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Leandro Vilar

segunda-feira, 7 de março de 2022

100 anos de Nosferatu: um clássico do terror

Nosferatu (1922) mesmo após cem anos ainda é um filme que fascina e desaponta. Quem for assisti-lo aguardando violência, muita tensão, horror, sanguinolência e tripas, irá se desapontar amargamente. A estética do filme foi baseada no expressionismo alemão, em voga no período, combinando elementos da literatura gótica. Além disso, filmes de terror daquela época tinham outra linguagem e tom, fato esse que o roteirista de Nosferatu escreveu o roteiro como se fosse uma peça em cinco atos, misturando romance, suspense e o sombrio. 

Embora Nosferatu não tenha sido o primeiro filme sobre vampiros, no entanto, foi o primeiro a fazer sucesso, inclusive retratando um vampiro sombrio e convincente, pois caracterizações anteriores mostravam vampiros trajando vestes estereotipadas ou com maneirismos exagerados. Porém, a atuação de Max Schereck como Conde Orlok foi bastante convincente e é um dos destaques da produção, ainda mais, considerando que Nosferatu foi um filme mudo, que nem contava com sonoplastia (efeitos sonoros), apenas a trilha sonora orquestral, comum na época. 

Cartaz do filme. 

Sendo assim, para comemorar o centenário dessa obra cinematográfica, o presente texto contou aspectos sobre a produção do filme, seus bastidores, a influência do expressionismo, o contexto histórico do período, e alguns dos legados gerados por esse clássico do cinema de terror. 

O cinema expressionista alemão

O cinema na Alemanha já tinha começado ainda nos idos do século XX, tendo se desenvolvido gradativamente, porém, sofreu uma estagnação devido a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), em que muitas produções foram paralisadas ou canceladas. Sendo assim, os anos 1920 foram o recomeço do cinema alemão (e até de outros países europeus devido a guerra), testemunhando uma produção massiva de curtas-metragens e longas-metragens. A economia abalada do país era para algumas produtoras uma oportunidade de rodar vários filmes ali, pois, as companhias de cinema e teatro (pois muitos atores dos filmes trabalhavam no teatro), queriam dinheiro e emprego. Fato este que a principal empresa cinematográfica foi a Universum Film Aktien Gesellschaft (UFA) (1917-1945), a qual produziu mais de mil filmes. 

Isso foi possível graças aos investimentos de patrocinadores, empresas, e o incentivo do governo alemão, que viu o cinema como uma fonte lucrativa, mas também para produzir filmes nacionalistas. Eram tempos da República de Weimar (1919-1933), que representava também o recomeço do país, pois a Alemanha deixou de ser um império, e após a guerra ressurgia como uma neófita república. A época era bastante promissora, pois a Alemanha entrava nos "tempos modernos" como uma república democrática, procurando se afastar dos problemas do período imperial e se reconstruir como nação no pós-guerra. Isso é importante, pois no filme Nosferatu, apesar da trama se passar em 1838, não se ver referências ao império. Reflexo do pensamento republicano moderno. 

No entanto, a república também passou por seus períodos conturbados no início e depois com a ascensão nazista, mas isso é uma outra história. Mas voltando ao filme, outro aspecto que influenciou a produção de Nosferatu foi o movimento artístico do expressionismo. 

O Expressionismo foi um movimento artístico surgido na Alemanha, no começo do século XX, fazendo parte da chamada arte moderna, termo pelo qual englobou-se uma série de estilos artísticos através das artes plásticas, arquitetura, escultura, decoração, literatura, fotografia, dança, música, teatro e o próprio cinema. O expressionismo espalhou-se pela Europa, passando pela França, Holanda, Espanha, Inglaterra, indo aos Estados Unidos, Brasil e outros países. Estudiosos apontam que é difícil definir o que foi este movimento e suas características centrais, pois em cada país, novos traços foram agregados. 

