Pesquisar neste blog

Comunicado

Comunico a todos que tiverem interesse de compartilhar meus artigos, textos, ensaios, monografias, etc., por favor, coloquem as devidas referências e a fonte de origem do material usado. Caso contrário, você estará cometendo plágio ou uso não autorizado de produção científica, o que consiste em crime de acordo com a Lei 9.610/98.

Desde já deixo esse alerta, pois embora o meu blog seja de acesso livre e gratuito, o material aqui postado pode ser compartilhado, copiado, impresso, etc., mas desde que seja devidamente dentro da lei.

Atenciosamente
Leandro Vilar

terça-feira, 22 de junho de 2021

Países que surgiram e sumiram nos últimos 120 anos

O século XX e o começo do XXI, foram marcados pelo surgimento e sumiço de países. Processo gerado por diversos fatores, mas principalmente associados a guerras, invasões, revoluções, o imperialismo, o neocolonialismo e a descolonização. Por se tratar de um tema bastante longo, optei em não entrar em detalhes, mas apresentar os principais acontecimentos referentes a isso e quais foram os países que surgiram e sumiram. 

1) Europa antes de 1930

Antes do término da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o mapa geopolítico da Europa era bem diferente de hoje em dia. Vários países não eram independentes, estando anexados a nações maiores ou faziam parte de seus impérios. Naquele tempo, os impérios britânico, austro-húngaro, russo e otomano eram os maiores que se tinha no continente europeu, governando vários territórios linguisticamente e culturalmente diferentes, os quais foram conquistados ainda no século XIX, principalmente por guerras, mas em alguns casos por tratados políticos. 

Mapa da Europa durante a Primeira Guerra Mundial. 

Todavia, com o fim da guerra, nos anos seguintes acordos políticos foram assinados e alguns desses impérios e países tiveram seus territórios divididos e fronteira remarcadas. Evidentemente que isso foi benéfico para alguns, mas problemático para outros. Além dos acordos pós-guerra, os movimentos de independência que já fervilhavam em vários territórios, algo principalmente visto no sudeste europeu, na região dos Bálcãs e depois no leste do continente, levou a originar alguns países nos anos seguintes. 

O Império Austro-Húngaro (1867-1918) foi desmanchado ainda no ano final da guerra, levando a origem de algumas pequenas repúblicas e protetorados, os quais tiveram em alguns casos uma existência efêmera. Apesar de mantiverem os nomes atuais, mas como será visto nas datações e comentários a seguir, poderá se observar que alguns desses países voltaram a perder suas independências. Dentre os países surgidos estiveram:

  • República Popular da Ucrânia (1917-1921): anexada pelos poloneses e soviéticos. 
  • República Democrática Húngara (1918-1919): foi anexada posteriormente pelos russos soviéticos. 
  • Primeira República da Checolosváquia (1918-1938): invadida pelos nazistas. 
  • Segunda República da Polônia (1918-1939): invadida pelos nazistas.
  • Reino da Iugoslávia (1918-1941): foi invadido pelos nazistas e fascistas.  
  • República Austríaca Alemã (1918-1919): anexada pela Áustria e a Iugoslávia. 
O Império Russo (1721-1917) também perdeu muitos territórios ao término da Grande Guerra e o conturbado processo que se seguiu, resultando numa guerra civil que durou três anos até que a União Soviética fosse criada em 1922. Nesse período de queda da Dinastia Romanov e a disputa dos comunistas, socialistas, liberais, monarquistas, etc. alguns países que faziam parte do império, ganharam independência. Dentre os quais:
  • República da Finlândia (1918): resistiu as invasões alemãs e russas durante a Segunda Guerra. 
  • República da Geórgia (1918-1922): anexada pelo soviéticos. 
  • República da Estônia (1918-1940): ocupada pelos soviéticos durante a Segunda Guerra. 
  • República da Lituânia (1918): ocupada pelos soviéticos e nazistas durante a Segunda Guerra
  • República da Letônia (1921-1940): ocupada pelos soviéticos durante a Segunda Guerra
Um pequeno Estado com status de país, que surgiu nesse período, foi o Estado da Cidade do Vaticano (1929), oriundo do Tratado de Latrão (1929), durante a ditadura fascista de Benito Mussolini

2) Fim do Império Otomano (c. 1299-1922)

Por séculos os otomanos foram uma das dinastias mais poderosas do mundo, possuindo um império que cobria territórios na Ásia, Europa e África. Todavia, no século XIX, o império estava em crise, e essa foi se arrastando e aumentando na décadas seguintes. Após a Primeira Guerra a hegemonia otomana estava bastante debilitada, além de que revoltas, guerras civis, massacres (como o Massacre Armênio) e protestos dos territórios que faziam parte do império, pressionavam pela independência, como havia ocorrido com países europeus. No entanto, países europeus como Inglaterra, França, Itália e Grécia (os gregos por séculos lutaram contra os turcos pelo controle de territórios no Mar Egeu) tinham interesse nas terras otomanas, condição essa que o Tratado de Sèvres (1920), propôs que parte do território a ser dividido, passaria para aos domínios dessa nações europeias, enquanto outras terras ganhariam sua independência. 
  • República da Albânia (1912): ocupada pelos fascistas e nazistas durante a Segunda Guerra. 
  • Reino de Iêmen (1914): ocupado parcialmente pelos britânicos no começo dos anos 1960. 
  • Reino de Hejaz (1916-1925): pequeno reino situado atualmente na costa ocidental da Arábia Saudita. Ganhou a independência após derrubar o governador otomano, mas foi invadido pelos emirados vizinhos. 
  • República da Armênia (1918-1922): anexada pelos soviéticos em 1922. 
  • República da Turquia (1923): apesar da guerra de independência ter-se iniciado em 1919, somente em 1923 a Turquia foi oficialmente reconhecida como nação independente. O país legou muito da cultura turco-otomana, pois foi o centro do império. 
  • Mandato Francês para a Síria e o Líbano (1920-1946): ambos os antigos países, deixaram de fazer parte dos domínios otomanos, para compreender os domínios neocoloniais dos franceses. 
  • Mandato Britânico da Mesopotâmia (1920-1932): os britânicos passaram a controlar o território iraquiano. 
  • Chipre britânico (1920-1960): os britânicos através dos acordos com os otomanos, conseguiram o controle da ilha de Chipre. 
  • República da Jordânia (1922): manteve sua independência. 
Os territórios surgidos após o Tratado de Sèvres (1920), que partilharam o Império Otomano. A Turquia somente foi se formalizar em 1923, mas não tendo seu território como o de hoje em dia. 

3) África até 1920

O continente africano desde o século XVI começou a ser explorado por países europeus como Portugal, França, Inglaterra e Holanda, depois vieram os belgas, alemães, espanhóis e italianos. Além deles, os otomanos e reinos islâmicos também dividiram vários territórios desse continente, o que o levou a reconfigurar suas fronteiras inúmeras vezes. No caso do século XX, a África vivenciava ainda a forte influência do imperialismo europeu, o qual mantinha práticas neocoloniais: como trabalho forçado e escravo; controle político, econômico e cultural; administração gerida por oficiais da metrópole; adoção da língua dos colonos como idioma oficial; racismo, xenofobia, intolerância religiosa, etc. As prática neocoloniais ainda perdurariam até a segunda metade do século XX, em alguns países africanos. 

Mapa da África na década de 1920.

Pelo mapa acima pode-se notar que a maior parte do continente africano estava dividida entre as colônias francesas no noroeste e as colônias britânicas no nordeste e sul. Sendo importante salientar que os franceses e ingleses se apossaram através de acordos, de territórios africanos anteriormente pertencentes aos otomanos, o que incluía partes do Egito, Tunísia, Argélia e Marrocos

A Alemanha possuía controle de três territórios, já Portugal ainda conservava o domínio sobre suas antigas colônias: Angola, Moçambique e as ilhas que não aparecem no mapa, Cabo Verde, São Tome e Príncipe. Outras terras foram perdidas. A Bélgica governava nesse tempo o Congo Belga (1908-1960), palco de grandes tragédias. A Itália ocupava a Líbia e a Somália

Somente dois países conservavam sua independência nesse período, a Etiópia e a Libéria, os quais curiosamente devido ao apoio dos ingleses, franceses e americanos, ainda no século XIX, conseguiram se estabelecer como nações independentes. E assim continuaram por fatores de estratégia. 

