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Leandro Vilar

segunda-feira, 18 de abril de 2022

450 anos de Os Lusíadas

O presente texto comenta um pouco a respeito do autor e da obra, como uma forma de não passar em branco esse importante poema para a literatura portuguesa e para a própria história da literatura. Os Lusíadas (1572) consiste numa obra redigida ao longo de vários anos, como uma homenagem ufanista ao povo português, em que Luís de Camões mesclou acontecimentos históricos e referências mitológicas para redigir uma epopeia a sua nação. 

Luís de Camões um poeta trágico

Embora Camões seja hoje reconhecido como um dos maiores poetas da Língua Portuguesa e o grande poeta do Classicismo Português, nem sempre foi assim. Antes de tudo, ele morreu sem fama e sem reconhecimento. A história de vida de Camões foi marcada por vários momentos trágicos, alguns resumidos aqui, pois alguns de seus acontecimentos influenciaram sua magnus opus e até outros poemas também.

Não há um consenso de quando Luís Vaz de Camões nasceu, as datas variam entre 1520 e 1524, embora hoje normalmente os historiadores da literatura acreditam que a data de 1524 seja a mais aproximada. Mas além de não saber o ano exatamente de seu nascimento, o local de sua origem também é disputado. Porém, atualmente credita-se que o local de seu nascimento teria sido Lisboa mesmo, a capital portuguesa. 

Retrato de Luís de Camões feito por Fernão Gomes, por volta de 1577. 

Todavia, seus antepassados já tinham demonstrado o gosto pelas letras. O bisavô de Luís foi Vasco Pires de Camões, oriundo da Galiza, que mudou-se para Portugal por volta de 1370. Vasco Pires era trovador, soldado e se ganhou o título de fidalgo, fazendo parte da baixa nobreza. Ele teve um filho chamado Antão Vaz que era marinheiro e casou-se com Guiomar da Gama, parente de Vasco da Gama. Antão e Guiomar tiveram dois filhos: Simão que foi também marinheiro e comerciante e Bento que se tornou poeta e clérigo. Simão casou-se com Ana de Sá e o casal teve Luís de Camões. 

Sobre a infância de Luís, praticamente nada se sabe. Sua família deixou Lisboa e morou em outros lugares. Entretanto, por volta dos 12 ou 13 anos, Luís foi enviado para Coimbra, para ficar sob tutela de seu tio Bento e ingressar nos estudos. A lista de alunos da Universidade de Coimbra não consta o nome de Luís de Camões, o que sugere que ele não cursou a universidade, pelo menos não como aluno matriculado oficialmente. No entanto, por volta dos 20 anos, ele viajou para Lisboa, a fim de tentar a vida.

O jovem Camões atuou em ofícios diferentes, um deles foi ser preceptor de filhos de pessoas ricas. Entretanto, os biógrafos relatam que Camões era homem boêmio, dado a frequentar as tavernas e mesas de jogo. Em dado momento ele alistou-se no Exército e serviu por dois anos na Berberia (atual Marrocos), em que ficou cego do olho direito. Fato esse que ele narra nos Lusíadas e até demonstra desprezo pelos mouros que lhe tiraram um dos olhos. 

Ao voltar para Lisboa, seguiu uma vida sem rumo definido, pois não tinha emprego fixo, vivia a escrever poemas e canções, além de ter arranjado confusão por ter se apaixonado por mulheres prometidas ou casadas, uma delas foi Dona Maria, irmã do rei D. João III. Em alguns poemas ele chegou a citar sua paixão por algumas dessas mulheres, comprovando seu comportamento romântico. 

Em 1550, Luís pediu dinheiro emprestado para o país para poder pagar a viagem para às Índias, ir tentar a sorte como marinheiro nos navios mercantes. Mas devido a uma briga com Gonçalo Borges, provavelmente por desavenças passionais, ele quase matou Borges, o que lhe rendeu uma ida para a prisão. Ele ficou preso por quase dois anos, sendo perdoado em 1553 e enviado para exílio na Índia, embarcando na nau São Bento naquele mesmo ano. Em 1554 ao chegar em Goa, na Índia, Luís alistou-se no exército do vice-rei Afonso de Noronha. Nos anos seguintes Camões trabalhou como soldado e outros ofícios. 

Foi preso por volta de 1556, permanecido ali por tempo desconhecido, talvez liberado em 1560 ou 1561. Não se sabe o motivo exato de sua prisão, alguns biógrafos apontaram dívidas não pagas, brigas e até poemas satíricos ao vice-rei. Mas com a troca de governo, ele foi perdoado. Em 1562 foi despachado para a colônia de Macau, na China, onde viveu por quase três anos, atuando como Provedor-mor dos Defuntos e Ausentes, um cargo burocrático baixo, numa colônia pequena e longínqua da Índia Portuguesa. Nessa época ele já estava escrevendo Os Lusíadas, como aponta referências suas na própria obra ao citar a vida na Índia e em Macau. 

Luís de Camões em Macau, gravura de Desenne, 1817. 

Por volta de 1565 retornou a Índia, mas não se sabe em que ofício trabalhou. Além disso, os biógrafos não encontraram registros de que Camões tenha casado ou tido filhos. Em 1567, Luís de Camões foi enganado por uma falsa promessa de Pedro Barreto, nomeado governador de Sofala, em Moçambique, o qual lhe prometeu um bom emprego administrativo. Porém, a promessa não se realizou e Camões viveu de forma precária por dois anos em Moçambique, até finalmente ser resgatado por alguns amigos de Portugal, que compraram sua passagem de volta. 

Camões voltou a Portugal em 1570, estando com 46 anos, e com a ajuda dos amigos conseguiu se manter nesse tempo em que concluiu Os Lusíadas, apresentando-o ao rei D. Sebastião I (1554-1578) que se orgulhando da obra, ordenou sua publicação e concedeu a Camões uma pensão de três anos. Camões conseguiu se manter nos anos seguintes graças a pensão do rei e a ajuda de amigos, embora não se saiba se ele voltou a trabalhar ou possuía investimentos. Além disso, Os Lusíadas havia vendido poucas cópias, e o dinheiro da venda não dava para pagar as contas. 

Finalmente em 1580, oito anos depois da publicação de seu grande poema e alguns outros poemas, Camões faleceu aos 56 anos de "peste" como informou Le Gentili, seu grande amigo. Nessa época, o poeta vivia de alguns negócios que possuía, além de não ter se casado e nem tido filhos. Luís também morava numa casa pequena em Lisboa, ao adoecer foi levado a um hospital onde morreu. 

Túmulo de Luís de Camões no Mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa. 

A estrutura de Os Lusíadas

Não se sabe exatamente quanto tempo Camões levou para escrever sua obra, mas ele a começou durante sua vida na Índia. E vale ressalvar que entre 1570 e 1572 ele se dedicou a concluir o livro, para poder apresentá-lo ao rei D. Sebastião I. Logo, muito pode ter sido escrito nesse período. 

De qualquer forma, Os Lusíadas consiste num poema épico, o qual apresenta um tom de aventura e grandes façanhas, como visto na Ilíada, na Odisseia e na Eneida. De fato, a literatura clássica greco-romana foi a grande inspiração para Camões, condição essa que ele decidiu tentar fazer a mesma coisa que Homero e Virgílio, mas ao invés de centrar-se numa guerra como na Ilíada, Camões optou em ter o modelo de viagem e aventura da Odisseia como referência, colocando Vasco da Gama (1469-1524) e sua expedição que descobriu a Rota das Índias (1497-1499), como centro da narrativa. No caso, Gama tornou-se o "Odisseu português". 

Por sua vez, a partir da Eneida, Camões tomou como referência a ideia de nacionalismo, pois no poema de Virgílio, ele apresentou como o herói troiano Enéas sobreviveu a Guerra de Troia e levou os troianos sobreviventes através do Mediterrâneo, chegando a Cartago e depois estabelecendo-se na Itália, em que seus herdeiros iriam culminar nos gêmeos Rômulo e Remo, os fundadores da cidade de Roma. Temos assim um mito fundador, e Camões procurou aproveitar essa ideia, fato esse que o Poema se chama Lusíadas em referência ao povo Luso, ancestral dos portugueses, os quais viveram na época da Roma Antiga, habitando a Lusitânia (terra dos lusos), território anexado ao Império Romano. Neste ponto, Camões considerava o Império Português como um dos herdeiros de Roma, nota-se assim, a ideia de ufanismo e nacionalismo vista na Eneida, e transposta para os Lusíadas. 