No entanto, uma das características do expressionismo era expressar os sentimentos humanos de forma intensa e impactante, por conta disso, cores fortes, cenários tortuosos, jogo de luz e sombra, belo e feio, imagens impactantes e até delirantes, faziam parte desse estilo nas artes visuais. Já na literatura prezou-se por abordar a poesia sem rimas e métrica, uma prosa nacionalista e dramática, abordando temas atuais. O teatro e o cinema absorveram essas características. Porém, é válido salientar que apesar de alguns artistas defenderem o rompimento com os estilos anteriores, nem sempre isso acontecia. O expressionismo conservou elementos do romantismo, do impressionismo e do goticismo. 

"Nunca o Expressionismo constituiu uma corrente estruturada, uma Escola. O Expressionismo é, antes de tudo, um clima de revolta e de desespero, uma atmosfera que se desenvolve entre a juventude alemã das grandes cidades, que vai mais tarde exaltar tanto a pintura quanto o teatro, a poesia e a literatura e depois o cinema (...) o que permanece é um furacão que agita todas as formas artísticas, um clima de utopia, de angústia, de desespero e de revolta, uma comunhão de desejos da qual partilham numerosos artistas alemães". (BARSALINI, p. 3 apud PALMIER, 1978, p. 118). 

A Grande Guerra (1914-1918) impactou profundamente o expressionismo, destacando temas como angústia, solidão, depressão, medo, sofrimento, terror, miséria, desespero, tragédia, etc. Por conta disso, produções dramáticas e sombrias ganharam destaque nesse período, pois representavam os tempos da guerra e após o conflito. Embora houvesse também filmes românticos e até cômicos, mas foi o drama e o terror onde a estética expressionista destacava-se mais. 

Dias (2007) comenta que o marco do cinema expressionista alemão começou em 1919, logo após a guerra, com a estreia do drama Das Gabinet des Dr. Caligari (O Gabinete do Dr. Caligari), dirigido por Robert Wiene (1881-1938), escrito por Hans Janowitz e Carl Mayer, narra a história de dois amigos embusteiros, chamados Caligari (Werner Krauss) e Cesare (Conrad Veit), os quais aplicam golpes em diferentes lugares, um deles é a alegação que Cesare em estado de sonambulismo detinha o dom da vidência. Os personagens também arquitetam outros engodos ao longo da trama, inclusive eles são julgados como loucos. De qualquer forma, Reis diz que o expressionismo se destaca nessa produção por conta de seus cenários peculiares, os quais parecem terem saído de pinturas expressionistas e até cubistas. 

"Com Caligari, o expressionismo cinematográfico tinha início dando atenção à concepção do espaço cenográfico, segundo estruturas plásticas e arquitectónicas dramatizadas através de uma geometria trágica, onde a estabilidade das horizontais e das verticais era perturbada pela agitação de planos inclinados e ritmos oblíquos. Um sentimento de insegurança e de insólito invade o interior de cada cena. Um clima de angústia e inquietação nascido das formas cenográficas conferem um sentido trágico a passagem das personagens. Com tal sentido plástico, o caligarismo traduz por linhas, formas ou volumes, uma intencionalidade psicológica que influi e aflui ao pathos trágico perturbando as personagens". (DIAS, 2007, p. 56).

Além dos cenários peculiares, uma das cenas do final do Ato V mostra Caligari vendo palavras flutuando ao redor dele, como se ele estivesse realmente louco. Nesse momento uma melodia de jazz começa a tocar. O uso de palavras na tela é algo do expressionismo e o jazz é um estilo musical moderno. 

Esse impacto visual no cinema alemão apresentado pelo filme O Gabinete do Dr. Caligari influenciou várias produções nos anos seguintes, incluindo o próprio Nosferatu. Mas embora Nosferatu não tenha cenários tão expressivos e estranhos, no entanto, o jogo de luz e sombra foi mantido, além de que o diretor Marnau optou por um "realismo sombrio", utilizando locações reais ou construindo cenários que emulassem um antigo castelo. Mas a ambientação tenebrosa é apenas um complemento a figura do vampiro. Por conta disso, a adoção de cenários menos chamativos foi proposital para não distrair o espectador da presença do vampiro, que em alguns momentos surge sinistro e ameaçador. (DIAS, 2007, p. 60-62). 

