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Leandro Vilar

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Clio, a Musa da História

Na mitologia grega as musas são nove irmãs, filhas de ZeusMnemósine (a deusa da memória), as quais personificam algumas artes e ciências. As nove irmãs são: Calíope (poesia épica), Clio (história), Erato (poesia romântica), Euterpe (música), Melpômene (tragédia), Polímnia (hinos), Terpsicore (dança), Tália (comédia), Urânia (astronomia). (HESÍODO, 2007, p. 107). 

As Musas eram invocadas pelos artistas, escritores e até mesmo historiadores como fonte de inspiração para abençoá-los com a arte de escrever bem. Na Teogonia, o poeta Hesíodo, inicia seu livro dedicando um hino as Musas, exaltando as virtudes dessas belas mulheres que cantavam, declamavam e dançavam os feitos dos deuses e heróis. Tal prática foi adotada por outros poetas, mesmo séculos posteriores, como Luís de Camões, o qual em Os Lusíadas, também inicia sua obra evocando as musas gregas e portuguesas. No entanto, nesse breve texto, falarei mais especificamente de Clio. 

As informações sobre as musas são escassas. Apenas se conhecem compilações de autores como Pseudo-Apolodoro, não havendo narrativas propriamente sobre essas deusas. Inclusive esses fragmentos podem ter sido reunidos por tais autores para criar uma noção melhor sobre essas divindades. 

A musa Clio. Pintura de autoria desconhecida, datada do século XVII, exposta no Museu Narbona, França. 

O nome Clio, em grego Κλειώ, está ligado ao verbo kléios, que significa "celebrar", "dar a conhecer". No caso, o nome Clio também pode ser traduzido como "glória", devido a analogia de "glorificar". (ZUFFERLI, 2013, p. 64). Na Teogonia, o nome dela assume esse sentido, pois no Hino as Musas, elas não apenas são exaltadas, mas também são utilizadas para exaltar os deuses e aquela história que Hesíodo estava para contar. Logo, nota-se o caráter de glorificar, de celebrar. Embora que alguns tradutores as vezes traduzam o nome dela como "proclamar". 

Pseudo-Apolodoro (2013, p. 44) informa que Clio devido a ter criticado o romance de Afrodite com Adônis, foi repreendida pela deusa do amor, tendo se apaixonado por Piero. O mito não explica claramente porque dessa escolha, além de não informar se isso teria sido bom ou ruim. Piero era filho de Magnes e Melibeia, e ele amou Clio, a engravidando. O casal teve um filho chamado Jacinto (ou Hiacinto). (GRIMAL, 2005, p. 373). 

Em seguida, Pseudo-Apolodoro (2013, p. 44) informa que Jacinto, o filho de Clio, era descrito como um belo jovem, o qual despertou a paixão do poeta Tamíris, também referido por sua beleza, bela voz e arrogância de se dizer melhor cantor do que as musas. Entretanto, não se sabe se Jacinto e Tamíris chegaram a ter uma relação. Porém, além do poeta, o deus Apolo também teria se apaixonado por Jacinto, e acidentalmente o teria matado, enquanto participava de um jogo de arremesso de disco. Cujo disco acertou a cabeça de Jacinto. Apolo ficou tão desconsolado, que transformou o sangue de seu amado numa flor. 

A morte de Jacinto. Alexander Kiselyov, c. 1850-1900. 

Apesar desse relato trágico em que o filho de Clio e Piero faleceu, Pierre Grimal (2013, p. 257) informa que possa ter havido uma mistura de narrativas. Ele salienta que na mitologia grega houve outro personagem chamado Jacinto, o qual foi espartano, descendendo de Lacedômonio, o rei que fundou Esparta. Nesse ponto, Grimal sugere que a história de ambos pode ter sido misturada, pois é dito que esse Jacinto também era belo e teria despertado o amor em Apolo e de Zéfiro, o deus do vento oeste. Inclusive, Grimal diz que Pseudo-Apolodoro não comenta esse triângulo amoroso entre Jacinto-Zéfiro-Apolo. 

Clio viveria com suas irmãs numa montanha, porém, a localização dessa altera-se dependendo do mito. Recordando que os mitos eram de tradição oral, logo, possuíam várias versões, e mesmo os mitos escritos poderiam conter mais de uma versão. Uma das moradas das musas é o Monte Parnaso (2.457 m), situado próximo a Delfos, conhecido pelo seu famoso oráculo. Inclusive Parnaso também era creditado não apenas como lar das musas, mas também uma das residências de Apolo. Entretanto, a associação do Parnaso com as musas parece ter sido mais tardia, pois Junito Brandão aponta que desde a época de Hesíodo, pelo menos, algo entre os séculos VIII a.C e VII a.C, o Monte Hélicon (1.749 m), situado na Beócia, seria o lar das musas e de Apolo, e onde ficaria a mítica Hipocrene, a fonte criada por Pégaso, cujas águas concederia o dom da poesia, do canto e da oratória. (BRANDÃO, 1986, p. 203). 

