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Leandro Vilar

terça-feira, 25 de maio de 2021

O mapa da mitologia grega

A mitologia grega possui uma das características centrais a referência a lugares reais, sejam cidades, vilas, montanhas, vales, prados, florestas, ilhas, cavernas, etc. na Grécia e territórios vizinhos pelos quais os gregos colonizaram, mantinham contato ou viajavam. O próprio Heródoto de Halicarnasso chegou a citar algumas dessas localidades em seus livros de história. Sendo assim, o presente texto traz alguns mapas da Grécia Antiga e de outros territórios apontando alguns mitos referentes a essas localidades geográficas. Devido a grande quantidade de mitos, optei em citar alguns dos mais conhecidos. 

1) Grécia

Mapa com as regiões da Grécia Antiga e territórios vizinhos. 

Acarnânia

Região montanhosa situada no oeste da Grécia Central, fazendo fronteira com o Mar Jônico e a grande região do Épiro, a qual fica ao lado da Macedônia. Um dos mais conhecidos rios dessa terra é o Aqueloo, que entre os gregos antigos era considerado um deus-rio. Em certo mito, Aqueloo cobiçou a formosa princesa Dejanira, a qual vivia no reino vizinho na Etólia. Porém, a princesa era cortejada por Héracles, com isso, deus e herói lutaram, mas Héracles saiu vitorioso, podendo se casar com Dejanira. 

Arcádia

É a região central na Península do Peloponeso, tendo sido dominada por várias décadas por Esparta. Devido a sua localização, muitas aventuras narradas nos mitos transcorriam em seu território. A Arcádia era conhecida por suas colinas, florestas, alguns campos e lagos. Por conta disso ela foi palco de três dos Doze Trabalhos de Héracles, sendo eles: caçar o Javali de Erimanto, caçar a Corça Cerenita e matar as aves ferozes do Lago Estínfalo

A Arcádia também era associada como sendo o lar do deus , divindade dos bosques e prados. Que também associava-se com os agricultores e pecuaristas. Outro deus ligado a essa região era Hermes, o qual segundo alguns mitos, teria nascido lá. 

Outro mito conhecido é a tragédia de Licaão, traiçoeiro rei da região que tentou enganar os deuses, lhes oferecendo carne humana num banquete, como punição, Zeus transformou ele num lobo ou lobisomem. 

Argólida (Argolis)

A atual região da Argólida possui suas fronteiras diferentes em relação ao passado, tendo sido um pouco maior. De qualquer forma, essa região que fica ao sul de Coríntia e leste da Arcádia, consiste em sua própria península com o Golfo de Argos e o Golfo Sarônico. No passado a Argólida abrigou a poderosa e influente cidade de Micenas, que dominou vários territórios gregos. 

O nome da região deve-se ou ao gigante Argos com seus cem olhos, o qual foi morto pelo deus Hermes, ou a cidade de Argos, fundada em referência a tal façanha. A cidade que ainda existe e era bem famosa, sendo citada em vários mitos, além de haver menções há vários reis que a governaram como Acrísio e seu neto o herói Perseu. Além disso, a própria cidade de Micenas possui destaque na mitologia, pois um de seus reis lendários foi Agamemnon, principal general grego na Guerra de Troia. Outro monarca da cidade foi Euristeu, o primeiro covarde e arrogante do herói Héracles, o qual lhe propôs os Doze Trabalhos. Segundo alguns mitos, Perseu teria fundado Micenas. 

Outra cidade de destaque era Tirinto, fundada pelo rei Preto, irmão de Acrísio, onde ambos possuíam uma rivalidade notória. Preto inclusive chegou a acolher Belerofonte em seu exílio e sugeriu ele ir caçar a Quimera

Outros mitos que se passaram na antiga Argólida, foram dois  dos Trabalhos de Héracles, no qual o poderoso herói teve que caçar o Leão de Nemeia. Os campos de Nemeia naquela época pertenciam ao território da Argólida, embora hoje façam parte de Coríntia. A outra façanha do herói, foi matar a temível Hidra de Lerna, sendo Lerna o nome de um charco na região. 

Ática

A região da Ática é bastante lembrada por sua mais famosa cidade, Atenas, que por séculos dominou aquele território. Consiste numa região com costa acidentada, separada pelo Mar Egeu e o Golfo Sarônico, além de fazer fronteira com o istmo de Corinto. É um território montanhoso e rochoso, mas que possuía plantações de oliveiras e vinhedos, e criação de cabras e ovelhas. 

Muitos dos mitos associados a essa região conectam-se a Atenas, sua capital e cidade mais influente. Fato esse que existem vários reis mitológicos que governaram esse reino. Um deles foi Egeu, pai do herói Teseu, o qual achando que seu filho havia sido morto em Creta, pelo Minotauro, cometeu suicídio, pulando de uma falésia. Por sua vez, o famoso Teseu chegou a governar a cidade-estado por algum tempo, enquanto realizava eventualmente outras jornadas. 

O nome Ática viria de Acteu, primeiro rei da região, cujo filho herdeiro foi Cécrope I, considerado o primeiro rei de Atenas e seu fundador. Existe também o mito da disputa entre Atena e Poseidon para ver quem se tornaria o padroeiro de Atenas, em que narra-se que o deus que desse o melhor presente à cidade, seria o eleito. Poseidon criou uma fonte, mas essa tinha água salgada, já Atenas ofereceu a oliveira. Por conta disso, ela venceu. 

Beócia

Região situada ao norte da Ática e vizinha da Fócida. Lembrada pela cidade de Tebas que resistiu as invasões espartanas durante a Guerra do Peloponeso, mas foi arruinada pelos macedônios durante as campanhas de Filipe II (pai de Alexandre, o Grande). Na mitologia a cidade foi fundada pelo herói Cadmo, irmão da princesa Europa. Entretanto a cidade é lembrada por outras duas histórias famosas: a tragédia de Édipo, em que ele matou seu pai Laio por engano e casou-se com sua mãe Jocasta, sem saber. Foi também na Beócia que Édipo confrontou a Esfige e solucionou seu enigma. A outra história diz respeito a origem do famoso herói Héracles, filho de Alcmena e Zeus transformado em Anfitrião

Outra história passada em Tebas, diz respeito a tragédia da rainha Níobe, que era casada com o rei Anfião. Em certa ocasião quando Leto visitava a cidade, Niobe ficou com muito inveja daquela mulher, por ela ser mãe dos deuses Apolo e Artémis, então a menosprezou, levando a ira dos gêmeos divinos, os quais mataram todos os quatorze filhos de Niobe. 

A Beócia também é lembrada pelo Monte Hélicon, outra montanha tida como lar das Musas e também associada a Apolo e Dionísio. Um dos mitos diz que o cavalo Pégaso teria criado uma fonte nesse monte, ao dar um coice num rochedo. Foi também na Beócia que o gigante Órion teria tentado sequestrar as Plêiades, as sete filhas do titã Atlas. O formoso jovem rapaz, Narciso, também era natural dessa região. 

Coríntia

A região fica situada no nordeste da Península do Peloponeso, fazendo conexão com a Ática. Sendo famosa por seus montes, bosques, o golfo de Corinto, o canal e a cidade de Corinto, importante pólis no passado e até visitada pelo apóstolo Paulo durante o século I, em suas missões de evangelização. Na cidade de Corinto que é a capital, nasceu o herói Belerofonte, lembrado por ter sido o cavaleiro de Pégaso

Élide (Ellis)

É uma pequena região montanhosa no noroeste da Península do Peloponeso, fazendo fronteira com a Arcádia e Acaia. Seu grande destaque histórico deveu-se por conta da cidade de Olímpia, a qual sediou os antigos Jogos Olímpicos (iniciados em 776 a.C) por séculos. 

Na mitologia a região teria sido governada pelo rei Étlio, filho de Zeus e Protogênia, sendo neto de Deucalião (sobrevivente do Dilúvio). O herói Héracles visitou a região para saqueá-la e até participar das Olímpiadas. Além disso, a cidade de Olímpia foi construída ao sopé do Monte Cronos, montanha associada ao titã, em que ele teria sido derrotado por Zeus nessa localidade. 