A produção de Nosferatu (1921)

O filme Nosferatu surgiu a partir da ideia do produtor Albin Grau (1884-1971), que ao lado de seu sócio Enrico Dieckmann, fundaram a Prana-Film (1921-1923), uma pequena e efêmera produtora cinematográfica criada para produzir filmes esotéricos, ocultistas e de terror, temas que interessavam Grau e Dieckmann, pois eles participavam de grupos ocultistas. Ironicamente o único filme da empresa foi Nosferatu, seu único sucesso, mas também motivo de sua falência, como comentarei mais adiante. (MASSACCESI, 2015, p. 21). 

Logo da produtora Prana-Film, responsável por produzir Nosferatu. 

De qualquer forma, Albin Grau estava interessado em produzir um filme sobre vampiros, pois ele teria ouvido falar de histórias de vampiro durante seu serviço na guerra, além de que na época, filmes alemães com temática sombria ou de terror estavam em moda. Com isso, ele contratou o roteirista Henrik Galeen (1881-1949), o qual também foi ator e diretor de cinema. Galeen trabalhava com cinema desde 1913, tendo atuado em alguns filmes e escrito o roteiro do filme de terror O Golem - Como Veio ao Mundo (Der Golem, wier er in die Welt kam), lançado em 1920. Logo, Galeen tinha uma breve experiência com filmes de terror. (MASSACCESI, 2015, p. 23). 

Grau pediu que Galeen escreve-se uma adaptação do clássico romance Drácula (1897) de Bram Stoker. Mas um problema surgiu, a Prana-Film não conseguiu chegar num acordo sobre os direitos autorais do livro, no entanto, o roteiro já estava praticamente concluído quando as negociações falharam. Para não perder tempo e dinheiro, pois o filme deveria ser gravado ainda naquele ano, Grau recomendou que Galeen trocasse o nome dos personagens e mudasse a história da Inglaterra para Alemanha, inventado uma cidade fictícia chamada Wasburg. Além disso, Galeen também fez outras alterações para disfarçar a adaptação não oficial, acrescentando uma referência a uma praga que assolou a Europa oriental e agora assolava Wasburg. A praga aparentemente transmitida pelos ratos, na verdade, era o vampiro Orlok deixando um rastro de vítimas. (SIMÕES Jr, , p. 22). 

"Murnau consegue fazer desse vampiro uma expressão da morte, o símbolo do grotesco. Essa construção começa com o nome, que segundo Melton, “é uma palavra moderna derivada da palavra em eslavo antigo nosufur-atu, extraída do grego nosophoros” ela significa: portador de pragas. O roteiro do filme faz referência a uma epidemia de peste negra que atingiu Bremen na Alemanha, na época que a história é ambientada, 1838. Para realizar a ligação, Murnau caracteriza o vampiro Orlok, de rato, colocando dentes alongados saindo do centro da arcada dentária, fazendo uma clara alusão ao roedor. Esses roedores, sinônimo de várias doenças se fazem presentes em todo cenário que se remete ao conde. A presença desses peçonhentos seres é transformada na narrativa como uma extensão do personagem, é como se Murnau evidenciasse: Nosferatu está em todos os cantos". (SIMÕES Jr, 2008, p. 21). 


Enquanto Drácula é um romance epistolar (narrado através de cartas, diários e matérias jornalísticas), o filme seria uma peça teatral em cinco atos, mas adaptada para o cinema, envolvendo romance, suspense e o terror. Assim surgiu Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens (Nosferatu, Uma Sinfonia do Horror). O resultado deu certo e Grau aprovou o roteiro. Com isso ele foi buscar um diretor, indo encontrar F. W. Murnau, por qual apresentou apreço pelo trabalho dele. 

