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Leandro Vilar

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Os Triângulos do Holocausto: marcas da condenação

Durante o Governo Nazista (1933-1945), foi aplicado a hedionda política dos campos de concentração e de extermínio. Em alguns desses campos os prisioneiros eram sentenciados a condições desumanas para o trabalho forçado ou escravo; porém, nos campos de extermínio, eles aguardavam sua morte, nas câmaras de gás. Todavia, engana-se quem pensa que somente os judeus foram exterminados no chamado Holocausto. De fato, eles foram as maiores vítimas, mas outros grupos, por diferentes motivos também sofreram nas mãos cruéis do governo nazista. O presente texto aborda de forma simples o sistema de classificação de presos e seus motivos para terem sido presos e até condenados a morte, pois a política nazista era de extermínio para quem eles julgavam serem raças inferiores ou ameaças ao regime. 

Cartaz de 1936 mostrando os triângulos e suas variações. A cor marrom acabou desbotando, tornando-se preta.  

Os prisioneiros nos campos de concentração e extermínio recebiam um código que era tatuado em seus braços e gravado em suas roupas, no entanto, para facilitar o seu transporte e fiscalização, eles usavam nos uniformes de presidiário, as insígnias coloridas, em que cada cor significava o tipo de preso. A insígnia poderia vir na lapela, ou na manga direita, e menos usualmente até nas calças. Algumas vezes ela era usada na forma de estrela. 

Quando os prisioneiros eram oriundos de outros países e levados para cumprir pena ou serem executados em outra localidade, seus triângulos recebiam letras indicando se eram da Polônia (P), França (F), Bélgica (B), Húngaros (U), Checos (T), Espanhóis (S), Italianos (I), Ciganos (Z), Países Baixos (N), Rússia (R), etc. 

Os triângulos também possuíam algumas diferenças. Por exemplo, os que recebiam uma linha acima do triângulo, significava que era um preso que havia escapado e foi recapturado. O triângulo acompanhado de um círculo preto identificava os detentos oriundos de batalhões penais (strafkompanie). O círculo vermelho identificava os presos que haviam tentado fugir. A braçadeira marrom era usada pelos presos especiais (embora nem sempre era claro o motivo de ele ser especial). 

Amarelo:

Os triângulos amarelos representavam os judeus, havendo variações caso o indivíduo fosse mestiço, ele seria identificado com um triângulo amarelo junto a um triângulo preto. Já os judeus puros eram identificados com triângulos inteiros ou estrelas. Quando um triângulo de outra cor vinha unido a um de cor amarela, significava que o preso era um judeu, mas também era classificado em outra categoria. 

Prisioneiros judeus de origem neerlandesa, em fotografia de 1941, no campo de concentração de Bunchenwald, na Alemanha. 

Vermelho: 

Essa cor era utilizada para se identificar os presos políticos, os quais poderiam ser oriundos de partidos de esquerda como o comunismo, socialismo, socialdemocratas, anarquistas, mas também poderiam ser oriundos de partidos de direita, sendo liberais, conservadores, etc. Os maçons as vezes também eram incluídos nessa categoria. Além disso, desertores, traidores e espiões estrangeiros, também eram classificados nessa categoria, recebendo um triângulo vermelho em pé. 

Uniforme de um preso político de origem francesa. 

Verde:

A cor identificava os criminosos comuns, os quais eram conduzidos aos campos de concentração para o trabalho forçado. Não necessariamente seriam punidos com a pena de morte, mas poderiam ficarem presos por alguns meses ou anos. Tais criminosos englobavam qualquer pessoa que foi capturada pela polícia e decidiu-se puni-la mais severamente. Em alguns casos, alguns desses detentos agiam como espiões para os guardas, no intuito de ter redução de sua pena. 


Neste exemplo acima temos o código numérico de identificação do preso, o triângulo verde identificando que foi preso por um crime comum, porém, o triângulo amarelo assinala sua ascendência judia. Além disso, o traço verde e o círculo vermelho apontam que esse detento teria fugido e foi capturado. O círculo preto indica que ele teria estado num batalhão penal. 

Azul: 

A cor azul identificava os prisioneiros estrangeiros que se tornavam presos de guerra, sendo conduzidos aos campos de concentração, podendo serem executados ou não. O azul era usado para identificar os estrangeiros que não fossem de origem judia ou cigana. Em alguns casos para identificar a proveniência dos prisioneiros, usava-se a letra inicial do nome de seu país.  

Roxo: 

Essa cor foi usada para identificar principalmente membros das Testemunhas de Jeová, os quais foram perseguidos pelos nazistas pela principal condição de se recusarem ao alistamento militar obrigatório, e também por se manifestarem contrários a política nazista. A cor roxa também incluiu raramente em alguns casos, pessoas católicas e protestantes, as quais usaram a fé como motivo para não se alistar e se posicionar contra o regime nazista, embora que os nazistas fossem apoiados por igrejas cristãs. 

O triângulo roxo usado para identificar testemunhas de Jeová. 

