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Leandro Vilar

terça-feira, 27 de abril de 2021

O significado das bandeiras dos estados brasileiros

O Brasil possui vinte e seis estados e um distrito federal, cada um apresentando sua bandeira. No texto de hoje com um tom mais de curiosidade, veremos a origem dessas bandeiras e seus significados e influências. 

Durante a Ditadura de Vargas (1930-1945) o uso de símbolos estaduais foi abolido, fato esse que nenhuma bandeira surgiu nesse período. Ou elas foram criadas antes ou a partir de 1946, quando a lei de abolição dos símbolos estaduais foi revogada. 

Acre

Fundação: 1903 como território federal/1962 como estado

Capital: Rio Branco

A bandeira acreana somente foi aprovada na versão atual, em 1995, apesar disso ela apresenta semelhança com a bandeira da República do Acre (1899-1903), inclusive conservando as cores verde, amarela e vermelha, as mesmas encontradas na bandeira da Bolívia, pois o território do Acre anteriormente fazia parte da Bolívia (embora que verde e amarelo também predominem na atual bandeira brasileira). A bandeira acreana é dividida em duas cores principais, o verde e o amarelo e possui uma estrela vermelha no canto superior esquerdo. A cor amarela seria referência as riquezas minerais do estado, já o verde é interpretado como alusão a floresta amazônica ou a esperança. A estrela vermelha simboliza a luta do povo acreano por sua independência. Esse padrão visto na atual bandeira já tinha sido adotado anteriormente, apenas alterando-se a direção do corte diagonal. Inclusive o uso das cores verde, amarelo e vermelho já tinham sido utilizadas anteriormente. 

A bandeira do Acre, referência a origem do estado. 

Alagoas

Fundação: 1817

Capital: Maceió

A bandeira alagoana foi aprovada pela lei estadual n. 2.628 de 23 de setembro de 1963. A bandeira segue o padrão e cores da bandeira francesa, aludindo a Revolução Francesa (1789-1799), sobretudo pelos ideais de Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Ao centro encontra-se o brasão de armas do estado. O brasão apresenta no topo uma estrela prateada que representa o estado de Alagoas, abaixo temos três peixes tainhas, que simbolizam a pesca, atividade importante do estado, mas também representa suas três lagoas mais importantes: Mundaú, Manguaba e Jequiá. As tainhas também aludem a cidade de Marechal Deodoro (antigamente chamada de Alagoas do Sul, primeira capital de Alagoas, cujo brasão eram três peixes). Ao centro do brasão temos a representação de outras duas importantes cidades cidades: à esquerda Porto Calvo, que serviu de base de resistência dos portugueses durante o começo das guerras luso-holandesas entre 1630 e 1636, e à direita uma representação de Penedos. Abaixo encontram-se referências ao mar. Margeando o brasão temos a cana de açúcar e o algodão, duas plantas cultivadas no estado. 

A bandeira de Alagoas, evocando os ideais da Revolução Francesa e valorizando a história e a economia local. 

Amapá

Fundação: 1943

Capital: Macapá

A bandeira estadual do Amapá é uma das mais novas criadas no país. A ideia surgiu num concurso público em 1983, cujo resultado foi aprovado em 1984, todavia, a bandeira vencedora somente foi oficializada em 1988, mas começou a valer na década de 1990. Nota-se vários anos de atraso para ela ter começado a ser utilizada. A bandeira amapaense apresenta cinco cores: azul representando o céu, o verde simbolizando a floresta, o amarelo representando as riquezas minerais, o branco representando a paz e o preto simbolizando o luto daqueles que morreram pelo estado. As cores azul, verde e amarela também são inspiradas na bandeira nacional. No lado esquerdo há a uma representação da Fortaleza de São José de Macapá (fundada em 1764). 

Bandeira do Amapá, cujas cores invocam o estado além de fazer referência a fortaleza de São José de Macapá. 

Amazonas

Fundação: 1850

Capital: Manaus

A bandeira do Amazonas foi aprovada em 14 de janeiro de 1982, adotando cores inéditas até então as utilizadas anteriormente. A bandeira apresenta três faixas nas cores branca e vermelha, e uma menor em azul, onde se encontram 25 estrelas. A bandeira foi confeccionada com interesses militares, pois o vermelho representa as tropas amazonenses enviadas para à Guerra de Canudos ou Massacre de Canudos (1896-1897); o branco representa a ideia de paz, o azul fornece contraste apenas para situar as estrelas as quais representavam os 25 municípios do estado, sendo a maior estrela a capital Manaus. 

A bandeira do Amazonas, inspirada na vitória das tropas amazonenses em Canudos, e uma representação dos munícipios do estado. 

Bahia

Fundação: 1534

Capital: Salvador

A bandeira baiana foi criada pelo médico Diocleciano Ramos, em 25 de maio de 1889. Ramos era membro do Partido Republicano. A ideia era que essa bandeira fosse adotada para representar o partido, por isso suas cores fazerem referência aos ideários da Revolução Francesa, pois na época a República ainda não havia sido proclamada. Além disso, a bandeira também adotou o uso de um triângulo branco, que estava associado com a Maçonaria e tinha sido utilizado durante a Conjuração Baiana (1798), um dos movimentos separatistas da época. Apesar dessa proposta, a bandeira criada por Ramos somente foi adotada na prática em 1960. 

A bandeira da Bahia, evocando os ideários da Revolução Francesa e lembrando dos movimentos separatistas ocorridos em seu território. 

Ceará

Fundação: 1535 (porém a colonização começou propriamente em 1603)

Capital: Fortaleza

A bandeira cearense foi aprovada em 22 de agosto de 1922, mas sofreu ligeiras alterações em 2007. A bandeira foi claramente baseada na bandeira do Brasil, por conta de seu design e cores, com a diferença de fazer uso do brasão de armas do estado. O brasão apresenta sete estrelas brancas que simbolizam as microrregiões do estado, além de mostrar cenas que aludem a paisagem cearense, como uma jangada no mar, o farol de Mucuripe, um pássaro sobrevoando uma serra e o sertão com uma carnaúba. No topo do brasão há uma fortificação que alude ao nome da capital. 

A bandeira do Ceará, uma união de símbolos nacionais e estaduais. 

Distrito Federal

Fundação: 1960

Capital: Brasília

Essa bandeira foi confeccionada pelo advogado e heraldista Guilherme de Almeida (1890-1969) e aprovada em 25 de agosto de 1969. Seu designer é simples, um retângulo branco representando a paz, um quadrado verde representando a floresta e uma cruz amarela com setas nas pontas, indicando os pontos cardeais, fazendo alusão ao Distrito Federal estar no centro do Brasil. 

A bandeira do Distrito Federal, representando a centralização do Brasil. 

Espírito Santo

Fundação: 1535

Capital: Vitória

A bandeira capixaba foi criada pelo governador Jerônimo Monteiro em 1908, mas somente oficializada e posta em uso em 1947. Suas cores são o azul, o branco e o rosa, uma referência ao traje de Nossa Senhora da Vitória, padroeira da capital do estado. Já o lema "Trabalha e Confia" advém de uma frase de Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus

A bandeira do Espírito Santo com sua inspiração religiosa. 

Goiás

Fundação: 1744-1748

Capital: Goiânia

Foi concebida por Joaquim Bonifácio de Siqueira e adotada em 1919 pelo governador João Alves de Castro. A bandeira goiana foi inspirada na antiga bandeira dos Estados Unidos do Brasil, por isso a adoção das mesmas cores e designer similar. As estrelas representam o Cruzeiro do Sul, importante constelação que marca presença na vexilologia brasileira. 

A bandeira de Goiás, inspirada na antiga bandeira brasileira

Maranhão

Fundação: 1535

Capital: São Luís

A bandeira maranhense foi projetada pelo poeta Sousândrade (1833-1902) e adotada ainda no começo do governo republicano no Maranhão, em 26 de dezembro de 1899, pelo Decreto N. 6. Para celebrar o novo governo, Sousândrade confeccionou uma bandeira com listras brancas, pretas e vermelhas, representando a população brasileira entre brancos, negros e indígenas, mas um quadrado azul, simbolizando o céu e uma estrela branca, que representava o estado do Maranhão. 

