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Leandro Vilar

sábado, 11 de abril de 2020

Américo Vespúcio e a origem do nome América

Hoje é comum falarmos em América do Norte, América Central, América do Sul e até América Latina. Todavia, por mais que o nome América remonte ao começo do século XVI, nem sempre ele foi regularmente utilizado. Até o século XVII não era incomum referir-se aos continentes americanos pelos nomes de Índias Ocidentais ou Novo Mundo. No entanto, embora Américo Vespúcio foi que emprestou o nome para nomear o novo continente, pois naquele momento não existiam a divisão em três, isso esteve envolto em certos equívocos e até mesmo em tornar Vespúcio o "descobridor das Américas", retirando tal feito creditado a Cristóvão Colombo. Fato esse, que falsas viagens atribuídas a este navegador surgiram para justificar que ele e não Colombo, chegou primeiro, e graças a isso, aquele "novo mundo" merecia ser nomeado em sua homenagem. 

Quem foi Américo Vespúcio?

Nascido em Florença em 9 de março de 1454, era o segundo filho do rico comerciante Nastagio Vespúcio e de Lisa di Giovanni Minni. Os Vespúcio eram uma família tradicional florentina que fez riqueza com o comércio de tecidos, especialmente de seda e lã. Alguns membros também assumiram cargos políticos, públicos e eclesiásticos, além de terem negócios marítimos com outros países. Américo teve uma educação humanista dirigida pelo seu tio Giorgio Antonio Vespúcio, o qual era homem importante em Florença e cheio de contatos. No ano de 1478, seu tio que possuía contato com os Médici, recebeu uma proposta de emprego de representá-los em negócios em Paris. Dessa forma, Giorgio convidou Américo para ser seu secretário, e assim viajaram para a França e depois para outras cidades italianas, permanecendo uns dois anos fora. (GOMES, 2012, p. 27).


Estátua de Américo Vespúcio na Galeria de Uffizi, em Florença. 

Por volta de 1480, Américo retornou a Florença, tentando estreitar os contatos com os Médici, a poderosa família de banqueiros que governava a república florentina. Nesse tempo, Vespúcio passou os anos seguintes agindo como comerciante, cobrador de dívidas, administrador, secretário, mediador de justiça e procurador de justiça. Oito anos depois, os Médici enviaram Vespúcio para a Espanha, mais especificamente Sevilha e depois outras cidades. Mas no caso de Sevilha, ele viajava para coletar informações comerciais e financeiras que interessavam os negócios dos Médici. Foi na época que morou alguns meses na Espanha, que Vespúcio começou a se interessar ainda mais pelo negócios ultramarítimos, vendo nestes um grande potencial de enriquecimento. Assim, no ano de 1492, ele reuniu suas economias e mudou-se para Sevilha, a fim de tentar a sorte no "negócio das Índias". (FÉRNADEZ-ARMESTO, 2006, p. 58). 

Ao se mudar para Sevilha, Américo Vespúcio contava com seus 38 anos de idade, tendo trocado negócios e trabalhos certos, pelo duvidoso. Quando finalmente ele se estabeleceu na Espanha, tomou conhecimento que o navegador Cristóvão Colombo (1451-1506), havia partido para ocidente em busca de uma rota marítima para às Índias, ou estava indo em busca de um novo continente, como sugerem outros estudos. Mas enquanto Colombo não retornou de sua expedição, Vespúcio começou a trabalhar como armador em Sevilha, equipando navios e tripulações para fazer expedições ou negócios. Nem sempre os investimentos davam certo, a ponto de Vespúcio ter perdido muito dinheiro em algumas ocasiões. (GOMES, 2012, p. 29)

Os anos se passaram, Colombo havia retornado para a Espanha, noticiando sua "descoberta" e viajado novamente. Interessado no êxito duplo de Colombo, Vespúcio começou a escrever cartas para o navegador, para tentar fazer contato e até mesmo tornar-se um de seus armadores. As negociações se deram entre 1495 e 1497 através de intermediários. No ano de 1498, Colombo realizou sua terceira viagem, retornando no ano seguinte, quando os Reis Católicos de Espanha, lhe removeram o monopólio das expedições às "Índias Ocidentais". Assim, vários outros armadores, investidores, navegantes, nobres, mercadores etc. estavam interessados em realizar suas próprias expedições. E entre as pessoas interessadas em realizar tais viagens estava o próprio Américo Vespúcio. (FÉRNADEZ-ARMESTO, 2006, p. 81). 