Rosa:

A cor já naquele tempo era usada pra se referir-se aos homossexuais. Para a ideologia nazista a homossexualidade era considerada um distúrbio, uma doença. O governo chegou a investir em tratamentos alternativos em busca de uma "cura gay". Sendo que nestes tratamentos antiéticos, prisioneiros eram usados como cobaias. Por outro lado, os que não eram enviados aos laboratórios, ficavam presos. Em alguns casos os bissexuais, lésbicas, pedófilos e zoófilos eram também incluídos nessa categoria. 

Fotografia mostrando prisioneiros homossexuais. A cor dos triângulos foi destacada na foto. 

Marrom:

A cor marrom era usada para identificar especificamente os ciganos, considerados pelos nazistas como uma "raça" degenerada. Na Europa, comunidades ciganas se espalharam por vários países, sobretudo se concentrando no leste europeu. Os ciganos além de serem vistos como degenerados, eram também considerados apátridas, desonrados e marginais. 

Preto:

A cor preta identificava uma categoria ampla de indivíduos, considerados párias sociais, chamados de "associais", que no linguajar nazista remetia-se a aqueles que eram contra a "ordem social" do regime. No caso, incluíam-se mendigos, alcoólatras, drogados, vadios, prostitutas, apostadores, vândalos, grevistas, etc. Mas também poderia incluir pessoas que simplesmente se manifestavam contra a guerra e o governo, não tomando uma posição política ou religiosa para isso. Em alguns casos, os ciganos eram incluídos nessa categoria. Algumas lésbicas e transexuais também foram incluídos nessa categoria e até mesmo pessoas com problemas mentais e físicos.

Ciganos portando o triângulo preto, no campo de concentração de Dachau, na Alemanha, em 1938. 

NOTA: Além dos judeus, ciganos e homossexuais, os nazistas consideravam os negros, indígenas e deficientes como indivíduos impuros e inferiores, devendo serem eliminados também. Vale ressaltar que pessoas negras que chegaram a servir como soldados para o Reich, eram vistas apenas como algo descartável, assim como, os prisioneiros de guerra, que em alguns casos atuavam em batalhões penais. 

NOTA 2: Nem sempre as lésbicas eram enviadas aos campos de concentração, fato esse que a maior parte dos homossexuais condenados eram homens. A condição se devia que as lésbicas eram forçadas a passar por um tratamento "educacional" para se tornarem héteras e poderem se casar e terem filhos. O governo nazista incentivou em várias ocasiões que os cidadãos arianos tivessem mais filhos para aumentar a dita "raça superior". 

NOTA 3: Os prisioneiros nos campos de concentração morriam não apenas nas câmaras de gás ou por fuzilamento, mas devido a problemas de saúde e desnutrição. Em alguns casos a desnutrição era proposital para que os prisioneiros fossem definhando aos poucos. No caso das doenças, em algumas ocasiões não se fornecia suporte médico. E quando o prisioneiro era considerado demasiadamente fraco de saúde, poderia ser executado. Houve casos de detentos que também foram abandonados em locais durante o inverno para morrerem de frio. 

NOTA 4: O número de mortos no Holocausto foi de milhões de vida. De acordo com a Enciclopédia do Holocausto temos 6 milhões de judeus, 5 milhões de civis soviéticos, 3 milhões de prisioneiros de guerra, 1,8 milhão de poloneses, 312 mil sérvios, 250 mil deficientes, 250 mil ciganos, 70 mil criminosos comuns e "associais", 1.900 testemunhas de Jeová, e um número indeterminado de presos políticos, homossexuais entre outros detentos. No entanto, alguns estudiosos apontam valores entre 5 a 15 mil homossexuais executados, e um valor bem superior de ciganos, podendo ter passado de 1 milhão de vítimas, considerando pessoas de ascendência cigana. Já os presos políticos teriam passado de 200 mil vítimas. 

Referências bibliográficas:

FINKELSTEIN, Norman G. A indústria do Holocausto. São Paulo, Editora Record, 2001. 

LIPSTADT, Deborah. Denying the Holocaust. The Growing Assault on Truth and Memory. s. l. Plume, 1994.

WEISS, John. Ideology of Death: Why the Holocaust in Germany. s.l. Ivan R. Dee Publisher, 1997. 

Referências da Internet: 

Holocaust Encyclopedia

domingo, 13 de fevereiro de 2022

100 anos da Semana de Arte Moderna

Em fevereiro de 1922 ocorreu no Teatro Municipal de São Paulo três dias de eventos, os quais ficaram conhecidos como a Semana de Arte Moderna de São Paulo, que se tornou um marco para a oficialização do modernismo na arte brasileira e o início desse movimento nas décadas seguintes, apresentando novos conceitos, visões e críticas. O evento na época reuniu grandes nomes da literatura, música e pintura, além de ter gerado algumas polêmicas com suas críticas sociais e culturais. O presente texto consiste numa singela homenagem a Semana de 22. 