Bandeira do Maranhão, concebida para representar o povo brasileiro e o estado após a proclamação da República.  


Mato Grosso

Fundação: 1719

Capital: Cuiabá

A bandeira mato-grossense também apresenta inspiração na bandeira nacional, mas na versão imperial, que posteriormente foi adotada para a república. Com isso, a bandeira de Mato Grosso foi oficializada em 31 de janeiro de 1890, através do decreto n. 2. Tendo sido concebida pelo marechal Antônio Maria Coelho, antigo Barão de Amambaí, e então primeiro governador republicano do Mato Grosso. As cores da bandeira são o azul (céu), branco (paz), verde (território), amarelo (riqueza) e a estrela simboliza o próprio estado. 

A bandeira do Mato Grosso, a qual apresenta inversão de cores baseada na bandeira nacional. 

Mato Grosso do Sul

Fundação: 1977

Capital: Campo Grande

A bandeira sul-mato-grossense foi aprovada em 1 de janeiro de 1979, após um concurso para definir o novo símbolo estadual. O azul claro representa a esperança, o verde personifica as matas, a estrela amarela alude a riqueza e o estado, a faixa branca representa serenidade e a amizade do povo do Mato Grosso do Sul. 

A bandeira do Mato Grosso Sul, uma exaltação a esperança, a riqueza e a amizade.

Minas Gerais

Fundação: 1720

Capital: Belo Horizonte

A bandeira do estado de Minas Gerais foi aprovada pelo decreto-lei 2.793 de 8 de junho de 1963, pelo governador João de Magalhães Pinto. Sua imagem foi inspirada na bandeira usada pelos inconfidentes durante a Inconfidência Mineira (1789), movimento separatista que buscou tornar Minas Gerais uma república independente do reino português. A bandeira atualmente é bem simples, um fundo branco com um triângulo vermelho e a frase em latim Libertas Quae Sera Tamem ("Liberdade ainda que tardia"). Essa frase teria sido proposta pelo inconfidente Alvarenga Peixoto, inspirado em um dos versos das Bucólicas do poeta romano Virgílio. Embora o triângulo atual seja vermelho, na época do império ele era verde, inclusive há suspeita que a bandeira dos inconfidentes tivesse essa cor também. O triângulo vermelho atualmente simboliza a ideia de luta e revolução pretendidos pela Inconfidência Mineira. O triângulo também é interpretado por alguns estudiosos como referência a Trindade cristã ou a Maçonaria (pois alguns dos inconfidentes eram maçons). 

A bandeira de Minas Gerais, inspirada na Inconfidência Mineira (1789). 

Pará

Fundação: 1616

Capital: Belém

A bandeira estadual do Pará foi adotada em 1890, baseada na bandeira do Clube Republicano Paranaense, tendo sido sugerida por Philadelpho de Oliveira Condurú. Sua adoção deveu-se ao contexto político da época, com a recente proclamação da República. Logo, adotou-se um símbolo republicano. Devido a essa origem, a bandeira paraense manteve o mesmo simbolismo, onde a faixa branca representaria a linha do equador ou o rio Amazonas, as faixas vermelhas simbolizariam a força e sangue do povo paraense. Por fim, a estrela azul representa o céu e o estado. 

A bandeira do Pará e sua conexão com a proclamação da República. 

Paraíba

Fundação: 1585

Capital: João Pessoa

A atual bandeira paraibana foi aprovada no ano de 1930, data que possui total influência para escolha dessa bandeira, pois naquele ano em 26 de junho, o então governador João Pessoa (1878-1930) foi assassinado devido a desavenças políticas. Na ocasião ele era candidato a vice-presidência na chapa de Getúlio Vargas (1882-1930). Na época, Vargas e Pessoa formavam uma das chapas de oposição a política do café com leite, a qual determinava que o presidente da República deveria ser um paulistano ou mineiro. Com a morte de João Pessoa, o governador foi feito imediatamente um mártir político, sendo bastante elogiado no estado. Com isso, em setembro de 1930 uma nova bandeira estadual foi proposta. A cor preta significando o luto pela morte do governador, o vermelho representando o sangue dele derramado (embora alguns falem que simbolizaria a união do povo paraibano). Por fim, a palavra "Nego" representa a postura dos políticos paraibanos aliados de Pessoa e Vargas contra a eleição presidencial daquele ano, a qual foi fraudada e deu vitória a Washington Luís. Por conta disso os políticos paraibanos negavam-se a reconhecer o resultado do pleito. Além da mudança de bandeira, a capital trocou também de nome, deixando de se chamar Parahyba para se chamar João Pessoa. 

Bandeira da Paraíba, uma homenagem a morte do governador João Pessoa e um protesto político. 

Paraná

Fundação: 1853

Capital: Curitiba

O Paraná teve oito bandeiras, sendo a atual sido aprovada pelo decreto n. 2.457 de 31 de março de 1947, mas alterada em 1990 e retomada em 2002. A bandeira atual adota o design da versão de 1892, além de manter suas cores também. A bandeira paranaense possui as cores verde (florestas), branco (paz), azul (céu). O círculo azul apresenta o céu na noite de 29 de agosto de 1853, data em que a Província do Paraná foi separada da Província de São Paulo. Por conta disso, vigora uma faixa branca que simboliza o Trópico de Capricórnio, com o nome do estado. As cinco estrelas representam o Cruzeiro do Sul. Os ramos de plantas são referências a araucária e a erva-mate, importantes plantas locais. 

A bandeira do Paraná, uma referência ao céu e a terra do estado. 

Pernambuco

Fundação: 1534

Capital: Recife

A bandeira pernambucana foi aprovada em 1917, pelo decreto n. 459, durante o governo de Manuel Antônio Pereira Borba. Essa bandeira foi inspirada na Revolução Pernambucana (1817), tendo sido adotada em celebração ao centenário desse movimento que procurou conquistar a independência de Pernambuco. A bandeira apresenta o azul do céu, o branco da paz, o arco-íris tricolor simboliza o povo pernambucano em sua diversidade; a cruz vermelha representa o cristianismo e a fé; o sol personifica um futuro iluminado. Por fim, a estrela amarela representa o próprio estado. Na bandeira original da revolução havia três estrelas, as quais simbolizavam também a Paraíba e o Rio Grande do Norte, pois em 1817, esses três estados se uniram na revolução. 

A bandeira de Pernambuco, inspirada nos ideais da Revolução Pernambucana. 

Piauí

Fundação: 1718

Capital: Teresina

A bandeira estadual foi aprovada pela lei 1.050 de 24 de junho de 1922, sendo atualizada em 2005. A bandeira do Piauí foi inspirada na bandeira dos Estados Unidos do Brasil, possuindo design e simbolismos similares, embora o verde personifique a esperança e não necessariamente a floresta. Além disso, em 2005 foi acrescida a data 13 de março de 1823, uma referência a Batalha de Jenipapo, conflito no qual os piauienses favoráveis ao Império do Brasil lutaram contra os piauienses que eram contra o império. No fim, venceram os defensores do governo brasileiro. A estrela representa o estado. 

A bandeira do Piauí, inspirada na antiga bandeira nacional e evocando a lealdade do povo piauiense ao governo brasileiro. 