4) Ásia antes de 1920

O continente asiático possuía vários pequenos reinos antes de 1920, alguns foram anexados por reinos maiores e outros surgiram devido a crise do Império Otomano e outros reinos da Ásia Central e do Sudeste Asiático. Por conta de sua extensão e variedade de territórios, decidi mostrar alguns mapas por regiões. 

O Oriente Médio nesse período estava fragmentado com a dissolução do Império Otomano, como comentado anteriormente; alguns territórios passaram para as mãos dos franceses e britânicos como visto no tópico 2. Por outro lado, a Armênia conquistou sua independência, a Pérsia (atual Irã), mantinha também sua independência. 

Todavia, os países da Península Arábica como conhecemos hoje, ainda não existiam naquele tempo. A península estava dividida entre pequenos reinos, emirados, e zonas neutras, que eram territórios governados por tribos. No caso destacam-se o Emirado de Négede e Hasa (1902-1921), o Emirado de Ha'il (1836-1921) e o Reino de Hejaz (1916-1925). O Iêmen estava independente, mas Omã era colônia britânica. 

Passando para a Ásia Central, grande parte dessa ainda estava sob domínio russo, resultado das campanhas de conquista do império russo, que anexaram os territórios cazaques, turcomanos, mongóis, tártaros e de outros povos. Apesar do fim da monarquia russa, no entanto, seus domínios na Ásia não foram perdidos, como ocorreu na Europa. A Pérsia era bem maior naquela época e o Afeganistão também. Já o Paquistão não existia, fazendo parte dos domínios da Índia Britânica, o que incluía o Sri Lanka e outros territórios. Por outro lado, o Nepal e o Butão eram reinos autônomos e o Tibete ainda era um país. 

Mapa do Oriente Médio, Leste africano, Ásia Central e parte do Sudeste Asiático, entre 1920-1922. 

Passando para o Extremo Oriente, a República da China ainda não possuía suas dimensões atuais, tendo perdido territórios ao longo dos últimos séculos. A transição da monarquia para a república foi bastante conturbada, gerando várias revoltas e iniciativas de se criar estados independentes, em que províncias tentaram promover seu reconhecimento como países (veja o mapa seguinte). A Mongólia era maior do que hoje em dia; o Tibete era independente; o Japão governava a Coreia; a Sibéria já era ocupada pelos soviéticos, apesar que existiu o efêmero estado da República do Extremo Oriente (1920-1922), anexado posteriormente pela URSS. 

Mapa do Extremo Oriente e do Sudeste Asiático no começo da década de 1920. 

Descendo para o Sudeste Asiático, os britânicos dominavam Bangladesh, Mianmar, Malásia e Cingapura, os franceses colonizaram a chamada região da Indochina, a qual décadas depois daria origem a Tailândia (Reino do Siam), Camboja, Vietnã, Laos e parte da Malásia e Cingapura. Grande parte da atual Indonésia e Bornéu estavam sob domínio da Holanda, compreendendo ainda território colonial das Índias Holandesas Orientais. As Filipinas estavam sob domínio dos Estados Unidos; o Timor era colônia portuguesa; Papua e Nova-Guiné eram colônias alemãs. 

5) Europa entre 1945 e 1960

Com o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o mapa europeu sofreu novas divisões. Territórios anteriormente ocupados pelos nazistas, fascistas e soviéticos, foram devolvidos e recuperaram sua independência. Outros ainda permaneceram sob domínio soviético, fazendo parte da URSS. Destaca-se nesse ponto o acentuamento da Guerra Fria (1945-1991), que levou a uma cisão no continente, entre países aliados dos EUA, neutros e países da URSS. 

Mapa da Europa em 1955, durante a Guerra Fria. 

No mapa em italiano, observa-se a linha vermelha como a fronteira entre os países aliados dos EUA e os aliados da URSS. Salienta-se que nesse período, a Suíça, Áustria e a Suécia eram países neutros. Já a Espanha e a Irlanda eram "semi-neutros". A Romênia, Bulgária, Hungria, Checoslováquia, Polônia e Albânia eram aliados dos soviéticos. Nesse período surgiu apenas um país novo, no caso, oriundo da divisão da Alemanha, em Alemanha Ocidental (capitalista) e Alemanha Oriental (socialista). Para delimitar essa divisão, o Muro de Berlim começou a ser construído em 1961. Nesse período, a ilha de Malta ganhou sua independência da Inglaterra, tornando-se um país em 1964

6) África entre 1930 e 1970

O neocolonialismo africano ainda se manteve ao longo da primeira metade do século XX, apesar que nesse período a Espanha perdeu espaço, mas a influência alemã e italiana aumentaram. O governo fascista de Benito Mussolini (1922-1945) investiu nas colônias africanas, criando a chamada África Oriental Italiana (1936-1941), formada pela Etiópia, Eritreia e a Somália. Por cinco anos esses países estiveram sob ocupação fascista. No caso da Etiópia, ela por um breve tempo perdeu sua independência. Todavia, a Somália ainda continuaria como possessão italiana por mais anos. 

Os domínios portugueses, franceses, britânicos, belgas e alemães na África não sofreram grandes reveses nesse período, apesar que após o término da guerra, aumentou a pressão por movimentos de independência, fazendo parte da ideologia unitária e libertária do Pan-africanismo. que acentuou-se nas décadas de 1950 e 1960, repercutindo na independência de vários países africanos, marcando o início do fim da hegemonia do neocolonialismo europeu, embora que alguns países somente se tornaram independentes vários anos depois. 
  • República da Líbia (1951): com a crise na Itália após o fascismo e a derrota na Segunda Guerra, o país não tinha condições de manter a maioria de suas colônias. Com isso a Líbia foi uma das quais foi abandonada. 
  • República do Egito (1952): desde 1922 o Egito havia declarado sua independência, mas na prática ela nunca foi efetivada pelos britânicos, somente trinta anos depois é que isso ocorreu. 
  • República do Sudão (1956): emancipado do Egito e do Reino Unido. 
  • República da Tunísia (1956): ganhou independência da França. 
  • República de Gana (1957): saiu do domínio britânico. 
  • República Centro-Africana (1958): anteriormente sob domínio francês.
  • República da Guiné (1958): também estava sob governo francês. 
No entanto, o ano de 1960 foi um marco nesse processo de descolonização, ficando conhecido como o "Ano da África" ou "Ano Africano", que marcou a independência de 14 países: Benim, Burquina Fasso, Camarões, Chade, República Democrática do Congo, República do Congo, Costa do Marfim, Gabão, Gâmbia, Madagáscar, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Somália e Togo

O Ano da África foi um marco na história do século XX, influenciando outros países africanos a lutarem por sua independência, no que resultou em êxito para alguns deles ao longo da década de 1960, como: 
  • 1961: Serra Leoa e Tanzânia 
  • 1962: Argélia, Burundi, Ruanda e Uganda 
  • 1963: Quênia
  • 1964: Malawi e Zâmbia (Rodésia do Norte)
  • 1966: Botswana, Lesoto
  • 1968: Essuatíni (Suazilândia) e Guiné-Equatorial
Mapa da África em 1960, mostrando os países que conquistaram a independência naquele ano e outros territórios que ainda estavam sob domínio português e britânico. 