O Modernismo:

Para entender o motivo pelo qual a Semana de Arte Moderna ocorreu é preciso saber qual crítica artística ela fazia e o que foi o Modernismo. No caso, ele tratou-se de um movimento artístico e cultural surgido na transição do século XIX para o XX, na Europa, o qual buscava abordar novos temas e estilos. Salienta-se que o modernismo englobou o campo das artes plásticas, escultura, arquitetura, literatura, música e teatro, logo, diferentes estilos coexistiam naquele período como o Romantismo, o Parnasianismo, o Arcadismo, no entanto, o Impressionismo e o Simbolismo, influenciaram diretamente o Modernismo. 

Quando o modernismo começou a surgir na década de 1890, os artistas procuraram romper com antigas temáticas como: motivos religiosos cristãos, mitologia greco-romana, neoclassicismo, paisagens românticas, bucolismo (pinturas do campo), idealismo, pessimismo romântico, etc. Essa ruptura foi gradativa ainda na passagem do século XIX para o XX, mas depois tornou-se bem acentuada.

Os artistas modernistas como se referiam, diziam que era hora de aceitar os "tempos modernos", dessa forma, temas como urbanismo, industrialização, nacionalismo, cultura popular, cotidiano, temas sociais e políticos, traços e formas mais simples ou abstratos, imagens bizarras ou estranhas, objetos comuns, humor e sátira, etc. passaram a serem adotados. 

Essa ruptura inicialmente gradativa, depois total, abriu caminho também para uma série de outros estilos e movimentos artísticos, os quais surgiram no começo do século XX como o Cubismo, Expressionismo, o Surrealismo, o Dadaísmo, o Futurismo, o Fauvismo, entre outros, os quais juntos passaram a serem chamados de arte moderna

O Modernismo chega ao Brasil:

Anos antes da Semana de 1922, o modernismo já tinha chegado ao Brasil, embora ainda não tivesse visibilidade e fosse criticado por ser um estilo rebelde e tido como algo inferior. A primeira grande polêmica do tipo ocorreu com a pintora Anita Malfatti (1889-1964), a qual estudou arte na Alemanha e nos Estados Unidos, dedicando-se ao estilo do Expressionismo, conhecido por suas figuras tortas, traços fortes e emotivos. Ao retornar ao Brasil em 1917, Malfatti montou uma exposição para final daquele ano, porém, a crítica da época ficou horrorizada com suas pinturas. O Expressionismo ainda era coisa nova no país e foi tomado como algo de mau gosto. O famoso escritor Monteiro Lobato (1882-1947), na época criticou negativamente a exposição de Malfatti, considerando-a anormal e fruto de loucura e insensatez. (MORAES, 1988, p. 223).

A boba. Anita Malfatti, 1915-1916. Um dos quadros expostos em 1917. 

Após a recepção negativa de sua exposição, o poeta Oswald de Andrade (1890-1954) saiu em defesa de Anita, rebatendo a crítica ferrenha e insensata de Lobato, lembrando ao escritor que a arte é um campo de possibilidades, invenções, criações, sonhos e delírios. No caso da pintura, essa não precisa expressar a realidade como se fosse uma fotografia. O pintor pode colocar na tela suas distorções que desejar. (MORAES, 1988, p. 223). A fala de Andrade baseava-se bastante em pinturas como o cubismo de Picasso, o expressionismo de Munch e o futurismo de Marinetti. Pintores que tinham desenvolvido suas "escolas" e estavam ganhando fama. 

A crítica positiva de Oswald de Andrade concedeu a Anita Malfatti em prosseguir na sua carreira como pintora, e ela esteve na Semana de Arte Moderna. Mas vejamos outros artistas e obras que se manifestaram antes do evento de 1922. Ainda no ano de 1917, o poeta Mário de Andrade (1893-1945) publicou o livro de poemas Há uma gota de sangue em cada poema, como uma crítica a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Aqui vale relembrar que os modernistas tratavam de acontecimentos históricos de seu período, tecendo críticas. No livro, Andrade que assinou com o pseudônimo de Mario Sobral, apresenta um tom pacifista e contrário a guerra. Naquele mesmo ano o artista Paulo Menotti del Picchia (1892-1988) publicou o livro de poemas Juca Mulato (1917), obra que ganhou boa recepção de público e crítica, por contar as reflexões e incômodos de um pobre homem mestiço do campo. 

Outra obra significativa foi o livro de poesia Carnaval (1919) de Manuel Bandeira (1886-1968), com um tom satírico, o autor atacou os conservadores artísticos, em destaque para o poema Os sapos, que foi uma sátira aos poetas parnasianistas, ainda presos a uma linguagem rebuscada, de métrica e rimas rígidas e minimalistas, de descrições enfadonhas e temas considerados chatos. Evidentemente que os parnasianistas detestaram a sátira de Bandeira e isso gerou rebuliço em comentários nos jornais e revistas. 

Capa do livro Carnaval (1919), uma sátira poética modernista de Manuel Bandeira. 