Rio de Janeiro

Fundação: 1565

Capital: Rio de Janeiro

A bandeira atual do Rio de Janeiro foi desenhada por Alberto Rosa Fioravanti, no ano de 1965, a pedido do então governador Paulo Torres, e aprovada pelo decreto n. 5.588 de 5 de outubro de 1965. A bandeira apresenta duas cores principais, o branco e o azul, estão divididas em quadrantes, padrão herdado da bandeira usada na época imperial. Em seguida temos ao centro da bandeira o brasão de armas do Rio de Janeiro. A ideia do brasão não é nova, pois foi adotada em 1891, apesar que na versão anterior o brasão apresenta-se algumas diferenças. Na versão de 1965, o brasão apresenta um escudo oval dividido em três partes: no superior a Serra dos Órgãos com destaque ao Dedo de Deus, nessa seção invoca-se a identidade cristã; no meio temos o verde dos campos e matas fluminenses, e abaixo o azul do mar. Ao centro do brasão encontra-se uma águia prateada de asas abertas, simbolizando força, autoridade e justiça, segurando em suas garras um escudo azul, branco e prateado, com uma estrela branca, contendo os dizeres em latim Recte Rempublicam Gerere ("gerir a coisa pública com retidão"), e no mesmo escudo encontra-se a data 9 de abril de 1892, data que se refere a promulgação da constituição do Estado do Rio de Janeiro. Por fim, o brasão é adornado com ramos de cana de açúcar e ramos de café, acima encontra-se uma estrela prateada que simboliza o estado como membro do Brasil, por conta da bandeira brasileira representar os estados usando estrelas. 

Bandeira do Rio de Janeiro, junção da bandeira e do brasão do estado. 

Rio Grande do Norte

Fundação: 1534

Capital: Natal

A atual bandeira foi oficializada pela lei 2.160 de 3 de dezembro de 1957, durante o governo de Dinarte Mariz. O design foi sugerido pelo historiador, advogado e folclorista Luís da Câmara Cascudo (1898-1986). O verde representa a esperança e o branco a paz. Ao centro da bandeira temos o brasão do estado em fundo amarelo. Sendo que o brasão foi criado em 1909 pelo escultor Corbiniano Vilaça. O brasão retrata uma jangada sob céu azul e um mar verde, simbolizando a atividade pesqueira do estado. Na esquerda há um coqueiro, na direita uma carnaúba, abaixo canas de açúcar, acima temos flores de algodoeiro. Acima do brasão encontra-se a estrela que representa o estado. 

A bandeira do Rio Grande do Norte, evoca o mar e a flora do estado. 

Rio Grande do Sul

Fundação:

Capital: Porto Alegre

A bandeira gaúcha foi adotada em 14 de julho de 1891, sendo baseada na bandeira da Revolução Farroupilha (1835-1845), conservando as cores e design. Não há um consenso quanto a sua origem e significado das cores, pois o verde poderia remeter aos pampas ou a esperança, o vermelho simbolizaria a guerra, a revolução ou a república, e o amarelo uma referência a riqueza. Entretanto, o lema Igualdade, Liberdade e Humanidade é de origem Positivista, sendo que a filosofia do Positivismo influenciou bastante os republicanos na época imperial. Por sua vez, o brasão que se encontra ao centro da bandeira possui simbolismos maçônicos como as colunas e o losango. Dentro encontra-se uma espada e na ponta um barrete vermelho, alusão aos farrapos. Por sua vez, as lanças que aparecem no brasão aludem a guerra revolucionária. Já a data registra a fundação da breve República Rio-Grandense, fundada na ocasião da revolução. 

A bandeira do Rio Grande do Sul, uma referência a Farroupilha e a República Rio-Grandense. 

Rondônia

Fundação: 1943 com o nome de Guaporé/1956 como Rondônia

Capital: Porto Velho

A bandeira foi instituída pelo decreto-lei n. 7 de 31 de dezembro de 1981, sendo o resultado de um concurso para se eleger a bandeira estadual, dando-se vitória ao desenho de Sílvio Carvajal Feitosa. A bandeira inspira-se nas cores da bandeira nacional, tendo o verde (floresta), azul (céu), amarelo (riqueza mineral) e o branco (paz). A estrela ao centro representa o estado. 

A bandeira de Rondônia, valorizando a sua terra. 

Roraima

Fundação: 1943 com o nome de Rio Branco/1962 com o nome de Roraima

Capital: Boa Vista

A bandeira do estado foi aprovada pela lei estadual n. 133 de 14 de junho de 1996, tendo sido projetada por Mário Barreto. Suas cores também são inspiradas na bandeira nacional: verde (matas e cerrados), amarelo (riqueza mineral), azul (céu), branco (paz). A estrela representa o estado e a faixa vermelha é uma referência a Linha do Equador. 

A bandeira de Roraima, valorizando a terra e aludindo a Linha do Equador. 

Santa Catarina

Fundação: 1738

Capital: Florianópolis

A bandeira catarinense foi instituída em pela lei n. 126 de 15 de agosto de 1895, junto ao brasão e outros símbolos estaduais. Ambos foram projetados pelo historiador e advogado José Arthur Boiteaux. Apesar de ter sido criada no final do século XIX, ela somente vigorou propriamente a partir de 1953. A bandeira apresenta as cores vermelha (luta, força, sangue) e o branco (paz), alusões a Guerra dos Farrapos que também ocorreu por aquele território. O próprio barrete vermelho invoca os revolucionários do período. A águia representa símbolo de autoridade, poder, além de segurar chaves que significam a abertura daquela terra e sua proteção. Ao lado da águia se ver ramos de café e trigo, simbolizando a lavoura do interior e do litoral. No peito da águia temos a data de fundação da República Catarinense em 17 de novembro de 1899

 A bandeira de Santa Catarina evocando os valores revolucionários da República Catarinense.

 
São Paulo

Fundação: 1554

Capital: São Paulo

A bandeira paulistana foi concebida em 1888 pelo jornalista Júlio Ribeiro, fundador do jornal O Rebate. Na época as cores da bandeira: branco, preto e vermelho eram referências aos habitantes brasileiros, os brancos, negros e indígenas. As quatro estrelas representavam as estrelas que formavam o Cruzeiro do Sul, e por fim, tínhamos um mapa do Brasil. O modelo não foi utilizado na época, somente em 1932 por conta da Revolução Constitucionalista ele começou a ser empregado, mas somente foi oficializado em 1946 como bandeira estadual. 

Bandeira de São Paulo, concebida para representar o povo brasileiro. 

Sergipe

Fundação: 1590

Capital: Aracajú

A bandeira sergipana foi concebida a partir do modelo usado pelo importante comerciante Bastos Coelho na época imperial, o qual adotou as cores da bandeira nacional, o verde e amarelo. Pela lei n. 795 de 19 de outubro de 1920 foi determinada a bandeira do estado possuindo listras verdes e amarelas, um retângulo azul contendo cinco estrelas, as quais representam os cinco principais rios do estado: sendo eles os rios São Francisco, Sergipe, Real, Vaza-Barris e Japaratuba. A maior estrela representa o rio Sergipe, o qual concedeu nome ao estado. As cores adotadas não possuem um simbolismo propriamente definido, já que foram escolhidas como referência a bandeira nacional. Apesar que o azul invocaria a água dos rios. 

Bandeira de Sergipe, inspirada na bandeira nacional e representando os cinco rios do estado. 

Tocantins

Fundação: 1988

Capital: Palmas

A bandeira estadual foi instituída pela lei estadual n. 94 de 17 de novembro de 1989. A bandeira apresenta o azul dos rios, o amarelo da riqueza mineral, o branco da paz e o sol ao centro simbolizando estar iluminando o caminho e vida de todos os tocantinenses. 

A bandeira de Tocantins, destacando suas águas e minérios e sol. 