Mas apresentado as inspirações para a obra, o poema foi dividido em 10 cantos (ou capítulos), totalizando 1.102 estrofes e 8.816 versos. As estrofes ou estâncias são divididas em oito linhas decassilábicas, o que significa que em todos os oito versos que compõe uma estrofe, cada verso possui dez sílabas com rimas, seguindo o padrão fixo AB AB AB CC, como se pode ler abaixo. 

Estrofe 1 do Canto I: 

As armas e os barões assinalados, (rima A)

Que da Ocidental praia Lusitana, (rima B)

Por mares nunca de antes navegados, (rima A)

Passaram ainda além da Taprobana, (rima B)

Em perigos e guerras esforçados (rima A)

Mais do que prometia a força humana, (rima B)

E entre gente remota edificaram (rima C)

Novo Reino, que tanto sublimaram; (rima C)

Os versos do poema seguem o modelo heroico, no qual as sílabas sexta e décima são acentuadas (embora nem sempre isso aconteça), e por sua vez, todas as sílabas finais de cada verso possuem rima, como apresentado no exemplo anterior. A diferença no caso da métrica de Os Lusíadas, encontra-se nos versos 7 e 8, em que Camões os combinou, diferente de intercalar como feito anteriormente, isso passou a ser chamado de versos camonianos

Frontispício da primeira edição de Os Lusíadas (1572). 

Os temas narrados no poema

Anteriormente vimos que Os Lusíadas teve como inspiração a Ilíada, a Odisseia e a Eneida, algo que se devia ao fato de Camões ter sido um poeta do Classicismo português, diretamente influenciado pelo Renascimento Italiano (XIV-XVI), por conta disso, Camões decidiu escrever um épico com as características anteriormente citadas, entretanto, nos 10 cantos que formam sua obra, ele aborda diferentes assuntos, não limitando-se apenas a viagem de Vasco da Gama.

O Canto I se inicia com a proposição que inclui a introdução, a apresentação do assunto (viagem às Índias), os heróis (Vasco da Gama e sua tripulação). Em seguida Camões faz uma exortação as ninfas do rio Tejo, as chamadas Tágides, pois alguns autores gregos e romanos costumavam no início de seus poemas ou narrativas, evocar as bênçãos das Musas ou de ninfas. Assim, Camões seguiu esse costume. Depois ele escreveu várias estrofes enaltecendo a figura do rei D. Sebastião I, a quem o livro foi dedicado. Após isso, inicia-se a narrativa, com o detalhe que a trama começa pelo meio da jornada, não pelo seu início. Tal escolha era um estilo adotado desde a Antiguidade, em que alguns autores optavam em começar pelo meio dos acontecimentos, no intuito de que não apenas o futuro estivesse em suspense, mas o passado também. Por conta disso, o livro começa a narrar a expedição de Gama tendo problemas com as nações africanas da costa do Índico. 

No Canto II, Gama e seus homens deixam Moçambique e encontram atribulações em Mombaça e Melinde. Sublinha-se que nesta parte da história, temos o romanceamento de fatos históricos, além de se notar o discurso preconceituoso de Camões para os africanos, pois ele tratava os africanos islâmicos (chamados genericamente de mouros) como sendo traiçoeiros e vis, e os africanos pagãos (chamados genericamente de etíopes) como sendo selvagens. A opinião negativa de Camões se deve tanto a cultura da época que pensava dessa forma, mas também ao fato que ele guardava rancor dos mouros por conta da guerra que lutou em Ceuta no Marrocos, onde perdeu seu olho direito. 

No Canto III temos o primeiro interlúdio, em que a narrativa sofre uma pausa, e Gama torna-se o narrador da história, e começa a falar sobre a geografia e história da Europa, desde os gregos e romanos até a época dele, sempre exaltando Portugal e seu povo, além de comentar alguns momentos famosos da história portuguesa e as histórias de alguns nobres como o rei D. Fernando e o drama de Inês de Castro. Essa pausa ocorrida no terceiro canto se repete em outros momentos da narrativa, o que a torna não linear

O Canto IV continua o interlúdio anterior, no qual Vasco da Gama segue como narrador que apresenta os feitos de Portugal ao rei de Melinde, que é seu ouvinte junto a corte daquela cidade. Nota-se claramente um artifício do poeta para poder honrar e elogiar a história de seu país, fato esse que Camões conta acontecimentos ligados aos séculos XIV e XV. 

O Canto V interrompe o interlúdio e retoma a narrativa, mas com o detalhe que ela não progride, mas retrocede, pois agora na metade do livro, Gama vai contar como foi a decisão para sua expedição ser realizada, algo que ocorrem em 1497 e o que foi visto durante a travessia pelo Atlântico Sul e depois passar pelo Cabo das Tormentas (atual Cabo da Boa Esperança). Essa parte do poema é famosa, pois diz que ali viveria o gigante Adamastor, um personagem da mitologia grega. 

No Canto VI temos o avançar da trama, mas também uma quebra de continuidade. Após deixar Melinde, a expedição segue rumo a Calicute na Índia, enquanto a viagem segue calma, Fernão Veloso, um dos membros da expedição narra a história sobre Os Doze de Inglaterra, uma lenda como uma parábola sobre lealdade, honra e compromisso. Porém, a narrativa é interrompida por uma tempestade enviada pelos deuses do mar. Embora o poema narre um acontecimento histórico, no entanto, a trama possui elementos sobrenaturais, sobretudo na condição de que os deuses romanos interferem na expedição. Aqui nota-se claramente a influência dos poemas de Homero e Virgílio, em que isso ocorre várias vezes. 

O Canto VII volta a fazer exaltação, dessa vez ao Cristianismo, comentando sobre a cristianização da Europa e até dos acontecimentos sobre as Cruzadas. Depois desse início, a trama já apresenta os portugueses chegando a Calicute. 

No Canto VIII temos novo interlúdio histórico, dessa vez, Gama conta ao governador de Calicute sobre o povo lusitano (ou luso), retomando a trama até o chefe Viriato (181-139 a.C) e comentar sobre outros monarcas de outras épocas. Encerrada essa história sobre o passado de Portugal, a trama retoma alguns problemas envolvendo o governo de Calicute e a autorização para se fazer negócios. Em meio a isso, Camões também apresenta a estranheza dos portugueses com a cultura indiana, algo que ele mesmo foi testemunha, já que viveu na Índia por vários anos. 

O Canto IX centra-se no conflito entre Gama, contra os indianos e persas que tentam proibir os portugueses de fazerem comércio na Índia. É uma parte do capítulo que comenta sobre guerra. E novamente Camões se baseou na sua história pessoal, pois recém-chegado a Índia ele foi lutar contra os persas. No entanto, esse canto termina com os portugueses deixando a Índia e chegando a Ilha dos Amores, onde vive Vênus e suas serviçais e sacerdotisas. Tal acontecimento é uma alegoria inserida pelo autor para poder falar da paixão e do amor. Temas que ele abordou em outros poemas também.

Já o Canto X dar continuidade a visita dos portugueses à Ilha dos Amores, ali na presença da deusa Tétis, a profetiza Sirena conta aos portugueses o que o futuro reservava para sua nação. A profecia em si foi uma forma de Camões falar sobre a fundação do Vice-Reino da Índia, destacando vários de seus vice-reis. Após isso temos um novo interlúdio em que Gama contempla a "máquina do mundo", e o poema versa a abordar sobre geografia, astronomia e mitologia. Trata-se de outra alegoria também.

Por fim, o poema se encerra com um epílogo, que consiste num desabafo do próprio autor acerca do que ele passou no seu exílio, além de fazer algumas recomendações ao rei D. Sebastião I. Observa-se que o livro se encerra de forma alegórica e reflexiva, não mostrando a jornada de volta de Vasco da Gama e sua expedição para Portugal. 