Entretanto, somente no ano de 1921 foi que a situação modernista começou a andar mais rápido. Anteriormente alguns pintores e poetas tinham publicado algumas obras, mas que não ganhavam destaque nacional. Por outro lado, poetas como Oswald de Andrade, ao lado de jornalistas e colunistas, produziam matérias defendendo a arte moderna. No entanto, naquele ano ocorreu importante reunião entre alguns artistas, realizada no Belvedere Trianon, no Parque Trianon, na cidade de São Paulo, local de encontro da elite. Na ocasião, uma festa foi ali celebrada para se comemorar o lançamento do livro de poemas As Máscaras (1921) de Del Picchia. Obra que fez novamente sucesso. Naquele mesmo ano o pintor Di Cavalcanti (1897-1976) lançou sua série de gravuras intitulada Fantoches da Meia-Noite

Gravuras Fantoches da Meia-Noite (1921) de Di Cavalcanti. 

Na ocasião, Oswald de Andrade aproveitou para discursar sobre o modernismo e propôs um grande evento para o próximo ano. De fato, ele foi um dos principais idealizadores de Semana de Arte Moderna. Ele ao lado de Mário de Andrade, Del Picchia, Anita Malfatti, Di Cavalcanti além da presença de jornalistas e políticos, promoveram o evento que causaria repercussão em 1922. 

A Semana de Arte Moderna: 

Embora seja referida como semana, o evento contou com apenas três dias de atividades, exposições e apresentações, sendo realizado nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro, embora as exposições seguiram até o dia 18. Mesmo tendo um caráter breve, ainda assim, ele foi impactante, algo que seus idealizadores e organizadores ambicionavam desde o início: causar impacto para mostrar que a arte moderna havia chegado no Brasil, e tinha vindo para ficar de vez. 

Tendo se formado a ideia de uma semana de arte, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Rubens Borba de Moraes, Paulo Prado, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, entre outros colaboradores, procuraram o apoio do advogado e escritor René Thollier (1882-1968), o qual possuía contato com o governador de São Paulo, Washington Luís (1869-1957), o qual se interessou pela proposta da semana de arte, e autorizou ceder o Theatro Municipal de São Paulo para sua execução. 

O Theatro Municipal de São Paulo, onde foi celebrada a Semana de Arte Moderna há 100 anos. 

O evento contou com uma divulgação massiva da imprensa, já que alguns dos idealizadores escreviam para revistas e jornais, além de haver muitos jornalistas envolvido também nos bastidores de promoção da semana de arte. Com isso, os jornais paulistanos e cariocas, abundaram em notícias a respeito. Todavia, é preciso salientar que apesar da ampla divulgação deste evento, a Semana de Arte Moderna foi essencialmente um evento das elites, as quais muitos iam por curiosidade em saber o que era a tal "arte moderna", condição essa, que em algumas das exposições e palestras, houve vaias por parte da plateia. 

"Na programação, além das exposições de arte, estavam previstas três apresentações, que ocorreriam nos dias 13, 15 e 17, com recitais de piano, leituras de poemas e fragmentos de romances, bem como leituras de propostas estéticas. No palco, iriam se apresentar Oswald e Mário de Andrade, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia, Ronald de Carvalho, Villa-Lobos, Graça Aranha, entre outros. No hall, seriam exibidos trabalhos de Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Zina Aita, Ferrignac, John Graz, Oswaldo Goeldi, Victor Brecheret". (FONSECA, 2013, p. 13)

No primeiro dia de evento, a abertura ocorreu à noite, contando com uma palestra do escritor Graça Aranha (1868-1931), declamações dos poemas Os Condenados de Oswald de Andrade, Ode ao Burguês de Mário de Andrade, Os sapos de Manuel Bandeira. Também houve um discurso do pinto Menotti del Pichia, elogiando a mulher moderna. No hall e corredores do teatro, pinturas e esculturas estavam em exibição. Mas no caso da palestra, discurso e do recital poético, os artistas chegaram a serem vaiados em dados momentos. 

O escritor e diplomata Graça Aranha realizou a palestra de abertura da Semana de Arte Moderna.

Todavia, apesar das vaias, os artistas não desistiram do evento. E no caso das exposições, essas que também foram alvo de vaias e insultos, contou com vários envolvidos, até mesmo mais do que a quantidade e escritores e poetas que se apresentaram. 

"O catálogo, idealizado por Di Cavalcanti, registra a participação dos arquitetos Antonio Moya e Georg Prsirembel; dos escultores Victor Brecheret e Wilhelm Haerberg; e dos pintores e desenhistas Anita Malfatti, Di Cavalcanti, John Graz, Martins Ribeiro, Zina Aita, João Fernando (Yan) de Almeida Prado, Ignácio da Costa Ferreira (Ferrignac) e Vicente do Rego Monteiro. O discutível modernismo das obras expostas e a confusão estilística em que se debatem seus autores traduzem-se nos títulos equivocados de algumas pinturas e desenhos, tais como, Impressão Divisionista (Anita Malfatti), Impressões (Zina Aita), Natureza Dadaísta (Ferrignac) ou Cubismo (Vicente do Rego Monteiro)". (AJZENBERG, 2002, p. 26). 

