Máscaras: Eu te conheço, Carnaval!
Ma. Perny M. Mônica
Dra. Denise M. Mello
1. INTRODUÇÃO
O
carnaval surgiu na Antiguidade, a partir dos cultos religiosos e agrários.
Tinham como características a ludicidade com danças e cânticos, logo
incorporando máscaras e adereços, os festejos eram dedicados aos deuses para a
proteção do plantio e da colheita. As festividades eram marcadas pelos excessos
de vinho e orgias, que muitas vezes levavam o indivíduo à morte. Comemorando a
entrada da primavera e a prosperidade da comunidade, essa prática difundiu-se
pelo Mediterrâneo no mundo Antigo, atravessou a Europa na Idade Média. Na Idade
Moderna, o carnaval passou a ser representado como inversão de valores da vida
cotidiana. Chegou ao Brasil como manifestação cultural dinâmica com
características plurais, repletas de ritos, mitos, símbolos, muitos dos quais
não resistiram ao tempo.
2
- SÍNTESE HISTÓRICA DO CARNAVAL
Assim
como a origem do Carnaval, as raízes do termo também têm se constituído em
objeto de discussão. Segundo José Carlos Sebe (1986, p.31), o vocábulo advém da
expressão latina "carrum Novalis" (carro naval), uma espécie de carro
alegórico em forma de barco, com o qual os romanos inauguravam suas
comemorações. Apesar de ser foneticamente aceitável, a expressão é refutada por
diversos pesquisadores, sob a alegação de que esta não possui fundamento
histórico.
Para
muitos autores, a palavra seria derivada da expressão do latim "carnem
levare", modificada depois para "carne, vale!" (adeus, carne!),
palavra originada entre os séculos XI e XII que designava a quarta-feira de
cinzas e anunciava a supressão da carne devido à Quaresma, 40 dias de
penitência e de jejum criado pela Igreja Católica na Idade Média. A relação do
carnaval com a Igreja Católica é evidente, visto que, sem Quaresma não haveria
carnaval, já que este significa os três dias precedentes à quarta-feira de
cinzas, que são dedicados à liberdade, diversões e folias. Provavelmente vem
também daí a denominação "Dias Gordos", onde a ordem é transgredida e
os abusos tolerados, em contraposição ao jejum e à abstenção total do período
vindouro (Dias Magros da Quaresma). No dialeto milanês tem Carnevale, do baixo
latim carnelevamen, de “Caro”, carne, e “levamen”, ação de tirar, assim, pois,
tempo em que se tira o uso da carne, pois Carnaval é propriamente a noite antes
da quarta-feira de cinzas (Sebe, 1986; Ferreira, 2004).
A
história do carnaval começa na Pré-História, entre os homens que habitavam as
cavernas, e viviam rudimentarmente da caça e pesca. Os milênios passam e ao
chegar à Idade da Pedra Polida ou Neolítica, depois de atravessar o Mesolítico,
transição entre o lascar e polir a pedra, o homem que aprendera a desenhar e
pintar, continua desenhando e pintando, como também a ritmar os sons, os
movimentos e palavras, criando música, dança e canto.
Do
ponto de vista histórico, o Carnaval teria se iniciado com o paganismo, como as festas promovidas no antigo Egito,
relacionadas aos culto a Ísis, uma jovem deusa, protetora da natureza. Em
homenagem a ela, os mortais se reuniriam, ciclicamente, para render graças à
vida. Esta cerimônia ocorria sempre no período dos plantios (ou das colheitas),
abrindo uma nova era no ciclo anual. Segundo remotas tradições, os mortais
deveriam dançar, brincar e festejar muito para que as sementes crescessem e os
frutos fossem bons. Conta a lenda que, para o renascimento da natureza, Ísis
tornava-se mais provocante e sedutora. Osíris, seu parceiro, teria o direito de
gozar, temporariamente, todos os prazeres presumíveis. Depois de saciado no
mais íntimo de seus desejos, Ísis sacrificaria seu amante para que cessasse a
turbulência dos dias de prazer. Todo o ano a mesma história deveria se repetir,
segundo o ritmo da natureza. É fácil identificar a ideia do ciclo anual da
celebração com a época das plantações, e aliar a concepção de um deus que
morre, depois de prazeres desmedidos, com o longo período de rotina que deve
seguir a fase de germinação das sementes plantadas (Sebe,1986).