Etólia

Região da Grécia Antiga, situada entre a Acarnânia e a Lócrida. O rio Aqueloo ainda hoje é divisa de fronteira entre a Acarnânia e Etólia. Nessa região havia na mitologia o reino de Eneu que governa Calidão. Ele foi pai de Meleagro, Tideu e Dejanira, sendo sua filha tendo sido disputada por Aqueloo e Héracles para o casamento. O príncipe Tideu por ter matado um parente não identificado nos mitos, foi exilado, mudando-se para Argos na Fócida, onde se uniu a campanha para conquistar Tebas na Beócia. 

Fócida (Phocis)

Situada na parte central da Grécia, essa região antiga é famosa pelo Monte Parnaso, o lar das Musas (deusas das artes e ciências) e pelo Oráculo de Delfos, o mais importante oráculo da Grécia Antiga. A rocha chamada de onfalo de Delfos, segundo a mitologia, teria sido a rocha que Reia deu para Cronos comer, achando que era Zeus. O nome Fócida viria de Foco, um dos netos de Sísifo, um dos grandes criminosos nos mitos gregos. Foi também nessa região que o deus Apolo abateu a gigante serpente Píton, que perseguia Leto. Por ter matado a grande cobra, criaram os Jogos Píticos para rememorar tal façanha. 

Lacônia

Também chamada de Lacedemônia devido ao rei Lacedemon que casou-se com a princesa Esparta, fundando a cidade-estado de Esparta. A região é lembrada por alguns mitos como sua associação com a Guerra de Troia, em que a embaixada de Heitor e Páris estavam na capital espartana, onde o jovem príncipe troiano Páris seduziu a bela Helena, esposa do rei Menelau. Gerando assim o pretexto para se guerrear contra os troianos. 

Outro mito relacionado a Lacônia é o de Leda, a qual era rainha de Esparta e esposa de Tíndaro. Em certa ocasião, Zeus transformou-se num ganso e aproximou-se da bela rainha a qual lhe tocou e ficou magicamente engravidada, vindo a parir dois ovos, dos quais nasceram Helena e Pólux (que eram filhos de Zeus) e Clitemnestra e Castor (que eram filhos de Tíndaro). Clitemnestra casou-se com Agamemnon, irmão de Menelau, por sua vez, Castor e Pólux que eram gêmeos (embora de pais diferentes), se tornaram heróis, inclusive participaram da expedição dos Argonautas. Uma outra filha de Leda e Tíndaro chamava-se Althaea, a qual casou-se com Eneu, e estes tiveram como filha Dejanira, a segunda esposa de Héracles. 

Lócrida

Pequena região montanhosa da Grécia Central, ao lado da Fócida, Etólia e Dórida. A região foi invadida pelos dórios, persas e espartanos. A região foi governada pelo rei Ileu, o qual foi um dos argonautas. Seu filho mais famoso era Ájax, o menor (não confundir com Ájax, o maior), o qual lutou na Guerra de Troia. 

Tessália 

Consiste numa grande região no norte da Grécia, a qual faz fronteira com a Macedônia. Partes da Tessália são montanhosas e com vales, mas próximo a costa temos alguns prados. Há também florestas naquele território. A Tessália era chamada em algumas épocas de Eólia, devido a ser uma das moradas de Eólo, o deus dos ventos. No território tessalonicense encontra-se o Monte Olimpo, a montanha mais famosa da mitologia grega por ser o lar dos principais deuses, chamados de Olimpianos. Nas redondezas do Olimpo teria ocorrido uma das batalhas entre os deuses e os titãs durante a Titanomaquia. 

Nessa região também ficava a cidade de Iolcos, conhecida principalmente por conta do mito de Jasão, o qual partiu em jornada para encontrar o Velo de Ouro, formando assim a expedição dos Argonautas, a qual viajou para Cólquida no Mar Negro. Jasão tornou-se um dos reis de Iolcos, além que um de seus filhos com Medeia (princesa colquidiana), chamava-se Tessalo, que governou a região a renomeando com seu nome. 

A Tessália também era associada com o lar dos centauros, principalmente lembrada por conta de Quíron, o mais sábio e respeitado de sua raça, conhecido por ter sido o tutor de alguns heróis. Quíron vivia com sua família no Monte Pélion

2) Ilhas Gregas

Cefalônia e Ítaca

Ambas as ilhas irmãs ficam situadas na costa ocidental da Grécia, no Mar Jônio. Cefalônia que é a maior das duas, conhecidas por seus montes e belas praias, possui pouco destaque na mitologia, no entanto, a pequena ilha de Ítaca é principalmente lembrada por ter sido o lar de Odisseu. A ilha é ponto marcante no famoso poema homérico a Odisseia, além de ser citada também na Ilíada. Além de Odisseu, em Ítaca temos personagens como Penélope, Telêmaco, Eumeu, Laerte, o Mentor (Atena disfarçada de velho homem), entre outros. 

As ilhas de Cefalônia e Ítaca

Citera

Importante ilha no sul do Peloponeso, que apesar de sua geografia rochosa e acidentada, era conhecida pela pesca de moluscos para se produzir a cor púrpura, bastante rara e cara, além de porto de paragem para navios mercantes, militares, de viagem e até piratas. Os fenícios chegaram a ter negócios naquela ilha. Na mitologia ela é lembrada principalmente como um dos locais de nascimento da deusa Afrodite, a qual também poderia ter nascido em Chipre. 

A ilha de Citera, no sul da Grécia. 

Corfu (Feácia)

Consiste em uma das ilhas gregas localizadas no Mar Jônico, estando situada na costa da Albânia. Na mitologia essa ilha foi associada como sendo lar do povo Feácio, descrito como pacíficos navegadores, os quais acolheram Odisseu em sua viagem de retorno a Ítaca, vinte anos depois de ter partido. A ilha que também era chamada de Córcira (e também de Esqueria), recebeu esse nome por conta da ninfa Córcira, filha de Asopo e Metope. Por sua vez, a ninfa foi engravidada por Poseidon e deu à luz a um menino, que foi chamado Feace, o qual foi o primeiro rei dos Feácios. Seu filho foi Alcínoo, monarca que acolheu Odisseu em sua corte, graças as súplicas de sua filha, a princesa Nausícaa, a qual encontrou o herói naufragado numa praia. Com a ajuda dos feácios, Odisseu pôde finalmente voltar para Ítaca. 

A ilha de Corfu, entre a costa da Albânia e da Grécia

Creta

A ilha de Creta é a maior ilha do arquipélago grego, situada ao sul do continente, abrigou a civilização minoica por milênios, possuindo cultura própria e língua, somente bem mais tarde os micênicos a conquistaram, anexando-a ao mundo grego. Creta é uma ilha montanhosa, com várias cavernas e vales. Por muito tempo ela desenvolveu-se com base na pesca, produção de vinho, azeite, lã e do comércio com os gregos, líbios, egípcios, sírios e outros povos do Mediterrâneo Oriental. As ruínas do Palácio de Cnossos, já foram consideradas como sendo o palácio do mítico rei Minos, governante mais célebre daquela ilha. 

Em vermelho a ilha de Creta no Mar Egeu

Quanto aos mitos relacionados a essa ilha, existem vários, mas destacamos: o labirinto do Minotauro, o fio de Ariadne, a aventura de Teseu para matar o Minotauro, a fuga de Dédalo e Ícaro, a captura do touro de Creta por Héracles, o rapto de Europa, a caverna onde Zeus foi escondido quando bebê, etc. 

Delos

A pequena ilha de Delos de clima seco e árido, faz parte do arquipélago das Cíclades. Estando a sua cidade em ruínas. No século V a.C, foi ali firmado a aliança militar chamada de Liga de Delos, entre Delos, Atenas e outras cidades para se combater os persas e os espartanos. Na mitologia ela teria sido criada pelo deus Poseidon para abrigar Leto, a qual estava grávida de Zeus e deu ali a luz a um casal de gêmeos, Apolo e Ártemis

Localização de Delos no Mar Egeu. 