Referências bibliográficas: 

AGUIAR E SILVA, Vítor (coord.). Dicionário de Luís de Camões. Alfragide: Editorial Caminho, 2011. 

CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. São Paulo: Abril, 2010. 

CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Introdução e notas Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2018. 


quinta-feira, 14 de abril de 2022

Uma história do pão

Estou voltando para mais uma publicação sobre a história dos alimentos, dessa vez, abordei um dos alimentos mais consumidos no mundo, o pão. No presente texto contei a respeito da longeva história desse alimento, o qual foi criado há milhares de anos, tornando-se uma comida não apenas costumeira, mas em algumas épocas era a base da alimentação de vários povos, moeda de pagamento, recompensa, presente, salvação contra a fome, e até comida sagrada e ritualística. 


A origem do pão

Basicamente o pão consiste numa massa preparada com farinha de cereais, sendo o mais comum o trigo, embora possa se usar o centeio, a cevada, a aveia, o milho, o arroz, e até outros alimentos como a batata e a farinha de mandioca. Além de ser fabricado com farinha, o pão pode ser fermentado ou sem fermento, recebendo adição de açúcar, ou sal, ou leite, ou ovos. Ele pode ser recheado ou não, além de receber a adição de outros ingredientes no preparo de sua massa. Atualmente existem centenas de receitas de pães, havendo uma enorme variedade desse produto pelo mundo. 

Não se sabe exatamente quando o pão surgiu ou quem foi o primeiro povo a fabrica-lo. Evidências arqueológicas apontam o fabrico de pão entre a Cultura Natufiana, datada entre 14000 e 7500 a.C na região do Levante (atualmente compreende Israel, Síria, Palestina, Líbano, Jordânia e Chipre). As evidências apontam o uso de ferramentas para se produzir farinha. No caso, o pão neste período seria produzido com base em cereais silvestres, pois a domesticação vegetal ainda estava no início. E provavelmente seria o pão achatado, devido a falta de conhecimento a levedura e outras técnicas. 

Um moedor manual datado do Neolítico, ainda na Pré-história. 

Civitello (2008, p. 8) aponta que o pão de trigo teria sido desenvolvido no Sudeste asiático por volta do ano 7000 a.C. A autora sublinha que nesse período o trigo já tinha sido domesticado e o pão começou a ser alimento corriqueiro. Para Rubel (2011, p. 12) a origem do pão de trigo estaria associada com o Crescente Fértil, entre 10000 a 8000 a.C. Já Pallant (2021, p. 20), o pão de trigo pode ter sido feito por volta de 8000 a.C, na Mesopotâmia, época em que duas espécies de trigo começaram a serem domesticadas, a Triticum monococcum e a Tricalle dicoccum

No entanto, os três autores assinalaram que o pão teria sido produzido inicialmente com cereais selvagens, somente depois com a domesticação de tais cereais, principalmente o trigo e depois a cevada, é que o pão tornou-se alimento mais comum. O problema é que faltam evidências arqueológicas de quando esse processo teria começado e passado a ser regular.

O pão na Antiguidade

O pão desde os primórdios da civilização agrícola passou a fazer parte da alimentação regular. A parte mais difícil era a moagem dos grãos, em que na falta de ferramentas e aparelhos mais eficientes, tornava-a um processo moroso e árduo. Todavia, estando a farinha pronta, bastava usar água para fazer a massa e depois levá-la ao forno. E em poucos minutos o pão estaria pronto. 

À medida que a população das vilas e cidades começava a crescer, a demanda por farinha e pães também aumentava, com isso surgiram os padeiros e as padarias. Sendo assim, o padeiro é uma profissão bastante antiga, existindo a milhares de anos. Por sua vez, as padarias na Mesopotâmia eram basicamente locais com vários fornos em que os pães eram preparados e depois assados. Lembrando que em muitos lugares o pão costumava ser produzido em casa, mas não falta de condições para se adquirir farinha, optava-se em ir as padarias. 

Rubel (2011, p. 10) aponta que registros cuneiformes oriundos da Suméria, datados de antes de 3000 a.C, já citam pães entre o alimento consumido no dia a dia, até o comércio desse alimento. O autor também sublinha o caso de Uruk, importante cidade sumeriana, surgida por volta de 3000 a.C, em que escavações arqueológicas revelaram que essa cidade já possuía celeiros e padarias, e em seus campos cultivou-se o trigo e a cevada. Rubel (2011, p. 20) também assinala que neste período, na Suméria, o pão já fosse ofertado aos deuses como oferenda. Ele também cita o caso da Epopeia de Gilgamesh, famoso poema épico, em cuja narrativa, para o homem selvagem Enkidu ser "civilizado", ele comeu pão e bebeu cerveja, pois era um costume diário que as pessoas faziam.

Exemplo de como poderia ter sido um pão feito na Mesopotâmia. 

Pallant (2021, p. 23) aponta que existam referências iconográficas e escritas no Egito Antigo, anteriores a 2500 a.C, mostrando a produção de pão. Civitello (2008, p. 15) comenta que no Egito a palavra pão etimologicamente estava associada com a palavra vida, logo, o pão, simbolicamente era uma "fonte de vida", ainda mais a condição de ser um pão circular, cujo formato lembraria o disco solar, sendo as divindades solares, importantes deuses na cultura egípcia antiga. A autora também complementa que os egípcios já produzissem um tipo de levedura, usado para fermentar o pão. 

Em algumas épocas da história egípcia os trabalhadores não eram pagos em dinheiro, por não existirem moedas ou essas serem escassas. No lugar disso, eles eram pagos com sacas de farinha ou recebiam pães, as vezes até cerveja. Tal prática não era exclusiva dos egípcios, outros povos como os sumérios, babilônios, indianos, chineses, etc. também chegaram a pagar o dia de trabalho com comida, sendo algo comum em diferentes momentos do mundo antigo. 

Trecho de um mural egípcio mostrando o preparo de pão. Tumba de Qenamum, Tebas Ocidental, entre 1550 a 1292 a.C. 
 
Na Índia antiga, distintos tipos de pães eram consumidos, e em geral tratavam-se de pães de formato achatado como o roti, palavra que em sânscrito significa pão. Normalmente ele é feito com farinha de trigo integral e não leva levedura. O roti possui distintos nomes na Índia e em alguns países vizinhos, sendo até confundido com outros pães achatados, os quais são diferentes por conta dos ingredientes usados, como o paratha e o naan. Ele ainda hoje é preparado, sendo consumido puro, ou como acompanhamento de outra refeição, ou usado para se fazer sanduíches. 

Cesta com rotis, tradicional pão indiano. 

Civitello (2008, p. 26) comenta que entre os antigos gregos e romanos, o fabrico de pão era sinônimo de civilidade em relação aos povos por eles considerados bárbaros, os quais alegava-se que esses não produziriam pães. Montanari (2006, p. 7) destaca que nos poemas épicos Ilíada e Odisseia, há referências aos gregos como sendo "comedores de pão", sendo o termo considerado um elogio, pois outros povos tidos como bárbaros, supostamente não comeriam pão. Embora que hoje saiba-se que fosse um preconceito dos greco-romanos, pois os povos celtas, germânicos, eslavos, entre outros da Europa, África e Oriente Médio, produziam pão. No entanto, soma-se além do fabrico do pão, o consumo de vinho e azeite, três alimentos diários da dieta greco-romana, considerados também como sinônimo de urbanidade. 

Os gregos antigos comiam pão em praticamente todas as refeições, e ele inclusive era a base do café da manhã, do lanche, do almoço e do jantar. Os gregos comiam pão com sopa, com queijo, com frutas e carnes, o comiam embebido em vinho, água ou azeite. Alguns pães eram recheados ou cobertos com carnes, queijos e legumes, lembrando uma pizza. 

Padeiras preparando a massa de pão, enquanto ouvem flauta. Escultura encontrada em Tebas, datada entre 525 e 475 a.C. 