F. W. Murnau
O diretor de Nosferatu foi Friedrich Wilhelm Murnau (1888-1931), o qual ainda jovem se interessou pelo teatro. Em 1910 recebeu o convite para trabalhar e estudar na escola de atores de Max Reinhardt (1873-1943), embora a carreira de Murnau como ator não tenha vingado, no entanto, seu contato com o mundo teatral foi importante para sua carreira como diretor de cinema. Além de estudar teatro, Murnau estudou literatura, história da arte e filosofia. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, ele se alistou e serviu no conflito, lutando na Alemanha e França, em 1918 devido a um acidente, foi dispensado do campo de batalha e enviado para um hospital na Suíça. Com o término da guerra e tendo se recuperado, voltou à Alemanha. Em 1919, em parceria com o ator Conrad Veidt (1893-1943), eles fundaram uma pequena produtora cinematográfica. 
Murnau como outros homens e mulheres do meio artístico, acreditavam que o cinema seria o futuro naquele momento de reorganização e recuperação do país. Após fundar a produtora, Murnau tratou de dirigir filmes naquele ano. Porém, tais produções ou são pouco conhecidas ou foram perdidas. Porém, sublinha-se que alguns dos filmes dirigidos por Murnau ainda em 1919 e 1920, foram dramas, suspenses e até terror. Sendo assim, ele não caiu por acaso na produção de Nosferatu. (SIMÕES Jr, 2008, p. 19-20). 

"F. W. Murnau, que dirigiu Nosferatu, já tinha em sua bagagem uns poucos filmes entre eles Januskopf (Cabeça de Janus, 1920), uma versão de O Médico e o Monstro; Schloss Vogelöd (O Castelo Vogelôd, 1921), um filme policial visivelmente influenciado pelos suecos; e o drama rural realista Brennender Acker (Solo Ardente, 1922), no qual diz-se que ele desenvolveu a ação através de tomadas em primeiro plano de expressões faciais. Em O Castelo de Vogelöd, ele também usou inteligentemente rostos para revelar tendências emocionais interiores e criar suspense. Este primeiro filme, além disso, testemunhou a faculdade única de Murnau de obliterar os limites entre o real e o irreal. A realidade, em seus filmes, era cercada de uma auréola de sonhos e pressentimentos, e uma pessoa tangível podia de repente impressionar a audiência com apenas uma aparição". (KRAKAUER, 1988, p. 97). 

Como Albin Grau era arquiteto de formação, ele se incumbiu de determinar os cenários, inclusive cuidando também do designer dos mesmos. Porém, para a trilha sonora foi contratado Hans Erdmann (1882-1942), um bom compositor da época. No quesito de cinematografia, Murnau fez questão de indicar Fritz Arno Wagner (1889-1958), cinematografista experiente da UFA, o qual já havia filmado alguns filmes de terror também. (MASSACCESI, 2015, p. 24). Agora faltava escalar os atores principais. 

Max Schreck

Para o papel do vampiro Conde Orlok, foi escolhido o ator de teatro Friedrich Gustav Maximilian Schreck (1879-1936), que trabalhava na época em Munique, e não era um ator conhecido. Schreck com seu porte alto, magro, cabeça alta e jeito sério, chamou atenção de Albin Grau. Os demais protagonistas também não eram tão famosos assim. A atriz Greta Schörder (1891-1957) que interpreta Ellen Hutter, ainda estava quase em início de carreira; o ator Gustav von Wangenheim (1895-1975), que interpreta Thomas Hutter, era um nome melhor reconhecido no cinema, tendo participado de filmes desde 1914. Alexander Granach (1893-1945) que faz o corretor de imóveis Knock e patrão de Thomas, era um ator iniciante, tendo começado a atuar há dois anos. Já John Gottowt (1881-1942), que interpretou o Professor Bulwer, personagem que pouco aparece no filme, era um ator veterano no teatro e cinema. A escolha por um elenco sem estrelas se deveu por ser mais barato, mas também por conta do estúdio não ter renome ainda. Não obstante, já se disse que Nosferatu foi um filme de baixo custo, pois, o elenco não tinha celebridades, mas isso não é uma verdade. Murnau fez questão de fazer tomadas externas, fato esse que o filme teve cenas rodadas na Alemanha, Checoslováquia e Polônia, e até no mar Báltico, com as tomadas do navio Empusa. Além disso, Grau investiu bem nos cenários, sobretudo nas cenas do castelo para conceder um realismo. (MASSACCESI, 2015, p. 27). 