7) Ásia entre 1930 e 1960

Nesse período de trinta anos que incluiu a Segunda Guerra Mundial, entre outros conflitos, além da expansão da dominação soviética e a perda da influência britânica na Índia e países vizinhos, alguns países surgiram, outros tiveram fronteiras alteradas e outros foram anexados. Além disso, observa-se que alguns importantes países que estavam sob dominação britânica e francesa adentraram os movimentos de descolonização, rebelando-se contra o neocolonianismo que ainda perdurava em parte da Ásia, algo que também ocorria na África. 
  • Reino do Iraque (1932): com o término do Mandato Britânico na Mesopotâmia, a monarquia iraquiana ganhou apoio dos britânicos para declarar sua independência, mas comprometendo-se em manter-se acordos com o Reino Unido. 
  • Reino da Tailândia (1939): anteriormente chamado de Reino de Sião, o nome foi mudado para Tailândia, mas parte de seu território foi conquistado pelos franceses até a década de 1950. 
  • República do Líbano (1941): emancipou-se do Mandato Francês. 
  • República da Síria (1945): emancipou-se com o fim do Mandato Francês. 
  • República da Indonésia (1945-1949): o governo indonésio iniciou sua independência em 1945, embora a Holanda somente a reconheceu em 1949. 
  • República das Filipinas (1946): apesar de sua independência da Espanha ter sido declarada desde o século XIX, ela nunca tinha sido reconhecida, fato esse que os EUA ocuparam o país por vários anos. Somente após a guerra, eles ajudaram os filipinos a terem sua independência reconhecida. 
  • República da Índia (1947): obteve a independência do Reino Unido, através de movimentos pacíficos como os promovidos por Mahatma Gandhi (1869-1948), movimentos de intelectuais e a luta armada, já que milhões de indianos serviram na guerra e decidiram lutar para libertar seu país.  
  • República do Paquistão (1947): ganhou independência da Índia Britânica. 
  • Estado de Israel (1948): oriundo a partir do Plano de Partição da Palestina, promovido pela ONU e países colaboradores. 
  • União da Birmânia (1948): outro país que fazia parte da Índia Britânica e ganhou sua independência. 
  • República da Cisjordânia (1949): formada a partir dos acordos de criação de Israel e a Guerra árabo-israelense (1948). 
  • Reino do Tibete (1949-1959): o país foi invadido por tropas chinesas e o Acordo de Dezessete Pontos formalizou que o Tibete estaria sob tutela da China. Em 1959, o atual Dalai Lama abandonou o país devido a uma ameaça de golpe, e o Tibete foi definitivamente anexado à China. 
  • República Democrática Popular do Laos (1949): tornou-se independente da França. 
  • Divisão das Coreias (1950): com o término da Segunda Guerra, a Coreia recuperou seu status como nação independente, já que era controlada anteriormente pelo Japão. No entanto, no começo da década de 1950 ocorreu a Guerra da Coreia, que resultou na separação do país, originando a Coreia do Sul (capitalista) e a Coreia do Norte (comunista). 
  • República de Taiwan (1951): após liberta-se das dominações chinesa e japonesa, os taiwaneses voltaram a celebrar sua independência, embora que a China nunca a reconheceu até hoje. 
  • Reino do Camboja (1953): aproveitando a crise da Indochina Francesa, o Camboja declarou sua independência. 
  • Divisão do Vietnã (1954-1955): com o fim da Indochina Francesa, o Vietnã sofreu um golpe de Estado, se dividindo entre Vietnã do Norte (socialista) e Vietnã do Sul (capitalista). Formalmente o Vietnã já tinha desde 1945 reivindicado sua independência, somente reconhecida em 1954. Ambos os países seguiram lutando por vinte anos no que ficou conhecida como Guerra do Vietnã
  • República da Malásia (1957): conquistou a independência do Reino Unido, mas manteve domínio sobre outros territórios vizinhos, incluindo parte da ilha de Bornéu e de Cingapura. 
  • República do Kuwait (1961): emancipado do Reino Unido. 
  • República das Maldivas (1965): emancipou-se do Reino Unido. 
  • República de Cingapura (1965): separou-se da Malásia. 
8) Caribe e América do Sul entre 1962 e 1983

Nas Américas as últimas nações a ganharem sua independência foram as ilhas caribenhas. Algo que ocorreu no começo da segunda metade do século XX, como parte da onda de descolonização que ocorria pelo mundo, sobretudo na África. Nesse período o neocolonialismo entrou em franco declínio irreversível. No caso caribenho as ilhas que obtiveram sua independência, no geral, de forma diplomática, foram primeiro na década de 1960: Jamaica (1962), Trinadad e Tobago (1962), Barbados (1966). Na década de 1970 tivemos Bahamas (1973), Granada (1974), Dominica (1978) Santa Lúcia (1979), São Vicente e Granadinas (1979). Por fim, as últimas ilhas a se emancipar foram: Antígua e Barbuda (1981), Belize (1981) e São Cristóvão e Névis (1983). Todas essas ilhas eram colônias britânicas, sendo a Inglaterra o último país europeu a liberar suas colônias. 

No caso da América do Sul, somente dois países conquistaram a independência nessa época: Guiana (1966), anteriormente chamada de Guiana Inglesa; e o Suriname (1975), antes chamado de Guiana Holandesa. Todavia, a Guiana Francesa conserva-se como dependente da França, não sendo considerada tecnicamente uma colônia, mas chamada de departamento ultramarino

9) África entre 1970 e 1990

Nesse período testemunhou-se o acirramento da Guerra Fria no continente africano, além de guerras civis e massacres. Apesar da independência conquistada por vários países durante a década de 1960, muitas dessas novas nações, eram formadas por povos diferentes, que em alguns casos eram inimigos históricos; além disso, os governos provisórios foram atacados por tiranos e ditadores. 

As colônias portuguesas somente obtiveram independência nos anos 1970 após o término da ditadura fascista do Estado Novo (1926-1974), o qual por motivos nacionalistas, políticos, entre outros fatores, recusou-se a ceder a pressão do Pan-africanismo e outros movimentos locais de suas colônias. Assim, em 1974, as antigas colônias portuguesas a se tornarem independentes: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe

Todavia, não foi apenas Portugal, o último país europeu a liberar suas colônias, a França e Inglaterra também somente reconheceram a independência de suas últimas colônias por esse período. No caso francês, tivemos Comores (1975) e Djibouti (1977). Já os britânicos reconheceram Seicheles (1976) e o Zimbabué (1980) - antiga Rodésia do Sul.  

O caso do Saara Ocidental ainda é mais problemático. Formalmente pertencia ao domínio espanhol, mas foi cedido a uma junta marroquina-mauritana para administrá-lo. Em 1976 o território proclamou sua independência, mas até hoje ela não foi reconhecida. O Saara Ocidental entrou com apelo na ONU, para ficar protegido contra invasões de seus países vizinhos, Marrocos e Mauritânia. Embora que ambos até hoje reivindique anexar essas terras as suas nações. 

Todavia, nos anos 1990, alguns países africanos surgiram, desmembrando-se de outras nações africanas. A Namíbia emancipou-se em 1990 da África do Sul, e a Eritreia emancipou-se em 1993 da Etiópia. 

10) Europa na década de 1990

Na década de 1970 a Guerra Fria ainda vivenciava seu auge, mas ao adentrar os anos 1980, ela começou a entrar em declínio junto ao governo soviético. Nesse período alguns países vão surgir com a divisão da Checoslováquia e da Iugoslávia, mas a maioria surgiu a partir do fim da URSS. 


A Checoslováquia foi um país incrustrado no centro da Europa, tendo perdurado de 1918 a 1992, reunindo os povos checos e eslováquios, além de outras minorias, os quais nem sempre viveram em harmonia. Durante a Segunda Guerra, o país foi ocupado pelos nazistas e depois libertados pelos soviéticos, inclusive passando para o lado deles, tornando-se parte da URSS. Mas c
om o desgaste político de décadas, acabou-se aceitando firmar acordo para a separação, originando a República Checa e a República da Eslováquia

Mapa da Checoslováquia ao longo da sua história. 