Egina

Trata-se de uma pequena ilha situada no Golfo Sardônico, ao sul de Salamina e Atenas. A ilha recebeu esse nome por conta de Egina, uma das amantes de Zeus, a qual teve um filho com ele, chamado Peleu, que tornou-se rei daquela ilha. Egina também é lembrada pela origem dos mirmidões, formigas transformadas em bravos guerreiros para servirem Peleu e também seu filho, o famoso herói Aquiles

A Ilha de Egina e outras ilhas sardônicas

Esquiro

Consiste numa  ilha ao leste de Eubeia, com clima quente, seco, montanhosa e com alguns vales. Na mitologia ela foi o local da morte de Teseu, assassinado pelo rei Licomedes. Anos depois, o jovem herói Aquiles foi escondido nessa ilha por sua mãe Tétis. Disfarçado de mulher, Aquiles viveu na corte de Licomedes, mas a filha dele Deidamia descobriu a identidade do rapaz e eles se apaixonaram. A princesa engravidou e deu à luz a Neoptolomeno (ou Pirro). Posteriormente, Odisseu e Diomedes chegaram a ilha e encontraram Aquiles, então o persuadiram a acompanhá-los para a Guerra de Troia. 

Localização da ilha de Esquiro

Icária

Essa ilha grega fica situada ao leste da Grécia, já próxima da costa da Turquia. A pequena ilha é conhecida por sua alta taxa de longevidade, havendo muitas pessoas idosas com mais de 80 anos vivendo ali, atualmente. Ela faz parte da Prefeitura de Samos. Na mitologia essa ilha recebeu seu nome advindo de Ícaro, filho do arquiteto e inventor Dédalo, o qual projetou o labirinto do Minotauro, em Creta. Segundo o mito bastante conhecido, Dédalo e Ícaro fugiram de Creta, usando asas, mas Dédalo recomendou ao filho que não voasse muito baixo para a umidade do mar não pesar as asas, mas que também não voasse muito alto, para que o calor do sol não viesse a derreter a cera das penas. No entanto, Ícaro maravilhado com o sonho de voar, vou alto e teve as asas derretidas, vindo a cair no mar, cuja localidade ficou conhecida como Mar Icário e a ilha próxima de onde ele caiu e afogou-se, recebeu seu nome. 

A ilha de Icária
Naxos

Naxos é a maior ilha do arquipélago das Cíclades, sendo que sua capital recebe o mesmo nome da ilha. Diferentes povos se apossaram de seu controle, inclusive o local serviu como base de piratas por vários anos. Ali alguns mitos conhecidos são o suposto nascimento de Zeus no Monte Zas; a ilha seria habitada por Dionísio, o qual inclusive acolheu a princesa cretense Ariadne, que foi abandonada por Teseu, após ter sido enganada por promessas de amor dele. 

O arquipélago das Cíclades, cuja capital fica na ilha de Naxos. 

Salamina

Ilha situada ao norte de Egina e ao oeste de Atenas. Ficou famosa pela Batalha de Salamina (480 a.C), em que a frota persa do rei Xerxes I foi derrotada pela frota ateniense e seus aliados. Na mitologia a ilha era governada pelo rei Telamon, que segundo algumas versões era irmão de Peleu ou seu melhor amigo. Telamon era casado com Peribeia, e tiveram um filho chamado Ájax, considerado o segundo mais poderoso guerreiro da Guerra de Troia, tendo sido primo de Aquiles. 

Localização de Salamina no Golfo Sarônico, próximo a Atenas. 

Samos

É uma das ilhas gregas próxima a costa da Turquia, sendo sede da Prefeitura de Samos, que engloba a administração de outras ilhas menores. Samos é conhecida por ter uma terra fértil, em que se cultiva vinhedos e oliveiras. Na mitologia, alguns mitos sugeririam que a deusa Hera nasceu nessa ilha. Além disso, ela estaria associada ao mito dos Argonautas e de Dédalo. Outro mito diz que um dos reis mais antigos da ilha teria sido Agenor, filho do príncipe fenício Fênix, irmão de Cadmo e Europa

A ilha de Samos, uma das maiores ilhas gregas já próxima da costa turca. 

Sérifos

Consiste numa pequena ilha nas Cíclades, com uma cidadezinha atualmente. Assim como outras ilhas desse arquipélago, possui um clima quente e seco, com colinas de pedregulhos. Na mitologia a ilha era governada pelo rei Polidecto, considerado um tirano. Nessa ilha aportaram por intervenção de Zeus, Perseu e sua mãe Dânae, que foram banidos de Argos por ordem do rei Acrísio, pois temia a maldição destinada a ele, em que seu neto Perseu o mataria. Foi nessa ilha que o herói passou sua infância e adolescência até que aceitou o desafio de Polidecto de ir matar a temível Medusa

Em vermelho a ilha de Sérifos, onde teria vivido Perseu e sua mãe por vários anos. 

3) Outros territórios

Cária e Lícia

Ambos territórios ficavam na chamada Anatólia, na Ásia Menor, hoje se situam no sudoeste da Turquia, mas na Grécia Antiga compreendiam terras colonizadas pelos gregos, inclusive a cidade de Halicarnasso, famosa pelo nascimento do historiador Heródoto e do grande mausoléu que era uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo, ficava na Cária. De acordo com a mitologia, essas duas regiões certa época foram assoladas por terrível monstro que soltava fogo, chamado Quimera. O herói Belerofonte para se redimir de seus crimes, voou com Pégaso até essas terras e matou a horrenda criatura. 

Localização da Cária, Lícia e outros territórios vizinhos na Ásia Menor e no Mar Egeu. 

Chipre

A bela ilha de Chipre fica situada no leste do Mediterrâneo, sendo hoje um país. Chipre era conhecida por suas minas de cobre, próspero comércio, plantações de oliveira e seu local estratégico, permitindo negociar com vários países, a que tornou cobiçada por gregos, fenícios, egípcio, romanos, persas, turcos etc. Na Grécia Antiga essa ilha era considerada um dos lugares de nascimento da deusa Afrodite, e do belo mortal Adônis, um dos amantes de Afrodite. Em Chipre também teriam nascido e vivido o rei Ciriníaso herói arqueiro Teucro, que era meio-irmão de Ájax, o grande; e o habilidoso escultor Pigmaleão. 

Localização de Chipre no Mediterrâneo. 

Cólquida

A Cólquida consistiu num pequeno reino situado na costa oriental do Mar Negro (chamada pelos gregos antigos de Ponto Euxino), atualmente em território da Geórgia. O território foi conquistado por povos colcos, citas, persas, armênios, turcos, bizantinos, entre outros. Na mitologia essa terra é principalmente lembrada no mito da jornada dos Argonautas, já que Jasão e sua tripulação viajaram à Cólquida governada pelo rei Eates, para conseguir o Velo de Ouro. Após algumas provações, Jasão e seus companheiros conseguiram essa pela de carneiro dourada e deixaram o país. A princesa Medeia, a qual havia se apaixonado por Jasão, decidiu fugir com ele. Algumas versões do mito consideram que a Cólquida seria uma ilha chamada Ea

O antigo reino da Cólquida, na atual Geórgia 

Cordilheira Atlas

Consiste numa cadeia de montanhas que se estende por 2.400 km de comprimento, percorrendo os atuais países do Marrocos, Argélia e Tunísia. Na Grécia Antiga essa região era praticamente desconhecida dos gregos, todavia, segundo a mitologia, ali vivia o titã Atlas, punido por Zeus a ter que segurar o céu pela eternidade. Dois heróis passaram por essa localidade: Perseu durante sua viagem de volta à ilha da Medusa e Héracles, enquanto viajava para encontrar o Jardim das Hespérides, guardada pelas filhas de Atlas. 

