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Leandro Vilar

segunda-feira, 18 de abril de 2022

450 anos de Os Lusíadas

O presente texto comenta um pouco a respeito do autor e da obra, como uma forma de não passar em branco esse importante poema para a literatura portuguesa e para a própria história da literatura. Os Lusíadas (1572) consiste numa obra redigida ao longo de vários anos, como uma homenagem ufanista ao povo português, em que Luís de Camões mesclou acontecimentos históricos e referências mitológicas para redigir uma epopeia a sua nação. 

Luís de Camões um poeta trágico

Embora Camões seja hoje reconhecido como um dos maiores poetas da Língua Portuguesa e o grande poeta do Classicismo Português, nem sempre foi assim. Antes de tudo, ele morreu sem fama e sem reconhecimento. A história de vida de Camões foi marcada por vários momentos trágicos, alguns resumidos aqui, pois alguns de seus acontecimentos influenciaram sua magnus opus e até outros poemas também.

Não há um consenso de quando Luís Vaz de Camões nasceu, as datas variam entre 1520 e 1524, embora hoje normalmente os historiadores da literatura acreditam que a data de 1524 seja a mais aproximada. Mas além de não saber o ano exatamente de seu nascimento, o local de sua origem também é disputado. Porém, atualmente credita-se que o local de seu nascimento teria sido Lisboa mesmo, a capital portuguesa. 

Retrato de Luís de Camões feito por Fernão Gomes, por volta de 1577. 

Todavia, seus antepassados já tinham demonstrado o gosto pelas letras. O bisavô de Luís foi Vasco Pires de Camões, oriundo da Galiza, que mudou-se para Portugal por volta de 1370. Vasco Pires era trovador, soldado e se ganhou o título de fidalgo, fazendo parte da baixa nobreza. Ele teve um filho chamado Antão Vaz que era marinheiro e casou-se com Guiomar da Gama, parente de Vasco da Gama. Antão e Guiomar tiveram dois filhos: Simão que foi também marinheiro e comerciante e Bento que se tornou poeta e clérigo. Simão casou-se com Ana de Sá e o casal teve Luís de Camões. 

Sobre a infância de Luís, praticamente nada se sabe. Sua família deixou Lisboa e morou em outros lugares. Entretanto, por volta dos 12 ou 13 anos, Luís foi enviado para Coimbra, para ficar sob tutela de seu tio Bento e ingressar nos estudos. A lista de alunos da Universidade de Coimbra não consta o nome de Luís de Camões, o que sugere que ele não cursou a universidade, pelo menos não como aluno matriculado oficialmente. No entanto, por volta dos 20 anos, ele viajou para Lisboa, a fim de tentar a vida.

O jovem Camões atuou em ofícios diferentes, um deles foi ser preceptor de filhos de pessoas ricas. Entretanto, os biógrafos relatam que Camões era homem boêmio, dado a frequentar as tavernas e mesas de jogo. Em dado momento ele alistou-se no Exército e serviu por dois anos na Berberia (atual Marrocos), em que ficou cego do olho direito. Fato esse que ele narra nos Lusíadas e até demonstra desprezo pelos mouros que lhe tiraram um dos olhos. 

Ao voltar para Lisboa, seguiu uma vida sem rumo definido, pois não tinha emprego fixo, vivia a escrever poemas e canções, além de ter arranjado confusão por ter se apaixonado por mulheres prometidas ou casadas, uma delas foi Dona Maria, irmã do rei D. João III. Em alguns poemas ele chegou a citar sua paixão por algumas dessas mulheres, comprovando seu comportamento romântico. 

Em 1550, Luís pediu dinheiro emprestado para o país para poder pagar a viagem para às Índias, ir tentar a sorte como marinheiro nos navios mercantes. Mas devido a uma briga com Gonçalo Borges, provavelmente por desavenças passionais, ele quase matou Borges, o que lhe rendeu uma ida para a prisão. Ele ficou preso por quase dois anos, sendo perdoado em 1553 e enviado para exílio na Índia, embarcando na nau São Bento naquele mesmo ano. Em 1554 ao chegar em Goa, na Índia, Luís alistou-se no exército do vice-rei Afonso de Noronha. Nos anos seguintes Camões trabalhou como soldado e outros ofícios. 

Foi preso por volta de 1556, permanecido ali por tempo desconhecido, talvez liberado em 1560 ou 1561. Não se sabe o motivo exato de sua prisão, alguns biógrafos apontaram dívidas não pagas, brigas e até poemas satíricos ao vice-rei. Mas com a troca de governo, ele foi perdoado. Em 1562 foi despachado para a colônia de Macau, na China, onde viveu por quase três anos, atuando como Provedor-mor dos Defuntos e Ausentes, um cargo burocrático baixo, numa colônia pequena e longínqua da Índia Portuguesa. Nessa época ele já estava escrevendo Os Lusíadas, como aponta referências suas na própria obra ao citar a vida na Índia e em Macau. 