Os romanos com os séculos aperfeiçoaram a produção de farinha, utilizando-se de tração de animais como burros e bois, e até de escravos. Graças a grande quantidade de farinha produzida em suas moendas, surgiu uma diversidade de pães, em diferentes formatos. Eram pães redondos, quadrados, achatados, levedados ou ázimos; pães acompanhados com queijo, ou temperados com sementes de papoula, pimenta, sal e mel. A produção era tamanha que muitas pequenas padarias se desenvolveram nas cidades romanas para atender a crescente população, ainda mais, que grande parte do povo alimentava-se muitas vezes só de pão, queijo, legumes e frutas, não tendo dinheiro para carne e embutidos. Por conta disso, em algumas épocas como 122 a.C e 58 a.C, houve decretos baixando o preço do trigo para que os pobres tivessem condições de se alimentar. (CIVITELLO, 2008, p. 46).

Ruínas de uma padaria em Pompeia. Na imagem se observa dois tipos de fornos. 

No entanto, o pão tem também outro destaque na Roma Antiga, e esse é com a chamada política do pão e circo (panem et circenses). Tal política surgiu em período em certo da República Romana (509-27 a.C), atrelada ao financiamento do trigo pelo Estado e os espetáculos nas arenas, especialmente os jogos de gladiadores. Tradicionalmente a historiografia desde o século XIX, defendia que essa política era uma forma simples de enganar a plebe, lhes oferecendo pão e entretenimento através das lutas e corridas. Porém, isso é questionável, apesar que não esteja totalmente errado.

A política do pão e circo realmente foi aplicada para se apaziguar os ânimos, mas eram usada principalmente para fins populistas. Imperadores, políticos e cidadãos ricos podiam financiar jogos e doar pães, e as vezes cerveja e vinho de baixa qualidade, para celebrar algo, ou melhorar sua reputação. A ideia de que tal tática era infalível, hoje é descartada, pois nos últimos séculos da República Romana, houve várias revoltas e rebeliões. 

Um tipo de pão consumido na Roma Antiga. Pães assim era ofertados na política do pão e circo. 

O pão nosso de cada dia

Embora distintas religiões fizessem uso de pães como oferendas, no entanto, citarei o caso de duas delas em que o pão ganhou um destaque ritualístico, sendo o judaísmo e o cristianismo. Na Bíblia a palavra pão é citada 390 vezes, referindo-se tanto ao pão em si, mas as vezes usada como metáfora para alimento e até um dos epítetos concedidos a Jesus Cristo, chamado de "Pão da Vida". Não obstante, o pão começa a ser citado desde o livro do Gênesis, percorrendo vários dos livros que compõe a Bíblia. 

Em Gn 14,18, o rei Melquisedeque recebeu Abraão com pão e vinho, embora possa parecer um gesto simples para um monarca, no entanto, nos tempos antigos servir pão era comum desde o pobre ao nobre, pois o pão era a base da alimentação de vários povos. No entanto, o pão além de ter sido um alimento regular para os hebreus, ele também tinha e tem um papel importante em sua religião; o pão chamado de chalá (shallah) é consumido tradicionalmente em festivais e durante o sabá, o dia santo para os judeus. 

Um exemplo de chalá com gergelim. 

Outro pão importante consumido pelos judeus, é exclusivo da Páscoa judia (Pessach), a qual celebra a saída dos hebreus do Egito, libertados por Moisés. Os judeus anualmente rememoram o que é citado em Exôdo 12,8 em que Deus instruiu a Moisés que avisasse ao povo para que naquela noite comessem apenas carne assada, pão ázimo (não fermentado) e ervas amargas. O tal pão sem fermento é chamado de matzá, sendo consumido até hoje no Pessach, ao lado do vinho e outros alimentos que compõe o cardápio religioso durante esse período de reflexão, introspecção e agradecimento. 

O pão mátza consumido durante a Páscoa judia (Pessach)

Por sua vez, o cristianismo também possui uma forte ligação com o pão. Além de Jesus ser chamado de "Pão da Vida", existem momentos do Novo Testamento que Jesus pronuncia a palavra pão em algumas reflexões, entretanto, há dois momentos em que esse alimento ganha destaque, o primeiro diz respeito a um dos milagres realizados por Jesus: a multiplicação dos pães e peixes. 

No capítulo seis do Evangelho de João, é dito que Jesus já homem afamado por sua reputação e milagres, viajava próximo do Mar da Galileia, com seus discípulos, mas uma multidão os seguiam, querendo ver novos milagres e ouvir seus ensinamentos. Em dado momento, Jesus indaga a Filipe se eles tinham dinheiro para comprar comida, o discípulo respondeu que mesmo com 200 moedas, não daria para comprar comida o suficiente para aquela alimentação, até que André, irmão mais novo de Simão Pedro, disse que havia um homem ali na multidão que possuía uma cesta com cinco pães e dois peixes. 

No Evangelho de João é narrado o milagre em que Jesus Cristo multiplicou cinco pães e dois peixes para alimentar quase cinco mil pessoas. 

Então Jesus pediu que todos se sentassem e ele começou a partilhar o pão e o peixe, e milagrosamente aqueles cinco pães de cevada e dois peixes se multiplicaram para saciar a fome de quase cinco mil pessoas. No final, Jesus ainda mandou recolher as sobras de pães, enchendo doze cestos.

Outro momento marcante no cristianismo relacionado ao pão, encontra-se durante a Última Ceia ou Santa Ceia, celebrada na véspera da Sexta-feira de Páscoa. Na ocasião, Jesus reuniu seus doze discípulos, e eles cearam pão e vinho. Durante a refeição, Jesus lhes instruiu sobre a Eucaristia, em que fez a analogia simbólica ao dizer que o pão representaria sua carne e o vinho representaria seu sangue. Até hoje a ceia como é celebrada nas igrejas cristãs, faz-se o uso do pão, e mais raramente do vinho, sendo substituído pelo suco de uva, ou inclusive ignorado. Por exemplo, na igreja católica é comum fazer a eucaristia com a hóstia, uma pasta sem fermento que emula o pão ázimo. Porém, os fiéis não recebem o vinho, sendo esse reservado ao padre. 

Representação da Ceia do Senhor com o pão e o vinho. 

No cristianismo a Ceia do Senhor ou Eucaristia, não é apenas celebrada durante a Páscoa, mas ao longo do ano, várias vezes. A ceia inclusive está associada com um dos sermões de Jesus, reforçando sua dedicação, fé e aliança com ele. Por conta disso, os cristãos realizam a ceia. Embora existam outras interpretações teológicas, mas que não vem aqui ao caso desse estudo sobre o pão. 

Mas antes de encerrar esse comentário sobre a conexão do pão com a tradição judaico-cristã, um último exemplo a ser dado diz respeito a oração do Pai Nosso, apresentada no Evangelho de Mateus 6,9-13, em que no versículo 11 é dito "o pão nosso de cada dia nos dá hoje". O pão neste quesito realmente se referia ao pão consumido diariamente entre os hebreus. Porém, a palavra pão tão é interpretada como no sentido de alimento, em que o cristão ao fazer essa oração, ao mencionar esse versículo, esta agradecendo pelo alimento de cada dia. 

O pão na Idade Média

No período medieval com a expansão do cristianismo pela Europa, o pão tornou-se alimento não apenas do cotidiano, mas também religioso devido a Eucaristia católica. Por outro lado, o consumo de pão ainda era a base da alimentação de vários povos, fosse o pão de trigo, centeio e o de cevada. 

No entanto, Montanari (2006, p. 72) salienta que no medievo europeu houve uma mudança tanto na produção de farinha, quanto no consumo de pão. Se no passado os romanos importavam trigo da Síria e do Egito, e a ilha da Sicília era tida como um celeiro no Mediterrâneo, mas com a Queda do Império Romano do Ocidente em 476, toda a logística, acordos comerciais de importação se findaram. O acesso ao trigo se tornou mais escasso, por conta disso, as pessoas tiveram que passar a consumir o pão feito de centeio e cevada, e de cereais considerados de qualidade inferior como o espelto (ou trigo-vermelho) e o orzo (ou arroz italiano). Por conta disso, o gosto e textura do pão era diferente e até mesmo sua coloração.