Fotografia da NASA mostrando ao norte, em destaque, a Cordilheira Atlas.
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Cordilheira do Cáucaso

O Cáucaso é uma região que fica situada no sul da Rússia, difundindo-se pela Geórgia, Azerbaijão e norte da Armênia, estando situado entre o Mar Negro e o Mar Cáspio, sendo formado por duas cordilheiras, o Grande Cáucaso e o Pequeno Cáucaso. Na mitologia grega, Zeus após descobrir a traição do titã Prometeu, o qual invadiu o Olimpo e roubou o fogo sagrado dos deuses para dá-lo aos homens, o aprisionou em uma montanha nessa cordilheira. Além de permanecer preso pelos séculos, Zeus colocou uma águia para devorar o fígado do titã; a ave de rapina fazia isso durante o dia, e à noite enquanto ela dormia, o fígado se regenerava para ser devorado no dia seguinte. Segundo algumas narrativas, Héracles teria libertado Prometeu. 

Mapa com as duas cordilheiras do Cáucaso. 
Egito

O Egito também foi palco de alguns mitos gregos. Temos o caso do ataque de Tifão ao Olimpo, o qual levou alguns deuses a se transformarem em animais e fugirem para o Egito. Inclusive esse mito era uma tentativa de explicar os deuses egípcios a partir de que eles seriam outras manifestações dos deuses gregos. O próprio Heródoto comenta isso várias vezes. 

Na mitologia narra-se que teve um importante rei egípcio chamado Belo, o qual era filho de Poseidon e a ninfa Líbia. Belo casou-se com Arsínoe e teve Egito, Dânao e Cefeu. O primeiro filho deu origem ao nome do reino, passando a governar o Egito. Já Dânao mudou-se para a Líbia (o atual país), tornando-se rei dali. Por sua vez, Cefeu foi governar a Etiópia. 

Atual mapa do Egito

O mito também diz que Egipto e Dânao tiveram 50 filhos e 50 filhas. Os filhos de Egito ficaram chamados de Egiptíades, e as filhas de Dânao foram chamadas de Danaides (as quais protagonizam um mito próprio). Outro monarca egípcio mítico foi Busíris (inspirado em Osíris), foi um rei mítico que para apaziguar a fúria dos deuses, fazia sacrifício humanos e certa vez ele tentou sacrificar o herói Héracles, que estava passando pelo país. Héracles conseguiu se libertar e matou o rei. O Nilo era considerado um deus-rio. 

Estreito de Gibraltar (Pilares de Héracles)

Consiste na entrada do Mar Mediterrâneo, conectando-o ao Oceano Atlântico. As duas pontas do estreito ficam atualmente situadas na Espanha e Marrocos. Na mitologia o local era conhecido como pilares ou colunas de Héracles, pois para o herói chegar a ilha de Eritia (localização desconhecida), onde vivia o gigante Gerião e seu gado, o qual consistiu em um dos Doze Trabalhos, o herói teve que passar por esse estreito, forçando-o a afastar as imensas rochas, aumentando a passagem. 

Localização do Estreito de Gibraltar

Etiópia

O atual país da Etiópia não correspondia na visão dos gregos antigos necessariamente a sua localização presente. O historiador Heródoto diz que a Etiópia seria o sul do que hoje é o Alto Egito. Alguns historiadores e geógrafos persas concordavam com isso, mas estendiam seus domínios englobando até mesmo a Somália. Já outros geógrafos gregos consideravam que a Etiópia ficava ao sul da Líbia (nome usado para se referir ao continente africano) ou até mesmo no Oriente Médio. Por conta dessa imprecisão, tal território passava uma ideia bem diferente do que estamos habituados, a começar pelo fato de que os etíopes citados em alguns mitos não seriam uma população negra, mas branca. E ora podendo serem tratados como bárbaros que andavam nus ou pessoas civilizadas como os egípcios, citas, trácios e persas. 

Na mitologia grega é dito que os monarcas Cefeu e Cassiopeia governavam a Etiópia, sendo que a rainha era muito vaidosa e arrogante e certa vez menosprezou as nereidas, dizendo que era a mais bela que todas elas. Uma das nereidas era Anfitrite, esposa de Poseidon, a qual indignada pela ofensa, pediu ao marido que castigasse aquele reino. Cefeu e Cassiopeia desesperados recorreram a um oráculo que pediu para oferecem a princesa Andrômeda em sacrifício ao monstro de Poseidon, mas a princesa foi resgatada pelo herói Perseu. 

Mapa baseado na concepção grega do século V a.C. A Etiópia ficaria ao sul do Egito, mas em localização incerta. 

Fenícia

A Fenícia foi uma pequena, longa e estreita região situada no que hoje é o Líbano, Síria e norte de Israel, tratando-se de um povo mercante que esteve na ativa entre 1.200-539 a.C. Uma de suas cidades mais importantes era Tiro, a qual inclusive foi conquistada por Alexandre, o Grande em 332 a.C. A Fenícia foi ocupada e cobiçada pelos egípcios, hebreus, persas, sírios, gregos e outros povos. 

Na mitologia há poucos mitos referentes a essa nação, o mais importante refere-se ao rei Agenor de Tiro, o qual teve três filhos Cadmo, CilíxFênix (não confundir com a ave) e Europa. A princesa Europa era muito bela e atraiu a atenção de Zeus, a qual a sequestrou e a levou para Creta. Lá a princesa passou o restante da vida, tendo três filhos Minos, Radamanto e Sarpedão. Os dois primeiros tornaram-se juízes de Hades, já o terceiro lutou na Guerra de Troia.   

Assolado pelo rapto de sua filha, Agenor pediu que seus filhos fossem procurar pela irmã. Cadmo viajou pela Ásia Menor, Trácia e se estabeleceu na Beócia, tendo sido um dos fundadores de Tebas. É creditado a ele a origem do alfabeto grego, embora que historicamente esse alfabeto realmente era baseado no alfabeto fenício. Já Cílix viajou para o sul da Ásia Menor, e ali permaneceu, nomeando a região da Cilícia. Quanto a Fênix, esse procurou a irmã pela Fenícia e terras vizinhas. Os gregos diziam que o nome Fenícia era uma referência a esse príncipe. 

Localização da Fenícia e seus territórios principais. 

Frígia

A Frígia foi uma vasta região no interior da Ásia Menor (atualmente Turquia), ela é lembrada na mitologia por conta de alguns reis míticos, o apoio fornecido aos troianos que eram seus aliados e as batalhas que travavam contra as amazonas que viviam numa ilha ali perto. Entre os reis frígios destaca-se Midas, conhecido por sua cobiça amaldiçoada, fazendo-o ter o toque de ouro. Outro monarca foi Tântalo, o qual tentou enganar os deuses durante um banquete, tendo matado seu filho Pélope e oferecido a carne dele. Como punição, Zeus o condenou ao Tártaro, a ter que passar a eternidade sentido a dor da fome e da sede, sem jamais poder saciá-las. Outro rei foi Górdio, que teria fundado a cidade de Górdias e criado o "nó górdio", o qual aquele que o desatasse dominaria a Ásia. Alexandre, o Grande o teria cortado e cumprido a tal profecia. A rainha Hécuba de Troia, que foi casada com Príamo, era uma princesa frígia. 

Os domínios inicias da Frígia e depois sua máxima extensão conhecida
Líbia

A Líbia referida pelos gregos antigos em suas obras de geografia, história e mitologia não correspondia ao atual país da Líbia, mas sim era um nome que se referia ao norte da África. Fato esse que o Egito e a Etiópia ficariam situados na Líbia. Embora que a região também se referia a uma terra ao oeste do Egito, que seria a atual Líbia. 

Na mitologia temos a história do valente, arrogante e traiçoeiro gigante Anteu, filho de Poseidon e Gaia, o qual costumavam matar viajantes por diversão. Ele vivia em algum lugar dos desertos da Líbia, que eram rotas de caravanas. Em certa ocasião Héracles que estava por ali viajando, o desafiou e o matou, descobrindo que sua grande força devia-se ao fato de ele ser nutrido por sua mãe, Gaia (deusa da terra). Dessa forma, o herói ergueu o gigante do chão e o estrangulou ou lhe quebrou a coluna. A mitologia grega também diz que havia uma ninfa chamada Líbia, a qual teve alguns filhos com Poseidon. 