O segundo dia do evento ocorreu na quarta-feira dia 15, que contou também com vaias. 

“Mas a grande noite foi a do dia 15, aberta por Menotti del Picchia que fez um discurso de teor justamente futurista. A confusão começou quando Menotti passou a apresentar os escritores que declamariam trechos de suas obras. Debaixo de uma “viva vaia” (título de um famoso poema concreto de Augusto de Campos) realizaram-se os espetáculos da Semana de Arte Moderna de 1922”. (NASCIMENTO, 2015, p. 382). 

A declamação dos poemas foi interrompida várias vezes por conta das vaias e barulho da plateia, principalmente dirigidas a poemas que criticavam a arte tradicional brasileira do período. Outras vaias se davam a respeito da qualidade das obras, criticadas como sendo de mal gosto e não deveriam ser dignas de serem chamadas de poesia. 

O terceiro e último dia de apresentações foi o mais leve no quesito de balburdia da plateia. Na ocasião a grande atração da noite era o concerto do maestro e compositor Heitor Villa-Lobos (1887-1959) já era famoso na época da semana de arte, sendo reconhecido como um renomado compositor de música clássica, por conta disso, um misto de curiosidade despertou na plateia: como Villa-Lobos faria músicas modernistas? No caso, o autor pegou temas da cultura popular brasileiro e até ritmos como o samba, seresta, choro, ciranda, entre outros, e os adaptou para o concerto, mostrando que a música clássica poderia ser reinventada. 

Cartaz anunciando o concerto de Villa-Lobos no último dia a Semana de Arte Moderna. 

Apesar da engenhosidade, até mesmo o renomado maestro não esteve isento de críticas negativas. Ao entrar no palco usando sapato e sandália, devido a um calo, o público tomou aquilo como afronta e o vaiou. Além disso, houve vaias acerca de algumas composições apresentadas, por serem consideradas de "baixo valor artístico". No entanto, o terceiro dia não contou com tantos protestos como nos dias anteriores, e a Semana de Arte Moderna chegou ao fim. 

O Modernismo após a Semana de Arte: 

Mesmo entre os artistas, houve opiniões contrárias a Semana de Arte Moderna. Os escritores Carlos Drummond de Andrade e Rodrigo Melo Franco de Andrade, escreveram que a semana não foi tudo isso que estavam a divulgar nos jornais e revistas, tendo se tratado mais de um evento sensacionalista. Por outro lado, os trabalhos de Anita Malfatti e Victor Brecheret, foram bastante criticados negativamente. Sublinha-se que no caso de Anita, ela por ser uma das poucas mulheres artistas do grupo, o machismo contribuiu para isso. (AJZENBERG, 2002, p. 27). 

Apesar de algumas críticas negativas, ainda assim, o impacto causado pelo evento foi satisfatório e ele não terminou com a semana de arte. Naquele mesmo ano, Mário de Andrade publicou um livro de poemas intitulado Pauliceia Desvairada (1922), obra de versos livres e versos brancos, em homenagem a sua cidade natal, São Paulo. A falta de métrica e rimas, além de alguns poemas conterem um tom dramático e sombrio, não agradaram os leitores, e a obra de Andrade foi vaiada durante o evento, em que ele leu alguns dos poemas. Nas revistas, críticos literários alegavam uma que o livro era uma homenagem de mal gosto aquela importante cidade. (FONSECA, 2013, p. 13). 

Em maio foi lançado em São Paulo a revista de arte Klaxon (buzina), usada para se divulgar o trabalho de poetas, escritores e outros artistas, em que se publicava poemas, críticas, notas, palestras, notícias, etc. Artistas que participaram da semana de arte escreveram poemas ou matérias para a Klaxon que foi publicada mensalmente até janeiro de 1923. (MILLIET, 1992, p. 200). 

Edição 3 da revista Klaxon, de agosto de 1922. 

Em 1923 Oswald de Andrade viajou para França, morando alguns meses lá e na Suíça. Neste tempo ele cuidou de assuntos particulares envolvendo a guarda de seu filho com uma francesa, mas aproveitou para se aproximar dos aristas modernos franceses. Com isso, ele começou a escrever poemas e o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, publicado no jornal Correio da Manhã, em 18 de março de 1924. A obra trata-se de um poema ufanista e que faz referência a história e cultura do Brasil, em que Andrade num tom poético exaltava o país. A ideia do manifesto era mostrar como a poesia moderna poderia ser feita, além de anunciar seu livro Pau-Brasil (1924). O poema influenciou a pintora Tarsila do Amaral (1886-1973), na época, namorada de Oswald de Andrade. A pintora passou a pintar quadros coloridos com temática tropical brasileira. Outros artistas também seguiram a tendência. (CARDOSO, 2015, p. 341). 