As
antigas festas babilônicas, como por exemplo, as chamadas sacéias, que remontam
ao século III antes de Cristo, possuíam muitas dessas características
“carnavalescas”; marcadas pelas exageradas comemorações e trocas de papéis
entre o rei e um mendigo. Ferreira (2004, p.17), afirma que as primeiras
manifestações festivas “carnavalizadas”, foram marcadas pela ingestão excessiva
de bebidas alcoólicas. As primeiras festividades com estas características,
encontradas na literatura pesquisada, ocorreram nas antigas civilizações, como
a greco-romana e a mesopotâmia.
Alguns
autores, entre eles Bulfinch (2005, p.94) e Sebe (1986, p.15) discorrem que em
Roma, as raízes dos festejos carnavalescos estão ligadas às danças em homenagem
ao deus Pã, que usa uma guirlanda de folhas de pinheiro em torno da cabeça,
(Fauno para os romanos), deus dos campos, dos pastores e protetor dos rebanhos.
Essas festas, chamadas Lupercais, eram celebradas em 15 de fevereiro, data em
que os Lupercos (sacerdotes de Pã) saíam nus dos templos banhados em sangue de
cabra e, depois de lavados com leite, eram cobertos com capas de pele de bode e
corriam atrás das pessoas. Quando alcançadas, as virgens acreditavam tornarem-se
férteis e as grávidas de livrarem-se das dores do parto.
O
enredo da lupercais consistia na existência de dois reis ou sacerdotes chamados
flâmines e lupercos; um simbolizava a ordem, a harmonia e a paz, e o outro
representava a desordem, a depravação e o tumulto. Segundo a tradição, o
primeiro sobreviveria e o outro seria morto em meio a grandes festas. Ao fim de
um ano a dramatização coletiva era recriada e a efervescência do festejo
permitia renascer a festa. Além da majestosa procissão, dos êxtases coletivos,
das danças rituais e das orquestras musicais, muitas dessas festas também
incluíam concursos dramáticos, com poetas trágicos e dramas satíricos,
concursos de coros e sacrifícios humanos.
Em
370 a.C., foram as Bacanais romanas que marcaram época, data em que o culto a
Dionísio chegava com o nome de Baco à Roma. As Bacantes, ou Mênades (mulheres
tomadas de paixão por Dionísio e entregues a seu culto com tamanho fervor, que
por vezes chegavam ao delírio e à morte) por ocasião das orgias em homenagem a
Evan, alcunha de Baco, cometeram tantos excessos que as Bacanais foram
proibidas em 186 a.C. pelo Senado Romano. Como a proibição não vingou por muito
tempo, as Bacanais voltaram com mais vigor ainda no tempo do Império.
(Chevalier; Gheerbrant, 2003, p.112).
Alguns
ritos nessa época já incluíam pessoas mascaradas e fantasiadas. Um deles era
realizado como comemoração à iniciação de jovens na integração da vida adulta.
Nestas festividades eram comuns atividades em que brincadeiras, que
aparentemente, não cumpriam com a ordem vigente serviam para reafirmar a ordem
dos grupos sociais. (Ferreira, 2004, p.18).
Em
Esparta, os meninos eram treinados para serem soldados, pois o pensamento nesta
época era que só através dos ensinamentos militares seria possível a formar
cidadãos. Ao término da formação realizava-se numa grande mascarada onde, por
algumas horas, o comportamento era o oposto daquele que deveriam adotar na vida
adulta: fantasiados de mulher, velho ou sátiro, os rapazes realizavam
encenações obscenas ou humorísticas, com muita bebedeira e cantorias.
(Ferreira, 2004, 18).
Por
ocasião da vindima, celebrava-se, a cada ano, em Atenas e por toda a Ática, a
festa do vinho novo, em que os participantes, como outrora os companheiros de
Baco, se embriagavam e começavam a cantar e dançar ao som dos címbalos, até
caírem desfalecidos. (Brandão, 1980, p.113).
Em
Atenas celebrava-se o culto a Dionísio. Eram celebradas quatro grandes festas
em honra do deus do vinho: Dionísias Rurais, Lenéias, Dionísias Urbanas ou Grandes
Dionísias e Antestérias.
As
Dionísias Rurais são as mais antigas festas áticas de Dionísio, eram celebradas
na segunda metade do mês de dezembro. A cerimônia central consistia numa alegre
e barulhenta procissão de danças e cantos, em que se escoltava um enorme falo.
Os participantes dessa ruidosa faloforia cobriam o rosto com máscaras ou
disfarçavam-se em animais, como uma forma de sortilégio para promover a
fertilidade dos campos e dos lares. A partir do século V a.C., estas festas
foram enriquecidas com concursos de tragédias e comédias. (Brandão, 1980,
p.97).
As
Lenéias, descritas por Brandão (1980, p.27) eram celebradas no inverno,
correspondente aos fins de janeiro e início de fevereiro. O nome Lenéias é uma
abreviação comum utilizada pelos atenienses, uma vez que a designação oficial
da festa era Dionísio de Lénaion, isto é, cerimônias religiosas dionisíacas que
se realizavam no Lénaion, local onde se erguia o mais antigo templo do deus e,
mais tarde também um teatro. O autor ressalta que, pouquíssimas são as
informações desta festa. Sabe-se tão somente que Dionísio era invocado com
auxílio do daduco, “o condutor de tochas”, e, consoante uma glosa de um verso
de Aristófanes, o sacerdote elusino, “trazendo na mão uma tocha”, exclamava:
“Invocai o deus!”. Os participantes do festival gritavam em resposta: “Ó Iaco,
filho de Sêmele, distribuidor de riquezas!”. Trata-se, de uma invocação para
provocar a fertilidade e a hierofania de Dionísio, que deveria presidir às
solenidades de Lenéias. Estas ao que tudo indica, se iniciavam com uma
procissão de caráter orgiástico.
As
Dionisíacas Urbanas ou Grandes Dionisíacas era comum a realização de concursos
de arte dramática, o que favoreceu o desenvolvimento do teatro ateniense. As
comemorações eram realizadas na primavera, sendo festejada durante seis dias.
No primeiro era realizada uma majestosa procissão que transportava a estátua do
deus. Nos dois dias seguintes eram realizados concursos de dez Coros de
Ditirâmbicos1. Sendo os três últimos dias dedicados aos concursos dramáticos.
(Brandão,1987, p.126).
A
Antestéria era a “festa das flores”, festejada na primavera. No primeiro dia,
os tonéis de terracota, nos quais eram armazenados o vinho da colheita do
outono, eram levados até o Santuário de Dionísio no Lénaion. O vinho novo era
“dessacralizado”, ou seja, levantava-se o tabu que ainda pesava sobre a
colheita anterior e, após a libação de Dionísio pela boa safra, dava-se início
a “bebedeira” sagrada”. (Brandão,1987, p.133).
Até
o Concílio de Nicéia, no ano de 325 do nosso calendário, o mesmo que
oficializou o Cristianismo como religião do Império Romano, tais rituais foram
objeto de discussão, dada a sua aceitação na sociedade da época (Batista;
Ávila, 2006, p2). No ano de 604, o papa Gregório I deliberou que num determinado
período do ano, os fiéis deveriam deixar de lado a vida cotidiana para, durante
um determinado número de dias, dedicarem-se exclusivamente às questões
espirituais. Todo esse evento durava em torno de quarenta dias, lembrando os
quarenta dias de jejum e provações passadas por Jesus no deserto antes de
iniciar o seu ministério apostólico. Por causa disso, o período ficou conhecido
como “quadragésima” ou “quaresma”. No ano de 1091, o papa Urbano II, convocou
uma reunião com representantes da Igreja – Chamada de Sínodo de Benevedo – na
qual se decidiu entre muitas outras coisas, que era necessário se escolher a
data oficial para o período da Quaresma. O primeiro dessa sequência de dias
passa a ser chamado de Quarta-feira de Cinzas, em vista do costume, que até
hoje perdura de se marcar a testa dos fiéis com uma cruz feita com as cinzas de
uma fogueira, em sinal de penitência. (Batista; Ávila, 2006, p.25).
3
- CARNAVAL CARIOCA
O
Carnaval é uma festa democrática, realizadora e conscientizadora, uma festa que
concentra e redistribui riquezas; capaz de suprir as necessidades reais, ao
mesmo tempo em que as simbólicas. Uma festa que vivifica a história popular e a
construção da brasilidade, podendo ser entendida como o modelo de ação e
participação social do brasileiro.