Sardenha

Atualmente a ilha da Sardenha pertence a Itália, sendo a segunda maior ilha italiana, possuindo uma topologia montanhosa, clima temperado, verões quentes, conhecida pela criação de cabras e planto de vinhedos e oliveiras. Na mitologia a ilha era habitada por uma raça de gigantes selvagens chamados Lestrigões, como citado por Homero na Odisseia. Odisseu e sua tripulação aportaram na ilha para conseguir água, comida e informações, mas os gigantes ao avistá-los, atiraram enormes pedras contra os navios, forçando-os a fugir. 

A ilha da Sardenha na Itália

Sicília

Atualmente a ilha da Sicília pertence a Itália, mas no passado foi povoada por vários povos, incluindo os gregos. Essa ilha de clima quente e seco, mesmo assim, possui um solo fértil e pastos para caprinos, tendo sido considerada o "celeiro do Mediterrâneo" por séculos. Condição essa que a tornava bastante cobiçada. Por outro lado, a ilha também é um dos lugares da Europa com maior atividade vulcânica, em que regularmente o Etna costuma entrar em erupção. 

Na mitologia grega o vulcão Etna era associado como sendo uma das forjas do deus Hefesto. Além disso, Zeus teria aprisionado sobre esse vulcão o titã Tifão. As erupções vulcânicas eram consideradas como sinais de que o titã estava enfurecido e tentava escapar de sua prisão. A ilha também teria sido o local em que Odisseu e sua tripulação teriam encontrado ciclopes pastores de ovelhas, como Polifemo. Inclusive esse ciclope teria causado a morte da nereida Galateia e de seu amado, o pastor Ácis

Ao norte da ilha fica o Estreito da Sicília, que a separa da Itália peninsular. Na mitologia grega esse estreito era tido como sendo o lar de dois monstros marinhos que aparecem na Odisseia: Cila com suas várias cabeças e Caríbdis com sua imensa boca de redemoinho. 

Em vermelho a ilha da Sicília no sul da Itália

Simplégades (Estreito de Bósforo)

Na mitologia grega no mito da jornada dos Argonautas, para esses poderem acessar o Mar Negro e dali seguirem para Cólquida, tinham que passar pelo traiçoeiro estreito das Simplégades, conhecido por suas rochas se moverem, as colindindo com os navios ou simplesmente fechando o estreito, e esmagando todas as embarcações. Com a ajuda de Hera, os argonautas conseguiram cruzar essa passagem, a qual é considera ser um mito para explicar a dificuldade de navegação de algumas áreas do Estreito de Bósforo, atualmente situado na Turquia. 

Localização do Estreito de Bósforo na Turquia, no território da cidade de Istambul. 
Temiscira (Ponto)

Na mitologia tratou-se da lendária cidade em que viviam as Amazonas. Essa cidade ficaria situada na região do Ponto, no norte da atual Turquia. Todavia, diferentes mitos apontam que as Amazonas viveriam não apenas no Ponto, em que atacavam os frígios e outros povos de lá, e até mesmo foram aliadas dos troianos durante a guerra; os mitos citam elas morando em ilhas e na Cítia, no norte do Mar Negro. 

Três importantes heróis teriam passado por essa cidade. Héracles ao realizar um de seus Doze Trabalhos, o qual foi obter o cinturão da rainha Hipólita; Teseu que viajou para lá em uma aventura; e Jasão e os argonautas que passaram por ali, enquanto navegavam para a Cólquida

Mapa da antiga região do Ponto com suas cidades. Temiscira ficaria situada próxima onde hoje está Ordu. 

Trácia

Ao longo da História as fronteiras da Trácia mudaram bastante, mas atualmente ela se encontra dividida entre os territórios da Grécia, Bulgária e Turquia, na região dos Bálcãs. Na época da Grécia Antiga, a Trácia era um território independente e considerado lar de bárbaros, fazendo fronteira com as terras gregas e macedônicas. 

Um dos mitos sobre essa região diz respeito a um dos Doze Trabalhos de Héracles, em que o herói e um grupo de amigos e ajudantes viajaram até lá para domar as éguas carnívoras do rei Diomedes da Trácia. Alguns dos companheiros do herói morreram em combate, incluindo Abdero, seu amante. Todavia, as éguas conseguiram ser capturadas e teriam devorado o tirânico Diomedes. 

Os trácios também são citados em outros mitos relacionados a Guerra de Troia, em que eles aparecem como aliados dos troianos. A Ilíada cita alguns deles como o rei Polimestor que era cunhado do rei Príamo, tendo enviado seu filho Polidor com um exército para combater os gregos nas terras troianas. A Trácia também foi considerada em alguns mitos como sendo o lar de origem do famoso poeta Orfeu. Além de ser morada de Zéfiro, um dos deuses dos ventos. 

Em amarelo o antigo território da Trácia na época dos gregos antigos. 

Troade

A antiga região da Troade consistia na porção noroeste da Ásia Menor, atualmente a Turquia. Ali colônias gregas haviam sido fundadas, e passaram a estar sob controle de Troia, a mais importantes das cidades locais. Na mitologia grega Troia possui um local de destaque por conta da famosa guerra que durou dez anos, sendo narrada na Ilíada, Odisseia e em outros poemas e fontes. Mas além dessa guerra, existem outros mitos associados a região, como a genealogia dos reis troianos.

O rei fundador de Troia foi Tros, o qual era filho de Erictônio e neto de Dárdano, o qual fundou a Dardânia (no interior da Troade) e legou seu nome ao estreito de Dardanelos. Tros teve três filhos, mas seu sucessor foi Ilo II, o qual também deu seu nome a cidade, que era também conhecida como Ilium ou Ilío (por isso Ilíada). O rei Ilo II foi sucedido por Laomedonte, o qual tinha muitos filhos e filhas, mas por ter quebrado seu acordo com Héracles, foi assassinado por ele. Somente Príamo sobreviveu por intervenção de uma de suas irmãs, tornando-a o último rei de Troia. Ilo II também era avô de Anquises, e por isso, bisavô de Eneas. Outro personagem troiano fora do ciclo da guerra, foi o príncipe Ganimedes, conhecido por sua beleza, a qual atraiu Zeus, que o tomou como amante e depois o fez ser escravo dos deuses. 

Antiga região da Trôade, atualmente na Turquia. 

NOTA: Alguns lugares da mitologia grega que não possuem uma localização definida estão: a ilha de Ea ou Eana, onde vivia a feiticeira Circe; a ilha de Eritia, onde morava o gigante Gerião; a ilha de Ogigia, onde vivia a ninfa Calipso; a ilha em que vivia a Medusa; a ilha onde habitavam as Harpias; o Jardim das Hespérides.

Referências bibliográficas: 

CABRAL, Luiz Alberto Machado. A Biblioteca do Pseudo Apolodoro e o estatuto da mitografia. Tese de Doutorado em Linguística, Universidade de Campinas, Campinas, 2013. 

GRIMAL, Pierre. Dicionário da mitologia grega e romana. Tradução de Victor Jabouille. 5a ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2005. 

KURY, Mário da Gama. Dicionário de mitologia grega e romana. 8a ed. Rio d Janeiro, Zahar, 2009.  

Links relacionados: 

Olímpia e os Jogos Olímpicos

Os heróis gregos

Os Doze Trabalhos de Héracles

Troia

O mito grego das Amazonas


sexta-feira, 21 de maio de 2021

Lhasa, a cidade proibida


Por vários anos a capital do Tibete, a cidade de Lhasa, ficou conhecida na Europa e Ocidente como a "cidade proibida". No entanto, esse epíteto devia-se mais a interpretação equivocada dos europeus do que propriamente uma atitude ultraconservadora e xenofóbica dos tibetanos. Condição essa que por séculos Lhasa foi visitada e frequentada por vários estrangeiros, no entanto, nem todos eram bem-vindos. 