Já a Iugoslávia, a situação foi mais problemática e até turbulenta devido a guerras civis e revoltas. Durante a Guerra Fria o país aliou-se aos soviéticos, passando anos em cooperação com eles. Mas com a crise da URSS, os estados que o formavam começaram a pressionar pela independência. Em 1991 foi autorizado a independência para a Croácia, Eslovênia, Macedônia do Norte, Bósnia e Herzegovina. Todavia, a Sérvia e Montenegro não conseguiram a independência, mesmo tendo sido reivindicada algumas vezes, o que as fez continuar ligadas e formando a Iugoslávia até o século XXI. 

A Iugoslávia em 1991, ano de sua divisão. O mapa mostra a Sérvia, Montenegro e Kosovo, territórios que ainda não tinham se separado naquele momento.

Os países na Europa que se originaram ou recuperaram a independência com o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), foram: Armênia, Azerbaijão, Bielorrússia (originou-se), Estônia, Geórgia, Hungria, Letônia, Lituânia, Moldávia (originou-se) e UcrâniaTambém, salienta-se que com o fim da URSS, a Alemanha voltou a se unificar, já que estava dividida desde a década de 1950. 

11) Ásia entre as décadas de 1970 a 1990

A década de 1970 viu o surgimento de alguns países asiáticos, os quais tinham sido antigas colônias britânicas, marcando o final do neocolonialismo inglês na Ásia, mas também alguns países que estavam subordinado a outras nações asiáticas. Neste caso, vários deles se formaram no Oriente Médio, região historicamente conturbada e bastante fragmentada, apesar de vários impérios terem a unificado ao longo da História. 
  • República do Bahrein (1971): emancipado do Reino Unido.
  • República de Bangladesh (1971): anteriormente tutelado pela Paquistão. 
  • República do Catar (1971): emancipado do Reino Unido.
  • Emirados Árabes Unidos (1971): emancipado do Reino Unido.
  • Brunei (1984): sob tutela britânica anteriormente. 
A década de 1970 também marcou o fim da Guerra do Vietnã (1955-1975), formalizado com a derrota dos Estados Unidos e da França, e a unificação do Vietnã do Norte e Vietnã do Sul, tornando-se um país socialista. 

Todavia, a nova leva de independências ocorreram apenas na década de 1990, com o fim da URSS, algo visto também na Europa, como mostrado anteriormente. Nesse caso destacam-se os países: Cazaquistão, Uzbequistão, Tajiquistão, Turcomenistão e Quirguistão. É importante salientar que outros países asiáticos como Mongólia, Afeganistão, Irã, Paquistão, também tiveram influência da URSS, mas não chegaram a serem ocupados totalmente. 

Países que se formaram na Ásia Central, com o término da URSS, em 1991. 

Por fim, também nos anos 1990, a colônia britânica de Hong Kong (1997) e a colônia portuguesa de Macau (1999), passaram oficialmente a pertencerem exclusivamente a China. Pois anteriormente havia um acordo de administração entre os chineses, ingleses e portugueses. 

12) Oceania entre 1960 e 1990

O caso da Oceania é bem mais simples, pois na maioria das vezes a independência dos arquipélagos foi feita por via diplomática, não havendo revoltas, guerras, revoluções ou conflitos mais agressivos. E a maioria desses países reconhecidos, eram colônias britânicas ou americanas, sendo que existem arquipélagos franceses, alemães, holandesas, etc. que não se tornaram países. 
  • Estado independente de Samoa (1962): sob domínio neozelandês anteriormente. 
  • República de Nauru (1968): sob domínio australiano anteriormente. 
  • República de Fiji (1970): anteriormente colônia britânica. 
  • Reino de Tonga (1970): anteriormente colônia britânica. 
  • Estado independente de Papua Nova-Guiné (1975): sob domínio australiano anteriormente. 
  • República Democrática do Timor-Leste (1975): anteriormente colônia portuguesa. 
  • Ilhas Salomão (1978): anteriormente colônia britânica. 
  • Tuvalu (1978): anteriormente colônia britânica. 
  • República de Kiribati (1979): anteriormente colônia britânica. 
  • República de Vanuatu (1980): anteriormente sob administração conjunta britânica e francesa. 
  • República das Ilhas Marshall (1986): sob domínio americano anteriormente.
  • Estados Federados da Micronésia (1986): sob domínio americano anteriormente.
  • República de Palau (1994): anteriormente sob administração americana e micronésia. 
Mapa com os países da Oceania, o Havaí e a Polinésia Francesa. 

13) Século XXI

Para encerrar o texto é preciso comentar alguns países que surgiram, sumiram ou foram reformulados durante o começo do século XXI. Começamos pelo caso da República Federativa da Iugoslávia, a qual findou-se em 2003, tornando-se a República de Sérvia e Montenegro. Apesar que com o andamento do processo oficial de separação, em 2006, Montenegro se separou da Sérvia, originando dois países distintos, que viraram o Montenegro e a Sérvia

Por sua vez, em 2008, a região do Kosovo, no sul da Sérvia, declarou-se independente, no entanto, os sérvios não reconhecem a legitimidade desse ato, apesar que o Kosovo já seja reconhecido pela ONU e mais de 100 países, como uma nação independente. Por fim, o último país que foi fundado no mundo, sendo a nação mais nova, é o Sudão do Sul, surgido em 2011, resultado de vários anos de guerras civis, tendo completado dez anos de existência. 

NOTA: A África do Sul, que anteriormente se chamava União Sul-Africana, fundada em 1911, como um conjunto de colônias britânicas, apesar de ter recebido sua "independência", na prática ela nunca foi efetiva. O Reino Unido continuou a controlar e manipular a política local pelas décadas seguintes; além de que em 1938 teve início o Apartheid, que se alongou até 1991. Para alguns historiadores africanistas, a independência do país somente teria começado na segunda metade do século XX. 
NOTA 2: O Estado da Palestina foi proposto em 1988, mas até hoje não foi formalizado, apesar de haver vários países que apoiam sua independência. 
NOTA 3: As regiões da Abecásia e Ossétia do Sul, ambas na Geórgia, reivindicam sua independência. 
NOTA 4: A Catalunha e o País Basco, ambos na Espanha, também reivindicam suas independências a vários anos.
NOTA 5: O grupo terrorista irlandês, o IRA, até certo tempo ainda atuava na reivindicação de que o norte da Irlanda deixasse de fazer parte do Reino Unido. 
NOTA 6: A ONU reconhece 193 países e dois estados observadores, que são o Vaticano e a Palestina. Todavia, a FIFA e o Comitê Olímpico reconhecem delegações de outros territórios, mesmo que não sejam países. 

Referências bibliográficas: 

BREGEL, Yuri. An Historical Atlas of Central Asia. London, Brill, 2003.

GALE Group Staff. Worldmark Encyclopedia of the Nations. Asia and Oceania. London, Thomson Gale, 2003.

GALE Group Staff. Worldmark Encyclopedia of the Nations. Europe. London, Thomson Gale, 2003.

HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios: 1875-1914. 12a ed, São Paulo, Paz e Terra, 2008.

HOBSBAWM, Erich J. A Era dos Extremos: O breve século XX - 1914-1991. 2 ed, São Paulo, Companhia das Letras, 1997. (Capitulo 8: Guerra Fria).

HOWARD, Michael. Primeira Guerra Mundial. Tradução de Rosaura Eichenberg. Porto Alegre, L&PM, 2010.

KODJO, Edem; CHANAIWA, David. Pan-africanismo e libertação. História Geral da África - volume VIII: África desde 1935. 2 ed, Brasília, UNESCO, 2010. (Capitulo: 25).

MAGOSCI, Paul R. Historical Atlas of East Central Europe. Seattle, University of Washington Press, 1993.

PLUVIER, Jan M. Historical Atlas of South-East Asia. London, Brill, 1995.