Considerações: 

  • As principais cores usadas nas bandeiras estaduais são o verde, azul, amarelo e branco. Depois temos o vermelho e o preto. 
  • A bandeira do Espírito Santo é a única entre as bandeiras estaduais a trazer uma cor totalmente diferente das outras, que é o rosa. 
  • As bandeiras do Ceará, Goiás, Mato Grosso, Piauí e Sergipe se inspiraram no design das bandeiras nacionais. 
  • A estrela, faixas e brasões são os signos mais comuns usados nesse conjunto de bandeiras dos estados brasileiros. 
  • As estrelas representam os estados no contexto da federação. 
  • Seis estados fazem uso dos brasões de armas em suas bandeiras. 
  • As bandeiras da Bahia e de Alagoas fazem uso das cores da bandeira da França, por conta da Revolução Francesa. 
  • As bandeiras do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina aludem a Farroupilha. Já a bandeira de Minas Gerais faz referência a Inconfidência Mineira e a bandeira de Pernambuco rememora a Revolução Pernambucana. 
  • O modelo mais antigo de bandeira usado, é o da Bahia, criado em 1889. 
  • Já o modelo mais recente de bandeira estadual em uso, pertence a Roraima, aprovado em 1996. 
  • A maioria das bandeiras estaduais possuem uma origem remetendo a acontecimentos políticos ou invocando o ufanismo de seus territórios. No entanto, a bandeira do Espírito Santo é a única que teve uma origem religiosa. 
  • As bandeiras de Minas Gerais, Paraíba e do Distrito Federal possuem o design mais simples. 

Referência bibliográfica:

ALVES, Derly Halfeld. Bandeiras: nacional, históricas e estaduais. Brasília, Edições do Senado Federal, 2011. 

quarta-feira, 14 de abril de 2021

A adoração dos gatos no Egito Antigo

É comum lermos ou ouvirmos que os antigos egípcios adoravam gatos, considerando os bichanos como animais sagrados. E isso de deveu a condição de que os gatos caçavam os ratos, protegendo os estoques de grãos. De fato, existe um fundo de verdade nessas afirmações, mas os gatos não se limitaram apenas a sua ação de caçar ratos. A religião e a mitologia do Egito Antigo foi marcada por uma forte ligação com o simbolismo animal devido a sua condição de ser uma zoolatria (culto aos animais). Vários deuses importantes possuíam aparência antropozoomórfica. Os principais animais da fauna egípcia como falcões, vacas, crocodilos, íbis, gatos, cães, cobras, leões, hipopótamos, carneiros, etc. personificavam deuses. Além disso, animais como babuínos, garças, bois entre outras espécies, tinham seu lugar como animais sagrados. Por conta disso, o fato dos gatos serem adorados pelos antigos egípcios era somente parte de todo um sistema religioso e mitológico desenvolvido ao longo de milênios. 

As deusas leoas nos primórdios do Egito Antigo

Nem sempre a adoração a esses felinos existiu ao longo da história egípcia. Os egípcios por volta de 2000 a.C, teriam começado a adotar gatos da espécie Felix sylvestre libica como animais de estimação. Essa espécie era encontrada no norte da África e espalhada em diferentes localidades da Ásia. A ideia de que os egípcios teriam sido os primeirios a domesticá-la, hoje é questionável, pois a domesticação pode ter se iniciado bem antes. De qualquer forma, essa espécie que é conhecida pelos nomes populares de gato da Núbia ou gato da Líbia, era de pequeno porte, tendo geralmente pelugem listrada e cinza. Com os cruzamentos ao longo de gerações, outros tipos de cores e portes foram surgindo. 

Nesse primeiro momento da história egípcia do Período Tinita (3000-2660 a.C), os egípcios já cultuavam vários felinos, incluindo leões, leopardos, panteras negras e os gatos. Geraldine Pinch (2002, p. 132-133) explica que o leão simbolizava o faraó, o poder real, o leopardo e a pantera representavam a fúria do deus Seth. A leoparda simbolizaria a proteção da família, algo também visto com a leoa, por se tratar de um felino bastante apegado as suas crias. Por tal condição, leoas representavam símbolos de proteção, estando associadas como guardiãs de túmulos reais e até de deuses. No entanto, a autora diz que no caso dos gatos, esses ainda estavam associados a ideia de serem bichos de estimação que faziam companhia, mas caçavam ratos, insetos e cobras. 

Pinch (2002, p. 134) comenta que leões, leoas, leopardos e panteras teriam elementos positivos representando proteção, a realeza, os deuses, mas elementos negativos simbolizando a fúria, a violência, o perigo. Apesar desse simbolismo dual, isso não impediu que tais felinos ganhassem destaque nas crenças religiosas e mitológicas. E um dado interessante é que havia por esse período três deusas leoas: Sekhmet, Bastet e Shesmetet as quais são representadas guardando o túmulo de Osíris. Além delas, outras deusas como Mafdet (deusa da justiça e punição) e Pakhet (deusa da guerra), também eram retratadas como leoas, panteras ou gatas. Observa-se assim, que temos cinco deusas com aspectos felinos, principalmente associadas com a leoa. Apesar que com o tempo, prevaleceu maior atenção a Sekhmet e Bastet, e as demais deusas perderam influência ou deixaram de serem retratadas como leoas. 

CERNY (1952, p. 22, 25) comenta que desde a I Dinastia (3200-2825 a.C), durante o Período Tinita, já se encontram referências a deusa Mafdet com cabeça de leoa, mas ela estaria associada também com o gato e o mangusto, animais que para os antigos egípcios representavam predadores das cobras. Fato esse que Mafdet era uma deusa invocada para se proteger de picadas de cobras. O autor também informa que data da II Dinastia (2825-2686 a.C) algumas das informações mais antigas sobre o culto a deusa Bastet. Culto esse que parece ter surgido na cidade de Per-Baste (chamada de Bubástis pelos gregos) no Alto Egito. Naquela época a deusa tinha cabeça de leoa, não de uma gata. 

Estátua de Bastet representada como uma leoa. 

O culto a Bastet

Ainda no início do seu culto, Bastet era uma deusa leonina como comentado anteriormente, apresentando em alguns mitos um comportamento bravio devido a condição de ser uma leoa. Não obstante, Bastet era referida como a "deusa do norte" uma referência a sua cidade de culto, Per-Baste estar situada no Baixo Egito, região do delta do Nilo, que fica situada no norte. Por conta dessa ser a região mais fértil do país, Bastet ainda no começo foi também associada com ritos agrícolas e de fertilidade, colocando-a como uma divindade próxima a Ísis e HathorBastet também fazia contra parte com Sekhmet, em que a primeira era a "deusa do leste", e a segunda a "deusa do oeste". (REMLER, 2006, p. 28). 

A deusa também foi referida como uma das guardiãs do deus Rá, estando associada a esse deus sol. Ela faria parte do grupo de divindades chamadas "filhas de Rá". Por tal condição, os faraós do Império Antigo (2660-2180 a.C), faziam orações e oferendas a deusa pedindo sua proteção em vida e após a morte, pois a deusa era guardiã de importantes deuses como Osíris e Rá. (PINCH, 2006, p. 115-116). 

Por tal viés observa-se que nos primeiros séculos de culto, Bastet era uma deusa associada com funções de proteção e fertilidade, lembrando que no Egito um deus poderia ter mais de uma função, além da questão que havia deuses locais e regionais, que eram cultuados apenas em determinadas localidades, enquanto outros eram cultuados em todo o reino. O culto a Bastet parece ter iniciado de forma local em Per-Baste e se espalhado nesse período pelo Baixo Egito. No entanto, a deusa ainda possuía uma forma leonina. 

Estátua de Bastet com cabeça de gato. 

Por volta da época do Império Novo (1560-1070 a.C) a versão de Bastet como uma deusa com cabeça de gato, tornou-se mais comum, mas não significa que ela perdeu seus aspectos associados com a guerra e a violência. A deusa não era uma guerreira, mas sua condição de ter sido uma leoa, simboliza ferocidade e ameaça, aspectos invocados até a XIX Dinastia, durante o Império Novo. Por outro lado, já nesse período destacava-se também a deusa num sentido de fertilidade, amor e carinho, além de ser uma divindades protetoras do faraó, e também da casa e da família. (GIESTA, 2019, p. 42-44).

