Pesquisar neste blog

Comunicado

Comunico a todos que tiverem interesse de compartilhar meus artigos, textos, ensaios, monografias, etc., por favor, coloquem as devidas referências e a fonte de origem do material usado. Caso contrário, você estará cometendo plágio ou uso não autorizado de produção científica, o que consiste em crime de acordo com a Lei 9.610/98.

Desde já deixo esse alerta, pois embora o meu blog seja de acesso livre e gratuito, o material aqui postado pode ser compartilhado, copiado, impresso, etc., mas desde que seja devidamente dentro da lei.

Atenciosamente
Leandro Vilar

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

As múmias incas

Embora as múmias egípcias sejam as mais famosas no mundo, no entanto, outros povos pelo mundo realizaram as práticas de mumificação. Neste texto veremos um pouco da história sobre as múmias feitas pelo povo sul-americano, os Incas, os quais com métodos próprios somados ao clima seco e frio dos Andes, permitiu legar múmias que duraram séculos. 

Fotografia que fiz de uma múmia inca no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2012. Essa múmia foi destruída no incêndio em 2018. 

O que são múmias? 

Quando falamos em múmias normalmente é comum vir em mente o exemplo egípcios com suas múmias enfaixadas e guardadas em sarcófagos, no entanto, existem diferentes formas de se fazer múmias. Essencialmente uma múmia pode ser de pessoas ou animais, em que consiste na preservação dos restos mortais de partes do corpo ou do corpo inteiro. Nesse sentido, a múmia consiste num corpo que possui bastante anos, podendo ter décadas ou milênios, mas que não se deteriorou plenamente, tendo conservado seus tecidos, cabelos, pelos e ossos; em alguns casos, há múmias que também apresentam a conservação de trajes, acessórios e objetos. 

Assim, temos duas formas para se fazer múmias, a primeira são as chamadas múmias naturais, ou seja, foram oriundas de processos naturais como frio, secura, calor, umidade, se originando a partir de pessoas que morreram em montanhas, desertos, pântanos, etc. Essas múmias naturais podem ter se formado acidentalmente a partir de pessoas que se feriram, adoeceram ou foram mortas nessas localidades, ou surgiram de forma intencional, em que o corpo foi deixado ali para ser preservado. 

O segundo tipo trata-se da mumificação artificial, feita a partir de técnicas diversas, somadas ao uso de processos químicos e depois pode-se usar também condições ambientes como baixas temperaturas, baixa umidade e locais secos para ajudar a preservar os corpos. A mumificação artificial conta com diferentes tipos de métodos que envolvem remoção de órgãos, uso de sal, ervas, bandagens, resinas, secar o corpo ao sol, etc. 

Entre algumas culturas como a dos Incas e Egípcios, a mumificação teve um papel importante, sendo mais difundida no caso egípcio. Porém, outros povos também adotaram em menor ou maior grau o uso de mumificação, mesmo que fosse restrita para governantes ou sacerdotes. No caso inca e egípcio observou-se o uso da mumificação de forma mais ampla, atingindo diferentes camadas sociais daqueles povos, apesar que para intentos diferentes, pois enquanto no Egito Antigo a religião ditava que o corpo deveria ser preservado para a futura ressureição, as múmias incas como veremos adiante, tinham outro propósito. 

Os Incas

Antes falar sobre as múmias desse povo, decidi fazer um breve resumo apresentando quem foram eles. Os incas eram um povo rural que teria surgido na região de Cusco, no Peru, por volta do século XII, formando uma cidade-estado baseada numa monarquia teocrática, em que os monarcas não apenas possuíam funções religiosas, mas eram a conexão com os deuses e até encarados como sendo de origem divina. 

O reino inca cresceu por duzentos anos até que a partir de 1438, o monarca Pachacuti (1408-1474) deu início a uma massiva campanha de expansão, sendo continuada por seus sucessores. As conquistas militares do longo governo de Pachacuti criaram o Império Inca (1438-1533), tendo sido o mais extenso império indígena na América do Sul e um dos maiores das Américas, englobando o Peru, Equador, sul da Colômbia, oeste da Bolívia, norte do Chile e noroeste da ArgentinaEmbora tenha chegado ao fim com a invasão e colonização espanhola.