SMITH, Simon C. British Imperialism 1750–1970, Cambridge University Press, 1998.


segunda-feira, 14 de junho de 2021

Diferenças entre a mitologia grega e a mitologia nórdica

Decidi escrever essa simples postagem a partir de uma aula sobre mitologia nórdica que ministrei para crianças de 10 a 12 anos. Na ocasião, elas focaram muito na comparação entre as duas mitologias, as quais são as mais populares da Europa. Sendo assim, no presente texto, apresento as respostas para as dúvidas gerais, não apenas de crianças, mas de adultos também. 

1) Imortalidade dos deuses

Uma das diferenças básicas entre os deuses gregos e deuses nórdicos, diz respeito a imortalidade. Os deuses gregos, mas também alguns dos titãs e outros seres, eram imortais. Inclusive os deuses gregos bebiam o "néctar", uma bebida mágica que lhes concedia a imortalidade. Há narrativas de semideuses e humanos que foram agraciados com essa bebida e se tornaram imortais. 

Na mitologia nórdica os deuses eram mortais, inclusive há mitos que falam da morte de alguns deles como Balder, Thor, Odin, Freyr, Heimdall e Kvasir. Todavia, os deuses nórdicos consumiam maçãs mágicas que eram guardadas pela deusa Iduna, cujas frutas prolongariam a vida deles, retardando sua morte por velhice. 

Iduna e as maçãs. James Doyle Penrose, c. 1890. 

2) Os heróis

A mitologia grega está recheada de narrativas sobre heróis, suas façanhas e tragédias. Vários heróis gregos eram semideuses ou nobres, e alguns possuíam poderes ou recebiam armas ou equipamentos mágicos. 

Na mitologia nórdica a situação é um pouco diferente. Não há uma grande quantidade de heróis, embora haja menções há vários atos de heroísmo, principalmente nas sagas lendárias, sagas de reis e sagas de cavalaria. Entretanto, o herói nórdico na maior parte das vezes era um humano comum, tendo realizado apenas alguma proeza bélica, embora haja histórias de heróis que lutaram contra monstros, empreenderam jornadas ou realizaram outras façanhas, como Sigurd, Starkad e Volund

No caso, Sigurd é lembrado por ter matado o dragão Fafnir e libertado a donzela de escudo ou valquíria, Brynhild de seu sono imposto por Odin. Já Starkad era um meio-gigante conhecido como grande guerreiro, tendo participado de várias batalhas. Por fim, Volund era um príncipe elfo que era exímio ferreiro e criou asas que lhe permitiram fugir do local onde estava preso. 

3) Os semideuses

Na mitologia grega é muito comum a presença desses homens e mulheres, os quais por serem meio-deuses costumavam herdar habilidades especiais ou receberem bênçãos de seus pais ou mães, ou até mesmo atrair admiração, inveja e ódio. 

Mas na mitologia nórdica esse conceito de semideus não existia. Alguns dos deuses nórdicos como Odin, Thor e Bragi, eram semideuses, por conta de suas mães serem gigantas. Porém, como essa ideia não existia nessa mitologia, essa condição semidivina é irrelevante. 

4) Humanos filhos dos deuses

Outra característica marcante nos mitos gregos é a grande quantidade de personagens humanos que são filhos de deuses ou deusas. No caso, Zeus destaca-se por ter uma vasta prole. Todavia, na mitologia nórdica isso não é algo enfatizado. Nos mitos narrados na Edda Poética e na Edda em Prosa (as duas principais fontes sobre a mitologia nórdica), não há menções dos deuses tendo filhos com humanos. Em geral os deuses mantinham descendência com outros deuses ou gigantes, não se misturando com as outras raças, como os anões, elfos, humanos e espíritos da natureza. 

Entretanto, nas sagas de reis, existem narrativas que apontam que algumas dinastias reais da Noruega e da Suécia, seriam descendentes de filhos de Odin e Freyr. Porém, não são histórias com desenvolvimento, além de haver alguns casos de teor evemerista e propaganda política para exaltar monarcas e suas linhagens. 

5) Deuses promíscuos

Zeus, Dionísio, Afrodite, Ares, Apolo, entre outros deuses gregos, eram conhecidos por sua vida extraconjungal bastante intensa. O que inclusive é tema de mitos específicos sobre adultérios, filhos bastardos, traições, enganos, amantes, etc. 

Na mitologia nórdica isso praticamente não existe. O deus que mais tem filhos citados é Odin, mas os mitos não focam muito em seus casos amorosos, sendo o mais conhecido o que narra sua relação de três dias e três noites com a giganta Gunnlod, considerada a mãe de Bragi, o deus da poesia. Apesar que Odin afeiçoou-se de Gunnlod, não necessariamente por interesse nela, mas para poder conseguir sua confiança e roubar o hidromel da poesia

Odin e Gunnlod. Johannes Gehrts, 1901. 

Já Thor que foi pai de três a quatro filhos, com duas mulheres diferentes, também não possui narrativas conhecidas sobre seus casos amorosos. Por outro lado, no poema Lokasenna (Escárnios de Loki), o gigante Loki afronta a honra das deusas Frigga, Freyja, Sif, Iduna e Gefjion, acusando-as de serem adúlteras. No caso, ele insinua isso especialmente para Freyja, que era a deusa da fertilidade e da fecundidade, o que acaba associando-a com a sexualidade também. Porém, não temos narrativas desses supostos casos extraconjugais de Freyja, apenas algumas insinuações em alguns poemas e sagas curtas. 

6) Geografia mitológica

A mitologia grega abunda em mitos associados a locais reais da Grécia, das ilhas gregas e outros territórios europeus, asiáticos e africanos no Mediterrâneo e no Mar Negro. Além disso, existem mitos que narram a origem de montanhas, cavernas, lagos, rios, ilhas, cidades e povos, os quais foram criados ou fundados por deuses, heróis ou outros personagens míticos. Temos mitos sobre a fundação de Atenas, Esparta, Tebas, Delfos, etc. 

Na mitologia nórdica isso não existe propriamente. Os lugares citados nos mitos são ficcionais ou se referem a territórios reais, mas não há mitos associados com a origem deles. Para não dizer que não existe nada a respeito, temos algumas narrativas com poucos detalhes que falam que a deusa Gefjion criou um lago na Suécia e foi morar numa ilha na DinamarcaEmbora a toponímia escandinava possua referência aos nomes de Odin, Thor, Freyja, Frigga, Freyjr e Ull, não se conhece mitos associados a tais localidades. 

7) Genealogia mitológica

Essa é uma das grandes características da mitologia grega, sua complexa e vasta genealogia. Inclusive há mitos que enfatizam suas linhagens e parentescos. Porém, na mitologia nórdica isso não era algo que recebia atenção. Poucos mitos citam a linhagem dos deuses ou de outros personagens. Além disso, há muitos deuses e gigantes que não se sabe quem seriam seus parentes, se eram casados ou se tinham filhos. 

Para não dizer que essa linhagem é totalmente inexistente, na Edda em Prosa, encontra-se menções a linhagem de Odin, partindo de seu bisavô Buri (o primeiro deus). Também temos a linhagem de Loki, informando quem eram seus pais, irmãos, suas esposas e filhos. 

No contexto nórdico as genealogias estavam mais ligadas a pessoas reais, algo visto nas sagas de família e nas sagas de reis, em que as árvores genealógicas ganham maior atenção. Porém, a família dos Volsungos, trata-se de um dos poucos mitos nos quais aborda-se em detalhes, aspectos de vários membros dessa família, indo de seu fundador até seu membro mais famoso, o herói Sigurd

8) Monstros

Enquanto a mitologia grega abunda em diferentes tipos de monstros como o Minotauro, a Medusa, os centauros, os ciclopes, a Hidra, a Quimera, os sátiros, as sereias, entre vários outros, a mitologia nórdica é escassa nesse sentido. Os monstros são essencialmente animais gigantescos como Fenrir e Jormungand, dragões e gigantes mais bestializados (pois havia gigantes cultos, sábios e pacíficos). 

10) Elfos e anões

Uma diferença marcante diz respeito que nos mitos nórdicos temos a presença desses dois seres, os quais estão ausentes nos mitos gregos. Embora haja menção em alguns mitos gregos a anões, mas não seriam iguais aos anões da mitologia nórdica. 