As viagens de Vespúcio (1499-1503):

Com o fim do monopólio de Colombo de somente ele poder comandar as expedições para o Novo Mundo, várias outras expedições começaram a ser armadas. No ano de 1499, Vespúcio partiu na expedição do capitão Alonso de Ojeda (1466-1516), rumo ao Ocidente. A expedição de Ojeda chegou ao Norte do que hoje é o Brasil e ao atual território da Venezuela. Eles chegaram a avistar a foz do rio Orinoco (atualmente na Venezuela). Após semanas de viagem, a expedição retornou e Vespúcio embora tenha adoecido durante a viagem, ainda assim ele a tomou como bastante exitosa, devido as descobertas que fizeram, aquilo atiçou sua vontade de querer retornar outras vezes. 


Retrato de Alonso de Ojeda, com que Vespúcio realizou sua primeira expedição ás Américas. 

Entre 1500 e 1501, Vespúcio mudou-se para Lisboa, capital portuguesa para participar de novas expedições. O motivo de ele ter deixado a Espanha, ainda é fator de controvérsia. De qualquer forma, quando ele chegou a Portugal, naquele momento, Vasco da Gama já havia retornado de sua expedição às Índias e Pedro Álvares Cabral já havia chegado ao Brasil. Neste caso, os portugueses tinham basicamente duas rotas de viagem: o caminho que seguia para suas colônias e feitorias na África e depois o "caminho das Índias" determinado por Gama, e a rota que levava a Terra de Santa Cruz (o vindouro Brasil). 

Sua expedição de volta ao Novo Mundo, ocorreu no ano de 1501, onde Vespúcio embarcou no navio capitaneado por Gaspar Lemos, cuja missão era mapear a costa da Terra de Santa Cruz. Logo, é creditado a Lemos a "descoberta" da Baía de Todos os Santos e da Baía de Guanabara, a qual ele achou que se tratava da foz de um grande rio, por isso que a nomeou Rio de Janeiro. A expedição de Lemos, na qual Vespúcio seguia viagem, retornou à Portugal em 1502. Todavia, sua visita ao Brasil ficou marcada na história, pois ele relatou as "descobertas" do capitão Lemos. (COARACY, 1988, p. 302-302). 

Ao retornar para Lisboa em 1502, ainda naquele mesmo ano, Vespúcio estava de volta a Sevilha, onde casou-se com Maria Cerezza. Segundo um dos documentos escritos por ele, chamado de Lettera (Carta), entre 1503 e 1504, ele teria voltado a servir aos portugueses, retornando ao Brasil numa expedição comandada pelo capitão Gonçalo Coelho, porém, tal relato é encarado por alguns historiadores como duvidoso, pois, naquele tempo surgiram falsificações creditadas a Vespúcio e outras pessoas, as quais relatavam viagens que ele teria feito, mas sabe-se que nunca realizou. 

A fama de grande navegador: 

Como navegador, Vespúcio não se destacou, pois as expedições que ele participou, não esteve no comando propriamente. Tampouco ele foi autor de descobertas de novas localidades ou povos. Todavia, no ano de 1503, em Paris começou a ser vendido um livro intitulado Mundus Novus, cuja autoria era atribuída a um tal Albericus Vespuccius. O livro consistia numa compilação de cartas e relatórios que Vespúcio teria escrito a um de seus patrocinadores, Pierfrancesco de Médici. Embora hajam controvérsias se realmente Vespúcio escreveu tal livro ou ele teria sido forjado, sabe-se que ele se tornou um sucesso imediato, sendo traduzido e publicado em outros países nos anos seguintes. 

“Em Florença enviaram à sua casa o fogo comunal, dando-lhe o título de "amplificador do globo"; em 5 anos, de 1503 a 1508, e em nove cidades, fizeram-se doze edições latinas do Mundus Novus e, no mesmo espaço de tempo, em sete cidades alemãs, doze edições germânicas . Em Antuérpia foi feita uma edição em holandês e outros arranjos nessa língua e em inglês”. (LEVILLIER, 1958, p. 104). 

Uma edição de 1903 do Mundus Novus de Américo Vespúcio, livro que ajudou a torná-lo famoso na Europa. 

Além da rápida popularidade que o livro obteve, a fama que ele gerou também foi veloz. Em 1505, Vespúcio foi naturalizado espanhol e no ano seguinte já trabalhava na diretoria da Casa de Contração em Sevilha, órgão responsável por administrar os negócios das Índias. E por volta dessa época foi publicado outro livro atribuído a autoria de Vespúcio chamado de Lettera, Carta a Sordini ou Quatro Viagens, a qual consistia num compilado baseado no diário de Vespúcio sobre quatro expedições que ele realizou entre 1497 e 1503, porém, sabe-se que somente duas dessas expedições ele participou com certeza. A nova publicação não foi um fenômeno como o livro anterior, mas fez relativo sucesso, sendo traduzida e publicada em outros países nos anos seguintes. Nessa obra, o autor relatou duas expedições espanholas e duas portuguesas, incluindo o fato que na segunda expedição portuguesa, ele teria ido supostamente para África. (FÉRNADEZ-ARMESTO, 2006, p. 126). 

