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Leandro Vilar

sábado, 23 de outubro de 2021

A fundação da cidade de Nova York

Uma das mais conhecidas e importantes cidades do mundo, Nova York, surgiu no século XVII, como uma pequena colônia holandesa, depois adquirida pelos ingleses, que investiram em seu crescimento desde então, tornando-a uma das maiores cidades dos Estados Unidos e um centro financeiro. 

Antecedentes (1524-1624)

A presença europeia no atual território nova-iorquino remonta ao ano de 1524, quando o capitão italiano Giovanni da Verrazano (1485-1528), a bordo do navio La Dauphine, adentrou o estreito de Narrows (na época considerado um rio) na Upper Bay, avistando a ilha de Manhattan. Verrazano relatou em seu diário de bordo o seguinte:

"Mas por estarmos ancorados em um local bem protegido do vento, não nos aventuraríamos sem conhecimento do lugar, e passamos com nosso barco apenas no referido rio, e vimos o país muito bem povoado. As pessoas são quase como as outras, e vestidas com penas de aves de diversas cores. Eles vieram em nossa direção muito alegres, dando grandes gritos de admiração, mostrando-nos onde poderemos aportar com mais segurança com nosso barco. Entramos no referido rio para a terra cerca de meia légua, onde formou um lago muito agradável, com cerca de 3 léguas de bússola; no qual eles remavam de um lado para o outro, até o número de 30 de seus pequenos barcos, onde havia muita gente, que passou de uma margem a outra para nos ver. E eis que de repente (como costuma cair ao navegar) uma falha contrária do vento vindo do mar, fomos obrigados a retornar ao nosso navio, deixando esta terra, para nosso grande descontentamento pela grande mercadoria e sua simpatia, que supomos ter algumas riquezas, todas as colinas exibindo minerais presentes nelas". (MORISON, 1978, p. 150, tradução minha).

Retrato de Giovanni da Verrazano, considerado o "descobridor" de Nova York. 

Apesar da descrição otimista dada por Verrazano, ele exagerou quanto ao afirmar que as colinas abundavam em minerais, fato esse que demorou para se descobrir minas na região. De qualquer forma, após esse contato, ele seguiu viagem, mas sem antes nomear aquelas terras com o nome de Nova Angoulême, em homenagem ao rei da França, Francisco I, o qual era seu patrocinador e chefe. A pequena baía foi nomeada como Baía de Santa Margarida (atual Upper Bay), em homenagem a irmã do rei. (MORRISON, 1978, p. 150). 

Mapa mostrando Nova Angoulême, nomeada por Verrazano, em 1524.
Fonte: MORRISON, 1978, p. 151. 

Embora oficialmente o governo francês atribuísse a si o domínio sobre aquele território, entretanto, nunca lhe foi dada uma devida atenção. A coroa francesa estava interessada em outras localidades das Américas e no comércio com o Índico. Fato esse que por décadas, Nova Angoulême foi um território pouco explorado pelos franceses, apesar que Verrazano seguiu fazendo exploração da costa norte-americana e de outras localidades. (MORRISON, 1978, p. 151). 

No ano de 1609, o capitão Henry Hudson (c. 1550 - c. 1611) a serviço da Companhia Holandesa das Índias Orientais (Veerenigde Oost-Indische Compaigne - VOC), viajou a bordo do Halve Mean à América do Norte, com a missão de descobrir se haveria uma passagem para o Oceano Pacífico. Hudson chegou até o norte do Canadá, mas devido ao grande frio, decidiu desistir de seguir por ali e desceu a costa, procurando algum rio ou canal que atravessasse o continente, lembrando que na época se desconhecia a extensão da América do Norte. Mas ao chegar em Nova Angoulême, ele decidiu explorar aquelas terras, adentrando por um rio do lado esquerdo da ilha de Manhattan, o qual ele chamou de Rio Maurício (atual rio Hudson) e atestou uma grande quantidade de castores vivendo ali, e naquele tempo, as peles deles eram um artigo de luxo na Europa, o que daria um comércio rentável. Ao retornar a Holanda, ele explanou a respeito do potencial de se explorar o comércio de peles de castor naquela região. (HUNTER, 2009, p. 11-12). 

Retrato do capitão Henry Hudson. 

A partir do relato do capitão Hudson, a VOC decidiu enviar novas expedições a Nova Angoulême para mapear a região e explorar o comércio de peles de castor, além de buscar outras matérias-primas. Assim, entre 1611 e 1615, viagens anuais foram realizadas, e o governo holandês vendo que o negócio de peles era lucrativo para sustentar a exploração daquele território, incumbiu o capitão Hendrick Christiansen (?-1619) em assegurar aquelas terras. Logo, o capitão viajou com as ordens de criar um entreposto e um forte para defender a localidade. (GEHRING, 2000). 

Na chamada ilha do Castelo (atualmente em terras de Albany), no interior do rio Hudson (na época chamado North River), foi erguido uma simples fortificação de madeira, nomeada Forte Nassau, em homenagem ao stadholder e príncipe de Orange, Maurício de Nassau (1567-1625), o qual também atuou como importante general na época. A fortificação foi a primeira obra holandesa erguida no território que viria a ser renomeado para Novos Países BaixosO pequeno Forte Nassau sofreu ataques dos indígenas nos anos seguintes, sendo reconstruído algumas vezes até ser renomeado em 1624 para Forte Orange(GEHRING, 2000). 

Ilustração de como seria o Forte Orange, em 1635. 

Nova Amsterdã (1625-1664)

Foi na década de 1620 que a Holanda ou República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos, decidiu investir na Nova Angoulême, embora, isso tenha sido um dos vários objetivos secundários ou terciários da companhia, a começar pela condição de que em 1621 foi fundada a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (West-Indische Compaigne - WIC), cujo um dos objetivos iniciais era tomar controle da produção açucareira no Brasil, na época uma alta fonte de lucro, fato esse que o açúcar era o então "ouro branco". Todavia, a WIC necessitou reunir capital para formar um exército e esquadra para invadir o Brasil, algo que somente ocorreu em 1624. 

Enquanto a ocupação da cidade de Salvador, capital do Brasil, ocorria, a WIC enviou expedições pelo Atlântico, incluindo algumas dirigidas para a colônia dos Novos Países Baixos, a qual vinha sendo investida desde 1611. A ideia era que até então o local possuía um forte no interior e alguns entrepostos, mas a proposta era criar uma pequena cidade portuária para facilitar a exploração do território, além de melhorar o apoio logístico aos navios, comerciantes, trabalhadores e soldados. 

O capitão Peter Minuit (1580-1638) foi incumbido no cargo de diretor colonial, com a missão de estabelecer o primeiro núcleo urbano dos Novos Países Baixos. Para facilitar o acesso ao mar, Minuit e sua equipe decidiram construir a cidade num local estratégico, então viram a ilha de Manhattan na foz do rio Hudson, sendo um local estratégico para ali fundar a cidade. Na época, a ilha era ocupada por uma tribo de algonquinos, os quais já conheciam os holandeses a algum tempo. Na ocasião, Minuit teria oferecido uma quantia irrisória de 60 florins para comprar a ilha que possui 87,69 km2. Segundo uma lenda, a compra teria sido feita com base no escambo, em que foi dado como pagamento, contas de vidro. (ANBINDER, 2016, p. 29). 

