprio teatro. (Ferreira, 2004, p. 111)

Apesar da imponência, o risco financeiro do investimento era grande, fazendo com que a promotora do evento, publicasse a seguinte nota no Jornal do Commercio, de 19 de fevereiro de 1846: “A empresária, pois, confiando na generosidade e benevolência do público desta corte lhe implora humildemente a sua proteção, a fim de poder tornar brilhante este divertimento, tão conhecido na Itália e França.” (Ferreira, 2004, p. 111).

Os cavalheiros e damas das mais importantes famílias fizeram-se presentes em suas melhores roupas de gala, ou com fantasias tais como se usavam nos bailes parisienses. Dentre as fantasias estavam as de palhaço, turco ou fidalgo. Dentre as mais usadas pelos participantes era a de Dominó. A repercussão e o sucesso do baile, fez com que muitos outros se repetissem, marcando, também através do carnaval, as diferenças sociais que atingiam a sociedade brasileira: de um lado, a festa de rua, ao ar livre e popular; do outro, o carnaval de salão que agradava, sobretudo à classe média emergente no país. (Ferreira, 2004, 112).

Mesmos fora do calendário cristão, foram realizados bailes de máscaras, tal como o do Hotel Universo, no Largo do Paço, “a benefício de hum empregado da casa. Só as senhoras damas podem ir mascaradas e tem entrada grátis, e os homens trajes à fantasia”, pagam 2$000 (Renault, 1969, 219 apud JC-29/11/1848).

A partir da portaria policial de 1853, os salões passaram a ser o espaço preferido pelas elites, os quais seguiam os padrões europeus, tornando-se mais seguros e disciplinados. Em 1871, foi inaugurado o Teatro Imperial D. Pedro II, tendo sido realizado um baile de máscaras na sua inauguração. O prédio localizava-se na Rua da Guarda Velha, atual Rua 13 de Maio e nele eram apresentadas às óperas, muito ao gosto da Corte, por isto ficou conhecido como
Teatro Lírico. Com a inauguração do Teatro Municipal, em 1909, o anterior ficou relegado ao segundo plano e acabou por ser demolido em 1934. (Valença, 1975, p.29).

5 - MÁSCARAS: SUBJETIVIDADE E CRIAÇÃO

Desde as primeiras civilizações o homem demonstra interesse pelas práticas lúdicas, trazendo dentro de si uma ânsia de "ser outro". A máscara sempre desempenhou histórica e culturalmente o papel de disfarçar, de permitir que a verdadeira identidade ficasse “escondida”, enquanto uma nova aflorava.

As máscaras têm o poder de nos transportar aos primórdios dos tempos, quando eram substitutas de “outros”. “Outros”, no nível psicológico, são criaturas de um mundo imaginário, criado por nós mesmos. Os “outros” não vão além da imaginação humana, dos sonhos humanos e dos elementos próprios da subconsciência humana. Ao usar a máscara, o sujeito passa a ser o “outro”, deixando de ser simplesmente o que é para aparentar ou simbolizar algo além de si mesmo (Amaral, 2004, p.41).

Na história da humanidade, a imagem apresenta-se anterior à escrita (a escrita era realizada por meio de imagens simbólicas), portanto está no nível do inconsciente, é ligada aos arquétipos e, como estes, depende de uma concretização para sua manifestação.

Portanto, as máscaras, modeladas de acordo com diferentes objetivos culturais, nos introduzem em um mundo imaginário, ilusório. A máscara pode ser mediadora no processo da transformação que ocorre nas cerimônias rituais e nas festas profanas, como as do carnaval de Veneza, pois as máscaras permitem que seus portadores escondam a posição social mediante uma substituição de personalidade em busca de instintos e emoções (Amaral, 2004, p.11).

A magia das máscaras é atribuída ao fenômeno que surge quando duas realidades diferentes são conectadas: a interna e a externa. A máscara, sendo um objeto material, também representa algo imaterial. Dentro de um ritual as máscaras representam forças, conceitos, ideias abstratas. O que antes eram divindades transforma-se em personagens-arquétipos (Amaral, 2004, p.41).