Todavia, o manifesto de Oswald de Andrade levou ao surgimento de concorrentes. O primeiro foi o Movimento Verde-Amarelismo (1926-1929), liderado por Plínio Salgado, artista e político de vertente fascista, fundador do Integralismo; Menotti del Pichia, o qual participou da semana de arte, Guilherme de Almeida e Cassiano Ricardo. O novo movimento tinha um tom mais político, nacionalista e patriótico, pois seus autores acusavam Oswald de promover um "nacionalismo afrancesado", porém, o verde-amarelismo se apresentava como os verdadeiros patriotas brasileiros, valorizando não apenas a flora, mas os indígenas, a língua tupi e a fauna brasileira, com destaque a anta, animal escolhido como símbolo do movimento, que levou a origem da "Escola da Anta". No ano de 1929 eles lançaram o Manifesto Nhengaçu Verde-Amarelo, para reafirmar seu movimento. 

Ainda em 1926, outro manifesto foi publicado, chamado de Manifesto Regionalista (1926), escrito pelo famoso sociólogo Gilberto Freyre - o qual era também artista plástico como hobby. O regionalismo defendido por Freyre criticava o eurocentrismo e o "paulocentrismo", pois a maior parte dos artistas modernos eram do estado de São Paulo, procurando defender os valores culturais de outra parte do Brasil, no caso, a região Nordeste. Com isso, Freyre reuniu artistas de Pernambuco como João Cabral, Antonio de Queiroz, Lucas Amado, o alagoano Graciliano Ramos (autor do clássico Vidas Secas) e os paraibanos José Lins do Rego (autor da série sobre os engenhos de açúcar) e José Américo de Almeida (político e autor de A Bagaceira). Todavia, o manifesto de Freyre foi criticado por acabar focando-se na cultura e história pernambucana, seu estado de origem. 

Em reação aos novos manifestos modernistas, Oswald de Andrade escreveu novo trabalho, intitulado Manifesto Antropófago (1928), na Revista de Antropofagia, a qual ele ajudou a criar. O novo manifesto apresentava um tom mais filosófico e político em relação ao anterior, além da tentativa de Oswald de se afastar do eurocentrismo do qual foi acusado anteriormente, por conta disso, a antropofagia que ele se referia significava se "alimentar das influências culturais e artísticas estrangeiras", uma alusão ao ritual antropofágico de alguns povos indígenas, e assim produzir a arte brasileira. O novo manifesto foi melhor aceito por vários artistas, incluindo alguns opositores de Oswald, como o integralista Plínio Salgado. (NASCIMENTO, 2015, p. 386-388). 

No caso da Revista de Antropofagia (1928-1929), essa foi criada por Oswald de Andrade, o escritor Alcântara Machado e o poeta e diplomata Raul Bopp, os dois dirigiram a revista em suas dez primeiras edições, as quais contaram com artigos e poemas de Oswald, Mário de Andrade, Plínio Salgado, Pedro Nava, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Menotti del Pichia, entre outros. A partir de 1929 a revista passou a ser dirigida pelo escritor e antigo secretário da revista, Geraldo Ferraz

Capa da primeira edição da Revista de Antropofagia, em maio de 1928. 

A primeira edição da Revista de Antropofagia entre suas várias matérias, trouxe alguns desenhos e gravuras, mas a imagem mais famosa foi uma representação em preto e branco do quadro Abaporu de Tarsila do Amaral, na época, esposa de Oswald de Andrade. A pintura tornou-se símbolo do movimento antropofágico, pois a palavra abaporu significa "homem que come carne humana", uma alusão a antropofagia. 

Abaporu, Tarsila do Amaral, 1928. 

Data também do ano de 1928 a publicação de dois importantes livros da literatura moderna brasileira. O primeiro é Macunaíma de Mário de Andrade, uma sátira a cultura e sociedade brasileira, apresentando um herói nada convencional, por ser pilantra, trapaceiro, mentiroso e preguiçoso. O livro teve influência direta dos ideais dos manifestos do pau-brasil e da antropofagia, pois nessa obra, Mário de Andrade realizou extenso estudo linguístico de termos antigos e até um estudo folclórico para compor a trama. 

Já o segundo livro trata-se de A Bagaceira de José Américo de Almeida, um romance mais realista, influenciado pelo movimento regionalista de Gilberto Freyre, em que Almeida abordou o drama de sobreviventes da seca nordestina. Seu livro tornou-se um marco para a literatura regionalistas sobre a seca, influenciando outros autores como Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz. 

Considerações finais:

A Semana de Arte Moderna de 1922 realmente conseguiu, mesmo debaixo de polêmicas e controvérsias, apresentar a arte moderna ao Brasil. E nos oito anos seguintes, vários artistas produziram suas obras e redigiram revistas, jornais e manifestos defendendo o modernismo. 

Isso tudo culminou na segunda fase do modernismo brasileiro, a chamada Geração de 30, a qual se desenvolveu ao longo da ditadura de Vargas (1930-1945), reunindo artistas da primeira fase e novos expoentes como Vinícius de Moraes, Rachel de Queiroz, Candido Portinari, Jorge de Lima, Murilo Mendes, Jorge Amado, Cecília Meireles, Érico Veríssimo, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa,  entre vários outros. 