Vários momentos do filme advém diretamente do romance Drácula, como o fato de Hutter estar noivo de Ellen, Knock enviar Hutter a Transilvânia para fechar acordo com o Conde Orlok, o conde viver sozinho num velho castelo considerado assombrado pelos romenos; Hutter desconfiar que Orlok escondia um segredo e depois ele descobre que ele seria um vampiro (nosferatu); Knock depois fica enlouquecido devido a influência de Orlok, o mesmo ocorrendo com Ellen; a viagem de navio da Romênia à Alemanha, etc. 

Apesar dessas fortes semelhanças, até porque o filme seria uma adaptação de Drácula, o diferencial esteve na direção de Murnau e nas filmagens de Wagner, que cuidou dos enquadramentos, tomadas abertas e fechadas, nos closes faciais que Murnau gostava para destacar as expressões faciais. Além disso, a ideia de Murnau e Wagner de fazer uso da sombra do vampiro para causar momentos de tensão, foi uma decisão acertada. Soma-se a isso também a equipe de maquiagem que tornou Schreck num sinistro vampiro pálido, careca, de sobrancelhas grossas, olhos esbugalhados, nariz adunco, orelhas pontudas, dentes de rato e unhas grandes. O icônico visual ficou imortalizado no cinema. 

Cena do filme Nosferatu, com Schreck caracterizado como Conde Orlok. 

"O estereótipo físico desse vampiro estampa a falta de harmonia e linearidade de seu espírito, profundamente cindido, como que pelo corte de uma faca afiada, entre o ódio e a nobreza; a intolerância e a obrigatoriedade em aceitar a sua condição mórbida; a necessidade, mais do que desejo, incontrolável de sugar o sangue alheio e o anseio utópico (ainda que lhe reste a consciência da utopia de seu anseio) de se tornar vivo novamente. Nosferatu é o baluarte da visão onírica, é, em si, a própria negação da realidade, é o representante supremo da angústia, da miséria e do sofrimento, enfim, do apocalipse (e, nesse ponto, traduz a expectativa romântica que gira em torno de sua figura), e, nesse sentido, expressão demoníaca do dilaceramento interior que sofre o homem europeu, e sobretudo alemão, no período pós-guerra". (BARSILANI, 2008, p. 4). 

Lançamento do filme (1922)

No final de 1921 teve início a divulgação da estreia de Nosferatu. Albin Grau tratou de divulgar a respeito de seu filme em jornais e revistas, utilizando-se frases exclamativas, falando de um filme de terror com um temível vampiro. Finalmente a produção foi lançada em 4 de março de 1922, em um premiê no Marble Hall no Jardim Zoológico de Berlim. O local foi escolhido por ser utilizado para fazer premieres de filmes, mas também por conta de sua arquitetura neogótica, que combinava com o lançamento de um filme de vampiro baseado no romance gótico do Drácula(MASSACCESI, 2015, p. 28). 

Um dos estranhos pôsteres do filme Nosferatu, em 1922. 

O vampiro de Nosferatu foi criado para ser realmente uma criatura assustadora, fato esse, que algumas pessoas levaram sustos no cinema e até apresentaram repulsa ao visual do Conde Orlok. Tal aspecto dividiu a opinião do público, em que alguns consideraram a caracterização de Max Schreck muito convincente e sua atuação foi ótima, mas outros disseram que o visual do conde era exagerado. Mas em geral as críticas profissionais gostaram do filme. No entanto, não significou que tenha sido um sucesso imediato. Houve gente que relutou a ir ao cinema por achar o filme ou muito assustador ou fútil. (MASSACCESI, 2015, p. 29). 