Mapa mostrando a extensão máxima alcançada pelo Império Inca na primeira metade do século XVI. 

Os Incas desenvolveram um governo estratificado e com certo grau de burocracia, consistindo numa monarquia centralizadora e teocrática, mas possuindo cargos públicos e de governo. Embora não tenham desenvolvido a escrita, eles desenvolveram um sistema de cálculos e contagem únicos, baseado nos quipos. Permitindo o controle econômico do país e até mesmo censitário e cronológico. 

Sua religião era politeísta, possuindo templos, festivais, casta sacerdotal organizada, além de fazer uso de sacrifícios de animais e humanos. A sociedade era estratificada entre a nobreza, o alto clero, a população livre no geral e na base estavam os escravos. 

A língua oficial era o quíchua, embora como o império governava outros povos, falava-se também outros idiomas em determinadas localidades. Os incas também desenvolveram a arquitetura e a engenharia, construindo cidades de pedra, terraços, canais, pontes etc. Eles também possuíam conhecimentos agrônomos para o cultivo de diferentes plantas em altitudes elevadas. 

As múmias incas

Entra a cultura dos incas as múmias não possuíam uma condição de estarem relacionadas a uma crença difundida de conservar os corpos para uma ressurreição futura, como se via no Egito Antigo, para os incas mumificar determinadas pessoas era algo que também possuía uma função religiosa, mas associada com o culto aos mortos e sacrifícios humanos

Rivera (2017, p. 13) comenta que o culto de nobres e imperadores incas, parece ter sido prática instituída pelo imperador Pachacute, responsável pela criação do império. Durante seu longo reinado, o monarca incentivou a criação de múmias de nobres e sacerdotes, as quais eram preservadas em templos para serem alvo de culto, em que honrar os mortos seria uma maneira de se pedir suas bênçãos e intervenção perante os deuses. A prática de cultuar os mortos é bastante antiga e existe em diferentes continentes, sendo encontradas entre várias religiosos e povos. 

As múmias incas eram expostas em templos, covas, tumbas, mas também participavam de procissões, rituais festivais, marcando a presença desses governantes ou membros da realeza; lembrando que o imperador, chamado de Sapa Inca, era considerado de origem divina, logo, seus familiares diretos possuíam ligação com o sagrado naquela religião. Além disso, essas múmias serviam para marcar presença dos falecidos nos acontecimentos atuais, mostrando que embora já tivessem morrido, seus corpos santificados estavam ali, preservados, podendo ser vistos e tocados. Passando a possuir um simbolismo fúnebre para aquela religião. (RIVIERA, 2017, p. 14-15). 

Duas múmias de Llulaillaco com suas oferendas. Elas foram descobertas em 1999, num vulcão no Chile. 

As múmias incas recebiam oferendas em alimentos e bebidas, além de outros objetos e roupas. Os ritos relacionados a elas buscavam prosperidade, proteção e fertilidade para o campo e os animais. Havia também a crença que se os ritos não fossem devidamente feitos ou as múmias fossem afrontadas ou danificadas, isso atiçaria a ira de sua alma, trazendo azar e infortúnios ao ofensor. Além disso, acreditava-se que manter essas múmias por perto poderia assegurar a proteção contra doenças e pragas. (CERUTI, 2012, p. 90-91). 

O culto as múmias entre os incas permaneceu mesmo após o fim do seu império, como relataram cronistas espanhóis da segunda metade do século XVI, os quais se mostravam horrorizados com essa prática dita pagã e bárbara, pois para a concepção deles aquilo era idolatria pura. Além de se considerar o fato que após a conquista do império, teve início a cristianização dos povos andinos, sendo forçados a aderir ao catolicismo, logo, a presença de antigos ritos e crenças era um empecilho para a difusão da religião dos conquistadores, por conta disso, tais antigas crenças deveriam ser proibidas e apagadas da História.