NOTA: O Belvedere Trianon ou Palácio Trianon, foi demolido em 1951. No lugar foi construído o Museu de Arte de São Paulo (MASP). Todavia, o Parque Trianon ainda existe. 

NOTA 2: Alguns jornais noticiaram que semana de arte foi idealizada por Graça Aranha, um equívoco devido ao fato de ele ter sido convidado para fazer a abertura do evento. 

NOTA 3: Manuel Bandeira não participou da semana de arte, pois estava doente de tuberculose. Já Tarsila do Amaral também não compareceu, pois estava viajando pela Europa. 

Referências bibliográficas:

AJZENBERG, Elza. A Semana de Arte Moderna de 1922. Revista Cultura e Extensão da USP, vol. 7, 2002, p. 25-29. 

CARDOSO, Rafael. Modernismo e contexto político: a recepção da arte moderna no Correio do Amanhã (1924-1937). Revista de História, São Paulo, n. 172, 2015, p. 335-365. 

FONSECA, Maria Augusta. Rebeldia e Semeadura (aspectos da Semana de 22). Remate de Males, Campinas, v. 33, n. 1-2, 2013, p. 11-22. 

MILLIET, Sérgio. Uma semana de arte moderna em São Paulo: a jovem literatura brasileira. Rev. Inst. Est. Bras, n. 34, 1992, p. 199-210. 

MORAES, Eduardo Jardim de. Modernismo Revisitado. Estudos Históricos, vol. 1, n. 2, 1988, p. 220-238. 

NASCIMENTO, Evando. A Semana de Arte Moderna de 1922 e o Modernismo Brasileiro: atualização cultural e primitivismo artístico. Gragoatá, Niterói, n. 39, 2015, p. 376-391. 

LINKS: 

Manifesto da Poesia do Pau-Brasil

Manifesto Regionalista (1926)

Edição 1 da Revista de Antropofagia (1928)

Manifesto Nhengaçu Verde-Amarelo (1929)


terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Insulae: os apartamentos da Roma Antiga

Durante a história da Roma Antiga, especialmente nos períodos da República e do Império, a construção das insulae ou ínsulas. Tais habitações consistiam no que hoje nos referimos como apartamentos de poucos andares. Ao longo da história romana as ínsulas consistiram em prédios que variavam dos três aos quatros andares, embora houve casos de edificações mais altas. Todavia, como será mostrado adiante, tais habitações eram moradias destinadas aos mais pobres, a especulação imobiliária, careciam de conforto e segurança, em alguns casos formavam cortiços. Todavia, a maior parte da população em Roma e nas grandes cidades do império, viviam nesses edifícios. 

Ruínas de uma ínsula, em Óstia. 

O surgimento das ínsulas é incerto, mas teria surgido por volta do século IV a.C, durante o período da República Romana (509 a.C - 27 a.C), quando Roma tornou-se uma cidade populosa, não havendo mais espaço para casas pequenas, o que levou os governantes e arquitetos a decidirem ordenar a construção de edifícios. No caso, a palavra insulae significa ilha em latim, o termo foi adotado como forma de se referir àqueles prédios que se destacavam na paisagem urbana de Roma. Embora uma analogia mais racional teria sido compará-los com torres, mas os romanos optaram por ilhas, pois havia casos em que quadras e distritos eram formados por tais prédios, e isso gerava a ideia de ser uma "ilha de prédios" em meio a cidade. (DELAINE, 2018, p. 317). 

O conceito de ínsula criado pelos romanos, introduziu algumas noções até hoje encontradas em distintas partes do mundo: habitações de baixo custo, aluguel, cômodos pequenos, misto de prédio residencial com comercial e os cortiços. Todas essas características foram desenvolvidas pelos romanos ao longo de séculos. 

Representação de uma ínsula com comércio. Além disso, nota-se que os apartamentos mais superiores, eram menores. 

As ínsulas eram as residências das classes baixas da Roma Antiga, chamadas de plebe. O que incluía uma variedade de ofícios e até mesmo os escravos, os quais acompanhavam seus amos, compartilhando do mesmo teto. Neste ponto, não se pode considerar que todos os plebes seriam pobres, num sentido mais amplo da palavra. Havia plebeus que eram donos de lojas e oficinas e possuíam escravos. 

À medida que a população de Roma e outras grandes cidades, ia crescendo, mais ínsulas eram construídas. Homens ricos como Marco Licínio Crasso (114-53 a.C), fizeram muita fortuna sendo especuladores imobiliários, comprando ínsulas precárias ou que tinham sido avariadas por incêndios ou outro sinistro, e assim, eles as compravam abaixo do valor de mercado, mandavam reformar e subiam o aluguel. No caso, a maior parte da plebe morava de aluguel. 