Breve história de Lhasa

A cidade nem sempre foi capital do Tibete. Por séculos ela foi apenas uma cidade importante por conta de seus mosteiros. Que inclusive era algo bastante comum naquele país, em que cada cidade e vila possuía um mosteiro, as vezes até dois ou três. 

Lhasa antigamente chamava-se Rasa ("cidade das cabras"), sendo sua fundação desconhecida, mas oriunda de uma comunidade de pastores de ovelhas. A cidade encontra-se na parte oriental do Tibete, estando situada numa altitude de 3.500 metros acima do nível do mar, na confluência dos rios Lhasa, Yarlong Tsangpo e Nyang Qu. A vila de Rasa ganhou destaque no século VII durante o reinado de Songtsen Gampo, o qual foi responsável por unificar o país e fundar o Império Tibetano (618-842). O imperador Gampo converteu-se ao budismo por influência de suas esposas, as quais eram a chinesa Wen Cheng e a nepalesa Bhrikuti. Em seu reinado o budismo foi difundido no Tibete, com isso, muitos monastérios começaram a serem construídos, e o imperador ordenou a construção de mosteiros e templos e do Palácio de Potala, erguido sobre o Monte Potala, que serviria como sede da nova corte. Rasa foi renomeada para Lhasa ("cidade dos deuses") e manteve a função de capital do império até o século IX, quando o império ruiu e se fragmentou. (QING LI, 2018, p. 1-6). 

Com o fim do Império Tibetano, Lhasa perdeu seu status de capital, mas conservou sua importância religiosa por conta de seus templos e monastérios. No entanto, a cidade somente recuperou sua influência política muitos séculos depois. Durante o século XVII, o V Dalai Lama, Lobsang Gyatso (1612-1682), mudou-se para Lhasa em 1645, ordenando a reforma e expansão do antigo palácio de Potala. Foi nesse período que o prédio começou a tomar as formas que hoje conhecemos, como a construção do Palácio Branco. O V Dalai Lama também foi responsável por unificar o Tibete sob o domínio político e religioso dos Dalai Lamas, além de tornar Lhasa novamente a capital do país. (QING JI, 2018, p. 16). 

Durante o governo do VI Dalai Lama, Tsangyang Gyatso (1683-1706), na década de 1690, o Palácio Vermelho foi expandido e fundido ao Palácio Branco, em que ambos formam o atual Palácio de Potala, que podemos ver em Lhasa, o qual tornou-se definitivamente a residência de inverno dos Dalai Lamas, mas também sede do governo e dos regentes. No grande palácio viviam também centenas de monges que atuavam em cargos eclesiásticos e políticos. Apesar de grandes obras do século XVII, Potala ainda recebeu expansões e reformas nos séculos seguintes. (QING JI, 2018, p. 17-18). 

O imponente Palácio de Potala, em Lhasa. Por séculos foi a residência da corte dos Dalai Lamas. Atualmente é um museu e patrimônio histórico mundial. 

Os europeus chegam ao Tibete

O relato mais antigo que se conhece de europeus no Tibete, advém de dois missionários portugueses, os jesuítas Antônio de Andrade (1580-1634) e Manuel Marques, os quais em missão evangélica, deixaram a cidade de Agra, na Índia, em companhia de peregrinos que iam visitar um templo budista no Tibete Ocidental. A viagem ocorreu em 1624 e durou três meses, e os dois missionários tiveram problemas para se adaptar com o frio, a altitude, a língua e a falta de comida, além de serem recebidos de forma hostil pelos tibetanos ali. Porém, eles conseguiram apoio no reino tibetano de Guge, cujo rei mostrou interesse nas oportunidades de comércio com os portugueses, autorizando a criação de uma missão e igreja em suas terras. A missão perdurou até 1629, quando o rei Dakpa foi derrubado numa guerra promovida pelo reino inimigo de Ladhak. A missão jesuítica foi destruída e abandonada. Todavia, Andrade escreveu um livro sobre sua vivência no Tibete, intitulado Novo descobrimento do Gram Catayo, ou Reinos de Tibet (1626). Lembrando que Andrade e Marques não chegaram a visitar Lhasa, que distava pelo menos mil quilômetros dali. 

O padre Antônio de Andrade foi um dos primeiros missionários e europeus a visitarem o Tibete e deixar um relato escrito a respeito. 

Na década seguinte, outros jesuítas, Estevão Cacella e João Cabral voltaram ao Tibete e montaram nova missão que durou quatro anos até ser abandonada por conta de insegurança e problemas políticos. A presença de jesuítas no reino tibetano somente seria registrada em 1666, quando os missionários Johannes Grueber e Albert D'Orville, viajaram de Pequim à Agra, tendo cruzado o Tibete, e conseguido fazer contatos importantes. Fato esse que a Companhia de Jesus e depois a Ordem dos Capuchinhos retornariam ao país ao longo do século XVII e parte do XVIII, para seguir com as missões de evangelização. (QING LI, 2018, p. 153). 

O Palácio de Potala em Lhasa. Pintura de Johan Gruber, publicada no livro China Illustrata (1667). 

No ano de 1720, o VII Dalai Lama, Kelzang Gyatso (1707-1757), mudou-se para Lhasa, e sendo ele protetor dos missionários cristãos, uma comitiva foi enviada à cidade, sendo a primeira formalmente registrada pela Igreja Católica. Naquela época a capital tibetana não era fechada aos europeus, até porque ela ainda era praticamente desconhecida da Europa. Todavia, os capuchinhos trataram de estabelecer ali uma igreja, tendo sido ela fundada em 1726. A igreja permaneceu ativa por quase vinte anos, tendo sido fechada em 1745 por pressão dos clero e de alguns nobres, os quais não eram a favor que uma religião estrangeira fosse pregada no país. Com isso os capuchinhos foram convidados a deixar Lhasa e o Tibete, e as missões foram suspensas pelos anos seguintes. (QING LI, 2018, p. 154-155). 

A cidade proibida

Com a expulsão dos jesuítas e capuchinhos a partir de 1745, a missões foram abandonadas, igrejas foram derrubadas, o cristianismo foi proibido e a população que havia se convertido acabou retornando as crenças budistas, além disso, após a morte do VII Dalai Lama, os seus sucessores apresentaram uma política antipática aos missionários e europeus, vetando o acesso deles no país na maior parte da vezes. Condição essa que novos europeus somente começaram a poder visitar o reino tibetano e sua capital, no século XIX, um deles foi Thomas Manning (1772-1840), o qual era sinólogo e trabalhava para a Companhia das Índias Orientais, na China. 

Em 1811, Manning recebeu a missão de viajar até Lhasa, no intuito de representar os interesses da companhia mercante. Acompanhado de um guia e seu interprete chinês, ele viajou do Cantão na China, até o Butão, onde aguardou autorização da embaixada chinesa que permitiu seu acesso ao Tibete, apresentando-o como seu enviado. Manning relatou que a viagem pelo Tibete foi árdua devido a sua falta de costume com a altitude e o frio. Finalmente em dezembro de 1811 ele chegou a capital tibetana, onde residiu até abril de 1812, sendo considerado o primeiro britânico a visitar a cidade, até então já proibida para muitos europeus. (YOUNGHUSBAND, 1910, p. 35-39). 

Durante sua estadia, Manning teve reuniões com o regente, autoridades e o IX Dalai Lama, Lungtok Gyatso (1807-1815), uma criança ainda. As impressões e comentários de Manning sobre os meses que viveu em Lhasa, foram divulgadas em jornais e revistas na Inglaterra e outros países, como artigos de curiosidade sobre aquele país de montanhas que ainda era pouco conhecido para os europeus. 

Retrato de Thomas Manning, considerado o primeiro britânico a visitar Lhasa. 