Devido a popularidade da deusa Bastet, seu culto se espalhou pelo Egito, em que templos eram erguidos em outras cidades, embora o mais famoso estivesse em Per-Baste, a cidade na qual a deusa era padroeira. Além disso, o culto doméstico a Bastet também se espalhou, onde as pessoas conservavam estatuetas dela ou de gatos em seus lares, em altares junto a outras estatuetas e lhe prestavam oferendas e orações. Ter gatos também em suas casas era uma forma de agradar a deusa. 

Festivais com música e dança também começaram a serem celebrados a deusa no final do Novo Império. Nesses festivais a deusa era chamada de "deusa da abundância", "senhora dos prazeres" (uma conexão com a sexualidade, embora fosse algo sutil). A deusa também era referida como "Bastet aparece antes de Rá", "Bastet protetora das Duas Terras" (referência ao Baixo Egito e Alto Egito), "Bastet vai adiante de Per-Baste". (CERNY, 1952, p. 29). 

Heródoto (1950, p. 161-162) escreveu que o Festival de Bastet celebrado em Bubástis era um dos maiores no Egito, sendo comemorado anualmente com muita festa, música, danças e peregrinações. As pessoas e sacerdotes tocavam o sistro, um chocalho sagrado dedicado aos deuses. Muitas oferendas eram deixadas no templo da deusa. Isso revela a popularidade da deusa, algo que acabava passando para seu animal símbolo, o gato. 

O simbolismo dos gatos no Egito Antigo

Com a popularização da deusa Bastet versão gata, os egípcios passaram cada vez mais dar maior atenção a criarem gatos. Heródoto de Halicarnasso (1950) escrevendo no século V a.C, dizia que no Egito havia muitos gatos e o povo egípcio os amava tanto quanto os cães. Criar gatos era uma forma de honrar e adorar a deusa, mas também de pedir suas bênçãos. Nesse sentido, os gatos para os antigos egípcios expressavam proteção, fertilidade e boa sorte.

Réplica de gesso de uma estátua de gato da XXVI Dinastia, entre os séculos VII-VI a.C. Museu de História da Arte, Montevidéu, Uruguai, foto de acervo pessoal. 

No quesito proteção esse se manifestava tanto para guardar o faraó, a realeza, a família, o lar, o indivíduo na vida e na morte. Pois há manuscritos religiosos como o Texto dos Sarcófagos e o Livro dos Mortos em que informa a conexão de Bastet com os mortos, agindo como uma das deusas que protegiam e auxiliavam os mortos. (GIESTA, 2019, p. 50-51).

Bastet e os gatos também seriam proteção contra o mau olhado e magias danosas. Alguns escritos mágicos apresentam invocações a deusa, pedindo que ela lhes protegesse de inimigos, do mau olhado, de pragas, perigos e de espíritos malvados. A deusa era invocada sozinha ou na companhia de outros deuses. (GIESTA, 2019, p. 52). Tal fato é interessante, pois quando um gato morresse de repente ou era envenenado, era sinal de mau agouro para seus donos.

A importância dada aos gatos refletia-se também no fato de muitos deles terem sido mumificados. Existem tumbas dedicadas apenas aos felinos, contendo dezenas de múmias. Há relatos de gatos mumificados que eram enviados para serem sepultados em Per-Baste ou em outros templos dedicados a deusa e até a outros deuses, pois o uso de múmias de animais para oferendas foi prática comum entre os egípcios em diferentes épocas. Além disso em algumas épocas, múmias de gatos eram usadas também como amuletos de boa sorte e de proteção, existindo até um comércio específico em que vendia-se e preparava tais múmias. (RICHARDIN [et. al], 2017). No entanto, lembramos que nem todo mundo tinha dinheiro para pagar por uma mumificação, em geral, os pobres eram apenas embalsamados e sepultados. O mesmo valia para seus cães e gatos. Porém, faraós como Amenhotep III, chegaram a mandar construir tumbas e sarcófagos para seus gatos. 

Algumas múmias de gatos. Em geral os animais eram colocados dentro desse compartimentos e recebiam cabeças decorativas. 

Devido aos fatores mostrados ao longo desse breve texto, observa-se que a adoração dos gatos no Egito Antigo não se deveu necessariamente ao suposto trabalho dele de caçar ratos para evitar que esses roedores comecem os estoques de grãos, mas aos simbolismos associados as deusas leoas, sobretudo, a Bastet, divindade que assumiu várias funções ao longo da história egípcia, estando principalmente associada a elementos positivos como a proteção da casa, da família, de mulheres grávidas, do faraó, da nobreza, dos vivos e dos mortos. Além disso, os gatos também expressavam boa sorte, alegria e fertilidade. Essa crença perdurou no Egito até a época da dominação romana. 

NOTA: A cidade de Per-Baste não existe hoje em dia. Havendo somente suas ruínas. 

NOTA 2: Os gregos antigos comparavam as funções religiosas de Bastet com as deusas Ártemis e Deméter. Heródoto já cita essa comparação em seu livro. 

Referências bibliográficas:

CERNY, Jaroslav. Ancient Egyptian Religion. London, Hutchinson House, 1952. 

GIESTA, Eugénio José Castro. Bastet e Sekhmet: aspectos de uma natureza dual

HERÓDOTO de Halicarnasso, História. Traduzido por Pierre Henri Larcher. Rio de Janeiro, W. M. Jackson, 1950. 

PINCH, Geraldine. Handbook Egyptian Mythology. Santa Barbara, ABC-Clio, 2002.

REMLER, Pat. Egyptian Mythology A to Z. New York, Facts on File, Inc, 2006. 

RICHARDIN, Pascale; PORCIER, Stéphanie; IKRAM, Salima; LOUARN, Gaëtan; BERTHET, Didier. Cats, crocodiles, cattle, and more: initial steps toward establishinga chronology of Ancient Egyptian animal mummiesRadiocarbon, vol. 59, n. 2, 2017, p 595–607. 

terça-feira, 13 de abril de 2021

Fabricando a Fé: as relíquias sagradas na Idade Média

Durante a Idade Média, a venda de relíquias sagradas se tornou um dos fatores para o crime de simonia, prática da qual incluía a venda, negociação e compra de cargos eclesiásticos, bênçãos, cerimônias, liturgias, perdões, favores, autorizações, licenças, etc. Diferentes modalidades do comércio da fé. Todavia, engana-se aquele que pensa que relíquias sagradas se resumiriam a pedaços da cruz de Cristo, o Santo Sudário, a lança de Longinus, pregos usados na crucificação. As relíquias sagradas abrangiam coisas diversas como ossos, dentes, chumaços de cabelo, taças, amuletos, anéis, escapulários, roupas, etc. Isso tudo foi utilizado de forma engenhosa e vigarista para enganar os fiéis. 

O Sudário de Turim, uma das relíquias sagradas mais famosas conhecida. 

Conceito

Santo Agostinho de Hipona (354-430) chegou a escrever sobre as relíquias, inclusive classificando-as em três tipos. A palavra relíquia vem do latim reliquiae, que significa "aquilo que resta", sendo o conceito inicialmente referente aos restos mortais de mártires e santos, depois acrescentando de objetos a eles ligados. Sobre isso, Agostinho escreveu que haveria as relíquias de Cristo, que seriam alvo de adoração (latreia), as relíquias dos santos que seriam veneradas (douleia), e as relíquias dos mártires que seriam lembradas (memoriae). (FRANCO JR, 2010, p. 20-21). 