O pão de centeio tem uma coloração escura que lembra o chocolate, mas seu sabor é levemente azedo e mais forte do que o pão de trigo refinado ou farinha branca. 

Montanari (2006, p. 72) salienta que na Antiguidade e no Medievo, em alguns lugares, os pães de centeio, cevada, espelta e orzo, eram associados com os camponeses e os pobres, pois a elite preferia o pão feito de farinha de trigo branco, considerada uma iguaria e de sabor mais agradável. Isso se devia ao fato dos campos de trigo serem menores e até escassos em algumas áreas, além de que em algumas partes da Europa, sobretudo o norte, a cevada e o centeio são mais resistentes as condições climáticas. Porém, no final do medievo, o apreço por esses pães variados, sobretudo os feitos de centeio e cevada, passou a ser consumido por outras camadas da sociedade. 

Alguns territórios medievais também foram assolados pela fome em várias ocasiões. Montanari (2006, p. 106-107) cita um relato do historiador e padre Gregório de Tours (538-594), o qual comentou que a Gália (atual França) em sua época vivenciava uma crise de fome a ponto dos pobres usarem capim e terra para fazer pão. Posteriormente, Montanari cita os Anais de São Bertin, o qual informou que em 843, também na França, informava que novo surto de fome ocorria, e as pessoas misturavam terra com farinha escassa para poderem fazer pão, para assim não morrerem de fome. Montanari comenta que na literatura medieval de alguns países europeus, esse pão feito com capim, terra, restos de farinha, e outros ingredientes ruins, eram chamados de "pães da fome", pois eram oriundos de tempos de desespero. Observa-se nestes dois casos como o pão ainda era alimento essencialmente para a vida de muitas pessoas. 

Um exemplo de "pão da fome", o qual é feito com ingredientes ruins e inapropriados, num ato de desespero. 

Na China medieval, desenvolveu um pão popular no país, chamado de baozi ou bao. Esse pão é feito de farinha de trigo ou farinha de arroz, sendo cozido no vapor, e normalmente é recheado com carnes ou legumes, sendo descrito como tendo textura macia e saboroso. Segundo uma lenda, tal receita teria surgido durante a época dos Três Reinos (222-280), todavia, historiadores apontam que menções mais antigas a esse pão, datem da Dinastia Song (969-1279). O baozi é conhecido por algumas peculiaridades: seu formato, seu modo de preparo e por um dos ingredientes ser o arroz (Oryza sativa). O consumo de baozi se espalhou para a Mongólia, Coreias, Japão, Tailândia, Taiwan, Camboja, Indonésia, Nepal, Butão, etc.

O baozi é um tradicional pão chinês recheado, feito no vapor. 

Porém, alguns povos inovaram ao misturar o pão com o consumo de outros alimentos e bebidas. Um exemplo disso foram os árabes, os quais inventaram o hábito de comer pão e beber café, prática hoje tão comum em vários países. A partir do século XIII os árabes começaram a difundir pelo Oriente Médio e Norte da África, as cafeterias, onde você podia comer pães, bolos, doces e tomar café e chá. Tal hábito somente chegou à Europa no século XVI. Um dos principais pães consumidos por tais populações é o chamado pão pita (conhecido no Brasil também como pão árabe ou pão sírio) o qual é levedado, mas sendo achatado, podendo ser comido puro, ou com molho ou usado para se fazer um sanduíche, misturando carnes, queijos e legumes. O pão pita além de ser consumido na Ásia e África, foi levado para a Europa, sendo ainda hoje consumido pelos gregos. (CIVITELLO, 2008, p. 66). 

O pão pita dos árabes, o qual na Idade Média já era consumido junto com café. 

Na Itália um tipo de pão que se popularizou foi a focaccia, cuja palavra teria surgido por volta de 1300 no dialeto ligúrio. Todavia, esse tipo de pão deve ser bem mais antigo, já que sua feitura é até simples, sendo feita de farinha branca, água e sal, sendo redonda ou plana. Com o tempo em diferentes cidades começaram a surgir receitas diversas, incluindo coberturas salgadas e doces. No passado a focaccia era uma refeição como o almoço ou o jantar, pois tão pão era preparado de forma grande, recebendo adição de linguiças, salames, queijo, tomates, cebolas, azeitonas, etc. Atualmente a focaccia é mais consumida como lanche. 

Um exemplo de focaccia, a qual é um pão que lembra visualmente uma pizza neste caso. 

O costume de consumir tapas como aperitivo antes do almoço e do jantar, prática hoje comum em vários lugares da Espanha, remontaria a Idade Média, embora não haja um consenso de quando e onde tal prática começou, embora alguns estudiosos apontem que sua invenção seria mais tardia. Goméz (2009) aponta que existam diferentes lendas atribuindo a origem desse costume, porém, é preciso salientar que tapas trata-se de um aperitivo que inclui fatias de pães, ou pequenos pães, queijo, presunto, azeitonas, batata frita etc. Atualmente tal prática ainda se conserva, e os pães podem ser torrados ou não, inclusive há casos em que os pães servidos nas tapas lembrem a bruschetta dos italianos. 

Exemplo de tapas contemporâneas, as quais são servidas como aperitivos na Espanha, sendo um costume. 

Um outro exemplo a se comentar sobre o pão na Idade Média, não diretamente a um tipo de pão em si, mas ao desenvolvimento tecnológico para se fazer farinha. Ao longo da História o ser humano adotou diferentes técnicas para se moer os grãos, algo que já era feito desde a Pré-história. Na Idade Antiga foi desenvolvido a moenda de tração, a qual usava força humana ou animal, depois veio a moenda movida à água, que fazia uso de rodas d'água, entretanto, na Pérsia (atual Irã), entre os séculos VIII e X, surgiu o moinho de vento. Embora ele fosse bem diferente dos moinhos de vento que estamos habituados. 

Entre os séculos VIII e X os persas desenvolveram o primeiro moinho de vento eficiente, para moer grãos e fabricar a essencial farinha para se fazer pão. 

Os moinhos de vento persa tinham as pás na vertical, ficando dentro de estruturas e posicionados em locais em que obviamente o vento sopra forte, com isso, em conjunto eles giravam o mecanismo que fazia a moeda seguir funcionando, esmagando os grãos de trigo e outros cereais para se fazer farinha, e consequentemente, o pão, o bolo e outras massas. Tal engenho foi espalhado pelo Oriente Médio, porém, somente chegou à Europa por volta do final do século XII, quando surgiram os primeiros moinhos de vento, os quais eram pequenos, mas tinham as hélices externas. Tais moinhos se difundiram por Portugal, Espanha, França, Bélgica e Holanda, os principais países a fazerem uso deles. 

Moinhos de vento em La Mancha, na Espanha. Eles ficaram famosos na literatura, pois Dom Quixote os confundiu com gigantes. 

Pão, chá, café e doces

Com a modernidade novos costumes e receitas se desenvolveram. A partir do século XVI, as cafeterias que eram comuns no mundo islâmico começaram a se difundir pela Europa, levando consigo o consumo de cafés e chás. Por sua vez, das Américas veio o cacau que se tornou o chocolate, mas também advinha grande parte do açúcar consumido pelos europeus. Inclusive o Brasil nos séculos XVI e XVII estava entre os maiores produtores de açúcar no mundo. Logo, devido a abundância desse condimento, os doces se proliferaram pelas nações europeias, incluindo pães doces. Assim surgia a confeitaria ou pastelaria europeia. (PALLANT, 2021). 

O padeiro. Job Berckheyde, 1681

Com o açúcar o sabor mais azedo e amargo de alguns pães era amenizado, além de que os pães comuns também passaram a receber açúcar em suas receitas. Por outro lado, os pães doces que anteriormente eram feitos com leite, mel, geleias e frutas, receberam novas receitas, fazendo surgir os pães polvilhados com açúcar e os recheados com pasta de confeiteiro e outros recheios adocicados. Portugal, Espanha e França se notabilizaram pela produção de uma rica culinária de doces. 