No
Brasil, o Carnaval desenvolveu-se muito e num período relativamente curto,
devendo ser entendido não só um fenômeno social, mas, simultaneamente, se
constitui como um fundamento de comunicação, uma das expressões mais completas
e perfeitas das utopias humanas de igualdade e liberdade. Segundo
o pesquisador Hiram Araújo:
“O
Carnaval é comumente definido como a festa da confraternização universal, a
festa da democracia social e racial, que une e iguala a todos: brancos e
pretos, ricos e pobres. Esta pressuposta universalidade da festa, capaz de
destruir as diferenças e desigualdades culturais internas, de unificá-las e de
promover a integração social, possibilitou sua conversão em símbolo da
identidade nacional” (Araújo, 1996, p.19).
As
brincadeiras tinham características agressivas, com atitudes contrárias da
norma social através de zombarias e pancadaria simbólicas (Ferreira, 2006,
p.12).
São
muitas as descrições do festejo no Rio de Janeiro. As narrativas, em geral,
atêm-se à sua parte mais visível, que era o costume de molhar e sujarem-se uns
aos outros com limões ou laranjinhas de cera recheados com água perfumada, com
recurso a seringas, gamelas, bisnagas, até banheiras – todo e qualquer
recipiente que pudesse comportar água a ser arremessada. Incluía também, em
determinadas situações, o uso de polvilho, “vermelhão”, tintas, farinhas, ovos
e mesmo lama, piche e líquidos fétidos, entre os quais urina ou “águas
servidas”. As festividades carnavalescas, chamadas de Entrudo (palavra de
origem latina que significa "entrada"), eram semelhantes às que
ocorriam em Portugal, mas, segundo Queiroz (1999, 46) foi específico do meio
urbano durante todo o período colonial.
O
entrudo no Rio de Janeiro era uma festa repleta de atitudes inconvenientes da
qual participavam tanto os escravos quanto as famílias de origem europeia. A
festividade mobilizava famílias inteiras que, semanas antes da festa, já se
dedicavam à fabricação artesanal da principal arma da brincadeira, os
limões-de-cheiro: uma bola de cera moldada com laranja ou limão que levava em
seu interior água e, em alguns casos, urina. Durante o entrudo, as famílias se
reuniam em suas casas para arremessá-los das janelas ou ainda para despejar
baldes de água suja e todo tipo de entulho e pó nos passantes. Do lado de fora,
os afrodescendentes saíam às ruas, desfilando sua batucada. (Sebe, 1986; Cunha,
2001).
A
cada ano o “jogo do entrudo” ficava mais agressivo.
Em
02 de maio de 1850 o arquiteto francês Grandjean de Montigny, de pois de ter
“tomado um destes banhos de água” faleceu vitimado de uma pneumonia (Sebe,
1986, p.57).
Segundo
Sebe:
”No
Rio, ainda que não unanimamente, fica estabelecida a data de 1853 como uma
espécie de momento de definição nacional da festa momística. A “certidão de
batismo” do carnaval, em regra, é considerada a portaria baixada pelo chefe de
polícia do Rio de Janeiro proibindo o entrudo pelas suas repercussões
agressivas” (Sebe, 1986, p.55).
Sobre
o nascimento do carnaval carioca, Sebe (1986, p.55) destaca três explicações
essenciais: a primeira que o “entrudo transformado” poderia ter originado o
festival de base popular; a segunda, que a mistura de duas festas diferentes,
conviveram juntas durante certo tempo e depois foram organizadas em termos de
espaço e variações, gerando, finalmente, uma celebração multifacetada e, por
último a origem de uma celebração nova, autenticamente carioca, inspirada nos
ranchos evoluídos e pela definição de um espaço urbano.
O
Entrudo desapareceu completamente no início do século XX, originando uma nova
forma de comemoração que foi chamada de Carnaval Veneziano (Queiroz, 1999, 32).
Em
1904, face ao empenho do Prefeito Pereira Passos, o jogo começa a perder a
popularidade das ruas, voltando-se para o universo doméstico, maneira
encontrada pelas elites para divertir-se com a folia. Era hora do confete,
serpentina, a língua-de-sogra e o lança-perfume substituírem a cal e as
bisnagas ou limões-de-cheiro com que os foliões se emporcalhavam, no Segundo
Reinado e nas primeiras décadas da República. No mesmo ano, se inaugurou a
Avenida Central a Gazeta de Notícias (apud Loredano, 1999, 15), lançava o
slogan “O Rio civiliza-se”; nada mais natural que esta civilidade chegasse
também ao Carnaval, trazendo os corsos e bailes de máscaras da França (Nice) e
da Itália (Veneza e Nápoles).
4 – OS BAILES DE MÁSCARAS
A
partir dos meados do século XIX, a sociedade carioca passou por variadas
mudanças, entre elas, uma crescente transformação sociocultural, surgindo uma
nova realidade, no âmbito das festividades carnavalescas, descritas na obra de
Loredano (1999, 16). As práticas tradicionais de conviver e interagir
socialmente foram sendo desprestigiadas surgindo novas ideologias de
convivência social. Com o surgimento de uma nova classe média, surgia um novo
modelo, o Carnaval de Veneza, em que predominavam as máscaras e as fantasias,
bem mais civilizadas que o entrudo.
Os
salões tornavam-se o novo espaço da convivência social elitizada, da elegância,
do encontro e do divertimento. Vários bailes são anunciados na cidade do Rio de
Janeiro, onde “[...]
o espírito carioca estava predestinado a fazer do carnaval a sua maior festa
popular” (Renault, 1969, p. 218).
O
primeiro baile de máscaras documentado no Brasil data de 22 de janeiro de 1840,
realizado no “Hotel Itália”, localizado no Largo do Rócio, atual Praça
Tiradentes no mesmo local em que se arguiria posteriormente Cinema São Jose. O
sucesso do primeiro baile fez com que se repetisse no mês seguinte durante o
carnaval sendo assim anunciado: "Baile de Máscaras, como se usa na Europa
por ocasião do Carnaval” (Tinhorão, 1997, p. 148).
No
dia 21 de fevereiro 1846 outro famoso baile de máscaras documentado foi
realizado no “Teatro São Januário”, promovido pela cantora de teatro Clara
Delamastro. O preço do convite custava cera de dois mil réis e o camarote,
vendido à parte, por cinco mil réis. Uma família de seis pessoas gastaria a
pequena fortuna de 17 mil réis. Para efeito de comparação, naquela época o
aluguel de uma escrava para lavar, passar e engomar era de 14 mil réis por mês.
Entretanto o valor do convite permitia que a família levasse consigo seus
escravos para atendê-los durante a noite de gala, principalmente na tarefa de
ajudar seus senhores a vestir os elaborados costumes em salas reservadas
exclusivamente para este fim no próprio teatro. (Ferreira, 2004, p. 111)
Apesar
da imponência, o risco financeiro do investimento era grande, fazendo com que a
promotora do evento, publicasse a seguinte nota no Jornal do Commercio, de 19
de fevereiro de 1846: “A empresária, pois, confiando na generosidade e
benevolência do público desta corte lhe implora humildemente a sua proteção, a
fim de poder tornar brilhante este divertimento, tão conhecido na Itália e
França.” (Ferreira, 2004, p. 111).
Os
cavalheiros e damas das mais importantes famílias fizeram-se presentes em suas
melhores roupas de gala, ou com fantasias tais como se usavam nos bailes
parisienses. Dentre as fantasias estavam as de palhaço, turco ou fidalgo.
Dentre as mais usadas pelos participantes era a de Dominó. A repercussão e o
sucesso do baile, fez com que muitos outros se repetissem, marcando, também
através do carnaval, as diferenças sociais que atingiam a sociedade brasileira:
de um lado, a festa de rua, ao ar livre e popular; do outro, o carnaval de
salão que agradava, sobretudo à classe média emergente no país. (Ferreira,
2004, 112).
Mesmos
fora do calendário cristão, foram realizados bailes de máscaras, tal como o do
Hotel Universo, no Largo do Paço, “a benefício de hum empregado da casa. Só as
senhoras damas podem ir mascaradas e tem entrada grátis, e os homens trajes à
fantasia”, pagam 2$000 (Renault, 1969, 219 apud JC-29/11/1848).
A
partir da portaria policial de 1853, os salões passaram a ser o espaço
preferido pelas elites, os quais seguiam os padrões europeus, tornando-se mais
seguros e disciplinados. Em 1871, foi inaugurado o Teatro Imperial D. Pedro II,
tendo sido realizado um baile de máscaras na sua inauguração. O prédio
localizava-se na Rua da Guarda Velha, atual Rua 13 de Maio e nele eram
apresentadas às óperas, muito ao gosto da Corte, por isto ficou conhecido como
Teatro
Lírico. Com a inauguração do Teatro Municipal, em 1909, o anterior ficou
relegado ao segundo plano e acabou por ser demolido em 1934. (Valença, 1975,
p.29).
5 - MÁSCARAS: SUBJETIVIDADE E CRIAÇÃO
Desde
as primeiras civilizações o homem demonstra interesse pelas práticas lúdicas,
trazendo dentro de si uma ânsia de "ser outro". A máscara sempre
desempenhou histórica e culturalmente o papel de disfarçar, de permitir que a
verdadeira identidade ficasse “escondida”, enquanto uma nova aflorava.
As
máscaras têm o poder de nos transportar aos primórdios dos tempos, quando eram
substitutas de “outros”. “Outros”, no nível psicológico, são criaturas de um
mundo imaginário, criado por nós mesmos. Os “outros” não vão além da imaginação
humana, dos sonhos humanos e dos elementos próprios da subconsciência humana.
Ao usar a máscara, o sujeito passa a ser o “outro”, deixando de ser
simplesmente o que é para aparentar ou simbolizar algo além de si mesmo
(Amaral, 2004, p.41).
Na
história da humanidade, a imagem apresenta-se anterior à escrita (a escrita era
realizada por meio de imagens simbólicas), portanto está no nível do
inconsciente, é ligada aos arquétipos e, como estes, depende de uma
concretização para sua manifestação.
Portanto,
as máscaras, modeladas de acordo com diferentes objetivos culturais, nos
introduzem em um mundo imaginário, ilusório. A máscara pode ser mediadora no
processo da transformação que ocorre nas cerimônias rituais e nas festas
profanas, como as do carnaval de Veneza, pois as máscaras permitem que seus
portadores escondam a posição social mediante uma substituição de personalidade
em busca de instintos e emoções (Amaral, 2004, p.11).
A
magia das máscaras é atribuída ao fenômeno que surge quando duas realidades
diferentes são conectadas: a interna e a externa. A máscara, sendo um objeto
material, também representa algo imaterial. Dentro de um ritual as máscaras
representam forças, conceitos, ideias abstratas. O que antes eram divindades
transforma-se em personagens-arquétipos (Amaral, 2004, p.41).
Dentre
as Artes, o teatro teve grande desenvolvimento durante o período de apogeu da
democracia grega. Sua origem está relacionada às danças, aos cantos e às
representações de cenas mitológicas que ocorriam durante as festas religiosas.
As
máscaras são objetos representativos da cultura material de uma sociedade.
Criada a partir de uma infinidade de objetos manipuláveis, sua função social se
estabelece numa relação direta como o corpo do indivíduo e suas práticas
sociais dentro de uma determinada cultura.
Estudiosos
da Antropologia defendem que a Arte não deve possuir somente um caráter
técnico, mas ressaltam a importância de situá-la em seu contexto,
conferindo-lhe uma significação cultural. Os métodos de produção da Arte e os
sentimentos que a animam são inseparáveis. Portanto deve-se compreender o
objeto estético como encadeamento de formas, e não somente como um mecanismo
cognitivo que reflete a visão e os sentidos conferidos a ele, pelos membros de
sua sociedade, logo, a abordagem da Arte não se restringe às estruturas
formais, devendo-se englobar os processos socioculturais que moldam sua
produção, ou seja, uso e significado (Geertz, 1999, p.124).
A
magia das máscaras é atribuída ao fenômeno que surge quando duas realidades
diferentes são conectadas. A máscara, sendo um objeto material, também
representa algo imaterial. Dentro de um ritual as máscaras representam forças,
conceitos, ideias abstratas. O que antes eram divindades transforma-se em
personagens-arquétipos (Amaral, 2004, 41).
Os
mitos sempre brotam da projeção imaginativa que o homem faz da vida e sintetiza
tudo o que ele conseguiu conquistar, em face de uma vida que ele não solicitou,
uma morte que o amedronta, um amor que o domina ou uma Natureza que o assombra.
O Mito sempre diz o que a ciência e a razão não conseguiram dizer (Maciel,
2000, p.30).