Outro mito credita a Clio como tendo tido outro filho, sendo esse, o deus Himeneu. Na mitologia grega Himeneu era o deus do casamento, aquele que presidia o cortejo nupcial e acompanhava a celebração dos casamentos. Suas origens não são unânimes, havendo vários mitos que atribuem diferentes pais e mães para ele. Um dos mitos diz que Himeneu seria filho de Clio e Apolo ou de Clio e Piero. Ou poderia ser filho de Apolo com Calíope ou Urânia, ou até mesmo de Dionísio e Afrodite. (GRIMAL, 2005, p. 229). 

A associação de Himeneu com Clio é interessante, pois o deus personificava o cortejo nupcial, que em determinadas épocas da Grécia Antiga era celebrado com hinos religiosos. Ainda hoje alguns casamentos, sobretudo, os realizados em igrejas ou templos, fazem uso da marcha nupcial. E se recordarmos que Clio é a musa que proclama, faz conhecer e homenageia os feitos, logo, Himeneu ao cantar os hinos nupciais estaria homenageando, proclamando e fazendo conhecer os recém-casados. Apesar dessa interpretação, ainda assim, dos supostos filhos de Clio, Jacinto é o mais conhecido. 

No Renascimento (XIV-XVI) as Musas ganharam atributos que passaram as identificá-las nas pinturas. Alguns dos atributos já tinham sido desenvolvidos por artistas na Roma Antiga. As Musas, todas elas costumam aparecer usando coroas de louro, mas no caso de Clio, ela tem dois atributos específicos: um tipo de corneta, usado para saudações e proclamações, e na outra mão ela carrega um pergaminho, manuscrito ou livro, o qual simboliza a História escrita. 

Detalhe de A arte da pintura, onde a modelo está vestida como Clio, usando coroa de louros, e carregando uma corneta e um livro. Jan Vermeer, 1666-1668. 

NOTA: Brandão comenta que Himeneu possuía alguns mitos curtos, os quais apontam que originalmente ele não seria imortal, tampouco, um deus. Mas um homem comum. Que somente depois ganhou status divino. Além disso, em algumas dessas narrativas, Himeneu era descrito como tendo uma aparência andrógina. Em outras ele era retratado tendo uma aparência de criança ou adolescente, estando acompanhado de Eros, o deus do amor. 

NOTA 2: Outros mitos apontam que Clio teria sido também mãe de Ôiagro, um deus fluvial, que em algumas versões teria sido pai de Orfeu. Outro mito também aponta Clio como tendo sido a mãe de Reso, guerreiro trácio, criador de cavalos, o qual aliou-se aos troianos na Guerra de Troia. Todavia, nesses dois casos, Clio é uma das possíveis mães, já que outras das musas também disputam a maternidade. (KURY, 2003). 

NOTA 3: Um dos livros que compõe As Histórias de Heródoto, é intitulado de Clio. Os demais livros recebem cada um, o nome das Musas. 

NOTA: O carro Renault Clio tem seu nome inspirado na musa. 

Fontes: 

CABRAL, Luiz Alberto Machado. A Biblioteca do Pseudo Apolodoro e o estatuto da mitografia. Tese de Doutorado em Linguística, Universidade de Campinas, 2013. 

HESÍODO. Teogonia. Estudo e tradução de Jaa Torrano. São Paulo, Iluminuras, 2007. 

Referências bibliográficas: 

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega, vol. 1. Petrópolis, Vozes, 1986. 3v

GRIMAL, Pierre. Dicionário de mitologia grega e romana. 5a ed. Tradução de Victor Jabouille. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2005. 

KURY, Mário da Gama. Dicionário de Mitologia Grega e Romana. 8a ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. 

ZUFFERLI, Carla (org.). Dicionário etimológico de Mitologia Grega. 2013. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/409973/mod_resource/content/2/demgol_pt.pdf

3 comentários:

Maria disse...

Olá, bom dia! Passando para te desejar saúde, paz, e muita alegria!

Leandro Vilar disse...

Olá, Maria. Obrigado pela felicitação. O mesmo para ti.

Maria José Speglich disse...

Olá!
Sempre é bom ler sobre história.