Foi a partir do século XVI com a grande produção de açúcar nas Américas, em que os pães doces a base de açúcar se popularizaram. 

Com a popularização do uso de açúcar, alguns pães doces ganharam destaque mais do que outros, embora muitos tipos foram produzidos na Idade Moderna. Um primeiro tipo que destaco é a rabanada. Esse pão de origem possivelmente espanhola era feito com mel e ovos já no século XV, mas com a introdução do açúcar, esse substituiu o mel. A rabanada consiste numa rodela de pão podendo ser duro ou não, a qual é empanada em farinha, sendo depois frita, e polvilhada com açúcar. Dependendo do local, existem diferentes receitas. Todavia, a rabanada ganhou popularidade em alguns países como Espanha, Portugal e o Brasil, por ser um tipo de pão associado com a Páscoa e o Natal. Embora que em outros países como a França, ela é consumida em diferentes época do ano. 

Um prato com rabanadas segundo receita tradicional portuguesa. 

Outro pão doce que se tornou popular é o panetone, receita de origem italiana, de data incerta, mas já citado no século XIX, consiste num pão grande com massa adocicada, sendo tradicionalmente recheado com frutas cristalizadas. Apesar que variações hoje incluam gotas de chocolate, além de recheios como chocolate, doce de leite, entre outros. O panetone além de seu sabor, formato e textura icônicos, ele também se destaca pelo fato de que acabou sendo associado com o Natal. Por conta disso, normalmente ele é produzido nos meses de novembro e dezembro, apesar que em algumas padarias e mercados, possa se encontrar panetones em outras épocas do ano. Na Inglaterra ele se assemelha ao fruitcake

Um exemplo de panetone clássico, com frutas cristalizadas. 

No século XVIII as cafeterias começavam a se espalhar pela Europa, logo, o consumo de pães, café, chocolate quente e chás foi se tornando mais comum. Países como França, Itália, Portugal, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Áustria, desenvolveram novas receitas para competirem no mercado de confeitarias e cafeterias. 

Existem vários tipos de pães produzidos nesses países, mas citei alguns exemplos. Da Áustria veio o croissant (o qual normalmente se pensa ser de origem francesa), da Itália temos a ciabatta e o pão italiano, da Alemanha surgiu o pretzel, da França temos os brioches e os baguetes, os portugueses popularizaram o pão de leite e o pão sovado, os espanhóis produziram o pan del pueblo, da Inglaterra encontramos o scone, que em alguns casos é feito com massa de batata também. 

O pão no Novo Mundo

A ideia de que foram os portugueses, espanhóis, franceses, ingleses e holandeses que introduziram o pão nas Américas é imprecisa. Realmente os europeus levaram o pão, mas sendo esse feito de trigo, cevada e centeio. Porém, distintos povos ameríndios já consumiam pães, bolos e massas feitos com outros ingredientes, o que incluía milho, batata e mandioca

Na América Central e nos Andes do Norte, vários povos cultivavam variedades do milho (Zea mays), o principal cereal nativo das Américas. E como é possível fazer farinha de milho, essa era utilizada para preparar massas, bolos e até pães. Um exemplo disso são as tortillas, chamadas pelos astecas de tlaxcalli. O nome tortilla (tortinha) foi dado pelos espanhóis, por considerarem que esses pães redondos e achatados lembravam tortinhas. Originalmente elas eram feitas de farinha de milho, mas com a introdução do trigo, elas hoje são feitas com essa farinha também. Inclusive as tortillas são normalmente consumidas em distintos países da América Central, e usada na confecção de pratos famosos como o burrito e o taco

Indígena mexicana preparando tortillas. 

Não se sabe quando as tortillas foram desenvolvidas, mas isso pode remontar milhares de anos, devido o milho ter sido domesticado há bastante tempo. De qualquer forma, as tortillas eram consumidas puras ou acompanhadas por molhos, carnes e legumes. Tal prática até hoje se mantém. 

Seguindo para a região nortenha da Cordilheira dos Andes, a qual compreende atualmente os países da Colômbia, Equador, Peru e Bolívia, o milho também era consumido naquelas terras altas, porém, havia outro alimento nativo daquele lugar, a batata. Os povos andinos ao longo de milênios domesticaram dezenas de tipos de batata (Solanum tuberosum), alguns utilizados para preparos específicos, para serem cozidas, assadas, fazer purê, etc. Com isso eles produziam um tipo de pão parecido com a tortilla, por ser achatado também. 

O pão chuta é bastante popular em Cusco, antiga capital dos incas.

O pão chuta ainda conserva a forma da sua versão anterior, que era feito com farinha de milho ou farinha de quinoa (Chenopodium quinoa), planta nativa dos Andes, e hoje apreciada por suas qualidade nutritivas e suadáveis. No entanto, atualmente o pão chuta é feito com farinha de trigo, levando também manteiga, leite e ovos. Mas alguns lugares ainda o produzem à moda antiga. 

Entre os povos indígenas que habitavam as terras que vieram a ser o Brasil, alguns deles cultivavam a mandioca (Manihot esculenta), tubérculo venenoso que não pode ser consumido cru, sendo necessário rala-la para se fazer farinha, depois espremer seu líquido e depois cozinhá-la. Com a colonização a mandioca passou a ser utilizada para se fabricar diferentes tipos de farinha, como a farinha d'água, a farinha seca e a farinha de tapioca. Entretanto, esses três tipos de farinhas não são apropriados para se fazer pão. Usando-se a farinha tradicional (ou farinha de pau) para tal intuito. (CASCUDO, 2014, p. 91). 

O cronista Pero de Magalhães Gandavo, em seu livro Tratado da Terra do Brasil (1576), escreveu que os indígenas consumiam a farinha de mandioca geralmente como mingau, mas optavam em produzi-la num processo diferente para que ela ficasse mais granulosa, e assim faziam beiju ou tapioca, os quais não seriam pães, mas crepes. Gandavo também salienta que em tempo de guerra, consumia-se uma farinha mais seca e até mesmo crua. Entretanto, ele chama atenção que os indígenas não faziam pão com farinha de mandioca, optando em usar o milho-zaburro, mais conhecido como sorgo (Sorgum bicolor). O qual era usado para fazer um bom pão branco achatado. (GANDAVO, 2008, p. 60-61). 

Durante o período colonial do Brasil, os portugueses passaram a adotar o consumo de mandioca, entre outras plantas. Embora houve resistência durante décadas, sobretudo pelo fato de que os portugueses demoraram para se habituar ao gosto da farinha de mandioca, para usá-la na feitura de pães e bolos. Por conta disso, a mandioca foi considerada por muito tempo um alimento inferior, devendo ser destinado a alimentação dos indígenas, escravos e dos pobres, fato esse que ela era chamada de "pão de pobre"

Exemplo contemporâneo de pão feito de farinha de mandioca. No entanto, por séculos essa farinha foi considerada de qualidade inferior e comida de pobre. 

Na região da Floresta Amazônica, distintos povos produziram o chamado "pão de índio". Os arqueólogos e etnólogos apontam que se tratava de uma biomassa feita de plantas, raízes e tubérculos diversos, os quais eram amassados e compactados, podendo ser cozidos ou mantidos crus, depois eram armazenadas em cestas ou potes, sendo enterrados. Em alguns casos buracos forrados com folhas, eram preparados e os pães colocados ali. A ideia de soterrá-los era para sua conservação, pois prolongava em alguns dias o produto. Isso poderia ser feito em acampamentos de caça, trilhas de viagem ou até mesmo nas aldeias e casas. (SANTOS, 2021).  

Pães de índio fossilizados. 

Revoltas por pão

A Inglaterra do século XVIII passou por alguns problemas envolvendo escassez de farinha para se fazer o pão diário, mas também envolvendo a venda adulterada de farinha de trigo, algo considerado bastante grave, pois tratava-se de um produto não apenas de péssima qualidade, mas que poderia causar problemas de saúde, e a maioria das pessoas que o consumiam era as classes baixas. 