Cena retratando Peter Minuit negociando com os algonquinos, a compra da ilha de Manhattan. 

De qualquer forma, Minuit e seus homens conseguiram enganar os indígenas naquela negociação bastante vantajosa para a WIC. Com isso, os indígenas deixaram Manhattan. O engenheiro Cryn Fredericks foi encarregado de construir uma fortificação para assegurar aquela posição, isso era praxe das ordens da WIC. A fortificação de madeira foi nomeada Forte Amsterdã. Enquanto isso, Minuit retornou a Holanda para informar sobre o êxito do negócio e aguardar novas instruções sobre a futura colônia que começou a ser construída em 1626A colônia foi crescendo aos poucos nas décadas seguintes, ocupando a ponta sul da ilha de Manhattan, o que compreende atualmente a região da cidade baixa até Wall Street

Planta da cidade de Nova Amsterdã na década de 1660, com o Forte Amsterdã em destaque. 

Surge Nova York (1664)

Em 1654 as finanças da WIC sofreram um duro golpe com a perda das colônias no Brasil e em Angola, encerrado assim, o negócio do açúcar e do tráfico negreiro. Embora que desde a década de 1640 a WIC vivenciava altas dívidas devido a guerra luso-holandesa para manter seus domínios no nordeste brasileiro. Mas após 1654, a companhia ainda negociou nos anos seguintes com Portugal, uma indenização, que acabou sendo paga, mas isso não foi o suficiente para saldar as dívidas. Para piorar a situação da empresa, os ingleses começaram a atacar territórios holandeses no Caribe, Antilhas, África, Ásia e na América do Norte. 

Em 1664, quatro navios ingleses e uma companhia com mais de quatrocentos soldados, liderada pelo capitão Richard Nicholls (1624-1672), aportou diante de Nova Amsterdã e ameaçou abrir fogo contra a cidade. O governador Peter Stuyvesant (1612-1672), o qual governava desde 1647, sem muito o que fazer, pois a tropa da cidade era pequena e o forte estava defasado, decidiu assinar os termos de rendição, reconhecendo Nicholls como novo governador. Nota-se que a conquista da cidade foi a base da ameaça, não havendo conflito. (ANBINDER, 2016, p. 65). 

O rei Charles II (1630-1685) da Inglaterra, Escócia e Irlanda, ao ser informado sobre a conquista de Nicholls, decidiu renomear a cidade holandesa, trocando seu nome para Nova York, em homenagem ao seu irmão James (1633-1701), o Duque de York, que a partir de 1685 assumiu com James II da Inglaterra, sucedendo seu irmão mais velho. (ANBINDER, 2016, p. 66). 

O rei Jaime II da Inglaterra, Duque de York. 

A conquista de Nova Amsterdã, agora renomeada para Nova York, não foi bem aceita pela WIC e o governo holandês, tornando-se um dos motivos para o país declarar guerra a Inglaterra, levando a Segunda Guerra Anglo-Holandesa (1665-1667), que resultou num impasse para ambos os países, os quais optaram em assinar o Tratado de Breda (1667). Durante a Terceira Guerra Anglo-Holandesa (1672-1674), os holandeses conseguiram capturar Nova York e a ocuparam por alguns meses até que foram derrotados, tendo que abandonar de vez qualquer nova tentativa de reaver sua cidade. Dessa forma, Nova York seguiu por mais de um século sob posse dos ingleses até se tornar parte dos Estados Unidos da América. (ANBINDER, 2016, p. 68-70). 

Mapa de Nova York em 1674. A cidade ainda conservava a urbanização dos holandeses. 

NOTA: É creditado a Henry Hudson a descoberta do rio Hudson, que fica em Nova York, já o Estreito de Hudson e a Baía de Hudson se encontram no Canadá. Hudson e seu filho foram abandonados na baía que recebeu seu nome, após um motim, onde faleceram posteriormente de causas desconhecidas. 

NOTA 2: A Wall Street recebe este nome, pois em 1653, foi construído um muro de madeira onde ela se localiza. O muro foi erguido para proteger a cidade de Nova Amsterdã, apesar que foi derrubado no final daquele século. 

NOTA 3: A ideia de que judeus que viviam no Recife, após serem expulsos em 1654, foram fundar Nova York é incorreta. De fato, alguns judeus que abandonaram o Brasil por conta da saída da WIC, seguiram para lá, mas a cidade já existia há quase trinta anos. 

Referências bibliográficas:

ANBINDER, Tyler. City of Dreams: The 400-Year epic History of Immigrant New York. New York, Hougthon Mifflin Harcout, 2016. 

GEHRING, Charles (ed). Fort Orange Records, 1656-1678. The Holland Society of New York, 2000. 

HUNTERD. Half Moon: Henry Hudson and the voyage that redrew the map of the New World. New York, Bloomsbury Press, 2009.

MORRISON, Samuel Eliot. The Great Explorers: The European Discovery of America. Oxford: Oxford University Press, 1978. 


domingo, 17 de outubro de 2021

As icamiabas: a lenda das amazonas brasileiras

A Floresta Amazônica e o Rio Amazonas receberam esses nomes por conta de que supostamente durante a expedição do explorador espanhol Francisco de Orellana, ocorrida entre 1541 e 1542, foi encontrada uma tribo de mulheres guerreiras que causaram problemas aos espanhóis. Ao retornar para Espanha, Orellana e seus homens relataram terem encontrado amazonas vivendo naquela imensa floresta. No entanto, cronistas que escreveram sobre ocorrido, relataram diferentes versões para tal acontecimento o que levou os historiadores e folcloristas a considerarem que talvez esse encontro não tenha ocorrido ou tenha sido um grande mal entendido.

As amazonas em guerra. Gravura para o livro Singularidades da França Antártica (1558), de André Thevet. 

Introdução

O mito das amazonas estão entre as narrativas da mitologia grega que ainda hoje geram fascínio, mesmo que poucas pessoas conheçam as especificidades dessas narrativas, ainda assim, sabem que as amazonas eram uma sociedade feminina e matriarcal, havendo a ausência de homens ou sua baixa presença. No caso, as amazonas seriam uma sociedade essencialmente marcial, conhecida por sua beleza, bravura e até mesmo barbárie. Mas além de constarem nos mitos, historiadores e geógrafos gregos também escreveram sobre o "país das amazonas", tratando-o como se fosse um lugar real, situado em torno do Mar Negro, sendo as amazonas descendentes dos Citas ou Sármatas

No caso da América do Sul, as amazonas surgiram a partir do relato da expedição de Francisco de Orellana (1511-1546), explorador, político e militar espanhol que participou da conquista do Império Inca (1438-1533). Após alguns anos servindo em cargos de governo e militares no Peru, Orellana decidiu empreender ousada expedição para desbravar e mapear o Grande Rio, nome pelo qual era conhecido o Rio Amazonas. A jornada iniciou-se em novembro 1541, em El Barco no Peru, findando-se em na ilha de Marajó no Brasil, em agosto de 1542. 