Luís de Camões em Macau, gravura de Desenne, 1817. 

Por volta de 1565 retornou a Índia, mas não se sabe em que ofício trabalhou. Além disso, os biógrafos não encontraram registros de que Camões tenha casado ou tido filhos. Em 1567, Luís de Camões foi enganado por uma falsa promessa de Pedro Barreto, nomeado governador de Sofala, em Moçambique, o qual lhe prometeu um bom emprego administrativo. Porém, a promessa não se realizou e Camões viveu de forma precária por dois anos em Moçambique, até finalmente ser resgatado por alguns amigos de Portugal, que compraram sua passagem de volta. 

Camões voltou a Portugal em 1570, estando com 46 anos, e com a ajuda dos amigos conseguiu se manter nesse tempo em que concluiu Os Lusíadas, apresentando-o ao rei D. Sebastião I (1554-1578) que se orgulhando da obra, ordenou sua publicação e concedeu a Camões uma pensão de três anos. Camões conseguiu se manter nos anos seguintes graças a pensão do rei e a ajuda de amigos, embora não se saiba se ele voltou a trabalhar ou possuía investimentos. Além disso, Os Lusíadas havia vendido poucas cópias, e o dinheiro da venda não dava para pagar as contas. 

Finalmente em 1580, oito anos depois da publicação de seu grande poema e alguns outros poemas, Camões faleceu aos 56 anos de "peste" como informou Le Gentili, seu grande amigo. Nessa época, o poeta vivia de alguns negócios que possuía, além de não ter se casado e nem tido filhos. Luís também morava numa casa pequena em Lisboa, ao adoecer foi levado a um hospital onde morreu. 

Túmulo de Luís de Camões no Mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa. 

A estrutura de Os Lusíadas

Não se sabe exatamente quanto tempo Camões levou para escrever sua obra, mas ele a começou durante sua vida na Índia. E vale ressalvar que entre 1570 e 1572 ele se dedicou a concluir o livro, para poder apresentá-lo ao rei D. Sebastião I. Logo, muito pode ter sido escrito nesse período. 

De qualquer forma, Os Lusíadas consiste num poema épico, o qual apresenta um tom de aventura e grandes façanhas, como visto na Ilíada, na Odisseia e na Eneida. De fato, a literatura clássica greco-romana foi a grande inspiração para Camões, condição essa que ele decidiu tentar fazer a mesma coisa que Homero e Virgílio, mas ao invés de centrar-se numa guerra como na Ilíada, Camões optou em ter o modelo de viagem e aventura da Odisseia como referência, colocando Vasco da Gama (1469-1524) e sua expedição que descobriu a Rota das Índias (1497-1499), como centro da narrativa. No caso, Gama tornou-se o "Odisseu português". 

Por sua vez, a partir da Eneida, Camões tomou como referência a ideia de nacionalismo, pois no poema de Virgílio, ele apresentou como o herói troiano Enéas sobreviveu a Guerra de Troia e levou os troianos sobreviventes através do Mediterrâneo, chegando a Cartago e depois estabelecendo-se na Itália, em que seus herdeiros iriam culminar nos gêmeos Rômulo e Remo, os fundadores da cidade de Roma. Temos assim um mito fundador, e Camões procurou aproveitar essa ideia, fato esse que o Poema se chama Lusíadas em referência ao povo Luso, ancestral dos portugueses, os quais viveram na época da Roma Antiga, habitando a Lusitânia (terra dos lusos), território anexado ao Império Romano. Neste ponto, Camões considerava o Império Português como um dos herdeiros de Roma, nota-se assim, a ideia de ufanismo e nacionalismo vista na Eneida, e transposta para os Lusíadas. 

Mas apresentado as inspirações para a obra, o poema foi dividido em 10 cantos (ou capítulos), totalizando 1.102 estrofes e 8.816 versos. As estrofes ou estâncias são divididas em oito linhas decassilábicas, o que significa que em todos os oito versos que compõe uma estrofe, cada verso possui dez sílabas com rimas, seguindo o padrão fixo AB AB AB CC, como se pode ler abaixo. 