"Na década de 1750, um certo dr. Manning publicou um arrazoado declarando que o pão era adulterado, não só com alume, giz, greda branca e farinha de favas, mas também, com cal extinta e chumbo branco. Causou grande sensação a sua afirmação de que os moleiros misturavam na farinha "sacos de ossos velhos muídos": "os cemitérios dos mortos são revolvidos, para acrescentar sujeira ao alimento dos vivos", ou, como dizia outro folhetista, "a era presente [está] se banqueteando com os ossos do passado". (THOMPSON, 1998, pp. 166-167).

"Os bodes expiatórios eram os padeiros, os moleiros, assim como os comerciantes de cereais e os açambarcadores acusados de rarefazer artificialmente os grãos para aumentar sua circulação e, se necessário, vendê-los mais longe com maior lucro". (DELUMEAU, 1989, p. 173).

"No entanto, não era somente os moleiros que praticavam esses atos de desonestidade, os próprios padeiros também realizavam ao seu modo, suas artimanhas para burlar as Leis do Pão, e enganar os próprios consumidores. Uma das práticas utilizadas pelos padeiros era comprar a farinha fina, a qual era de melhor qualidade e mais cara, e fabricar seus pães para vende-los. Sendo assim, restava aos mercados a farinha grossa, que era de menor qualidade e mais barata. Neste caso, muitos diziam que o pão feito desta farinha causava náuseas, diarreia, cólicas, e possuía um gosto ruim. Isso forçava as pessoas a desistirem de fazer o "pão caseiro" e irem comprar nas padarias. E no entanto nem sempre o pão das padarias era de boa qualidade devido a origem de sua farinha". (VILAR, 2010). 

"A maioria dos londrinos suspeitava que todos os envolvidos na produção e comércio dos grãos, da farinha e do pão praticavam todo tipo de extorsão". (THOMPSON, 1998, p. 166).

Mesmo com as medidas do governo através das Leis dos Pobres (1601) para regulamentar o preço do pão de forma que não ficasse tão caro a ponto de gerar revoltas populares, ainda assim, a lei costumava ser burlada, e revoltas ocorriam, incluindo brigas, atos de vandalismo e saques. 

"Em tempos de preços altos, mais da metade do orçamento semanal da família de um trabalhador poderia ser gasto em pão". (THOMPSON, 1998, p. 155).

Em diferentes épocas da história ocorreram revoltas devido a fome ou o aumento dos preços envolvendo os alimentos. No caso do pão, isso não foi diferente. Para este estudo citei três casos. O primeiro ocorreu em 1789 antes do início da Revolução Francesa (1789-1799). Naquele ano os ânimos da sociedade estavam exaltados: a fome assolava parte da França, a burguesia ansiava por uma república, o povo estava revoltado com o luxo da corte, Luís XVI estava com a popularidade em baixa. 

Entre 1787 e 1789, invernos rigorosos, escassez de chuva e péssimas colheitas afetaram a produção de alimentos, os encarecendo, logo, os pobres sempre são os primeiros a sofrer com o aumentos do preço da comida. 

"Os agricultores não podiam obter cereais em quantidade suficiente para alimentar grande número de animais e não tinham gado bastante para produzir o adubo capaz de fertilizar os campos e aumentar a colheita". (DARNTON, 1986, p. 42).

"Para a maioria dos camponeses, a vida na aldeia era uma luta pela sobrevivência, e sobrevivência significava manter-se acima da linha que separava os pobres dos indigentes. [...]. Assim, uma sucessão de más colheitas podia polarizar a aldeia, levando as famílias marginais à indigências, enquanto os ricos ficavam mais ricos". (DARNTON, 1986, p. 45).

Durante as semanas que antecederam o 14 de julho de 1789, data que marcou a Queda da Bastilha (prisão política) em Paris, servindo de marco para o início da revolução, a situação na capital francesa e em outras cidades e vilas era problemática. As autoridades relataram ataques à mercearias, padarias e depósitos, em que multidões revoltadas iam roubar comida, farinha e pães. Tais ataques se estenderam pelos meses seguintes, pois toda a situação política do país estavam num grande impasse. (PALLANT, 2021, p. 106-107). 

Ilustração mostra a população francesa saqueando sacas de farinha.

Um terceiro exemplo que cito, ocorreu no século XX, com a Revolta do Pão no Egito, em 1977. Durante o governo neoliberal do presidente Anwar Al Sadat (1970-1981), para conter problemas com a inflação e alta nos preços, o governo de Sadat pediu empréstimos ao Banco Mundial e subsídios ao Fundo Monetário Internacional. Todavia, devido ao aumento dos juros e no valor das parcelas, Sadat ordenou que os subsídios fossem cortados, assim como, removeu gratificações do funcionalismo público e vetou o aumento salarial. 

Isso em 1977 gerou uma onda de revoltas pelo país, pois grande parte do dinheiro subsidiado era destinado a compra de alimentos como farinha de trigo, arroz, óleo e outros alimentos básicos. Por conta da interrupção do financiamento desses alimentos, os preços dispararam naquele ano, levando milhares de pessoas a protestarem nas ruas, pois as classes baixas corriam o risco de passar fome, por não terem condições de comprar pão e outros alimentos. Por conta disso entre os dias 18 e 19 de janeiro daquele ano, ocorreram revoltas no país, incluindo conflito com as forças policiais. Pelo menos 70 pessoas foram mortas e mais de 500 foram presas. Além de outras centenas de manifestantes que ficaram feridos. 

Manifestantes queimam um carro durante a Revolta do Pão em 1977, no Cairo, capital do Egito. 

A invenção do sanduíche

O consumo de pão com o recheio de carne, queijo, presunto, embutidos, legumes, etc. é bastante antigo e se perde no tempo. Porém, foi no século XVIII que surgiu na Inglaterra, a palavra sandwich para se nomear um alimento feito com duas fatias de pão, recheadas com salame. O termo surgiu em 1762 de forma engraçada, envolvendo o nobre John Montagu (1718-1792), conhecido como o 4th Conde de Sandwich, o qual foi um viajante, tendo visitado vários países, além de ter ganho títulos honoríficos na Marinha Britânica

Montagu também era homem influente na elite inglesa, e conhecido por ser um jogador de cartas viciado, fato esse que um de seus amigos apelidou os lanches que ele consumia, com o nome de sandwich, pois para Montagu não perder tempo se alimentando, ele preferia comer sanduíches de salame, queijo e carne. O termo que surgiu de uma brincadeira, foi citado pelo historiador Edward Gibbons (1737-1794) em 1762, mencionou esse nome num jornal da época, todavia, somente no século XIX, a palavra sanduíche passou a ser usada corriqueiramente para se referir ao que conhecemos hoje. 

A partir de uma brincadeira o nome do Conde de Sandwich passou a nomear a refeição sanduíche. 

O termo sandwich inclusive é usado para se referir de forma genérica a uma diversidade de alimentos feitos com duas fatias de pão. Fato esse que o queijo quente, misto quente, hambúrguer, cachorro-quente, americano, bauru, panini, etc. todos são sanduíches, embora recebam nomes específicos em alguns casos. 

O pão no Japão: um caso curioso

Pode parecer surpreendente, mas o consumo regular de pão no Japão é algo que começou no século XIX. Embora que o primeiro contato que os japoneses tiveram com o pão foi no XVI, com os portugueses. Antes disso, a culinária nipônica desconhecia o pão, sendo focada principalmente no consumo de arroz, hortaliças, pescado e carnes. Mesmo o macarrão não era tão consumido assim no país, devido a falta de trigo. Até mesmo o pão chinês baozi, não era consumido também, embora hoje seja encontrado no país. 

Os primeiros europeus que se tem notícia no Japão, foram os portugueses, os quais visitaram a ilha de Tanegashima em 1543, a partir de uma viagem num junco chinês saído de Macau, colônia portuguesa na China. No entanto, os portugueses só passaram a frequentar o Japão mais regularmente na década de 1550, após a missão evangelista de Francisco Xavier, ocorrida entre 1549 e 1552, que deu início a cristianização do sul do país. Por conta disso, nos sessenta anos seguintes, portugueses, espanhóis, franceses, italianos, ingleses e holandeses passaram a frequentar o Japão. Com isso, eles levaram o pão. (YAMASHIRO, 1978). 