A rota da expedição de Orellana, do Andes ao Atlântico, através do Rio Amazonas, entre 1541 e 1542. 

Foram vários meses num percurso de mais de seis mil quilômetros através da Floresta Amazônica, sofrendo com ataques, batalhas, mosquitos, doenças, fome, calor, desavenças e outros problemas. Mais de duzentos espanhóis e milhares de indígenas participaram da expedição, embora apenas algumas dezenas chegaram ao final. 

Mas entre os vários conflitos que os espanhóis tiveram que enfrentar na longa travessia, um deles se tornou mais memorável, o qual ocorreu no mês de junho, em que a expedição foi atacada por uma tribo de mulheres guerreiras. Um frei que participou da expedição, relatou toda a viagem. 

Relato de frei Gaspar de Carvajal (1541-1542)

Gaspar de Carvajal (1504-1584) era um missionário dominicano de origem espanhola, o qual acompanhou Orellana em sua expedição, tendo sobrevivido a difícil viagem que durou dez meses através do Rio Amazonas. Ele relatou suas memórias dessa expedição no livro Relación del nuevo descubrimiento del famoso rio Grande que descubrió por muy gran ventura el capitán Francisco de Orellana

Nesse relato temos a primeira menção as amazonas, em que Carvajal diz que um indígena chamado Aparia, em cuja tribo acolheu os espanhóis, falou que havia uma tribo de amazonas vivendo naquela floresta e também tinha um cacique chamado Ica, que era dono de grande quantidade de ouro. (CARVAJAL, 1942, p. 12). 

A expedição permaneceu mais de um mês em território do cacique Aparia, aproveitando para reparar suas embarcações, construir um navio, descansar e reunir alimento. O frei relata que durante uma nova conversa, ouviu falar novamente das amazonas, dizendo que aquele povo de Aparia as chamava de coniupuyara, que significava "grandes senhoras". O indígena os alertou a terem cuidado com elas, por serem hostis e estarem em maior quantidade do que os espanhóis. (CARVAJAL, 1942, p. 14). 

No começo de junho, o frei relatou que chegaram numa aldeia com grande praça. Ali foram bem recebidos e também souberam que aquele povo pagava tributos a rainha das amazonas. (CARVAJAL, 1942, p. 40). 

Finalmente na data de 24 de junho de 1542, Dia de São João, a expedição parou próxima da curva com um rio. Ali os espanhóis encontraram as amazonas. Carvajal disse que elas eram lideradas por capitãs e eram bravias guerreiras, as quais faziam os indígenas que os acompanhavam terem medo de darem as costas para não serem flechados. Elas também usavam porretes para lutar. Todavia, a descrição física das amazonas dada pelo frei é bastante estranha. 

"Estas mujeres son muy blancas y altas, y tienem muy largo el cabello y entrenzado y revuelto a la cabeza, y son muy membrudas y andam desnudas em cueros, tapadas sus verguenzas, y con sus arcos y flechas en las manos; haciendo tanta guerra quanto diez indios". (CARVAJAL, 1942, p. 49).

A descrição de frei Gaspar de Carvajal é bastante intrigante, pois ele referia-se as amazonas como sendo mulheres brancas, altas e robustas. Todavia, não haveria mulheres dessa cor, vivendo no interior da Floresta Amazônica. Alguns até alegaram que se tratariam de indígenas de pele clara, mas a descrição do frei é categórica em enfatizar que as amazonas eram bastante brancas. A interpretação que se dá é que ele teria as descrito não como realmente eram, mas baseando-se no relato dos mitos gregos. Pois as amazonas caso elas tenham sido vistas naquele dia, seriam mulheres pardas e baixas. 

Apesar dessa descrição problemática, Gaspar de Carvajal prosseguiu o breve relato dizendo que os espanhóis e os indígenas aliados trocaram flechas e tiros contra as amazonas, mas Orellana ordenou que todos batessem em retirada, pois era arriscado prosseguir com aquela batalha. (CARVAJAL, 1942, p. 50).

Um dia depois do encontro com as amazonas, outra tribo foi avistada, e um homem foi feito prisioneiro. Ele que conhecia aquelas terras, falou a respeito do reino das amazonas. O indígena disse que elas não possuíam maridos, viviam apenas mulheres em suas aldeias, as quais eram muitas e ficavam longe dali, em cujo pequeno reino, controlavam estradas e possuíam aldeias muradas. Faziam guerras com as tribos vizinhas para conseguir prisioneiros e depois pedir recompensa por eles. (CARVAJAL, 1942, p. 53-54).

As amazonas para povoar seu reino, relacionavam-se com homens de outras tribos, principalmente da tribo do Rei Branco, que era um poderoso senhor naquela floresta, o qual era respeitado pelas amazonas. Após a gestação, as meninas eram mantidas na tribo, mas os meninos ou eram mortos ou enviados para os pais. (CARVAJAL, 1942, p. 55).

A rainha delas se chamava Conhori, em seu reino havia imensa riqueza em ouro e prata, a ponto do indígena dizer que a capital do reino era uma bela cidade que possuía grandes casas e templos, nos quais se encontravam ídolos de ouro e prata, onde se cultuavam o Sol. O relato também diz que na capital, as amazonas usavam roupas feitas de lã de lhama, mas mantinham os seios descobertos. Seus cabelos eram longos que chegavam a tocar no chão e as mais ricas usavam coroas de ouro. O reino das amazonas era respeitado e temido, possuindo tribos vassalas e inimigas. (CARVAJAL, 1942, p. 56).

Carvajal (1942, p. 57) escreveu que a fama das amazonas era conhecida nos Andes, onde ele ouviu de indígenas de Quito, os quais desciam as montanhas, seguiam pelo Grande Rio para conhecer as terras daquelas mulheres guerreiras.

Relato de frei André Thevet (1558)

Andreté Thevet (1502-1590) foi um frei franciscano de origem francesa que veio ao Brasil para participar da colônia da França Antártica, situada na baía de Guanabara. Interessado por aquelas terras e tendo em vista também escrever a respeito do Brasil para propagar na França, a fim de defender a colônia da qual fazia parte, Thevet redigiu extensa crônica sobre a colônia brasileira, abordando assuntos sobre história, geografia, costumes, flora e fauna. No caso, ele comentou a respeito da expedição de Orellana, ocorrida dezesseis anos antes. E consequentemente ele também escreveu sobre as amazonas. 