Muitos séculos depois a definição de Agostinho foi atualizada pela Igreja Católica, principalmente refere as relíquias dos santos, as quais eram as mais abundantes. Decretando o seguinte:

"A doutrina eclesiástica católica dividiu em três classes as relíquias dos santos, a saber: insignes, notáveis e mínimas. As relíquias insignes, conforme definição da Sagrada Congregação dos Ritos, de 8 de abril de 1623, são o corpo ou um membro de um santo, como por exemplo, a cabeça, um braço, uma perna, contanto que seja inteira e aprovada pela autoridade eclesiástica. As relíquias notáveis são definidas como um fragmento considerável de uma parte importante de seu corpo, como por exemplo, da cabeça, de um braço, de uma perna. Esses fragmentos só serão considerados novamente relíquias insignes, caso se consigam unir as partes retiradas à parte principal, de modo que formem novamente uma unidade completa, conforme determinou mais uma vez a Sagrada Congregação dos Ritos, em 3 de dezembro de 1672. As relíquias chamadas mínimas são aquelas caracterizadas por partículas do corpo de um santo, como um dente, uma unha, um fio de cabelo ou então partículas de relíquias insignes ou notáveis, como, por exemplo, as que se encontram encerradas em pequenos relicários e medalhas que as pessoas trazem pendurados no pescoço. Dizem os postulados do Concílio Tridentino que os fiéis devem respeitar e honrar as relíquias dos corpos dos mártires e de outros santos, porque eles são os membros vivos de Jesus Cristo, operando Deus graças extraordinárias por meio deles, que devem, um dia, ressuscitar para a vida eterna". (GUIMARÃES, 2012, p. 57). 

Antecedentes

A veneração de relíquias sagradas não é prática exclusiva do Cristianismo católico, ortodoxo e copta, outras religiões mais antigas possuíam tais práticas como o Budismo e o Hinduísmo. Até mesmo algumas vertentes do Islão possuem a veneração aos santos e suas relíquias. 

A presença de relíquias sagradas no cristianismo remonta os primeiros séculos dessa religião, apesar que somente na Idade Média isso se difundiu. Mesmo assim, em determinadas épocas elas estiveram em maior ou menor evidência, e isso também variava de país para país. Mas qual teria sido a função dessas relíquias? Alguns leitores poderão pensar que o papel fosse o de idolatria ou para enganar os fiéis, de certa forma isso realmente acontecia, mas não eram as únicas funções desses objetos sacralizados. 

“Já em meados do século III reverenciava-se a manjedoura que servira de berço ao menino Jesus. Pelo menos desde 348 muitos fragmentos da Santa Cruz estavam distribuídos pelo mundo cristão. Desde o século V eram objeto de culto a coluna à qual Cristo tinha sido amarrado e flagelado, a coroa de espinhos, os pregos com os quais foi fixado à Cruz, a mesa da Santa Ceia. Estavam dentre as relíquias do Cristo objetos frágeis e que teriam desaparecido não fosse exatamente seu poder sagrado, caso da túnica de uso cotidiano do personagem (reivindicado pelas igrejas de Argenteuil e de Trèves), da mortalha que envolveu o cadáver inteiro do crucificado (impropriamente conhecida por sudário de Turim) ou apenas sua cabeça (sudário de Oviedo)”. (FRANCO JR, 2010, p. 16).

As Sandálias de Cristo, as quais pertenciam ao rei Pepino, o Breve da Frância e foram doadas aos papas Zacarias (741-752) e Estevão II (752-757). Atualmente a relíquia está guardada na Abadia de Prüm, na Alemanha. 

No século IV após o Édito de Milão (312), o Concílio de Niceia (325), além de outros concílios, o cristianismo tornou-se a religião oficial do império romano, ao mesmo tempo em que a Igreja conquistava cada vez mais autoridade e influência. Jerusalém que estava sob domínio romano, tornou-se uma cidade finalmente importante não no sentido religioso, mas para fins políticos econômicos, pois controlar Jerusalém era uma forma de exercer autoridade sobre os cristãos, assim como, a cidade tornou-se rota para peregrinações. E a partir dessa conexão, algumas pessoas começaram a levar relíquias sagradas da Terra Santa para Constantinopla, Roma e outras localidades. 

São Cirilo de Jerusalém (313-386) em 350 passou a defender que os cristãos deveriam visitar a Terra Santa e seus lugares sagrados, como um testemunho de fé e até mesmo uma obrigação, algo que os muçulmanos séculos depois começariam a fazer em relação a Meca. Inclusive foi no século IV que data a história de que a cruz de Cristo foi descoberta, colocando em evidência a ideia de relíquia sagrada. As pessoas se aglomeravam para ver aqueles pedaços de madeira que julgavam realmente pertencer a verdadeira cruz em que o Messias foi crucificado na sexta-feira de Páscoa. (NASCIMENTO, 2014, p. 58-59). 

A presença daquela relíquia tinha suas implicações religiosas de testemunho de fé, provando que realmente Jesus Cristo existiu e ali foi crucificado. No entanto, a função desses objetos não se limitava apenas a confirma a existência dos personagens bíblicos e dos santos, mas também estariam imbuídos de uma força espiritual. 

O que os latinos chamam santo (sanctus), chamam-lhe os gregos âgios, isto é, sem terra, quasi sine terra; nome que convém aos bem-aventurados “porque já não pertencem à terra nem por suas ações, nem por seus desejos”. O santo era, portanto, um ser humano que intermediava a ligação do terrestre com o sobrenatural como define André Vauchez: “O santo é um ser humano através do qual se estabelece um contato entre o céu e a terra”. Também para Le Goff, santo significa “acima de tudo um morto excepcional, testemunho da ‘carne impassível’ e cujo culto se desenvolve em torno do seu corpo, do seu túmulo e das suas relíquias”. Para a doutrina eclesiástica, santos “são aqueles que seguiram fielmente o exemplo de Cristo, oferecendo um glorioso testemunho do Reino dos Céus com o derramamento de seu sangue ou com o exercício heróico de virtudes””. (GUIMARÃES, 2012, p. 54). 

Hilário Franco Jr (2010, p. 19) comenta que no ano de 361, Santo Hilário (315-368) escreveu que as relíquias sagradas, o sangue dos mártires e os ossos dos santos eram importantes para fortalecer a fé dos fiéis, mas também guardariam em si a capacidade de realizar milagres, sobretudo milagres de cura e proteção contra Satanás e seus demônios.  

“Tanto nas relíquias primárias (corporais) quanto nas secundárias (objetos) a espiritualidade medieval não via um fragmento morto, e sim o sagrado vivo. Nelas está contido o próprio Deus, pois “o todo pode estar na parte”. Para atender os pedidos de relíquias feitos por importantes personagens, o papa Gregório Magno (590-604) cortou pequenos fragmentos da túnica de São João, mas estes foram recusados sob a alegação de que eram relíquias insignificantes. A fim de provar que elas eram o próprio santo, Gregório fez um pequeno furo no tecido, do qual escorreu sangue”. (FRANCO JR, 2010, p. 21). 

As relíquias em nível religioso eram recordações das pessoas a quem elas representavam, o que Hilário Franco Jr chamou de "metonímia do sagrado", em que o fiel ao poder ver aquele objeto ou restos mortais de algum santo ou personagem bíblico, estaria visualmente fazendo conexão com o sagrado, testemunhando "com seus próprios olhos" a veracidade daquelas narrativas bíblicas ou dos milagres realizados. Por outro lado, a relíquia também como atestado por bispos e doutores no final da Antiguidade e começo do Medievo, eram meios pelos quais o poder de Deus se manifestava, daí haver casos de cristãos que procuravam tocar nessas relíquias ou nos relicários, esperando que com o simples toque pudessem ser abençoados ou curados. Inclusive essa ideia era retirada diretamente do Evangelho de Marcos, 5. 24-34, em que é relatado que uma mulher doente após tocar as vestes de Jesus, curou-se milagrosamente.

Relicário de ouro que guarda os restos mortais dos Reis Magos, na Catedral de Colônia, Alemanha. Os restos mortais teriam sido encontrados no século IV, por Santa Helena, mãe do imperador Constantino, o Grande. E levados para a Roma, depois transladados para Milão e posteriormente para Colônia. 