Os interesses britânicos sobre o Tibete foram adiados por problemas na Europa, envolvendo as Guerras Napoleônicas, e outros problemas na Índia e na China. Além disso, novas expedições a Lhasa praticamente foram vetadas pelas autoridades ou fracassaram no intento, devido a penosa jornada. Em 1846 os missionários franceses da Congregação da MissãoÉvariste Régis Huc (1813-1860) e Joseph Gabet (1808-1853), foram os primeiros europeus que se tem notícia, que retornaram a Lhasa, desde a visita de Manning quarenta anos antes. Ambos os missionários participavam de missões na China e na Mongólia, e a ideia era levá-las de volta ao Tibete, o qual havia proibido missões cristãs um século antes. (QING LI, 2018, p. 19). 

Huc e Gabet, inicialmente decidiram seguir direto para o Tibete, acompanhado de mongol cristão e um guia chinês, mas após meses de árdua viagem e por terem adoecido, decidiram esperar, quando souberam que poderiam seguir com uma imensa comitiva tibetana enviada à Pequim. Nesse tempo em 1845, eles aproveitaram para estudar a língua tibetana. Em janeiro de 1846 a comitiva chegou em Lhasa, e os missionários Huc e Gabet foram temporariamente autorizados no país, graças ao contato com as autoridades chinesas, embora houvesse desconfiança por conta de parte da população. Todavia, a estadia deles foi breve, tendo sido expulsos da cidade e do país em fevereiro, devido a problemas políticos entre os chineses e ingleses, no que levou a desconfiança dos tibetanos, em que alguns achavam que eles fossem ingleses infiltrados no país. Huc e Gabet foram escoltados até o Cantão, na China. (SUYIN, 1977, p. 19). 

Ainda assim, Éveriste Huc conseguiu relatar algumas de suas impressões em seu livro Souvenirs d'un Voyage dans la Tartarie, le Thibet, et la Chine pendant les Années 1844, 1845, et 1846, publicado só em 1850. Nesse livro ele relatou que as casas, templos e o Palácio de Potala eram muito bonitos, por fora, pois o interior era escuro e insalubre. Ele também relatou que parte da população era inculta, desconfiada e bastante supersticiosa

Após a fracassada missão evangelista de Huc e Gabet, outros missionários e viajantes europeus tentaram entrar no Tibete e ir para Lhasa, mas não obtiveram sucesso na maior parte das vezes, pois o visto para seus passaportes costumava ser negado, e quando eram detectados ilegalmente, acabavam sendo banidos. Um desses viajantes foi o sueco Sven Hedin (1865-1952), explorador, geógrafo, alpinista e arqueólogo amador, realizou entre 1885 e 1935, várias expedições pela Ásia, visitando três vezes o Tibete entre os anos de 1897 e 1909. Apesar de ter vivido meses no território tibetano, mapeando-o, Hedin não conseguiu autorização para ir à Lhasa. 

No início do século XX, a situação na Ásia Central acirrava-se por conta dos conflitos políticos entre os russos e britânicos. Seus governos tentaram negociar alianças com os tibetanos, propondo enviar embaixadores e construir embaixadas, mas os Dalai Lamas e os ministros negavam-se a tais acordos, temendo que as influências dos russos e britânicos viessem corromper os costumes locais e desagradar os deuses. Mas com o acirramento da disputa entre Rússia e Inglaterra pelo controle da Ásia Central, o Tibete tornou-se um território estratégico e cobiçado, pois havia ficado neutro. Os britânicos temendo que os russos invadissem o Tibete, e assim compromete-se sua autoridade sobre a Índia, parte da China, e do Nepal e Butão, decidiram agir primeiro. 

Entre 1903 e 1904 ocorreu a Expedição britânica ao Tibete ou Invasão britânica do Tibete. As tropas deixaram a Índia em novembro de 1903 e marcharam pelo Tibete Ocidental, que era mais facilmente acessível pela fronteira indiana. Elas encontraram resistência das tropas tibetanas, mas essas foram massacradas. Enquanto os britânicos usavam armas de fogo e canhões, os tibetanos ainda lutavam com arcos, lanças e espadas. Após uma campanha de meses de avanço lento, Lhasa, a então cidade proibida, foi capturada e rendida em agosto de 1904. O coronel e explorador Francis Younghusband (1863-1942), relatou vários aspectos dessa invasão ao Tibete e a captura de Lhasa, que levou o então XIII Dalai Lama, Thubten Gyatso (1876-1933), a assinar um acordo de cooperação com a Inglaterra. (YOUNGHUSBAND, 1910). 

Desenho retratando os ingleses negociando com os tibetanos, após a ocupação de Lhasa em 1904.

Com o acordo forçado entre o XIII Dalai Lama e o governo colonial britânico, a Inglaterra tornou-se o único país europeu a dispor de autorização para manter uma embaixada em Lhasa e permitir a entrada regularmente de militares e funcionários. Apesar que o governo chinês tentou expulsar os britânicos, gerando uma crise diplomática que se estendeu até 1913, quando o Dalai Lama se posicionou firmemente pela autonomia tibetana. Nesse mesmo ano a embaixada chinesa foi expulsa do país, somente retornando anos depois. Além dos britânicos, os indianos, chineses, nepaleses e butaneses continuaram a frequentar normalmente o país, no entanto, a entrada de europeus e gente de outros países seguia limitada. (BARNETT, 2006, p. xxii). 

Entre 1938-1939 ocorreu a expedição alemã nazista ao Tibete. A expedição de caráter científico e documental, foi liberada pelo zoólogo e policial da SS, Ernst Schäfer (1910-1992), o qual levou consigo outros cinco exploradores e alguns guias nepaleses e tibetanos. A expedição durou meses, tendo resultado em centenas de fotografias, horas de filmagens, coleta de amostras, desenhos de paisagens, mapas e anotações, incluindo anotações relativas ao racismo científico defendido pelos nazistas, além de procurarem evidências do "povo ariano". A expedição de Schäfer alcançou Lhasa em 1939, recebendo autorização para entrar na cidade, onde permaneceram por dois meses. Na época, os tibetanos desconheciam o que era o Nazismo e a guerra ainda não havia eclodido. 

Membros da expedição alemã nazista de 1938-1939, que visitou o Tibete por meses. 

Com aproximação do governo do XIII Dalai Lama, o Tibete passou cada vez a ser mais estudado pelos ingleses e alemãs, o que levou alguns tibetólogos a viajarem ao país, permitindo difundir as noções, costumes e história deles na Europa. No entanto, mesmo os estudiosos que publicaram livros entre 1905 e 1940, vigorava a ideia de que Lhasa continuasse a ser uma "cidade proibida" aos estrangeiros, um senso comum relativamente equivocado, fato esse que o alpinista Heinrich Harrer, quando chegou a Lhasa, na década de 1940, ainda conservava a noção de que aquela continuava sendo a "cidade proibida" do Tibete. 

Lhasa na década de 1940

Durante a década de 1940, os alpinistas austríacos Heinrich Harrer (1912-2006) e seu amigo Peter Aufschnaiter (1899-1973), passaram sete anos vivendo no Tibete, após fugirem de uma prisão de presos políticos na Índia, por conta da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Harrer redigiu um livro de memórias intitulado Sete Anos no Tibete (1952). Neste livro, ele narrou sua jornada da chegada ao Himalaia, passando pela prisão, as tentativas de fuga, depois os 21 meses tentando exílio no Tibete, para finalmente narrar acontecimentos da sua vida e de Aufschnaiter durante os cinco anos seguintes. Além disso, Harrer tornou-se professor e amigo do XIV Dalai Lama, Tenzin Gyatso

O relato de Harrer é bastante interessante, pois ele mesmo disse que ficou surpreso ao chegar em Lhasa e descobrir que a cidade não era tão reclusa a estrangeiros como já havia sido no passado. Ele e Aufschnaiter chegaram a capital tibetana em janeiro de 1946, descobrindo uma cidade com seus 30 a 40 mil habitantes, a qual possuía uma embaixada chinesa, nepalesa e britânica. De fato, como visto anteriormente, esses três povos já frequentavam o país há bastante tempo.