11) Gelo e Fogo

Alguns mitos nórdicos enfatizam a dicotomia gelo e fogo, frio e calor, algo visto no mito de origem do universo narrado na Edda em Prosa, o qual narra sobre como o frio de Niflheim encontrou o calor de Muspelheim e criaram névoa e água. Por sua vez, na mitologia grega, essa oposição entre os dois elementos não é tão marcante. 

12) Mundos dos mortos

Na mitologia grega temos como os principais mundos dos mortos o Hades, o Tártaro e os Campos Elíseos. Já na mitologia nórdica temos Valhala, Hel, Folkvang, Náströnd, as Helgafell (montanhas sagradas), os Três Céus, e outras localidades. Apesar de que nos mitos nórdicos tenhamos menções a mais mundos dos mortos, no entanto, os que mais comumente são citados nos mitos, são Valhala e Hel. 

13) O fim do mundo

A mitologia grega não possui um mito que aborde o fim dos tempos, apesar de que Hesíodo relatou o mito sobre as Cinco Eras da Humanidade, falando que cada uma dessas eras chegou ao fim. No caso da mitologia nórdica temos o Ragnarök (destino final dos deuses), um mito bastante popular hoje em dia, por conta de seu caráter escatológico e apocalíptico, apresentando a batalha entre alguns deuses contra os gigantes e monstros, a destruição do mundo e o surgimento de uma nova era. 

A batalha dos deuses condenados. Friedrich Wihelm Heine, 1882. 

14) Variedade de deuses

Na mitologia grega existe mais de cem deuses, embora muitos sejam pouco conhecidos. Todavia, nessa mitologia existem deuses para os mais diferentes motivos, lugares, sentimentos, emoções, ideias, astros, elementos da natureza, etc. 

Já na mitologia nórdica a lista de deuses é bem mais modesta. Na Edda em Prosa temos um apanhado das principais divindades: Odin, Thor, Freyr, Freyja, Frigga, Sif, Gefjion, Njörd, Balder, Nanna, Vidar, Vali, Hoder, Heimdall, Iduna, Bragi, Buri, Bór, Vili, Vé, Hoenir, Lodurr, Kvasir, Rán, Sól, Mani, e alguns outros deuses citados brevemente. Além disso, muitos deuses citados não possuem uma função claramente definida. 

15) Representações iconográficas

Os gregos retrataram seus mitos de forma vasta e colorida (apesar das estátuas de mármore hoje em dia serem brancas). As representações incluíam estátuas, pinturas em murais nos templos, mosaicos, frescos, pinturas em vasos, escudos, etc. 

No caso da mitologia nórdica as representações iconográficas foram em menor quantidade e algumas que eram feitas de madeira, tecido e ferro, não sobreviveram a deterioração, sendo assim, são encontradas em menor número. Além disso, até onde se sabe, os nórdicos não tiveram o costume dos gregos de criar muitas estátuas dos deuses e produzirem uma vasta arte sobre tais temas. 

Sendo assim, no quesito nórdico, temos pinturas em pedras gravadas, pedras rúnicas, hogbacks, tampas de túmulo, caixões de pedra, murais de igrejas, estatuetas, medalhões, pingentes, etc. Embora haja relatos de que haveriam estátuas e pinturas em templos, em escudos ornamentais, vasos, tapeçarias (algumas ainda existem), etc.  

Possível representação de Odin, montando Sleipnir. Adiante deles o que poderia ser uma valquíria. Detalhe da pedra de Tjängvide (c. VIII-X), Gotland, Suécia. 

16) Fontes escritas

A mitologia grega foi preservada principalmente através da poesia, hinos, peças de teatro, coletâneas de mitos, livros de história e geografia. No quesito poético, os poemas mais famosos são a Ilíada, a Odisseia, a Teogonia, o Trabalho e os Dias, etc. Na dramaturgia temos os clássicos Prometeu Acorrentado, Édipo Rei, Medeia, a trilogia da Oresteia, As Troianas, Antígona, entre outras. 

No caso da prosa, historiadores como Heródoto e Diodoro Sículo escreveram sobre diferentes mitos em seus livros. Geógrafos como Estrabão, Pausânias, Ptolomeu, entre outros, também citam mitos. No quesito de coletâneas de mitos temos o livro A Biblioteca de Pseudo-Apolodoro. Por sua vez, vários poetas e escritores romanos e bizantinos também preservaram elementos da mitologia grega, e até criaram suas próprias versões. 

No caso da mitologia nórdica as fontes são bem menores. Basicamente temos a Edda Poética (coletânea de poemas) e a Edda em Prosa (manual de mitologia e poesia), ambos escritos no século XIII, na Islândia. Essas são as duas principais obras sobre os mitos nórdicos. Outras fontes são alguns poemas escáldicos, algumas sagas lendárias e reais, e algumas crônicas como a Gesta Danorum (séc. XII). Mas em geral esses poemas, sagas e crônicas abordam temas mais associados a reis e heróis, não enfatizando tanto os deuses, gigantes e outros seres e elementos da mitologia nórdica. 

Referências bibliográficas:

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega, vol. 1. Petrópolis, Vozes, 1986. 3v

LANGER, Johnni (org.). Dicionário de mitologia nórdica: deuses, mitos e ritos. São Paulo, Hedra, 2015. 



sábado, 5 de junho de 2021

A educação no Império Inca

 A educação no Império Inca


Dra. Adriana Patrícia Ronco


Neste trabalho analisamos a educação no Império Inca através dos escritos do Inca Garcilaso de la Vega em sua principal obra os “Comentários Reales”, que desde o século XIX se converteu num livro de referência para os historiadores do Império Inca, já seja para reafirmar seus dados ou para questionar a veracidade de seus escritos. Neste livro, Garcilaso fala sobre a história do povo inca, sua cultura, política, economia e costumes, baseado nas lembranças de sua convivência na infância e juventude com sua mãe e familiares incas. Consultamos e comparamos com outros escritos de cronistas e historiadores o que ajudou na organização e complementação para a análise do tema proposto.

O Império Inca se estendia desde Cuzco no Peru até a Colômbia, ao norte e até o Chile e a Argentina, ao sul, e o Tahuantinsuyo (como os Incas nominavam seu Império) teve uma extensão de 950 mil km², com uma população de 10 milhões de pessoas. Acredita-se que em fins do século XIII os Incas chegaram à região onde fundaram Cuzco, sua capital, iniciando sua expansão e dominando toda a região até a chegada dos espanhóis em 1532.

Os Incas estabeleceram e organizaram a sociedade baseados em modelos morais, de convivência e obediência. As leis básicas do Tahuantinsuyo eram: Ama Súa (não seja ladrão), Ama Lulla (não seja mentiroso) e Ama Kella (não seja preguiçoso), eram as três regras que todo habitante devia cumprir.

Segundo Garcilaso de la Vega os Incas que deram forma ao sistema educativo foram:

Manco Capac: O primeiro Inca, mítico, fundador do Império e civilizador, reconhecido como o Filho do Sol, foi quem ensinou aos povos conquistados sobre a religião, a construir canais, casas, pontes, estradas, a cultivar a terra, a caçar, e a se vestirem. Mama Ocllo, sua esposa, ensinou às mulheres a tecer suas roupas com a lã da vicunha, lhama e alpaca, cozinhar, a cuidar da casa e das famílias. (VEGA, s/d, v. 1, p.39-48)

Inca Roca: O sexto Inca é considerado o precursor da educação formal. Fundou as escolas de Cuzco chamadas Yacachayhuasi, com objetivo de preparar a nobreza inca para governar. (VEGA, s/d, v. 1 p.203-204)

Pachacutec: Reorganizador e renovador dos costumes, educação, milícias construiu templos para adorar o sol em todas as regiões e fundou as Casas para as Escolhidas nas províncias. (VEGA, s/d, v. 2 p.79-83)

A estrutura da organização política e da sociedade estava no ayllu, unidades de parentesco que reconheciam um antepassado comum. A pertinência a esta célula da sociedade dava direito a terra, implicava direitos e especialmente obrigações, a família era endogâmica, patriarcal e monogâmica.