Todavia, o pão foi inicialmente introduzido pelos portugueses, fato esse que a palavra japonesa para pão é pan. Esse era produzido com farinha de trigo à moda portuguesa, sendo uma iguaria, já que trigo não era produzido no país. Entretanto, com a expulsão dos europeus decretada em 1639, com o Édito de Isolamento do País, toda a influência europeia - exceto a dos holandeses, que ainda foram tolerados por mais alguns anos - deveria ser extirpada, incluindo o cristianismo, roupas, costumes, cultura, etc. (YAMASHIRO, 1978). 

Por conta disso, a importação de trigo encerrou-se, e o pão deixou de ser feito. Embora não se sabe se os japoneses o fizessem com arroz, mas isso era feito as escondidas, pois o pão era considerado costume europeu, sendo proibido. E no caso, a censura japonesa do governo Tokugawa, foi bem severa nesse quesito de combater a influência europeia. 

Sendo assim, foi durante a Restauração Meiji (1868-1889) que o pão voltou a ser reintroduzido na cultura japonesa. E desde então o alimento tornou-se algo comum na culinária nipônica, havendo diversos tipos de pães, alguns bem peculiares, que somente existem naquele país, como o anpan, um pão doce, recheado com doce de feijão vermelho (anko), alimento bastante popular no Japão. O anpan teria sido desenvolvido em 1875 por um ex-samurai chamado Yasubei Kimura, que decidiu investir numa padaria, mas passou a fazer pães segundo o gosto japonês, já que o padrão anteriormente era o britânico ou americano. 

O anpan é um tradicional pão japonês recheado com doce de feijão vermelho (anko). 

No século XX vários outros tipos de pães doces e salgados foram sendo desenvolvidos pela culinária japonesa, que é conhecida por ser excêntrica. Alguns exemplos são o karepan (pão frito com recheio de curry), o meropan (pão doce com formato de melão), korone (pão doce em formato de cone e recheado com chocolate ou creme), pão de yakisoba (recheado com yakisoba). 

Alguns tipos de pães japoneses hoje em dia. 

A industrialização do pão

Até o século XIX o pão era ainda feito de forma artesanal ou manufatureira, ambas as práticas ainda hoje são feitas, na maioria das padarias, porém, com o advento da Revolução Industrial, surgiu a indústria alimentícia de massas, pães, bolos e biscoitos. E essa foi impulsionada com a invenção do moedor de cilindro, que facilitava a moagem dos grãos para se fazer farinha. Além disso, soma-se a criação de fornos industriais a carvão, a vapor e elétricos, os quais maximizaram o cozimento dos pães em escala industrial. Se antes um forno de uma padaria produzia dezenas de pães por hora, um forno industrial poderia produzir centenas ou milhares de pães. (PALLANT, 2021, p. 157).

Uma fábrica de pão no século XIX. 

Entretanto, o pão industrial no século XIX não emplacou de imediato. De início, o sabor do produto não foi apreciado entre os ingleses, pois ali surgiram as primeiras fábricas de pães; segundo, houve tentativas de boicote por parte dos padeiros, que temiam perder o emprego e a clientela. No entanto, no final do XIX, o pão industrial começou a ser mais apreciado na Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha e outros países que começavam a se industrializar. Além disso, com o aperfeiçoamento tecnológico e químico para se produzir melhores leveduras, fermentos, corantes, conservantes, acidulantes, etc. isso melhorou o sabor, consistência, aparência e conservação dos pães industrializados. (PALLANT, 2021, p. 160).

Um dos pães que se popularizaram no começo do século XX, graças a industrialização foi o pão de forma ou pão de caixa, surgido na Escócia, ele se espalhou pela Inglaterra e se popularizou nos Estados Unidos. Graças ao pão de forma, sanduíches de pasta de amendoim com geleia, queijo quente e misto quente, se tornaram rotineiros no cardápio dos estadunidenses. 

Graças a industrialização que criou o pão de forma, o sanduíche de pasta de amendoim com geleia se tornou o sanduíche mais apreciado pelos estadunidenses. 

A indústria do pão não somente cresceu com o pão de forma, seu principal produto desde os idos do século XX, mas também foi impulsionada pela fabricação de pães para cachorro-quente e hambúrguer, ambos sanduíches se popularizaram devido a cultura estadunidense do fast food. A qual após a Segunda Guerra Mundial (1939-1944) foi exportada gradativamente pelo mundo, e hoje está enraizada em centenas de países. O que potencializa ainda mais o consumo regular de pães. 

A industrialização alimentícia e a culinária estadunidense, ajudaram a popularizar a cultura alimentar do fast food

Sanduíches populares de alguns país:
  • Alemanha: currywurst, fischbrötchen, bratwurst. 
  • Angola: xandula, magoga. 
  • Arábia Saudita: falafel.
  • Argentina: choripán.
  • Brasil: queijo quente, misto quente, sanduíche de mortadela, cachorro quente, hambúrguer, bauru, beirute, americano. 
  • Chile: chacarero, cachorro quente. 
  • China: bun, bao.
  • Cuba: medianoche.
  • Espanha: bocadillos, lanche, montado.
  • Estados Unidos: hambúrguer, hot dog, peanut butter and jelly sandwich, BLT, meatball sandwich, submarine sandwich, tuna melt. 
  • França: croque monsieur, croque madame, roulé, clube laudureé. 
  • Índia: vada pav.
  • Inglaterra: sandwich, toastie, tuna melt, panini, bacon butty, egg mayonese
  • Itália: caprese, panini, muffuletta, porchetta, ciabatta. 
  • Japão: yakisoba pan, hambúrguer, katu-sando, soseji pan, korokke.
  • México: cemita
  • Moçambique: badijas
  • Portugal: sandes, bifana, francesinha, prego, buraco quente. 
  • Rússia: buterbrod, reuben
  • Uruguai: chivitos, hambúrguer, cachorro quente. 
NOTA: John Montagu era amigo do navegador e explorador James Cook (1728-1779), o qual em sua homenagem nomeou dois arquipélagos, chamando-os de Ilhas Sandwich (atual Havaí) e Ilhas Sandwich do Sul

NOTA 2: Os romanos foram grandes apreciadores de pão, inclusive as línguas neolatinas herdaram da palavra pane, os termos pão (português), pan (espanhol e japonês), pane (italiano), pain (francês), pâine (romeno), entre outros.

NOTA 3: A mandioca pode ser chamada de mandioca-brava, mandioca-amarga, maniva, uiapi, etc. Devido a sua aparência ela é confundida com a macaxeira, a qual também é chamada de mandioquinha, aipim, mandioca-doce, mandioca-mansa etc., e também é confundida com o inhame. 

NOTA 4: A famosa frase "que comam brioche", atribuída a rainha francesa Maria Antonieta (1755-1793), a qual teria dito em resposta as petições públicas contra a fome e o aumento do preço dos alimentos, é um erro histórico. Antonieta nunca disse isso. A frase seria uma anedota criada por Jean-Jacques Rousseau em seu livro Confissões (1782). Na época da rainha, o brioche era um pão refinado, sendo consumido apenas pelos ricos. Logo, o tom da frase é de escárnio, pois se as pessoas não teria dinheiro para comprar pão comum, o que dizer de brioches? Além disso, suspeita-se que a frase tenha sido uma sátira a rainha Maria Teresa (r. 1660-1683), segunda esposa de Luís XIV

NOTA 5: No Brasil os tipos de pães mais populares são: o pão francês (carioquinha, cassetinho, pão de sal, etc.), o pão doce, o sonho, o pão de queijo e o pão sovado.

NOTA 6: O pão de ló apesar desse nome, na verdade ele é um tipo de bolo. 

Referências bibliográficas: 

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CIVITELLO, Linda. Cuisine and Culture: A history of food and people. 2a ed. New Jersey, Willey, 2008. 

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YAMASHIRO, José. Japão: passado e presente. São Paulo: HUCITEC, 1978. 

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História dos Alimentos