“Ao contrário da opinião de alguns autores, quero crer que são essas mulheres realmente amazonas, porquanto têm os mesmos costumes de suas homônimas da Ásia. E, antes de ir adiante, é preciso notar que as amazonas, das quais falo, vivem segregadas em certas ilhotas, as quais lhes servem também de fortaleza. Demais, quase não têm outra atividade senão a das guerras perpétuas contra os seus inimigos, – justamente como as amazonas descritas pelos historiógrafos. De fato, essas ilhas são frequentemente acometidas pelos inimigos, que lhes vão ao encontro, em canoas ou em outras embarcações, atacando-as a flechadas, embora se defendam estas por si mesmas, corajosamente, com ameaças, urros e os mais espantosos gestos”. (THEVET, 2018, p. 376). 

“As amazonas fabricam os seus escudos com os cascos das grandes tartarugas, como o leitor poderá observar na gravura seguinte. E, já que chegou a oportunidade, direi algumas palavras a respeito dessas rudes e bravias mulheres, junto às quais os pobres selvagens não encontram lá tão grande consolo”. (THEVET, 2018, p. 377). 

As amazonas executando prisioneiros. Aqui elas foram retratadas como brancas, de acordo com o relato de Carvajal. Gravura Gravura para o livro Singularidades da França Antártica (1558), de André Thevet. 

Nas páginas seguintes o padre disserta sobre as amazonas, falando que elas existiriam também na África e na Ásia, e depois inicia uma curto debate sobre etimologia do termo, dizendo que não acreditava na história de que elas arrancariam um dos seios por conta do arco. Thevet após comentar sobre o mito grego das amazonas, retoma a sua descrição das amazonas americanas. 

“As amazonas americanas vivem em cabanazinhas, ou nas cavernas rochosas, alimentando-se de peixes e veações outras, assim como de algumas excelentes frutas produzidas em suas terras. Matam os filhos machos, assim que nascem, devolvendo-os a seus prováveis pais; quanto às meninas, guardam-nas consigo, justamente como faziam as antigas amazonas da Ásia. Ordinariamente, guerreiam algumas outras nações e tratam com muita desumanidade os que caem em seu poder. Isto é, penduram-nos pelas pernas a um galho alto de árvore, onde os deixam por algum tempo; se, porém, quando tornam ao lugar do suplício, os prisioneiros ainda estão, por acaso, vivos, atiram-lhes milhares de flechas. É verdade que não devoram os inimigos, como os demais selvagens, mas deitam-nos ao fogo, até os mesmos fiquem reduzidos a cinzas. No combate, as amazonas avançam lançando horríveis e espantosos gritos. Isso para amedrontar os contrários”. (THEVET, 2018, p. 380-382).

Relato de Gabriel Soares de Sousa (1587)

O cronista, explorador e fazendeiro Gabriel Soares de Sousa (1540-1591), foi um dos primeiros a escrever uma obra-geral descrevendo a colônia do Brasil, intitulada Tratado Descritivo do Brasil (1587), um longo livro, em que forneceu vários dados históricos e geográficos, além de informações sobre a colonização, os povos indígenas e suas sociedades e costumes. No caso, Sousa (2013, p. 39) cita algumas vezes as amazonas, falando que elas teriam sido a primeira vez avistadas por Francisco de Orellana em 1542. Além disso, o autor designa que as amazonas seriam uma tribo do ramo dos Tapuias, assim como, eram ubirajarasamoipiras e tupinaés, e viveriam no Pará

Em sua descrição sobre os ubirajaras que viveriam no sertão, Gabriel Soares, disse que essa tribo de bárbaros era conhecida por estar em guerra contra os amoipiras, mas também lutavam contra uma tribo de mulheres.

"e pela outra com mulheres, que dizem ter uma só teta, que pelejam com arco e flecha, e se governam e regem sem maridos, como se diz das amazonas; dos quais não podemos alcançar mais informações, nem da vida e costumes destas mulheres". (SOUSA, 2013, p. 357).

Nesse breve comentário sobre as amazonas, observa-se que Sousa disse ter pouco a falar delas, pois as informações ainda eram desconhecidas sobre aquele povo. No entanto, chamo atenção a condição de ele dizer que elas teriam apenas um seio, ideia essa não citada no relato de Carvajal, mas que advém diretamente da mitologia grega, em que algumas narrativas diziam que as amazonas arrancavam um dos seios (geralmente o direito), para não atrapalhar na hora do manejo do arco. Inclusive a palavra amazona poderia significar "sem seio". Observa-se assim, que Gabriel Soares valeu-se dessa descrição mitológica para se referir as amazonas brasileiras. 

Relato do padre Yves D'Evreux (1615)

Em 1612, chegou à Capitania do Maranhão, Yves D'Evreux (1577-1632), padre, cronista e naturalista, incumbido de participar de uma expedição de reconhecimento daquelas terras que estavam ocupadas pelos franceses, embora pertencessem a Portugal. Em seu relato intitulado Voyage dans le nord du Brésil (1615), ocorrido entre 1613 e 1614, D'Evreux escreveu várias informações sobre a natureza e a fauna, dando especial atenção aos insetos, os quais possuía admiração. Além disso, ele também relatou sobre a evangelização daquele território e notícias sobre alguns povos indígenas. 

D'Evreux (1874, p. 23-24) escreveu que as amazonas eram filhas dos Tupinambás, as quais por motivos desconhecidos se rebelaram contra sua tribo e criaram uma tribo própria, onde viviam apenas mulheres, as quais residiam numa grande ilha próxima ao Rio Maranhão ou Rio Amazonas. Elas uma vez ao ano iam até as tribos vizinhas para poderem engravidar. Os meninos eram entregues aos pais, mas as meninas ficavam com as mães. D'Evreux relatou que conheceu um tupinambá que lhe disse que a ilha das amazonas ficava um mês de viagem da aldeia onde ele vivia. 

Entretanto, D'Evreux (1874, p. 24) se mostrou incrédulo em seu relato ao referir-se aquelas mulheres como sendo amazonas. Ele escreveu que elas não cortavam um dos seios como era dito nos mitos, além disso, não seriam grandes guerreiras, mas mulheres selvagens, que eram ágeis e hábeis no manejo do arco, e se defendiam como podiam, não apresentando uma grande ameaça. Ele também concluiu que o termo amazona dado pelos espanhóis e portugueses, tenha sido empregado de forma errada. 

Um dado interessante visto no relato de D'Evreux é que o indígena que ele conheceu, disse que as amazonas viviam numa ilha, algo que lembra algumas narrativas gregas, em que situavam o lar das amazonas como sendo numa ilha no Mar Negro. 

Relato de Pedro Teixeira (1638-1639) 

Pedro Teixeira (c. 1570-1641) foi um explorador, governador e militar português, responsável por campanhas no Maranhão e Pará. Em 1637 ele empreendeu expedição através do Rio Amazonas para chegar até o Peru, realizando o caminho contrário feito por Orellana, quase um século antes. Seu relato não é tão extenso e detalhado, no entanto, é citado que quando ele e seus homens encontraram-se com o povo Omagua, os mesmos que Orellana tinha conhecido, alguns membros tinham dito que haviam há dois meses recebido a presença de amazonas, as quais tinham ido levar bebês homens para dar a eles. Essa é a principal informação contida em seu relato sobre a tribo das amazonas. (TEIXEIRA, 1889, p. 85-86). 

Relato do padre Alonso de Rojas (1639)

Nascido na Espanha, Alonso de Rojas (1588-1653), entrou na Companhia de Jesus e em 1612, mudou-se para o Equador, onde viveu o resto da vida. Tendo contato com as bibliotecas locais das igrejas e dos colégios religiosos, Rojas decidiu escrever um pequeno relato sobre a história natural do descobrimento do Rio Amazonas, cujo relato foi intitulado Relación del Descubrimiento del Rio Amazonas y hoy San Francisco de Quito. Apesar de sua obra enfatizar bastante o lado geográfico e natural do rio, em dados momentos, ele comentou sobre alguns povos indígenas, incluindo as amazonas. 

“Disseram estes índios ao soldado que os entendia, que nas bandas do Norte, aonde iam uma vez por ano, havia umas mulheres, e ficavam com elas dois mêses e se dessa união tinham parido filhos, os traziam consigo, e as filhas ficavam com as mães. E que eram umas mulheres que não tinham mais de um seio, muito grandes de corpo, e que diziam que os homens barbados eram seus parentes, e que os levassem alí. A estas índias chamam comumente Amazonas (icamiabas)”. (ROJAS, 1941, p. 112).

Embora não traga novidades, inclusive algumas das informações foram diretamente baseadas no relatório de Pedro Teixeira, no entanto, Alonso de Rojas usou no original de seu texto o termo ycamiaba, que é traduzido como "sem seio", consistindo numa tradução da palavra grega amazona. De fato, ele tomou como referência o mito grego para se referir a aquelas mulheres, além de dizer que elas eram "aparentadas" dos homens brancos, uma referência ao relato de Carvajal, que as descreveu como mulheres brancas. 

Relato do padre Cristóbal de Acuña (1641)

No ano de 1637, o missionário jesuíta Cristóbal de Acuña (1597-1670), participou de uma expedição a Amazônia, liderada pelo militar português Pedro Teixeira. O relato dessa viagem foi publicado anos depois, intitulado Nuevo Descubrimiento del Gran Rio de las Amazonas (1641). Sua obra difere-se da de Teixeira, por apresentar mais descrições geográficas sobre a viagem, embora que algumas dessas descrições foram retiradas do livro de Alonso de Rojas. No entanto, as informações sobre as amazonas também foram breves. 

Acuña pouco escreveu sobre as amazonas, dizendo que viviam em aldeias apenas com mulheres, mas uma vez ao ano, iam visitar tribos vizinhas, como dos Guacaras, para poderem procriar. As filhas ficavam com elas e os meninos eram mortos ou enviados aos pais. Ele não descreveu a aparência delas, tampouco falou sobre sua sociedade e costumes. (ACUÑA, 1641, p. 37-38)

Acuña já em seu relato diz que as amazonas seriam vizinhas dos Guacaras e dos Tupinambás, enquanto Teixeira e Rojas disseram que elas eram vizinhas do Omaguas. 

Relato do padre Simão de Vasconcelos (1663)

De origem portuguesa, entrou na Companhia de Jesus, ordenando-se padre. Simão de Vasconcelos (1597-1671) viajou ao Brasil como procurador-geral em Roma e na província do Brasil. Atuou como padre e teólogo. Ele redigiu uma extensa crônica com o título Crônica da Companhia de Jesus no Estado do Brasil e do que obraram seus filhos nestas partes do mundo (1663). Como o título indica, a obra versa sobre um relato histórico sobre as missões jesuíticas no Brasil, mas em meio a isso, o livro também traz informações sobre a história, geografia, natureza, costumes, culturas, lendas, etc. Em determinado momento, Vasconcelos cita que no Brasil haveriam seres fantásticos como anões e gigantes, e as amazonas. 

“Diziam que, entre as nações sobreditas, moravam algumas monstruosas. Uma é de anões, de estatura tão pequena, que parecem afronta dos homens, chamados Goiazis.

Outra é de casta de gente, que nasce com os pés às avessas de maneira que quem houver de seguir seu caminho há de andar ao revés do que vão mostrando as pisadas; chamam-se Matuiús.

Outra é de homens gigantes, de 16 palmos de alto, adornados de pedaços de ouro por beiços e narizes, e aos quais todos os outros pagam respeito; têm por nome Curinqueãs.

Finalmente que há outra nação de mulheres, também monstruosas no modo do viver (são as que hoje chamamos Amazonas, e de que tomou o nome o rio) porque são guerreiras, que vivem por si só, sem comércio de homens; vivem entre grandes montanhas; são mulheres de valor conhecido”. (VASCONCELOS, 1874, apud CASCUDO, 2014, p. 56). 

Relato de La Condamine (1751)

Explorador e cientista francês, Charles Marie de La Condamine (1701-1774), realizou expedições científicas pela África, Ásia e América do Sul. Era conhecedor de distintas ciências como geografia, matemática, física, geodesia, botânica, zoologia, além de ser poliglota e um aventureiro nato. Viveu nove anos a trabalho na América do Sul, entre 1735 e 1744, viajando pelo Panamá, Colômbia, Equador, Peru e o Brasil, mapeando e catalogando espécimes vegetais e animais, até porque era representante da Academia Francesa de Ciências. Entre os anos de 1743 e 1744 percorreu o rio Amazonas, indo dos Andes ao Pará. Foi nessa viagem que ele comentou um pouco a respeito das amazonas, embora não tenha visto nenhuma delas. 

La Condamine em seu livro intitulado Viagem a América Meridional descendo o rio das Amazonas (1751), disse que ele e sua expedição esteve intrigada quanto aos relatos sobre aquelas guerreiras e perguntavam aos indígenas informações a respeito. La Condamine respondeu que receberam vários informes, mas nada que assegurasse que elas poderiam ter sido reais ou não passavam de uma lenda local. Apesar que alguns dos indígenas sugeriram que elas vivem ao norte do Rio Negro ou viviam para o lado do  Grão-Pará e Maranhão. Todavia, ele conheceu um indígena que lhe forneceu mais informações a respeito.

“Um índio de São Joaquim d’Omáguas nos dissera que acharíamos talvez ainda em Coari um velho cujos pais avistaram as Amazonas. Soubemos aí que o índio que nos fora indicado havia morrido; mas falamos ao filho que parecia ter 70 anos, e que chefiava os outros índios da mesma aldeia. Ele nos afirmou que o seu avô vira com efeito discorrer tais mulheres pela entrada do rio Cuchivara, provindo do rio Caiame, que desemboca no Amazonas pelo lado sul, entre Tefé e o Coari; que ele chegou a falar com quatro dentre elas; e que uma trazia uma criança ao peito. Ele nos disse o nome de cada uma, e ajuntou que, partindo do Cuchivara, elas atravessaram o grande rio, e tomaram o rumo do rio Negro. Omito certos pormenores pouco verossímeis, mas que em nada importam para o essencial da coisa. Abaixo do Coari, os índios nos disseram sempre o mesmo, com algumas variantes nas circunstâncias: mas todos estavam de acordo no principal”. (LA CONDAMINE, 2000, p. 81-82). 