Dentre as Artes, o teatro teve grande desenvolvimento durante o período de apogeu da democracia grega. Sua origem está relacionada às danças, aos cantos e às representações de cenas mitológicas que ocorriam durante as festas religiosas.

As máscaras são objetos representativos da cultura material de uma sociedade. Criada a partir de uma infinidade de objetos manipuláveis, sua função social se estabelece numa relação direta como o corpo do indivíduo e suas práticas sociais dentro de uma determinada cultura.

Estudiosos da Antropologia defendem que a Arte não deve possuir somente um caráter técnico, mas ressaltam a importância de situá-la em seu contexto, conferindo-lhe uma significação cultural. Os métodos de produção da Arte e os sentimentos que a animam são inseparáveis. Portanto deve-se compreender o objeto estético como encadeamento de formas, e não somente como um mecanismo cognitivo que reflete a visão e os sentidos conferidos a ele, pelos membros de sua sociedade, logo, a abordagem da Arte não se restringe às estruturas formais, devendo-se englobar os processos socioculturais que moldam sua produção, ou seja, uso e significado (Geertz, 1999, p.124).

A magia das máscaras é atribuída ao fenômeno que surge quando duas realidades diferentes são conectadas. A máscara, sendo um objeto material, também representa algo imaterial. Dentro de um ritual as máscaras representam forças, conceitos, ideias abstratas. O que antes eram divindades transforma-se em personagens-arquétipos (Amaral, 2004, 41).

Os mitos sempre brotam da projeção imaginativa que o homem faz da vida e sintetiza tudo o que ele conseguiu conquistar, em face de uma vida que ele não solicitou, uma morte que o amedronta, um amor que o domina ou uma Natureza que o assombra. O Mito sempre diz o que a ciência e a razão não conseguiram dizer (Maciel, 2000, p.30).

6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

O “Carnaval”, entendido em várias áreas das Ciências Sociais e Humanas como um rito, vincula-se a solidificação de um mito de cunho nacional versando sobre a “sociedade ideal”. Os rituais e o Carnaval entre eles, podem dividir-se em três grupos: ritual de separação ou ritual de reforço, no qual uma situação ambígua torna-se claramente marcada; ritual de inversão, em que há quebra dos papéis rotineiros; ritual de neutralização, combinação dos dois tipos anteriores. Para o autor, o Carnaval brasileiro seria um ritual de inversão, onde as hierarquias se apagam: o pobre fantasia-se de príncipe, o homem de mulher e assim por diante, propiciando a dissolução das ordenações hierárquicas. No Carnaval, contrariando o projeto social, as leis são mínimas, não existindo uma forma peculiar de se brincar o Carnaval. (Da Matta, 1990, p. 65-67). "É o folião que conta. É o folião que decidirá de que modo irá brincar o Carnaval". (Da Matta, 1990, p 121).

Maria Isaura Pereira de Queiroz critica essa perspectiva da inversão, e observa que isto pode acontecer no nível dos sentimentos e expectativas no Carnaval, e que, em termos de estrutura social não existe nenhuma inversão. (Queiroz,1999, p. 196).

Para Maria Isaura a festa de Carnaval deve ser entendida como um rito de um mito sobre a sociedade ideal.

A multiplicidade de suas formas, seus traços, suas cores, suas funções, as máscaras representam a complexidade dos grupos sociais e suas peculiaridades, ao mesmo tempo em que são uma mostra da riqueza simbólica nas tradições e manifestações festivas que, após superar e passar à prova do tempo se presentifica na memória social como símbolos universais. Dentre as inúmeras funções das máscaras sublinha-se a de reanimar os mitos que sustentam os costumes sociais que se mantém nas sociedades contemporâneas.

As máscaras sempre estiveram presentes nas diversas manifestações culturais, fossem às manifestações espetaculares do Oriente, na origem do teatro grego, nas grandes tragédias e posteriormente nas comédias ou quando dessacralizadas, nas ruas. É parte integrante das festas populares, das cerimônias religiosas e profanas, tendo como intuito de reverenciar ou simular, assustar ou brincar.