Ao longo da História as ínsulas mudaram de designer, possuindo dois, três, quatro, cinco, seis andares ou mais, embora que em determinadas épocas, decretos determinavam que tais prédios tivessem tantos metros de altura e se limitassem aos três ou quatro andares. O imperador Augusto (27 a.C - 19 d.C) determinou por decreto que os prédios tivessem 70 pés romanos de altura, ou 21 metros. Durante o reinado do imperador Trajano (98-117), o tamanho das ínsulas foi reduzido para os 60 pés romanos, ou 18 metros de altura. (DA COSTA, 2018, p. 7). 

Tais edifícios eram construídos com madeira, barro, tijolos, pedras e mais tardiamente com concreto. Porém, o uso dos recursos dependia dos construtor, se ele queria gastar ou não com tais obras, já que não havia uma legislação específica ditando os materiais a serem empregados, salvo em alguns períodos por decreto imperial ou do governador. Algumas ínsulas poderiam serem apenas prédios com poucos apartamentos (cenaculum), possuindo dois a três andares, mas outros formavam cortiços, possuindo pátio interno com fonte, tanque para lavar roupas, corredores, escadas, varandas, lojas, etc. No entanto, não havia banheiros. Mas essa disposição variava com o construtor, e obviamente encarecia o aluguel também. (STRICKLAND, 2010, p. 49).

Representação de uma ínsula como uma espécie de cortiço. 

Além disso, diferente de hoje em que os apartamentos mais caros são os dos andares superiores, na Roma Antiga, era o contrário que ocorria. Os apartamentos mais altos costumavam serem em algumas épocas feitos de madeira e barro, e eram pequenos, para não sobrecarregar a estrutura. Por outro lado, os apartamentos inferiores eram maiores e alguns poderiam ter uma loja, o que o encarecia também. Também havia a questão de ter que subir escadas, sendo que naquela época não havia elevadores. (ALDRETE, 2004, p. 79). 

Por conta desse problema envolvendo o uso de materiais de baixa qualidade ou inflamáveis, o imperador Nero (54-68) após o grande incêndio do ano de 64, expediu decreto ordenando evitar usar madeira e barro na reconstrução das ínsulas, optar por teto de laje, ampliar os pátios, pórticos e a distância de uma ínsula da outra, e até reformular as paredes. Dessa forma, poderia se evitar que em caso de incêndio as chamas não se alastrassem tanto e a estrutura não desabasse de imediato. (DA COSTA, 2018, p. 7). 

Quanto a organização das ínsulas, vimos que elas poderiam ser apenas residenciais ou mistas, a respeito, Da Costa (2018, p. 9) escreveu que havia as ínsulas:

  • Casa com átrio e sem comércio
  • Casa com átrio e com comércio, em que havia as lojas, e os apartamentos no térreo ficavam nos fundos das lojas.
  • Ala de comércio independente, ou seja, no térreo ficam apenas as lojas e oficinas, e os apartamentos começavam a partir do primeiro andar. 
  • Habitação com pátio e comércio, seria a forma de cortiço. 

Mas como era a divisão interna dos apartamentos, os chamados cenaculum? Sobre isso, DeLaine (2018, p. 320), que tais apartamentos eram divididos em três cômodos básicos: o medianum (sala de jantar e cozinha), o exedra (sala de estar) e o cubiculum (quarto). No caso, o medianum costumava ser o cômodo mais extenso e mais ventilado, por conta de ali se acender o fogo, inclusive servindo como dormitório também se fosse o caso. O exedra também serviria de dormitório a depender da necessidade, mas ele não precisava ter janelas. Inclusive alguns quartos também não tinham janelas. Alguns apartamentos pequenos não traziam essa divisão, havendo apenas o medianum. Por outro lado, foi detectado casos de ínsulas "mais chiques", em que alguns apartamentos continham balcão ou varanda (pergolae). 

Mas quais seriam as atividades comerciais executadas nas dependências das ínsulas? DeLaine (2018, p. 321-322) explica que havia lojas de roupas e tecidos, ferramentas, objetos, grãos, padarias, tavernas, oficinas de calçados, de roupas, acessórios, equipamentos, escritórios, banheiros públicos etc. Isso variava de bairro e cidade. 

Representação de uma ínsula com comércio.

NOTA: Crasso foi considerado um dos homens mais ricos da Roma Antiga, sendo dono de fazendas, lojas e ínsulas, além de ter outros negócios. Ele também foi político e comandante militar. Caçou Espártaco e sua rebelião de gladiadores e escravos e foi aliado de Júlio César e Pompeu no Primeiro Triunvirato.

Referências bibliográficas:

ALDRETE, Gregory S. Daily Life in the Roman City. London, Greenwood Press, 2004. 

DA COSTA, Éllen Cristina. Insula romana: habitação coletiva na Roma Imperial. V Enaparq, Salvador, 2018. 

DELAINE, Janet. Insulae. In: HOLLERAN, Claire; CLARIDGE, Amanda (eds.). A Companion to the City of Rome. Exete, Willey Blackwell, 2018, p. 317-322. 

STRICKLAND, Michael Harold. Roman building materials, construction methods, and architecture: the identity of an empire. Thesis (Master of Arts History), Clemson University, 2010.