Apesar do fato de haver aversão de parte dos espanhóis pelo culto as múmias, no entanto, nem todas foram destruídas, algumas inclusive foram preservadas e até expostas como objetos de curiosidade, como algumas múmias que foram levadas para o Hospital San Andrés, em 1560, sendo exibidas como curiosidade para o público espanhol. Elas ficaram alguns anos em exposição depois foram guardadas e enterradas. Algumas nunca mais foram encontradas e outras foram recuperadas. (ZIEMENDORFF, FIGUEROA, CENTENO, 2019, p. 14).

Todavia, nem todas as múmias incas eram nobres ou membros do alto clero, algumas eram pessoas que foram sacrificadas aos deuses, o que poderia incluir crianças e adolescentes. Um exemplo famosos são as chamadas crianças de Llulaillaco, encontradas em 1999 numa caverna no vulcão homônimo, na divisa entre o Chile e Argentina. Tratam-se de uma adolescente por volta de seus quinze anos, uma menina de cerca de seis anos e o menino teria em torno dos sete anos, tendo sido encontrados a 6.739 metros de altura, um dos picos mais altos das Américas. Devido ao ar rarefeito e seco e o frio, as múmias ficaram bem conservadas. Inclusive os incas costumavam se valer do ambiente frio e seco dos Andes para realizar a mumificação. 

As três múmias de Llulaillaco, da esquerda para direita: A Donzela, o Menino e a Menina do Raio. 

Além das três múmias, cem objetos deixados como oferendas foram encontrados ao redor, indicando que aquele espaço teria servido em épocas remotas como um santuário, apesar da elevada altitude. 

“Asimismo, se recuperaron alrededor de 100 objetos depositados como ofrendas asociadas, incluyendo estatuillas antropomorfas de oro, plata y valva de molusco con miniaturas textiles y tocados de plumas; figurinas representando camélidos andinos -llamas y vicuñas- vasijas y platos de cerámica; vasos y cucharas de madera, bolsas tejidas conteniendo hojas de coca y alimentos”. (CERUTI, 2012, p. 93). 


As múmias de Llulaillaco são exemplo de sacrifício humano, em que análises feitas a partir do estômago e tecidos das crianças, revelou que elas foram preparadas para serem sacrificadas. No caso, a prática de sacrifício de pessoas era comum entre os Incas, embora não fosse tão grande como vista entre os maias e astecas. Apesar que existam relatos de várias pessoas sacrificadas em determinadas ocasiões. Todavia, as múmias de Llulaillaco indicam que faziam parte da nobreza devido a terem tido uma boa nutrição e estarem vestidas com roupas caras. (CERUTI, 2012, p. 95). 

A múmia da Donzela de Llulaillaco, durante exames em 2007. A partir de alguns ângulos dá a impressão que a garota esteja viva e apenas dormindo. 

Tais múmias também mostram que a adolescente e as crianças teriam recebido folhas de coca para serem entorpecidos ao longo de alguns meses, como parte do preparo para o sacrifício, depois disso, estando drogados, eles foram conduzidos até a montanha, onde passaram por outro ritual para serem executados. Em geral as pessoas sacrificadas eram mortas por estrangulamento ou acertadas por um porrete na cabeça. Devido as múmias de Llulaillaco terem sido sacrificadas em elevada altitude e possível que o ar rarefeito possa ter contribuído para a morte delas. Atualmente essas múmias estão em exposição no Museu de Arqueologia de Alta Montanha de Salta (MAAM), na Argentina. 

Referências bibliográficas

CERUTI, María Constanza. Los niños del Llullaillaco y otras momias andinas: salud, folclore, identidade. Scripta Ethnologica, vol. XXXIV, 2012, p. 89-104.

ISIDRO, A. Las momias: tipología, historia y patalogíaRev. Esp. Antrop. Fis. n. 26, 2006, p. 37-62. 

ZIEMENDORFF, Stefan; FIGUEROA, Mario Millones; CENTENO, Edwin Greenwich. Las momias reales incaicas en el hospital de san andrés: su permanencia e identificación. Historia y Cultura, n. 30, 2019, p. 13-49. 


Nenhum comentário: