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Leandro Vilar

sexta-feira, 18 de março de 2022

Kunoichi: as ninjas mulheres

As kunoichi ficaram em evidência nos últimos 20 anos por conta de mangás, animes e jogos de videogame, todavia, produções anteriores sempre costumaram ignorar a presença delas. O problema é que pouco se sabe sobre a história delas e alguns historiadores até contestaram se as kunoichi teriam sido reais ou uma lenda. 

Os ninjas ou shinobis

Enquanto os samurais já existiam desde o século XII, isso como uma classe guerreira e social, já que o termo é mais antigo, no caso dos shinobis, ou ninjas como são mais conhecidos no mundo, esses surgiram bem mais tardiamente no século XV. Stephen Turnbull (2007, p. 144) comenta que os ninjas surgiram a partir dos espiões (sekko) e dos mercenários (kancho), sendo que esses agentes já existiam faz tempo, a diferença foi que os ninjas se tornaram espiões e assassinos profissionais, isso no sentido de se especializarem em táticas e técnicas especiais para a espionagem, sabotagem, assassinato discreto, etc. 

Porém, Turnbull (2014, p. 10-11) ressalva que é difícil estudar a história dos ninjas por haver poucas fontes a respeito, e parte do material ser oriundo do folclore dos séculos XVIII e XIX, os quais concederam um misticismo aos shinobis. Além disso, Turnbull salienta que nem todo espião durante o Período Sengoku (1467-1615), época das guerras feudais, seria um ninja propriamente. Neste ponto, o autor diz que é difícil distinguir quem seria um ninja de um espião ou mercenário comum, pois diferente do senso comum, os shinobis não andavam vestidos com roupas pretas, até porque era algo bastante chamativo. Logo, tais guerreiros optavam por roupas comuns ou disfarces. 

Por outro lado, Turnbull (2003, p. 9) salienta que tradicionalmente os ninjas eram identificados como sendo guerreiros treinados na antiga cidade de Koga (atual Shiga) ou viriam de aldeias ou vilas da província de Iga (atual Mie). Fato esse, que autores do século XVIII, relataram haver dojos secretos nesses lugares, onde famílias de shinobis eram instruídas ao longo de gerações. Mas isso provavelmente era um exagero. Apesar do ninjutsu ser ainda hoje praticado, ele não era tão secreto assim como o folclore japonês se refere. O que seria mantido em sigilo era a identidade dos agentes, receitas para se produzir venenos e algumas técnicas de infiltração e assassinato. Além disso, não se tem como afirmar que todos os shinobis seriam provenientes de Koga e Iga. 

Green (2001, p. 355) aponta que além da palavra shinobi, haviam outros termos para se referir aos ninjas como: onmitsu (agente secreto), rappa ("onda selvagem"), suppa ("onda transparente"), toppa ("onda de ataque"), kasa (grama), monomi ("vidente de coisas") e nokizaru ("macaco sobre o beiral"). Com exceção da palavra shinobi e onmitsu, nota-se que as demais palavras para se referir aos ninjas, eram gírias.

A ideia de que os shinobis somente realizariam missões sigilosas não é bem assim. O fato de eles serem mercenários também, significava que estariam aptos a serem convocados para compor milícias. Durante as guerras feudais não foi incomum que daimiôs e outros senhores criassem seus exércitos, o que incluiu tropas de milícia. Fato esse que havia shinobis que lutaram nessas milícias para além de agirem em missões de espionagem e assassinato. E, neste ponto, Turnbull (2007, 2014) destaca que é difícil certificar-se quais operações atribuídas aos ninjas foram reais ou invenções do folclore ou da literatura. Em parte, isso se deve a natureza sigilosa dessas missões, já que era tempos de guerra, e o vazamento de informação poderia ser algo deveras preocupante. 

Problemáticas de definir as kunoichi

Vimos anteriormente que os ninjas surgiram num período indefinido do século XV, durante a época Sengoku (1467-1615), fase da história japonesa bastante turbulenta, em que daimiôs disputaram o controle do Japão, enquanto o imperador e a corte estavam moralmente e politicamente enfraquecidos. Fato esse que vários daimiôs se levantaram contra o xogum e o imperador e até mesmo decidiram fundar seus próprios reinos. E foi nesse contexto bélico que os ninjas surgiram e estiveram em atividade, pois depois com o estabelecimento da paz no país, as ações dos shinobis caíram drasticamente, embora que o ninjustu ainda continuou a ser ensinado como arte marcial. 

Mas o que se sabe sobre as ninjas mulheres? Turnbull (2003) responde que praticamente nada se sabe sobre elas e há dúvidas se realmente elas existiram mesmo. Pois empregar mulheres na espionagem não era algo incomum, a diferença é que as kunoichi seriam treinadas para isso. 

Turnbull (2017, p. 106) comenta que a palavra kunoichi que é formada de três kanjis, os quais significam "nove mais um" seria um termo pejorativo para se referir as mulheres, pois os homens possuem nove orifícios corporais, já as mulheres têm dez orifícios. No caso, o autor aponta que tal palavra é de origem posterior a época que os shinobis estiveram em atividade, podendo inclusive ter sido uma invenção de escritores.