Problemas com os direitos autorais (1922-1925)

O filme foi lançado em março, mas já em abril Florence Stoker (1858-1937), viúva de Bram Stoker, recebeu notícias sobre Nosferatu. Quando lhe narraram o filme e apontaram as várias semelhanças com a história de seu marido, Florence decidiu agir. Sabendo que a Prana-Film não detinha os direitos autorais de uso de Drácula, Florence acionou a justiça para cobrar por infringir os direitos do autor e a suspensão da exibição do filme. Devido a influência da viúva na Sociedade Inglesa de Autores, Florence ganhou apoio de vários escritores, que inclusive indicaram advogados para agir no processo. (MASSACCESI, 2015, p. 29). 

Em junho daquele ano, a produtora Prana-Fim alegou falência, pois os custos de produção do filme tinham sido muito elevados e o retorno com a bilheteria ainda não tinha alcançado. Além disso, o filme seguia em exibição na Alemanha e Hungria. Todavia, os advogados da produtora sugeriram um acordo a Florence Stoker, uma parte da renda da bilheteria lhe seria dada caso ela autorizasse a Prana-Film utilizar o nome Drácula para vender o filme na Inglaterra e Estados Unidos, mas Florence negou-se totalmente e dessa vez exigiu que além do pagamento da indenização, o filme deveria ser proibido de ser exibido no cinema e os rolos deveriam ser destruídos. (MASSACCESI, 2015, p. 30).

O processo judicial perdurou por anos. Em 1923 a empresa foi fechada, mas Albin Grau abriu outra produtora, todavia, ele continuou até 1925 respondendo na justiça o processo de Florence Stoker, que finalmente ganhou a causa. Uma indenização lhe foi paga, o filme foi proibido e várias cópias lhe foram enviadas para serem destruídas. No entanto, F. W. Marnau guardou cópias para si, além de que outras já tinham se espalhado por alguns países. Nosferatu foi exibido ilegalmente na própria Inglaterra, e mesmo com o apelo de Florence para não se fazer isso, vários cinemas desacataram suas exigências. A pirataria cinematográfica mostrou sua primeira grande vitória, se assim pode ser dito. Mas posteriormente, Florence desistiu de seguir com essa luta. Além disso, com o lançamento de Dracula em 1931, Nosferatu foi esquecido. (MASSACCESI, 2015, p. 31).

Legado

Embora fosse ilegal na Europa, ainda assim, Nosferatu eventualmente era exibido em alguma mostra de filmes antigos ou de terror. Alguns museus também adquiriram rolos do filme para preservá-lo em seus acervos. Porém, o vampiro de Max Schreck eventualmente era citado em alguma matéria de jornal e revista a fim de comparação com outras produções vampirescas. 

Silver (1997) comenta que mesmo o filme com Béla Lugosi, estrelado em 1931, apresentava algumas influências de Nosferatu, como a postura sinistra e intimidadora, o olhar penetrante, jogos de luz e sombra, o romance de Harker e Mina, etc. Não obstante, o personagem ficou no imaginário artístico pelas décadas, sendo mencionado na maioria das vezes em filmes B de vampiros ou em histórias em quadrinhos, em que vampiros apareciam de forma mais grotesca, diferente do charmoso Drácula de Béla Lugosi ou do Christopher Lee. Porém, no cinema temos dois exemplos de filmes que prestaram grandes homenagens a Nosferatu

O primeiro foi Nosferatu: Phantom der Nacht (1979) do diretor Werner Herzog, representante do novo cinema alemão. O filme é considerado por alguns como um remake de Nosferatu, já que se manteve fiel ao enredo original. Todavia, o vampiro interpretado por Klaus Klinski (1926-1991) não se chamava Conde Orlok, mas Drácula. O mesmo vale para os demais personagens, os quais receberam os nomes do livro, não do filme. (SILVER, 1997, p. 152-153).

Foto promocional de Nosferatu: O Vampiro da Noite (1979). 