"O primeiro testemunho conhecido de culto de santo, escrito por volta do ano de 110, justifica a veneração a Inácio devido à graça que ele possuía, ideia que prosperou, como ilustra cerca de dois séculos e meio mais tarde uma homilia na qual Basílio de Cesareia ensina que “aquele que toca os ossos de um mártir participa da santidade e da graça que nele residem”. Visando a disciplinar o crescente desejo de contato com corpos santos, a partir de meados do século IV um muro passou a separá-los dos fiéis, que os viam através de pequenos vãos abertos para tanto. Por estas fenestellae os cristãos passavam pedaços de pano que ao tocar os corpos santos ficavam santificados. Todo objeto que entrava em contato com o sagrado podia gerar outras relíquias, numa longa cadeia de sacralizações". (FRANCO JR, 2010, p. 17).

Com estabelecimento dessa crença da divinização dos restos mortais de cristãos mártires ou santos, teve-se início a preocupação de preservar ossos, dentes, unhas, cabelos, roupas, objetos pessoais e se possível até mesmo mumificar os santos. Apesar que a tradição cristã informe que os corpos que não sofreram deterioração avançada, isso seria um sinal de santidade. 

"Em 852, Hincmar, arcebispo de Reims, tirou os restos de São Remígio de seu sarcófago de pedra e o colocou em um relicário de prata na cripta recém-construída, enquanto o sudário do santo, transformado em nova relíquia, foi colocado em uma caixa de marfim. A transmissão de sacralidade por contiguidade metonímica era tal, que algumas insígnias de peregrinação (pequenos objetos inventados no século XII para atestar a condição de peregrino do indivíduo que a portava como uma espécie de broche), após sua fabricação, eram esfregadas em relíquias de maneira a se tornarem elas próprias relíquias, com igual poder de curar doenças e proteger de intempéries ou más colheitas. Mais tarde surgiram insígnias com um pequeno espelho no verso, para absorver os influxos sagrados das relíquias que, quando de grandes celebrações, sobretudo no sudeste alemão, eram elevadas diante da multidão de peregrinos, que então colocavam as insígnias diante delas". (FRANCO JR, 2010, p. 17). 

As relíquias para fins políticos e econômicos

Anteriormente vimos que desde o final do Cristianismo Primitivo as relíquias sagradas começaram a surgir e serem veneradas, inclusive até mesmo estando associadas a milagres. No entanto, já no período medieval com o desenvolvimento de catedrais e basílicas. Essa prática acentuou-se entre os séculos X ao XII. 

Nesse período o cristianismo expandia-se pela Europa, a qual ainda vivenciava seu processo de conversão, mas a medida que novos povos eram sendo convertidos, igrejas, catedrais e bispados eram fundados. Por outro lado, territórios já cristianizados também recebiam novas igrejas e catedrais. E foi nesse contexto que o uso político e econômico das relíquias começou a se destacar. 

Catedrais que possuíam relíquias sagradas passaram a ganhar prestígio, inclusive sendo consideradas basílicas menores. O mesmo também valia para igrejas e mosteiros que possuíam relíquias. Nesse sentido, possuir algum objeto sagrado ou restos mortais de algum santo, tornava-se fator de status, aumentando o reconhecimento daquele templo localmente ou regionalmente e as vezes até internacionalmente. Logo, não foi incomum que padres, bispos, arcebispos, cardeais, papas, reis, nobres, mercadores, etc., buscassem conseguir relíquias sagradas para serem expostas em seus templos e cidades e assim os tornarem notórios. 

“Daí o hábito de subdividir e distribuir fragmentos sagrados como estratégia de prestígio político ou eclesiástico. As relíquias de Santo Estevão, por exemplo, descobertas perto de Jerusalém em 415, foram doadas a tantos lugares que somente em território da atual França há setenta cidades com o nome daquele apóstolo. Relíquias ajudavam a formar e consolidar laços sociais, como fez São Luís em 1224: durante peregrinação a Rocamadour (sudoeste francês), ao passar pela pequena aldeia de Creysse doou-lhe um fragmento da coroa de espinhos”. (FRANCO JR, 2010, p. 23). 

Uma das mãos de Santo Estêvão (c. 975-1038), o qual foi rei da Hungria. 

As relíquias podiam ficar expostas em altares e relicários, ou eram guardadas, sendo exibidas em determinadas épocas do ano, geralmente feriados religiosos como a Páscoa e o Natal, e os dias litúrgicos dos santos. Em alguns lugares realizava-se o desfile das relíquias, numa procissão pela cidade ou vila, em que elas eram expostas a população, sendo motivo de grande orgulho participar dessas procissões. 

Por consequência, uma igreja, catedral ou mosteiro que conservasse relíquias tornava-se famoso na região e atraía visitantes, que em geral deixavam ofertas. Inclusive o fiel nem precisava ir visitar o local, mas sabendo da fama daquele templo, enviava suas ofertas em dinheiro, tecidos, produtos in natura, mercadorias diversas. Em alguns casos quando a popularidade do local sagrado crescia, ele poderia ser alvo de peregrinações. Um bom exemplo disso é  Santiago de Compostela na Espanha

O suposto túmulo do apóstolo foi descoberto por um camponês no século IX, o qual comunicou o bispo local, que por sua vez avisou ao rei Afonso II, o Casto. O monarca mandou construir uma igreja naquela localidade para se guardar os restos mortais do santo apóstolo. Não demorou para moradores ali se estabelecerem e construírem uma pequena vila. No século X, a localidade antes chamada de Liberdón foi renomeada para Vila de Santiago de Compostela. Nesse período, milagres foram atestados naquela igreja, fazendo sua fama crescer. No século XII a famosa peregrinação que ainda hoje ocorre, teve início. Cristãos de diferentes locais de Portugal e Espanha partiam para visitar a basílica e deixar suas preces e orações ao santo apóstolo milagreiro. (LOPEZ; SEIJAS, 2010, p. 16-17, 28). 

Santiago deixou de ser uma pequena vila no século IX e tornou-se uma cidade relativamente próspera nos séculos XII e XIII graças as riquezas que os peregrinos e os devotos enviavam ou deixavam na cidade. No entanto, isso não ocorria apenas com vilas, Roma mesmo por muito tempo fez uso das romarias para obter ofertas e donativos. E outras cidades fizeram o mesmo. 

Nascimento (2014, p. 63-64) informa que o rei Filipe IX de França (r. 1226-1270), mandou comprar várias relíquias sagradas para algumas das cidades de seu reino. Em 1239 foi comprada a Coroa de Espinhos, supostamente usada por Jesus em seu martírio. O monarca pagou um valor elevadíssimo mesmo para a época. Posteriormente o rei ordenou a compra de um pedaço da santa cruz e outras relíquias, os quais foram guardados na Sainte-Chapelle, inaugurada em 1248, no então Palácio Real, em Paris. O preço da coroa foi estimado em 138 mil libras, enquanto a capela custou 60 mil libras, revelando como a venda de relíquias sagradas poderia ser algo bastante lucrativo.

A coroa de espinhos comprada pelo rei Luís IX da França. 

“A capela que o rei Luís IX, futuro São Luís, construiu em seu palácio em 1248 – a Sainte-Chapelle, verdadeiro relicário arquitetônico de vitrais – para abrigar a coroa de espinhos de Cristo, grande parte da Santa Cruz, a santa esponja, o ferro da santa lança, relíquias que comprara um pouco antes ao endividado imperador latino de Constantinopla, tinha acesso direto de seu dormitório, portanto era espaço privado da família real, porém os benefícios de tão nobres relíquias atingiam todos seus súditos. A translatio daqueles testemunhos da Paixão para a França mostrava que aquela terra e seu rei eram queridos de Deus: o transporte marítimo da coroa de espinhos de Constantinopla a Veneza transcorreu sem problemas e o transporte terrestre de Veneza a Paris foi poupado de chuva durante o dia, enquanto choveu abundantemente de noite, quando a relíquia estava abrigada. “A França torna-se uma nova Terra Santa”, nota com toda a razão Jacques Le Goff”. (FRANCO JR, 2010, p. 22). 