6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
O
“Carnaval”, entendido em várias áreas das Ciências Sociais e Humanas como um
rito, vincula-se a solidificação de um mito de cunho nacional versando sobre a “sociedade
ideal”. Os rituais e o Carnaval entre eles, podem dividir-se em três grupos:
ritual de separação ou ritual de reforço, no qual uma situação ambígua torna-se
claramente marcada; ritual de inversão, em que há quebra dos papéis rotineiros;
ritual de neutralização, combinação dos dois tipos anteriores. Para o autor, o
Carnaval brasileiro seria um ritual de inversão, onde as hierarquias se apagam:
o pobre fantasia-se de príncipe, o homem de mulher e assim por diante,
propiciando a dissolução das ordenações hierárquicas. No Carnaval, contrariando
o projeto social, as leis são mínimas, não existindo uma forma peculiar de se
brincar o Carnaval. (Da Matta, 1990, p. 65-67). "É o folião que conta. É o
folião que decidirá de que modo irá brincar o Carnaval". (Da Matta, 1990,
p 121).
Maria
Isaura Pereira de Queiroz critica essa perspectiva da inversão, e observa que
isto pode acontecer no nível dos sentimentos e expectativas no Carnaval, e que,
em termos de estrutura social não existe nenhuma inversão. (Queiroz,1999, p.
196).
Para
Maria Isaura a festa de Carnaval deve ser entendida como um rito de um mito
sobre a sociedade ideal.
A
multiplicidade de suas formas, seus traços, suas cores, suas funções, as
máscaras representam a complexidade dos grupos sociais e suas peculiaridades,
ao mesmo tempo em que
são uma mostra da riqueza simbólica nas tradições e manifestações festivas que,
após superar e passar à prova do tempo se presentifica na memória social como
símbolos universais. Dentre
as inúmeras funções das máscaras sublinha-se a de reanimar os mitos que
sustentam os costumes sociais que se mantém nas sociedades contemporâneas.
As
máscaras sempre estiveram presentes nas diversas manifestações culturais,
fossem às manifestações espetaculares do Oriente, na origem do teatro grego,
nas grandes tragédias e posteriormente nas comédias ou quando dessacralizadas,
nas ruas. É parte integrante das festas populares, das cerimônias religiosas e
profanas, tendo como intuito de reverenciar ou simular, assustar ou brincar.
Assim,
as máscaras constituem-se como um potencial revelador das relações do indivíduo
como sede da operação que articula os diversos níveis da experiência humana: o
biológico, o psíquico e o social. Através
das máscaras escondemos o que somos e permitimos ser o que não somos. Na
máscara social estão os disfarces, dissimulações e segredos tanto da vida
privada quanto da vida pública do sujeito.
As
atitudes modernas em relação à máscara ressaltam seu papel ocultante, há a
máscara social, atrás da qual nos ocultamos; as máscaras cosméticas, que buscam
esconder “as marcas do tempo”; a máscara protetoras usadas por todos que
exercem profissões de risco são alguns exemplos. Portanto, somos atores
sociais, todos nós usamos máscaras ou representamos nossos papéis, o tempo das
transformações que ocorrem incessantemente, a cada lugar e a todo instante.
O
uso habitual das máscara muitas vezes faz com que o sujeito passe a se
identificar com a sua “máscara” esquecendo-se da sua feição verdadeira, a sua
real identidade. Quantos funcionários não se confundem com seu cargo ou sua
classe social trazendo de volta as origens das brincadeiras carnavalescas
europeias a celebre frase: “Sabe com quem está falando?”
Quanto
aos noticiários do nosso país, os superfaturamentos, a fabricação e
comercialização de produtos falsificados, os chats, as redes sociais, entre
outros, não serão eles uma cópia fiel dos bailes de mascarados, onde já não se
distingue a realidade da mentira, quem é quem, assim como, mal se pode esconder
que ninguém é de ninguém?
REFERÊNCIAS
AMARAL,
Ana Maria. O ator e seus duplos: máscaras, bonecos, objetos. São Paulo:
Senac, 2004.
ARAÚJO,
Hiram. Carnaval: Seis Milênios de História. Rio de Janeiro: Gryphus, 2003.
BATISTA,
C. M. et al. Patrimônio histórico cultural e turismo no carnaval de
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BRANDÃO,
J.S. Mitologia grega. Petrópolis, RJ: Vozes. V. 2, 1987.
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