Localização do Rio Negro e outros rios amazônicos. 

“Em particular o Tapajós, de que faremos menção a seu tempo mais expressamente. Referiram-se a certas pedras verdes, conhecidas como “das amazonas”, que dizem haver herdado de seus pais, e estes as tiveram das “cunhantainsecuima”, ou seja, em sua língua, “mulheres sem marido’, entre as quais, ajuntam eles, existem em grande quantidade”. (LA CONDAMINE, 2000, p. 81-82). 

As tais pedras verdes citadas consistem em amazonitas, uma variedade de feldispato verde. Tais pedras são usadas como joias e amuletos por alguns povos da floresta amazônica, porém, foram associados a lenda das amazonas, pois diziam que elas esculpiam amuletos chamados muiraquitãs, os quais davam para um homem que decidiam se relacionar para gerar um filho dele. Tais pedras também são consideradas como amuletos de proteção e boa sorte. 

Amazonitas, pedras associadas a lenda das icamiabas. 

“Um índio habitante de Mortigura, missão vizinha do Pará, ofereceu-se a mostrar-me um rio por onde se podia remontar, segundo ele, até pouca distância do país atualmente habitado, dizia o mesmo, pelas amazonas. Tal rio se chama Irijó, e depois passei pela sua embocadura, entre Macapá e o cabo Norte. Conforme o reconto do mesmo sujeito, no ponto em que esse rio deixa de ser navegável por causa dos saltos, há-se de, para penetrar no País das Amazonas, caminhar vários dias pelos bosques da margem do oeste, e atravessar um país montanhoso”. (LA CONDAMINE, 2000, p. 83).

“Um velho soldado da guarnição de Caiena, habitando agora próximo dos saltos do rio Oiapoque, assegurou-me que num destacamento em que ele estava, destacamento enviado pelas terras para reconhecer o país, em 1726, havia penetrado até os amicouanes, nação de largas orelhas que vive acima das nascentes do Oiapoque, e perto das de outro rio afluente do Amazonas; e que aí ele vira nos pescoços das mulheres dessas mesmas pedras verdes de que acabo de falar; e que tendo perguntado a esses índios donde as tiravam, obteve como resposta que provinham das mulheres “que não tinham marido”, cujas terras demoravam a sete ou oito dias de jornada para o lado do ocidente. Essa nação dos amicouanes habita longe do mar, num país alto, onde os rios não são navegáveis ainda; assim eles não tinham aparentemente recebido essa tradição dos índios do Amazonas, com os quais não tinham comércio: eles não conheciam senão as nações contíguas às suas terras, entre as quais os franceses do destacamento de Caiena tinham tomado guias e intérpretes”. (LA CONDAMINE, 2000, p. 83).

A fronteira atual entre Brasil e a Guiana Francesa, cortada pelo rio Oiapoque. 

Essa parte do relato do cientista francês é interessante, pois foi sugerido que a terra das amazonas ficaria ao norte de Macapá, numa região montanhosa, algo que coaduna com o relato do padre Vasconcelos que disse ter ouvido que as amazonas viviam numa terra com montanhas. Talvez seja uma referência as serras encontradas nos estados brasileiros do Amapá e Rondônia ou na Guiana Francesa. Além disso, ele voltou a dizer que alguns indígenas carregavam colares com pedras verdes, podendo ser uma referência aos muiraquitãs de amazonita. 

“Deve-se preliminarmente notar que todos os testemunhos que acabo de arrolar, outros que deixo de referir, assim como os de que se fez menção nas informações dadas em 1726, e depois os dos governadores espanhóis da província de Venezuela, concordam no fundo na existência das Amazonas; mas o que não merece menor atenção é que enquanto essas diversas relações designam o lugar de retirada das amazonas americanas, umas para o oriente, outras para o norte, ainda outras para o ocidente, todas essas direções diferentes concorrem em situar o centro comum de convergência nas montanhas do Guiana, e num cantão onde nem os portugueses do Pará, nem os franceses de Caiena, ainda penetraram”. (LA CONDAMINE, 2000, p. 83).

“Apesar de tudo, confesso que eu não acreditaria facilmente que as amazonas aí estão estabelecidas, sem notícias mais positivas, de vizinhança em vizinhança, pelos índios limítrofes das colônias européias da costa da Guiana; essa nação ambulante poderia muito bem ter ainda mudado de residência; e o que me parece mais verossímil que tudo o mais é que elas perderam com o tempo seu antigo costume, ou porque tenham sido subjugadas por outra nação, ou porque cansadas de tanta solidão as jovens acabaram por olvidar a aversão materna com respeito aos homens. Assim, quando hoje não se achassem mais vestígios dessa República de Mulheres, não se pode dizer que ela não haja alguma vez existido”. (LA CONDAMINE, 2000, p. 83).

La Condamine se apresentou incrédulo com o relato das amazonas, sugerindo se tratar de uma lenda possivelmente de origem indígena, mas alterada pelos europeus, como ele comentou. Por outro lado, tal lenda poderia ter surgido a partir de mulheres guerreiras que algum dia existiram, mas que não significasse que vivessem num matriarcado ou numa sociedade sem homens. 

Considerações finais:

De acordo com Câmara Cascudo (2005, p. 69-70), o encontro com as supostas amazonas avistadas pela expedição de Orellana, ocorreu entre o rio Jamundá ou Nhamundá e o rio Trombetas. No entanto, Cascudo sublinha que não se tem como saber se esse relato escrito pelo frei seria fruto de lendas indígenas, como ele ouviu, ou ele mesmo acrescentou algo a tal história. 

Localização dos rios Nhamundá e Trombetas na bacia amazônica. Nesse ponto teria ocorrido o encontro da expedição de Orellana com as amazonas. 

Tal condição foi ponto de debate por vários estudiosos, em que alguns tentaram provar que as icamiabas realmente existiram ou existiam, não sendo necessariamente uma lenda. Teorias surgiram e até expedições feitas por estrangeiros nos séculos XVIII e XIX, alegaram terem encontrado vestígios materiais como amuletos e estatuetas, os quais supostamente pertenceriam ao povo das amazonas. Porém, nada disso confirmava a existência de fato daquele povo, fato esse que o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), fundado em 1839, decidiu por sugestão de D. Pedro II investigar o caso. (LANGER, 2009).