E essa fama foi tão rápida que até mesmo começaram a dar maior importância a Vespúcio pelas supostas navegações que fez ao Novo Mundo, do que as expedições realizadas por Colombo, fato esse que um dos filhos de Colombo, comenta que estavam roubando o mérito de seu pai. 

No ano de 1508, o rei de Espanha nomeou Vespúcio como piloto-mor do reino, título honorífico e o encarregou de lecionar em escolas navais, para turmas especiais, principalmente sobre questões de posicionamento náutico. Ele manteve-se no cargo até o fim da vida, falecendo em 22 de fevereiro de 1512, aos 58 anos, sem deixar herdeiros. Seu testamento dedicou seus pertences, dinheiro e propriedades para sua esposa, mãe, irmãos, sobrinhos, amigos e para saudar antigas dívidas. Apesar da fama, ele não se tornou rico como sonhava, mas conseguiu marcar seu nome na História. (FÉRNADEZ-ARMESTO, 2006, p. 181-182). 

Surge o nome América: 

Devido a fama crescente de Vespúcio através da popularidade do livro Mundus Novus, e das honrarias que ele ganhou do governo espanhol e de outros países, sendo elogiado como navegador e até mesmo cartógrafo, isso levou o cartógrafo Martin Waldessemüller (c. 1470-1520) em seu livro Universalis Cosmographia (1507), a sugerir que o "novo mundo" fosse nomeado de América, seguindo a lógica que os nomes Europa, África e Ásia eram femininos. Porém, a escolha de América era uma forma de homenagear Américo Vespúcio, que na época era conhecido como um famoso navegador que teria feito várias viagens ao continente americano, e alguns boatos diziam que ele o teria descoberto e não Colombo. O próprio Waldessemüller considerava tal fato, apesar que anos depois mudou de ideia, reconhecendo que Colombo era o "verdadeiro descobridor". 

Detalhe do mapa-múndi de Waldessemüler para seu livro Universalis
Cosmographia
 (1507). Nesse mapa vemos a primeira menção ao nome América. 


A obra de Waldessemüller influenciou outros cartógrafos de diferentes países, que nos anos seguintes até mais ou menos 1520, publicaram mapas apresentando o nome América, como forma de se referir ao novo continente, o problema é que fora dos mapas e de alguns livros, o nome América não era usado comumente. As pessoas seguiam referindo-se como Novo Mundo, Índias Ocidentais, ou pelos nomes regionais que expressavam os domínios portugueses, espanhóis, franceses e ingleses. Nesse tempo Vespúcio já havia morrido, e embora seu livro ainda seguisse sendo publicado, o nome América não causou tanto impacto assim. 

Ele somente começou a ser usado no século XVIII propriamente, como forma de se referir ao continente. Mais tarde é que dividiram o continente americano em três partes. No entanto, já no século XVII, alguns estudiosos já contestavam o uso da palavra América, por considerarem oriunda de uma farsa construída para enaltecer a pessoa de Américo Vespúcio, homem que ficou famoso através de fraudes sobre várias viagens e pretensas descobertas que ele teria feito. Apesar de hoje em dia saber que vários relatos atribuídos a supostas viagens de Vespúcio, sejam falsos, e que haja dúvidas sobre o que ele escreveu no Mundus Novus, isso se foi ele quem escreveu aquele livro mesmo, ainda assim, o nome América permanece oficialmente. 

NOTA: O professor Roberto Levillier escreveu uma análise de várias edições do Mundus Novus, sobre seu conteúdo, a fama e importância da obra, apesar de sua controvérsia. 

Referências bibliográficas: 
COARACY, Vivaldo. Memórias da Cidade do Rio de Janeiro. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia, 1988.  
GOMES, Plínio Freire. Américo antes da América. Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 7, n. 84, 2012, p. 26-29. 
FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe. Amerigo. The man who gave his name to America. London, Weidenfeld & Nicolson, 2006. 
LEVILLIER, Roberto. Mundus Novus. A carta de Vespúcio que revolucionou a geografia. Revista de História da USP, v. 16, n. 33, 1958, p. 103-148. 

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