Stephen Turnbull (2017, p. 105-106) diz que menções as kunoichis são bastante vagas, mesmo no Masenshukai (Mar onde convergem dez mil rios), obra em vários volumes, escrita pela família Fujibayashi na segunda metade do século XVII, em que falam sobre vários assuntos, incluindo ninjustu. Nessa obra temos o termo kunoichi jutsu, que não é compreendido de forma clara. Turnbull aponta que alguns historiadores o tomaram como sendo referência as ninjas mulheres, mas ele comenta que poderia ser uma referência ao uso de mulheres para espionagem, pois jutsu tem sentido de técnica. Além disso, Turnbull também aponta que a falta de menções das kunoichis em outras fontes históricas e literárias geram dúvidas se realmente haveriam ninjas mulheres ou apenas espiãs que ajudavam os shinobis. 

Ele ressalva que a guerra no Japão era um campo predominantemente masculino, sendo raras as vezes que mulheres atuaram como guerreiras (incluindo as onna-musha). Sendo assim, a existência de ninjas mulheres seria algo pouco provável ou raro. 

Como as kunoichi agiriam?

Apesar das dúvidas se elas realmente existiram, mas caso elas tenham sido reais, como elas agiam? Aqui é preciso esquecer o que se conhece a partir das mídias de entretenimento. Nada de mulheres usando trajes sensuais, atirando shurikens e lutando com kunais. As kunoichis se foram reais, agiriam como os shinobis, trabalhando na base da discrição e usando disfarces. Sendo assim, elas poderiam ser uma camponesa, uma empregada doméstica, uma artesã, uma costureira, uma prostituta, uma cortesã, uma sacerdotisa, etc. 

Se kunoichis existiram, elas se disfarçariam como mulheres comuns para manter a discrição. 

No caso do disfarce ser de meretriz, isso justificaria trajes sensuais ou belos, mas dependeria do objetivo da missão, o que envolveria evidentemente a sedução como arma. Por outro lado, tais mulheres agiriam essencialmente como espiãs, pois há dúvidas se elas receberiam treinamento propriamente dito. Mas caso fossem instruídas, elas poderiam aprender como cometer atos de sabotagem e até de assassinato, principalmente matando com o uso de veneno, técnica associada a ninjas e mulheres, por ser vista como uma forma covarde de se matar alguém. Elas também poderiam usar facas, agulhas e outras formas de execução. 

Mas quanto a ter kunoichis lutando ninjutsu ou usando diferentes tipos de armas, isso poderia ser algo bem mais difícil, até porque as fontes escritas do XVII e XVIII nem salientam isso. Embora se saiba que houve casos de mulheres instruídas em artes marciais, mas que poderia ser para sua autodefesa, não necessariamente para ir ao campo de batalha. 

Por fim, não se conhecem representações iconográficas dos séculos XVI ao XIX de kunoichis, apesar que a própria representação de shinobis neste período também eram raras. 

NOTA: Nas mídias temos kunoichis famosas, as quais aparecem principalmente em mangás, animes e jogos de videogame. Muitas aparecem nos mangás e animes Naruto e Boruto, mas outras são vistas em séries de jogos como Kasumi de Dead or AliveAyane e Momoji em Ninja Gaiden, Ayame de Tenchu, Taki de Soulcalibur, Ibuki de Street Fighter, Kunimitsu de Tekken, Kurenai de Red Ninja, até mesmo Kitana, Mileena, Jade e Tania da franquia Mortal Kombat, já foram consideradas kunoichis por conta de suas vestes e algumas habilidades. Em geral, tais mulheres são representadas como belas e sensuais. 

NOTA 2: A personagem Mai Shiranui foi a primeira kunoichi famosa nos videogames, tendo aparecido em Fatal Fury 2 (1992), embora se popularizou na franquia The King of Fighters

NOTA 3: Chiyome Mochizuki é considerada a mais famosa das kunoichi, tendo sido a viúva de um samurai que decidiu agir na guerra, contratando mulheres e as treinando. Mochizuki teria atuado entre 1560 e 1580. No entanto, há dúvidas se ela realmente existiu e se teve uma "escola de kunoichis". 

NOTA 4: O jogo Nightsade (2003), no Japão é conhecido pelo título Kunoichi, trazendo como protagonista Hibana. Inclusive o jogo faz parte da franquia Shinobi

NOTA 5: Nas franquias Samurai Warriors e Sengoku Basara é comum haver kunoichis entre os personagens jogáveis ou NPCs. E como de costume, elas são mulheres belas. Todavia, em Samurai Warriors 5, a kunoichi Mitsuki é uma personagem com papel importante na trama. 

NOTA 6: Mesmo em jogos com uma pegada mais "histórica" as kunoichi, ainda assim, aparecem usando trajes que apresentam alguma sensualidade. Vale ressalvar que o uniforme shinobi seria para fins táticos, se a kunoichi quisesse sensualizar, ela usaria roupas comuns para isso. 

Referências bibliográficas:

GREEN, Thomas A (ed.). Martial Arts of the World: an encyclopedia, volume 1: A-Q. Califórnia: ABC-CLIO, 2001. 2v

TURNBULL, Stephen. Ninja: AD 1450-1650. Ilustração de Wayne Reynolds. Oxford: Osprey Publishing, 2003. (Série Warrior: 64).

TURNBULL, Stephen. Ninja Unmasking the Myth. Yorkshire, Frontline Books, 2017. 

TURNBULL, Stephen. The Ninja: at invented tradition? Journal of Global Initiatives: policy, pedagogy, perpesctive, vol. 9, n. 1, 9-26, 2014.

TURNBULL, Stephen. Warriors of Medieval Japan. Oxford: Osprey Publishing, 2007.

Link relacionado: 

Ninjas x Samurais: crônicas de uma guerra feudal (XV-XVII)

Onna-musha: as mulheres guerreiras do Japão

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