“D. Pedro II, homem culto e afeito às ciências, sugeriu aos sócios do IHGB que sua existência fosse investigada. Encarregado de examinar o caso, o poeta e indianista Gonçalves Dias levou menos de dois meses para elaborar uma erudita tese com 70 páginas dedicada ao assunto e publicada na Revista do IHGB em 1855. Para o escritor, pouco importava o momento histórico em que haviam sido produzidas: eram todas narrativas totalmente fantasiosas, criadas para despertar a curiosidade alheia e estimular a busca de riquezas nos desconhecidos trópicos. O grande problema era rebater os relatos orais recolhidos desde La Condamine. Gonçalves Dias não chegou a uma resposta definitiva: não sabia se eles eram uma invenção dos indígenas ou dos europeus. Preferiu mostrar ao leitor as possíveis contradições de uma sociedade formada só por mulheres. Com dados demográficos, tentou comprovar que a taxa de nascimentos seria muito baixa, o que ocasionaria a extinção de qualquer grupo desse tipo. Sua derradeira conclusão foi de que não houve verdadeiras amazonas nem no Velho Mundo e nem nas Américas. A lenda das intrépidas mulheres parecia definitivamente enterrada”. (LANGER, 2009). 

A ideia de que os europeus tenham alterado lendas sobre mulheres guerreiras é algo cogitado nas últimas décadas, embora não seja novidade, pois em 1558, o padre André Thevet escreveu em seu livro que achava o uso da palavra amazona inapropriado, pois elas não teriam uma conexão propriamente com as amazonas citas, as quais eram citadas pelos mitos gregos. Apesar que Thevet chegou a alegar que as "amazonas americanas" seriam uma "quarta raça" de amazonas. 

Salienta-se também a condição de que excetuando-se a descrição mais detalhada de frei Gaspar de Carvajal, o qual inclusive teria incluído elementos da cultura inca para descrever a sociedade das amazonas, os demais relatos apresentados, em geral, pouco informam sobre a sociedade, aldeias, cidades e costumes desse povo, limitando-se a repetir que elas eram uma sociedade sem homens, ficavam com as meninas e ou matavam os filhos. Tais características são encontradas em relatos gregos sobre as amazonas. 

Além disso, sublinha-se que cada autor indicava que elas viveriam em diferentes localidades na Floresta Amazônica. Carvajal falou em muitas aldeias e uma cidade; já Thevet disse que elas viviam em pequenas cabanas ou cavernas, tendo hábitos mais primitivos; D'Evreux assinalou que elas viveriam numa grande ilha, mas os outros autores falam em aldeias espalhadas pela floresta, embora Vasconcelos tenha dito que elas viveriam entre montanhas, algo confirmado pelos relatos apurados por La Condamine. É preciso considerar que a geografia lendária é algo impreciso, havendo diferentes localidades para uma mesma coisa, e o caso das amazonas isso é claramente visível. 

O que se conclui é que trata-se de uma lenda de origem incerta, a qual foi bastante misturada a elementos dos mitos gregos, fato esse que os cronistas em muitos casos, forneciam descrições presentes na mitologia grega e não propriamente nos relatos que ouviam dos indígenas. 

NOTA: O Rio Amazonas possui mais de 6.500 km de extensão, sendo o mais extenso e volumoso rio do mundo. Sua nascente se situa em Nevado Mismi, no Peru, e sua foz encontra-se no Pará, no Brasil. 

NOTA 2: As icamiabas aparecem no romance Macunaíma (1928) de Mário de Andrade, onde o personagem e seus irmãos as encontram e se relacionam com elas. 

NOTA 3: No livro A Saga de Arzen: A Aliança da Espada (2013) de Leandro Vilar, existem amazonas vivendo na Floresta Amazônica, e algumas delas são brancas como narrado por Carvajal. 

NOTA 4: O desenho de curta-metragem Icamiabas na Amazônia de Pedra (2012), apresentam quatro amigas que atuam como heroínas nos dias atuais. A animação ganhou novos episódios em 2017. 

NOTA 5: Yara Flor é uma amazona brasileira que atua como a Garota Maravilha e a Mulher-Maravilha em alguns quadrinhos da DC Comics, mais recentes. 

NOTA 6: Embora os muiraquitãs mais famosos são referidos sendo feitos de amazonita, alguns exemplares de quartzo e jade foram encontrados também. 

Fontes:

ACUÑA, Cristóbal de. Nuevo Descubrimiento del Gran Rio de las Amazonas. Madrid, Imprensa del Reyno, 1641.  

CARVAJAL, Gaspar de. Relación del nuevo descubrimiento del famoso rio Grande que descubrió por muy gran ventura el capitán Francisco de Orellana. Quito, Biblioteca Amazonas, 1942. 

D'EVREUX, Yves. Viagem ao Norte do Brasil. Maranhão, Tipografia do Frias, 1874. 

LA CONDAMINE, Charles-Marie de. Viagem a América Meridional descendo o rio das Amazonas. Brasília, Senado Federal, 2000. 

LA ESPADA, Márcos Jimenez de. Viaje del Capitán Pedro Teixeira aguas arribas del Rio de las Amazonas (1638-1639). Madrid, Imprensa Fortanet, 1889. 

ROJAS, Alonso de. Descobrimento do Rio Amazonas e de suas dilatadas províncias. In: MELO-LEITÃO, C. de (org). Descobrimentos do Rio Amazonas. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1941. 

SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil (1587). Rio de Janeiro, Fundação Darcy Ribeiro, 2013. (Coleção Biblioteca Básica Brasileira, v. 14). 

THEVET, André. Singularidades da França Antártica, a que outros chamam de América. Brasília, Senado Federal, 2018. 

Referências bibliográficas:

CASCUDO, Luís da Câmara. Antologia do Folclore Brasileiro, vol. 1. São Paulo, Global Editora, 2014. 

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 10a ed. São Paulo, Ediouro, 2005, p. 69-71. 

LANGER, Johnni. As indestrutíveis amazonas. Revista de História da Biblioteca Nacional, n. 50, 2009. 

Link relacionado:

O mito grego das amazonas

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Sputnik-1 e o início da Corrida Espacial

Em 4 de outubro de 1957 a URSS lançou o primeiro satélite artificial da História, a orbitar com sucesso o planeta Terra. Tal feito foi um marco histórico no século XX, e o primeiro passo para a Corrida Espacial que ocorreria nos anos seguintes entre os russos e americanos, no que levou no investimento massivo para a construção de satélites, foguetes e as viagens à Lua. 

A ideia de enviar satélites ao espaço já existia na literatura de ficção há séculos, geralmente sendo retratados como inventores que pretendiam voar até o espaço através de balões, foguetes ou navios voadores. No século XX, com o desenvolvimento tecnológico esse antigo sonho até então restrito as páginas da literatura de ficção científica começou a ser cogitado mais realista, principalmente após o advento dos aviões antes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). 

Nas décadas seguintes as aeronaves foram sendo desenvolvidas e durante o governo nazista (1933-1945) houve um investimento massivo em tecnologias em diversas áreas do conhecimento, embora que a indústria bélica, de comunicação e aviação recebeu muitos investimentos. Fato esse, que os nazistas possuíam projetos de criar satélites e aviões que pudessem chegar ao espaço, mas isso nunca se concretizou. 