A educação estava dividida em dois níveis: um dirigido à nobreza que era formal e durava 4 anos, os jovens assistiam a escolas chamadas Yachay Huasi (Casas do Saber) e as mulheres da elite as Acllahuasi (Casa das Escolhidas). Na Casa das Serpentes se reuniam os amautas com os quipucamayoc, encarregados de ensinar a história de cada Inca. Esta tradição foi implementada na época do Inca Pachacutec (1438-1471); historiadores se reuniam após a morte do Inca para fazer cantos com suas obras de governo e administração, para isso pesquisavam toda sua vida e avaliavam se deviam ser louvados ou não, quem aprovava esses cantares era o Conselho de Anciãos.

A educação ideada e institucionalizada pelos Incas estava baseada em três pontos fundamentais: uma educação formal dirigida aos nobres, uma educação não formal dirigida ao povo, e a utilização do idioma quéchua como única forma de comunicação.

Educação Nobiliária ou Formal: Estava dirigida a uma parcela minoritária da sociedade. Era a que recebia a elite de sangue e privilegio: sacerdotes e militares; o objetivo era fundamentalmente político. Recebiam uma educação sistêmica de aritmética, geometria, física, meteorologia, geologia, engenharia, astronomia, língua, retórica, religião, história, conhecimentos esotéricos, medicina, estratégia política e militar, artes marciais e a arte dos quipus; eles assistiam as Yachay Huasi.

No capítulo XIX do livro IV dos “Comentários Reales” o Inca Garcilaso de la Veja, baseando-se no Padre Blas Valera, indica que o Inca Roca fez várias leis onde se estabelecia que só os nobres deviam apreender as ciências e que o povo não podia ter esse conhecimento. As primeiras escolas foram instaladas em Cuzco durante seu reinado. O objetivo não era:

[…] enseñanza de letras, que no la tuvieron, sino por práctica y por uso cotidiano y por experiencia, para que supiesen los ritos, preceptos y ceremonias de su falsa religión y para que entendiesen la razón y fundamento de sus leyes y fueros y el número de ellos y su verdadera interpretación; para que alcanzasen el don de saber gobernar y se hiciesen más urbanos y fuesen de mayor industria para el arte militar, para conocer los tiempos y los años y saber por los nudos las historias y dar cuenta de ellas; para que supiesen hablar con ornamento y elegancia y supiesen criar sus hijos, gobernar sus casas. Enseñábanles poesía, música, filosofía y astrología; esse poco que de cada ciencia alcanzaron. A los maestros llamaban amautas, que es tanto como filósofos y sabios, los cuales eran tenidos en suma veneración [...]. (VEGA, s/d, v. 1 p. 203-204).

O Inca Garcilaso de la Vega, no capítulo X, do libro séptimo, fala das Casas de Ensino, chamadas de Yachay Huasi, localizadas num bairro especifico de Cuzco, onde o Inca Roca tinha fundado as primeiras. Ali moravam os sábios e professores, os amautas, que é o filosofo e o haráuec, que eram os poetas. Os filhos e filhas da nobreza assistiam a essas escolas, não só dos que moravam em Cuzco, mas também dos folhos dos curacas e chefes de outras regiões e povos, e com isso asseguravam a fidelidade dos povos conquistados, já que poderiam ser considerados como espécie de reféns.

As mulheres que eram educadas nas Acllahuasis (Casa das Escolhidas) seriam sacerdotisas ou Virgens do sol. Muitas ficavam à disposição do Inca que as dava em matrimonio a nobres e curacas de diversas regiões: era outra forma de penetração de poder. As mulheres escolhidas também assistiam a uma educação formal.

Educação Elementar, popular ou não formal: o povo não participava da administração do Estado e não era formado para isso. A educação era pragmática. O homem comum continuou a ser formado para exercer atividades relacionadas com a produção: agricultura, pecuária, artesanato, técnicas hidráulicas, mineração, obras públicas, soldados e chasquis; a educação era através da socialização.

O ponto era deixar ao povo com uma educação prática, impartida através dos próprios pais e da comunidade as quais pertenciam. Não tinham acesso a uma educação sistemática, só eram obrigados a aprender o quéchua. Era parte da política do estado a responsabilidade coletiva (GUERREIRA. 2008, p. 130-131). A educação tinha duas vertentes: a de ensinar e dar conselhos e os castigos corporais para os filhos rebeldes ou que se desviavam do caminho certo. A educação era baseada num planejamento integrado e pragmático, que assegurava o êxito dos recursos econômicos e a submissão da sociedade.

Segundo Guerreira (2008.p. 132-141) o aprendizado era progressivo, iniciava-se desde pequenos e eram incorporados à vida familiar através de rituais. Entre 4 e 5 anos, um tio cortava as unhas e o cabelo e dava um nome. As atividades desenvolvidas nessa idade eram: recolher flores para obter tinturas, para as meninas, e cuidar para que os pássaros não comessem os cultivos, para os meninos. Entre os 10 e 12 anos, ficavam aos cuidados de pessoas mais idosas que os instruíam à responsabilidade, obediência, austeridade, disciplina, aprendizado de ofícios, educação física, preparo para integrar o exército ou ser chasquis (corredores que transportavam, correio), os jogos para crianças, os esportes, danças populares de caráter mágico-religioso, ginástica rítmica, educação higiênica. As meninas a cargos das idosas eram instruídas às tarefas domésticas, tecelagem, pastoreio, tarefas agrícolas, artesanato, canto e baile. A língua e a música eram matérias ensinadas a homens e mulheres. Outro ritual era celebrado no passo da puberdade à idade adulta.

O Terceiro elemento da educação era a utilização da língua, a ruma-simi, a língua do homem, chamada de quéchua pelos espanhóis, era o instrumento de penetração e consolidação do poder dos Incas em todos seus domínios. O aprendizado do quéchua foi obrigatório. Devemos lembrar que o império era constituído por uma grande variedade de tribos e línguas diferentes, e unificar o idioma foi um recurso coercitivo do estado sobre a população. A oratória, a repetição e a memorização eram os recursos pois não tinham desenvolvido uma verdadeira escrita.

No capítulo XXXV do livro VI, dos “Comentários Reales”, Vega faz referência ao Inca Pachacútec, conhecido como o reformador do mundo, ele aumentou o número de preceptores e professores e estabeleceu que todos os habitantes do Tahuantisuyo falassem a língua oficial, o quéchua. (VEGA,s/d,v.2. p.79).

Ao respeito da língua a ser falada no Império, no capítulo 1 do livro VII, Vega reafirma:

“Entre otras cosas que los Reyes Incas inventaron para buen gobierno de su Imperio, fue mandar que todos sus vasallos aprendiesen la lengua de su corte, que es la que hoy llaman lengua general, para cuya enseñanza pusieron en cada provincia maestros Incas de los de privilegio; y es de saber que los Incas tuvieron otra lengua particular, que hablaban entre ellos, que no la entendían los demás indios ni les era lícito aprenderla, como lenguaje divino. Esta, me escriben del Perú, que se ha perdido totalmente, porque, como pereció la república particular de los Incas, pereció también el lenguaje de ellos. Mandaron aquellos Reyes aprender la lengua general por dos respectos principales. El uno fue por no tener delante de sí tanto muchedumbre de intérpretes como fuera menester para entender y responder a tanta variedad de lenguas y naciones como había en su Imperio. Querían los Incas que sus vasallos les hablasen boca a boca (a lo menos personalmente, y no por terceros) y oyesen de la suya el despacho de los negocios, alcanzaron cuánta más satisfacción y consuelo da una misma palavra dicha por el Príncipe, que no por el ministro. El otro respecto y más principal fue porque las naciones extrañas (las cuales, como atrás dijimos, por no entenderse unas a otras se tenían por enemigas y se hacían cruel guerra), hablándose y comunicándose lo interior de sus corazones, se amasen unos a otros como si fuesen de una familia y parentela y perdiesen la esquiveza que les causaba el no entenderse”. (VEGA,s/d,v.2. p.87).