O segundo filme que prestou homenagem foi Shadow of the Vampire (2000), do diretor E. Elias Merhige e do roteirista Steven A. Katz. O filme foi baseado numa lenda urbana sobre Nosferatu. Não se sabe quando tal lenda surgiu, mas ela dizia que Max Schreck teria sido um vampiro de verdade, pois sua atuação tão convincente sugeria isso. Além disso, a lenda dizia que a atriz Greta Schörder realmente tinha morrido durante a filmagem. De qualquer forma, Katz e Merhige decidiram explorar essa lenda e o resultado foi Shadow of the Vampire, o qual conta a história dessa lenda. (MASSACCESI, 2015, p. 113).

No filme a trama apresenta o processo de filmagem de Nosferatu, ocorrido em 1921. Evidentemente que a trama resume alguns momentos específicos do filme, mas o interessante é que o ator Max Schreck que interpreta o Conde Orlok, personagem interpretado por Willem Dafoe, realmente era um vampiro. Isso somente próximo ao final do filme é descoberto. Embora que o diretor F. W. Marnau, interpretado por John Malkovich, soubesse da verdade, mesmo assim, fez uso de tal fato para conceder maior realismo ao seu filme. A obra foi elogiada na época por sua produção, fotografia, homenagem ao filme clássico e pela atuação de Dafoe, que inclusive acrescentou um sorriso psicótico ao personagem, já que na produção original Orlok não aparece sorrindo, além de caretas e outros trejeitos. 

Willem Dafoe como Conde Orlok em A Sombra do Vampiro (2000). 

NOTA: Max Schreck possuía um sobrenome curioso, pois schreck significa susto. Na época do lançamento do filme, pensou-se que fosse um nome artístico. 
NOTA 2: Nosferatu costuma ser referido como o primeiro filme de vampiro, mas isso é uma informação imprecisa. Existem produções menos conhecidas que o antecedem como La manoir du diable (1896), La légende du fantôme (1908), The Exploits of Elaine (1915). A questão é que Nosferatu na verdade é o primeiro filme de vampiro que fez sucesso. 
NOTA 3: O ator húngaro Béla Lugosi (1882-1965), famoso por ter interpretado o Conde Drácula em Drácula (1931), a primeira adaptação oficial do romance, em 1920, em início de carreira, atuou em Der Januskorf dirigido por F. W. Marnau. Infelizmente nenhuma cópia conhecida do filme foi encontrada. 
NOTA 4: O filme ganhou dois jogos, o primeiro intitulado Nosferatu the Vampyre (1986) e Nosferatu (1994). Ambos são vagamente inspirados na trama do filme. 
NOTA 5: Willem Dafoe chegou a receber indicações ao Oscar e Globo de Ouro devido a sua atuação como Conde Orlok, mas ele não ganhou tais prêmios. No entanto, sua ótima atuação atraiu os produtores da Sony, a qual negociou para que Dafoe fosse o Duende Verde em Homem-Aranha (2002). Fato esse que se nota o sorriso maníaco de Dafoe em ambos os personagens. 
NOTA 6: O jogo Bloodstained: A Ritual of Night (2019) existe um vampiro chamado Orloc Dracule, uma referência ao personagem do filme. 

Referências bibliográficas: 

BARSALINI, Glauco. Nosferatu: uma personagem romântica com elementos expressionistas. Intellectus. Revista Acadêmica Digital das Faculdades UNOPEC, Jaguariúna/SP, v. Ano, v. 4, 2008, p. 152-159.

DIAS, Fernando Rosa. O expressionismo no cinema. In: As artes visuais e outras artes: as primeiras vanguardas. Lisboa, Editora da Universidade de Lisboa, 2007, p. 55-67. 
KRAKAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler: uma história psicológica do cinema alemão. Rio de Janeiro, Zahar Editora, 1988. 
MASSACCESI, Cristina. Nosferatu: a symphony of horror. Hartwell Crescent, Auteur, 2015. 
SILVER, Alain. The Vampire film: From Nosferatu to Interview with the Vampire. New York, Limelight Editions, 1997. 
SIMÕES Jr, Pedro Augusto Moraes. O Eterno Retorno de Nosferatu. 2008. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/simoes-pedro-o-eterno-retorno-de-nosferatu.pdf

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