Harrer relatou que o comércio da cidade era internacional, tudo graças ao interesse da nobreza e da elite tibetana, os quais para manterem sua ostentação pelo luxo, importavam mercadorias de vários países, condição essa que ele escreveu que não era difícil encontrar produtos de luxo da China, Índia, Pérsia, Japão e até de mais longe como Itália, França, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. Harrer contou que viu móveis europeus, ternos italianos, chapéus ingleses, uísque escocês, porcelana chinesa, maquiagem e perfumes franceses, joias indianas, etc. Lhasa apresentava um sofisticado comércio de produtos de luxo.

Além do comércio, Harrer relatou que os habitantes de Lhasa conheciam o futebol, mas que naquele tempo era proibido, no entanto, eles jogavam basquete e tênis. Havia professores de inglês, hindi e chinês para servir aos filhos da elite. Por outro lado, Lhasa não dispunha de cinemas, teatros e bares. O turismo basicamente não existia naquele tempo, sendo que o grande fluxo de pessoas devia-se a questão da peregrinação, que atraía principalmente gente da Índia, China e Nepal. 

Ele também relatou que havia rádios no país, as quais captavam frequências da China, Índia, Rússia, e até de mais longe, como a Europa e os Estados Unidos. No entanto, somente o governo e os ricos tinham rádios em casa. 

Harrer também escreveu que butaneses, cazaques e mongóis visitavam ou viviam no Tibete. Inclusive em Lhasa havia uma mesquita, pois existia uma comunidade muçulmana por lá. Algo bastante interessante, o que revela como a cidade era mais cosmopolita do que ainda se achava, pois no Ocidente ainda prevalecia o senso comum que o Tibete era uma nação fechada ao contato com os estrangeiros.

Heinrich Harrer e o XIV Dalai Lama, na segunda metade da década de 1940. 

Sobre isso, Heinrich Harrer explicou que os monges e parte da nobreza eram realmente conservadores e viam os europeus com desconfiança, sendo contrários a mudanças na sociedade e a adoção de tecnologia, fato esse que os britânicos foram responsáveis por levar o telegrafo, mas a luz elétrica era raríssima e não havia automóveis por lá. Máquinas também eram raras. Até mesmo o uso de carroças não era comum, pois os tibetanos preferiam transportar tudo nos iaques. Harrer também chamou atenção que os europeus não tinham livre permissão para ficar no país. Mesmo os britânicos, os quais eram os que mais frequentavam ali por conta da dominação sobre a Índia, necessitavam de autorização. Logo, europeus que não tinham autorização, facilmente eram expulsos. A ideia não é tão diferente de hoje em dia, onde se requer passaportes com visto autorizando ficar numa outra nação. 

Lhasa volta a ser a cidade proibida

No ano de 1950 o exército chinês invadiu o país em outubro. Os chineses estavam bem mais preparados para a guerra do que os tibetanos, os quais não possuíam um exército fixo e nem treinado. Além disso, eles possuíam velhas armas de fogo, adquiridas com os britânicos, russos e indianos. Apesar disso, os tibetanos tinham a vantagem de lutar em casa e estarem adaptados a conflitos em altas altitudes. Mesmo assim, após quase duas semanas de conflitos, com milhares de mortos, casas, templos e mosteiros destruídos, a derrota na Batalha de Chamdo (19 de outubro), levou o governador da região e comandante em chefe, Ngapoi Ngawang Jigme (1910-2009) declarar rendição. Decisão condenada na época, pois as tropas tibetanas ainda poderiam ter resistido mais algum tempo até que aliados chegassem. 

Ainda no mês de outubro o exército chinês ocupou Lhasa, dando início ao prenúncio de anexação do Tibete. Em 1951 o governo tibetano assinou o Acordo de Dezessete Pontos para a Libertação do Tibete, um engodo que favorecia o governo chinês de Mao Tsé-tung (1893-1972). O acordo prometia melhorias ao Tibete, mas o obrigava a selar um pacto de submissão com os chineses que iriam auxilia-los em sua proteção, organização e desenvolvimento. Essa trégua inicial se manteve até 1959, quando houve protestos inclusive rumores de uma tentativa de prender ou matar o XIV Dalai Lama, o que levou ele e parte da população a se auto-exilarem, com isso o governo chinês tomou o controle do Tibete, que perdeu seu status de país e tornou-se parte da República Popular da China, algo oficializado em 1965. 

Sob o governo comunista da ditadura de Mao Tsé-tung, Lhasa voltou a ser uma cidade proibida ao Ocidente, dessa vez não por escolha do conservadorismo tibetano, mas por imposição política dos chineses, acirrada pela Guerra Fria (1945-1991). Por conta dessa disputa internacional entre nações capitalistas e socialistas, embaixadores, estudiosos, militares e funcionários foram retirados ou expulsos do Tibete, assim como, vetou-se a ida de viajantes. 

Desfile cívico de exaltação ao líder Mao Tsé-tung, nas ruas de Lhasa, década de 1960 ou 1970. 

Tubten Khétsun o qual pertencia a pequena nobreza tibetana, participou da revolta de 1959 contra os chineses, mas acabou sendo preso. Ele escreveu um livro de memórias relatando os vários anos de amargura que vivenciou no Tibete, durante a ditadura de Mao Tsé-tung (1949-1976). Khétsun ficou quatro anos preso num campo de trabalhos forçados, pois foi condenado como preso político. De fato, muitos outros tibetanos que se opunham ao governo, eram enviados para lá, embora alguns conseguiram fugir para a Índia. Khétsun relatou fome, miséria, violência, invasões, roubos, opressão e censura naqueles anos de ditadura. Mesmo tendo sido libertado em 1963, ele seguiu vivendo em Lhasa, incapaz de poder fugir do Tibete. Somente em 1983 ele conseguiu autorização para deixar Lhasa. 

Considerações finais

No século XXI com a reabertura das fronteiras chinesas de forma contínua, hoje é possível viajar para o Tibete sem grandes dificuldades, apesar que seja necessário um visto para entrar na China e outro visto para entrar no Tibete. Antes de 2012 era mais difícil conseguir esses vistos. 

Lhasa tornou-se uma cidade turística e atualmente é a capital da Região Autônoma do Tibete e da Prefeitura de Lhasa, que abarca cinco distritos. A população da cidade é de mais de 450 mil habitantes divididos pelos seus distritos. A cidade possui uma estação ferroviária, um aeroporto, hotéis, restaurantes, praças, parques, estradas, serviço de táxi, luz elétrica, água encanada, serviço de internet. Os templos e o Palácio de Potala tornaram-se museus, já que o XIV Dalai Lama vive em exílio na Índia, e os monges foram expulsos dos mosteiros e templos, ainda existindo uma censura do governo chinês sobre crenças e costumes tibetanos. O governo chinês desde 2010 vem investindo para ampliar o turismo no Tibete. 

O Palácio de Potala em fotografia tirada nos últimos anos. O local atualmente é um museu. 

NOTA: No auge, o Império Tibetano se estendia do sul da Mongólia, englobando o oeste da China, e indo até o golfo de Bengala na Índia, ocupando também o Nepal e o Butão. 

NOTA 2: Os Dalai Lamas surgiram no século XIV, mas somente a partir do quinto deles, é que conseguiu-se consolidar a autoridade política sobre o país. 

NOTA 3: O fundador da Tibetologia, o húngaro Sándor Kórosi Csoma (1784-1842), passou vários anos morando na Índia, onde estudou a língua tibetana e os ensinamentos do budismo lamaísta, tendo escrito dicionários e gramáticas a respeito. No entanto, ele nunca visitou o Tibete, embora tenha sido convidado na época, mas faleceu antes de poder viajar. 

Referências bibliográficas:

BARNETT, Robert. Lhasa: streets with memories. Columbia, Columbia University Press, 2006. 

HARRER, Heinrich. Sete anos no Tibet. Porto Alegre, L&PM Pocket, 2017. 

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