Os incas utilizaram os quipus, que era uma serie de cordas de algodão e lã de diferentes cores, texturas e comprimento atados a uma corda matriz onde se realizavam os que significavam números e estavam ordenados por dezenas, centenas e milhares com base decimal. Por exemplo, utilizavam o amarelo para representar o ouro, o branco para a prata, e o vermelho para contar os soldados. Garcilaso de la Vega sustenta:

"De la Aritmética supieron mucho y por admirable manera, que por nudos dados em unos hilos de diversos colores daban cuenta de todo lo que en el reino del Inca había de tributos y contribuciones por cargo y descargo; sumaban, restaban y multiplicaban por aquellos nudos, y, para saber lo que cabía a cada pueblo, hacían las particiones com granos de maíz y piedrezuelas, de manera que les salía cierta su cuenta. Y como para cada cosa de paz o de guerra, de vasallos, de tributos, ganados, leyes, ceremonias y todo lo demás de que se daba cuenta, tuviesen Contadores de por sí y éstos estudiasen en sus ministerios y en sus cuentas, las daban con facilidad, porque la cuenta de cada cosa de aquéllas estaba en hilos y madejas de por sí como cuadernos sueltos y aunque un indio tuviese cargo (como cantador mayor) de dos o tres o más cosas, las cuentas de cada casa estaban de por sí: adelante daremos más larga relación de la manera del contar y cómo se entendían por aquellos hilos y nudos". (VEGA,.T.I.p.112-113).

Os quipucamayos, não eram membros da alta nobreza, eram os especialistas na elaboração e interpretação dos quipus. Sabiam de matemática, estatística, economia, sociologia e política. Com os quipus faziam contas e levavam registro dos tributos que cada ayllu devia pagar, contavam a população, os dias, semanas, meses e anos, nascimentos, mortes, migrações, produção e comércio. Eram lidos em chaves porém seu conteúdo secreto, era de uso contável e estatístico. Sobre eles fala o Inca Garcilaso de la Vega:

"A estos quipucamayus acudíam os curacas y los hombres nobles en sus províncias a saber las cosas historiales de sus antepasados deseaban saber o cualquier outro acaecimiento notable que hubiese pasado en aquella tal provincia. Por éstos como escribanos y como historiadores, guardaban los registros, que eran los quipus anuales que de los sucesos dignos de memoria se hacían, y, como obligados por el oficio estudiaban perpetuamente en las señales y cifras que en los nudos había para conservar en la memoria la tradición que de aquellos hechos famosos tenían, porque, como historiadores, habían de dar cuenta de ellos cuando se la pidiesen, por el cual oficio eran reservados". (VEGA,T.II.p.26-27)

Também utilizaram uma forma de representação gráfica chamada Kilca, pictografia a base de desenhos e pinturas. Era uma escrita ideográfica e havia uma espécie de Museu onde, com este tipo de escrita, contavam a vida dos diferentes Incas.

A educação era ministrada por diferentes professores:

Os Amautas: eram os professores dos nobres, eram os detentores dos conhecimentos, dominavam a filosofia, a ideologia, a política, a legislação, a astronomia e a história.

O Harawicu: eram os poetas, dedicados a relatar a história dos Incas e dos principais senhores do império. Passam a História, os costumes e a moral através da tradição oral. Estes poetas tinham uma grande capacidade para guardar na sua memória todos os conhecimentos que deviam passar à comunidade.

Os Hampicamayoc: eram os que praticavam a medicina mágica e racional, conheciam ervas, faziam remédios de origem mineral, vegetal e animal, curavam hérnias, a melancolia e realizavam trepanações de crânio, controlavam hemorragias, febre, diarreia e vômitos.

O Willac Umu: era o sumo sacerdote, dirigia as cerimônias religiosas e ensinava poesia litúrgica.

A Mamacuna: transmitiam às meninas da elite as tarefas domésticas e as do sacerdócio.

Segundo Jaime Cerrón Palomino e Roberto Aguirre Palomino, (1989.p. 33) a organização escolarizada estava dividida em quatro períodos e em cada um se ministravam disciplinas específicas.

Legenda: Os cinco anos de estudos na educação inca. Fonte: RONCO, Adriana Patrícia. A educação no Império Inca, 2017, p. 23. 

Considerações finais

Como foi desenvolvido no trabalho, a educação no incario esteve dirigida aos integrantes da nobreza, que tinha a responsabilidade de governar o Tahuantinsuyo, numa educação formal; no entanto o povo recebia uma educação prática para desenvolver os ofícios, a produção e a obediência.

Utilizaram diferentes métodos como a transmissão oral. Através dela passavam os ensinamentos nas escolas chamadas de Yachay Huasi, onde instruíam a nobreza, os Amautas e os Harawicu, sábios e poetas eram os encarregados de educar.

A literatura foi desenvolvida, transmitida e conservada pela técnica da memorização e devia ser ensinada em todo o império pelos professores, especialmente os preparados e que eram enviados a todos os povos que constituíam o Estado, e se cantavam as façanhas dos Incas e a história, a religião e os costumes.

A moral era ensinada e transmitida pelas famílias. A tradição e os bons costumes agiam como exemplo permanente do ensino, tanto nas escolas como nas famílias que integravam a população comum e era responsável pela educação de seus filhos.

O Império utilizou o idioma, quechua como uma forma de educação, socialização e submissão dos povos conquistados. Foi obrigatório o aprendizado desse idioma em todas as regiões.

A educação formal tinha por objetivos o formar os administradores e governantes, capacitar as classes altas da nobreza, militares, sacerdotes e garantir que o poder permanecesse nas classes privilegiadas, e que o povo fosse obediente e dócil.

A educação do povo era totalmente prática: formava agricultores, artesãos, pastores, construtores e todo tipo de ofícios manuais.

A educação era dividida por classes e por sexo. Porém as mulheres nobres estudavam na Escola das Escolhidas.

REFERÊNCIAS

FAVRE, Henri. Os Incas. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro.1987

GARCILASO DE LA VEGA, Inca. Comentarios reales de los Incas. Venezuela: Biblioteca Ayacucho, s/d A. 2 v.

GUERREIRA, Maria Concepción. Política y Educación en el Estado Inca. In: Soberanes Fernández, José Luis; Martínez de Codes, Rosa María (Coord.) Homenaje a Alberto de La Hera. Instituto de Investigaciones Jurídicas de la UNAM. Biblioteca Jurídica Virtual. México. 2008.

TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1983. 257p.

PALOMINO, Jaime Cerron; PALOMINO, Roberto Aguirre. Historia y filosofía de la educación peruana. Huancayo. 1989.

MARTINS, Cristiana Bertazoni. Representações do Antisuyu em el primer nueva corónica y buen gobierno de Felipe Guaman Poma de Ayala. Revista de História da USP 153 (2º - 2005), p.117-138.

MURRA, John. Capítulo 2: As sociedades andinas anteriores a 1532. In: BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina. A América Latina Colonial. Vol. 1. Tradução de Maria Clara Cescato. – São Paulo: Editora da Universidade Estadual de São Paulo; Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 1998

WACHTEL, Nathan. Capítulo 5: Os índios e a conquista espanhola. In: BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina. A América Latina Colonial. Vol. 1. Tradução de Maria Clara Cescato. – São Paulo: Editora da Universidade Estadual de São Paulo; Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 1998.

WACHTEL, Nathan. Los vencidos: los indios del Perú frente a la conquista española (1530-1570). Madrid: Alianza Editorial, 1976. 408 p.

Fonte: RONCO, Adriana Patrícia. A educação no Império Inca. Revista Augustus, v. 22, n. 43, 2017, p. 18-24.