Assim, as máscaras constituem-se como um potencial revelador das relações do indivíduo como sede da operação que articula os diversos níveis da experiência humana: o biológico, o psíquico e o social. Através das máscaras escondemos o que somos e permitimos ser o que não somos. Na máscara social estão os disfarces, dissimulações e segredos tanto da vida privada quanto da vida pública do sujeito.

As atitudes modernas em relação à máscara ressaltam seu papel ocultante, há a máscara social, atrás da qual nos ocultamos; as máscaras cosméticas, que buscam esconder “as marcas do tempo”; a máscara protetoras usadas por todos que exercem profissões de risco são alguns exemplos. Portanto, somos atores sociais, todos nós usamos máscaras ou representamos nossos papéis, o tempo das transformações que ocorrem incessantemente, a cada lugar e a todo instante.

O uso habitual das máscara muitas vezes faz com que o sujeito passe a se identificar com a sua “máscara” esquecendo-se da sua feição verdadeira, a sua real identidade. Quantos funcionários não se confundem com seu cargo ou sua classe social trazendo de volta as origens das brincadeiras carnavalescas europeias a celebre frase: “Sabe com quem está falando?”

Quanto aos noticiários do nosso país, os superfaturamentos, a fabricação e comercialização de produtos falsificados, os chats, as redes sociais, entre outros, não serão eles uma cópia fiel dos bailes de mascarados, onde já não se distingue a realidade da mentira, quem é quem, assim como, mal se pode esconder que ninguém é de ninguém?

REFERÊNCIAS
AMARAL, Ana Maria. O ator e seus duplos: máscaras, bonecos, objetos. São Paulo: Senac, 2004.
ARAÚJO, Hiram. Carnaval: Seis Milênios de História. Rio de Janeiro: Gryphus, 2003.
BATISTA, C. M. et al. Patrimônio histórico cultural e turismo no carnaval de Caravelas: Axé versus Samba. In: Caderno Virtual de Turismo Vol. 6, N° 2. p.2, 2006. 
BRANDÃO, J.S. Mitologia grega. Petrópolis, RJ: Vozes. V. 2, 1987. 
____. Teatro Grego: origem e evolução. Rio de Janeiro: T.A.B, 1980. 
BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. 
CUNHA, Maria Clementina Pereira. Ecos da folia: Uma história social do carnaval carioca entre 1880 e 1920. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 
CHEVALIER, J. et al. Dicionários de símbolos. Rio de Janeiro: José Olímpio, 2003. 
LOREDANO, Cássio. (org.) Carnaval J. Carlos. Rio de Janeiro: Lacerda, 1993. 
FERREIRA, Felipe. O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. 
FERREIRA, Felipe, O Triunfal Passeio do “Congresso das Sumidades Carnavalescas” e a Fundação do Carnaval Moderno no Brasil In: TERCEIRA MARGEM: Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Letras e Artes, Faculdade de Letras, Pós-Graduação, Ano X, nº 14, 2006. 
GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1999. 
MACIEL, Corintha. Mitodrama: o universo mítico e seu poder de cura. São Paulo: Agora, 1999. 
QUEIROZ, Maria Isaura P. de. Carnaval brasileiro: o vivido e o mito. São Paulo: Brasiliense, 1992. 
RENAULT, Delso. O Rio antigo nos anúncios de jornais: 1808-1850. Rio de Janeiro, José Olympio, 1969. 
SEBE, Jose Carlos. Carnaval, carnavais. São Paulo: Ática, 1986. 
TINHORÃO, José Ramos. Música popular: um tema em debate. São Paulo: Editora 34, 1997. 
VALENÇA, Rachel. Carnaval. Rio de Janeiro: Guavira, 1975.


Fonte: MÔNICA, Perny, M; MELLO, Denise M. Máscaras: eu te conheço, Carnaval! II CONINTER - Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades, Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013. 

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