A simonia das relíquias

“A simonia dispõe de uma longa história de qualificação e combate nos textos cristãos. Esta falta tem seu nome derivado da passagem dos Atos dos Apóstolos 8.18-23, na qual Simão Mago, ao verificar que o Espírito Santo era dado pelos apóstolos através da empostação das mãos, ofereceu-lhes dinheiro para obter deles o mesmo poder. Segundo Joseph Lynch (1976, p. 65-66), o século XI foi o período de maior polemização da simonia, no qual se adensou à questão uma profunda exegese sobre a venda de bens espirituais, com a passagem de Reis 5:16-27, a retomada de normas canônicas antigas, como o segundo cânone do Concílio de Calcedônia, de 451, e o uso de contos apócrifos sobre Simão Mago. Mas, no geral, apesar de repetidamente condenada, a prática da simonia parecia inevitável em um meio social, cuja nomeação aos ofícios eclesiásticos garantia, muitas vezes, o controle sobre um vasto patrimônio material”. (BOVO, 2013, p. 77). 

Franco Jr (2010, p. 23-25) comenta que em diferentes épocas há relatos de clérigos e leigos que roubaram relíquias de outros mosteiros e igrejas, ou contrabandearam elas de Jerusalém, Constantinopla, Roma e outras localidades. Apesar desses crimes simoníacos, em geral os culpados nunca eram sentenciados por isso. A sentença não ocorria por conta dos criminosos não serem descobertos, ou quando se sabia quem havia feito isso, seus atos eram justificados como sendo ações honrosas e por uma causa de fé. 

"Quando em 1102 o bispo Diego Gelmírez tirou da diocese de Braga várias relíquias para instalá-las na catedral compostelana, justificou o ato dizendo que elas assim receberiam a “devida veneração”. Essa prática ocidental explica por que, quando da conquista cruzada de Constantinopla, em 1204, ocorreu sem problemas de consciência uma metódica espoliação das relíquias bizantinas – quase quatrocentas foram transferidas para o Ocidente". (FRANCO JR, 2010, p. 25). 

Após a Quarta Cruzada (1204), em que resultou no saque da cidade de Constantinopla, grande, poderosa e rica capital do Império Bizantino, centenas de relíquias foram roubadas ou foram vendidas. Nascimento (2014) destacou a venda da Coroa de Espinhos, um pedaço da cruz e outras relíquias, vendidas ao rei Luís IX da França, pelo imperador Balduíno II (r. 1228-1261). Essa venda continuou por várias décadas, pois no século seguinte, o imperador Manuel II Paleólogo (r. 1391-1425) vendeu algumas relíquias ao rei D. João I de Portugal (r. 1385-1433), o qual aceitou a compra em 1401, mas exigindo que o imperador bizantino enviasse um atestado de autenticidade das relíquias, pois era comum a fraude de muitas delas. 

A simonia tornou-se pauta de queixas, denúncias e concílios nos séculos XI e XII, período que a procura por relíquias, além de que a venda de favores e cargos eram altos. Apesar que os séculos XIII e XIV também mostraram uma grande busca por relíquias sagradas, revelando que a criminalização da simonia em seus vários aspectos, nunca foi efetivada propriamente. No entanto, surgiu a preocupação com as relíquias falsas.

“A crescente inflação de relíquias que a sociedade cristã conhecia desde fins da Antiguidade oscilava entre os dois sentidos do termo latino inventio. As legítimas eram “achadas”, geralmente por iluminação divina, várias outras “inventadas”, isto é falsificadas. Tal procedimento não foi raro, tendo sido criticado várias vezes, como em 401 por um tratado de Agostinho, em 789 pela legislação carolíngia ou em 1031-1041 pela crônica de Raul Glaber”. (FRANCO JR, 2010, p. 25). 

Com a abundância de relíquias de Cristo, dos apóstolos, Reis Magos, da Virgem Maria, de João Batista e sobretudo de vários santos e mártires, não tardou para dúvidas surgirem, pois em alguns locais chegava haver menções a vários dentes, mas somente existem 32 dentes, porém, uns cinquenta atribuídos a determinado santo, eram conhecidos. Ou o fato dos vários pedaços da cruz, dos pregos, que tradicionalmente credita-se que teriam sido somente três, mas dezenas deles foram vendidos. Isso levou os compradores a começarem a desconfiar da procedência dessas relíquias, embora nem sempre fosse algo fácil de ser feito, pois dependendo do nível da falsificação e da lábia do mercador, o cliente desconfiado poderia desembolsar uma generosa quantia por objetos falsos. 

Apesar desse comércio da fé, como dito anteriormente, as punições eram raras. Em geral os crimes de simonia mais comumente punidos eram os referentes a abuso de poder, venda de cargos, favorecimento de pessoas, promessas, bênçãos, perdões e coisas do tipo. Embora existissem críticas à falsificação das relíquias, não maioria das vezes eram casos que ficavam em aberto. 

Considerações finais

A prática de fabricar falsas relíquias seguiu nos séculos seguintes, e durante a Reforma Protestante foi criticada não apenas a falsificação, mas a veneração as relíquias e a simonia num todo. Todavia, é preciso salientar que não foram apenas os protestantes que fizeram essas críticas, católicos e ortodoxos também se manifestaram contrários a excessiva atenção dada as relíquias. 

Por volta do século XVI a compra e busca de relíquias caiu consideravelmente, tornando-as ainda mais raras. Mas não significa que a veneração as relíquias tenha terminado, ainda hoje ela exista, mesmo dividindo opinião entre os católicos e ortodoxos. Além disso, a fabricação de falsas relíquias é uma prática que continua a ser feita, mais raramente, onde geralmente está associada a imagens de santos e santas, que lhe são atribuídas milagres. 

Por sua vez, nem mesmo as igrejas protestantes estão isentas da simonia. Por mais que essa não atue no sentido da veneração das relíquias, ainda assim, ocorre os favorecimentos e negociações de cargos eclesiásticos, venda de promessas e o comércio da fé, em que vendem-se produtos abençoados, ungidos ou até mesmo milagreiros. 

NOTA: A busca por relíquias originou as lendas sobre o Santo Graal, o lendário cálice usado por Cristo na Última Ceia. 

NOTA 2: Na Divina Comédia (1321), Dante Alighieri destacava a simonia como um dos crimes punidos na sua versão do Inferno. Apesar que ele enfatizasse a simonia referente a venda e negociação de cargos, nem tanto as relíquias sagradas. Porém, mais adiante no poema, ele também condenava os falsificadores, que incluía os simoníacos de relíquias. 

NOTA 3: No livro Baudolino (2000) de Umberto Eco, o autor satiriza a simonia das relíquias, onde Baudolino e seus amigos começam a fabricar várias relíquias, destacando-se as múmias dos Reis Magos e as cabeças de São João Batista, para poderem ganhar dinheiro com isso. 

NOTA 4: No romance A Relíquia (1887) de Eça de Queiroz, apresenta uma sátira às relíquias religiosas. 

NOTA 5: As relíquias sagradas mais comumente associadas com Jesus são os pedaços da cruz, os pregos e o seu prepúcio. Havendo vários lugares que guardam tais relíquias. 

Referências bibliográficas:

BOVO, Claudia Regina. O combate à simonia na correspondência de Pedro Damiano: uma retórica reformadora do século XI? Anos 90, Porto Alegre, v. 20, n. 38, 2013, p. 75-101.

FRANCO JÚNIOR, Hilário. Relíquia, metonímia do sagrado. Historiae, Rio Grande, v.1, n. 1, 2010, p. 9-29. 

GUIMARÃES, Francisco Portugal. Proprium sanctorum: o culto as suas relíquias e relicáriosPopulação e SociedadeCEPESE, Porto, vol. 20, 2012, p. 53-67. 

LÓPEZ, Simón Vicente; SEIJAS, Julio Prado. Compostela una historia entretenida. Santiago de Compostela, Sotelo Blanco, 2010. 

NASCIMENTO, Renata Cristina de S. As santas relíquias: tesouros espirituais e políticos. Revista Diálogos Mediterrânicos, n. 6, 2014, p. 56-67. 

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