Posteriormente, os americanos recrutaram os cientistas alemães, sobretudo os físicos, engenheiros e químicos, os dirigindo para outros projetos, muitos de caráter militar como o Projeto Manhattan para a criação de armas nucleares. Todavia, na década de 1950 a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) iniciou uma série de investimentos massivos no desenvolvimento de tecnologia militar, de comunicação, transporte, etc. Parte desses investimentos foram dirigidos ao Programa Espacial Soviético, iniciado em 1953

O Projeto Sputnik

Antes do Sputnik I ser lançado com sucesso em 1957, os soviéticos desde 1953 realizavam experimentos com a criação de foguetes, mísseis, propulsores e satélites. Foram anos de aperfeiçoamento tecnológico até que finalmente o primeiro satélite artificial a orbitar a Terra obtive sucesso. Se hoje em dia existem satélites de diferentes formas e tamanhos, no final dos anos 1950, o Sputnik era pequeno para os padrões de hoje. 

O satélite nomeado Iskusstvenni Sputnik Zemli (Satélite Artificial da Terra), mais conhecido como Sputnik-I, embora também referenciado como Satélite Elementar-1 e PS-1, consistia numa esfera de 58 cm de diâmetro, pesando 83 quilos e possuindo quatro antenas de rádio. Embora pareça simples hoje em dia, na época era o que se tinha de mais avançado tecnologicamente do tipo, até porque nenhum satélite artificial anteriormente tinha sido lançado com sucesso. 

Réplica do Sputnik-I. 

O ano de 1957 não foi escolhido por acaso, mas fazia parte da celebração do Ano Internacional da Geofísica, proposto pela ONU. Na ocasião, os americanos também já vinham desenvolvendo tecnologia espacial e pretendiam lançar seu satélite através do Projeto Vanguard. Curiosamente nesse projeto, cientistas soviéticos trabalharam ao lado de cientistas americanos, já que havia colaboração entre ambos os países. Todavia, o Vanguard sofreu com atrasos, com isso, os russos decidiram não esperar os americanos lançarem o satélite deles e o Projeto Sputnik recebeu uma acelerada. 

Após meses de testes infrutíferos com foguetes R-7 no Campo Estatal no. 4, na Turquia, o projeto Sputnik decidiu lançar o satélite a partir de outra localidade, o Cosmódromo de Baikonur, hoje situado no Cazaquistão. O local estava sendo construído para se tornar oficialmente o principal ponto de lançamentos espaciais da URSS, fato esse, que vários satélites e até algumas expedições como a de Yuri Gagarin, foram lançados de lá. 

Com isso, em 4 de outubro de 1957 o Sputnik-1 foi lançado com sucesso. A função do satélite era analisar dados sobre a atmosfera planetária, a radiação solar, a microgravidade, entre outras informações. Fato esse que o satélite orbitava baixo, favorecendo a comunicação com suas antenas, condição essa que rádios amadores conseguiam sintonizar a frequência do Sputnik-1 quando ele estava por perto. 

O Sputnik-1 operou brevemente não porque sofreu panes ou foi destruído, mas sua bateria não era de longa duração. Após 22 dias ela esgotou e as atividades do satélite foram encerradas em 26 de outubro. Todavia, ele ainda continuou em sua órbita até 4 de janeiro de 1958, quando foi perdendo altitude nesses meses e se desintegrou ao entrar no planeta. Embora o tempo de funcionamento do Sputnik-1 tenha sido breve, ainda assim, a missão foi considerada um grande sucesso pelo Programa Espacial Soviético e um marco histórico. 

Repercussão do lançamento

O impacto cultural foi grande. Milhares de jornais pelo mundo, noticiavam o feito tido como incrível. A notícia era televisionada, saía em jornais, revistas, relatórios, notas, avisos, rádios, etc. As pessoas que costumavam consumir o noticiário com frequência, conversavam com amigos, colegas e familiares a respeito. Embora muitos nada entendessem sobre o assunto, até porque satélites artificiais não eram algo comum naquele tempo, mas a curiosidade era grande. Escritores escreveram contos e narrativas inspiradas no satélite. O governo soviético criou uma propaganda massiva sobre o projeto, criando selos, cartazes, livros, figurinhas, etc. para difundir na URSS a façanha. 

Um dos vários selos comemorativos lançados em referência ao Sputnik-1. 

Os Estados Unidos vivenciou a chamada "Crise do Sputnik" a qual impactou a moral do Programa Espacial Americano, que se viu frustrado com o Programa Vanguard, além do sucesso estrondoso obtido pelos soviéticos. Isso levou ao pontapé da Corrida Espacial, condição essa que o governo estadunidense temia que os russos pudessem criar foguetes intercontinentais que carregassem ogivas nucleares e até mesmo a ideia de satélites de espionagem. 

Condição essa, que o Congresso Americano autorizou aumentar as verbas para o programa espacial, aprovar diretrizes para o incentivar a formação de engenheiros e físicos; acelerar o Projeto Vanguard, retomar o Programa Explorer, o qual lançou o primeiro satélite americano, o Explorer 1, em 1958; criou o Advanced Research Projects Agency (ARPA) e em 1958 foi criada a NASA (National Aeronautics and Space Administration). (DICKSON, 2003, p. 213-214). 

A vitória obtida com o Sputnik-1 levou a URSS investir massivamente na Corrida Espacial iniciada naquele ano. Em 3 de novembro de 1957 o Sputnik-2 foi alçado à órbita com sucesso, sendo o satélite maior e o primeiro a ser tripulado, levando a cadela Laika, uma cobaia para se analisar o impacto da microgravida e da radiação solar, tendo ela se tornado o primeiro ser vivo enviado ao espaço. Infelizmente ela faleceu horas depois do lançamento. 

A cadela Laika, a qual foi levada ao espaço no Sputnik-2, em 1957. 

Os Sputnik 3, 4 e 5 foram lançados entre 1958 e 1960, levando em alguns casos, outros cães e camundongos, além de realizarem vários testes, incluindo o de retornarem ao planeta, algo que se obtive sucesso com o Sputnik-5 em 1960. Isso tudo contribuiu para que no ano seguinte a primeira missão tripulada por humanos fosse enviada, no caso, resultando na missão da capsula Vostok 1, que levou o cosmonauta Yuri Gagarin (1934-1968). 

NOTA: Devido a grande sensação que foi o lançamento do satélite, surgiu no Brasil a banda musical The Sputniks (1957), formada por Tim Maia, Roberto Carlos, Arlênio Lívio, Edson Trindade e Wellington Oliveira

NOTA 2: O Projeto Sputnik enviou 25 satélites ao espaço, embora nem todos apresentaram bom funcionamento, vindo a sofrer pane. Alguns dos satélites foram enviados para estudar a Lua e até Marte.

Referências bibliográficas:

DICKSON, Paulo. Sputnik. The Shock of the Century. The Berkley Publishing Group, 2003. 

SIDDIQI, Asif A. Challenge to Apollo: The Soviet Union and The Space Race: 1945-1974. Washington D.C, NASA History Division, 2000.