Estrofe 1 do Canto I: 

As armas e os barões assinalados, (rima A)

Que da Ocidental praia Lusitana, (rima B)

Por mares nunca de antes navegados, (rima A)

Passaram ainda além da Taprobana, (rima B)

Em perigos e guerras esforçados (rima A)

Mais do que prometia a força humana, (rima B)

E entre gente remota edificaram (rima C)

Novo Reino, que tanto sublimaram; (rima C)

Os versos do poema seguem o modelo heroico, no qual as sílabas sexta e décima são acentuadas (embora nem sempre isso aconteça), e por sua vez, todas as sílabas finais de cada verso possuem rima, como apresentado no exemplo anterior. A diferença no caso da métrica de Os Lusíadas, encontra-se nos versos 7 e 8, em que Camões os combinou, diferente de intercalar como feito anteriormente, isso passou a ser chamado de versos camonianos

Frontispício da primeira edição de Os Lusíadas (1572). 

Os temas narrados no poema

Anteriormente vimos que Os Lusíadas teve como inspiração a Ilíada, a Odisseia e a Eneida, algo que se devia ao fato de Camões ter sido um poeta do Classicismo português, diretamente influenciado pelo Renascimento Italiano (XIV-XVI), por conta disso, Camões decidiu escrever um épico com as características anteriormente citadas, entretanto, nos 10 cantos que formam sua obra, ele aborda diferentes assuntos, não limitando-se apenas a viagem de Vasco da Gama.

O Canto I se inicia com a proposição que inclui a introdução, a apresentação do assunto (viagem às Índias), os heróis (Vasco da Gama e sua tripulação). Em seguida Camões faz uma exortação as ninfas do rio Tejo, as chamadas Tágides, pois alguns autores gregos e romanos costumavam no início de seus poemas ou narrativas, evocar as bênçãos das Musas ou de ninfas. Assim, Camões seguiu esse costume. Depois ele escreveu várias estrofes enaltecendo a figura do rei D. Sebastião I, a quem o livro foi dedicado. Após isso, inicia-se a narrativa, com o detalhe que a trama começa pelo meio da jornada, não pelo seu início. Tal escolha era um estilo adotado desde a Antiguidade, em que alguns autores optavam em começar pelo meio dos acontecimentos, no intuito de que não apenas o futuro estivesse em suspense, mas o passado também. Por conta disso, o livro começa a narrar a expedição de Gama tendo problemas com as nações africanas da costa do Índico. 

No Canto II, Gama e seus homens deixam Moçambique e encontram atribulações em Mombaça e Melinde. Sublinha-se que nesta parte da história, temos o romanceamento de fatos históricos, além de se notar o discurso preconceituoso de Camões para os africanos, pois ele tratava os africanos islâmicos (chamados genericamente de mouros) como sendo traiçoeiros e vis, e os africanos pagãos (chamados genericamente de etíopes) como sendo selvagens. A opinião negativa de Camões se deve tanto a cultura da época que pensava dessa forma, mas também ao fato que ele guardava rancor dos mouros por conta da guerra que lutou em Ceuta no Marrocos, onde perdeu seu olho direito. 

No Canto III temos o primeiro interlúdio, em que a narrativa sofre uma pausa, e Gama torna-se o narrador da história, e começa a falar sobre a geografia e história da Europa, desde os gregos e romanos até a época dele, sempre exaltando Portugal e seu povo, além de comentar alguns momentos famosos da história portuguesa e as histórias de alguns nobres como o rei D. Fernando e o drama de Inês de Castro. Essa pausa ocorrida no terceiro canto se repete em outros momentos da narrativa, o que a torna não linear

O Canto IV continua o interlúdio anterior, no qual Vasco da Gama segue como narrador que apresenta os feitos de Portugal ao rei de Melinde, que é seu ouvinte junto a corte daquela cidade. Nota-se claramente um artifício do poeta para poder honrar e elogiar a história de seu país, fato esse que Camões conta acontecimentos ligados aos séculos XIV e XV. 

O Canto V interrompe o interlúdio e retoma a narrativa, mas com o detalhe que ela não progride, mas retrocede, pois agora na metade do livro, Gama vai contar como foi a decisão para sua expedição ser realizada, algo que ocorrem em 1497 e o que foi visto durante a travessia pelo Atlântico Sul e depois passar pelo Cabo das Tormentas (atual Cabo da Boa Esperança). Essa parte do poema é famosa, pois diz que ali viveria o gigante Adamastor, um personagem da mitologia grega. 

No Canto VI temos o avançar da trama, mas também uma quebra de continuidade. Após deixar Melinde, a expedição segue rumo a Calicute na Índia, enquanto a viagem segue calma, Fernão Veloso, um dos membros da expedição narra a história sobre Os Doze de Inglaterra, uma lenda como uma parábola sobre lealdade, honra e compromisso. Porém, a narrativa é interrompida por uma tempestade enviada pelos deuses do mar. Embora o poema narre um acontecimento histórico, no entanto, a trama possui elementos sobrenaturais, sobretudo na condição de que os deuses romanos interferem na expedição. Aqui nota-se claramente a influência dos poemas de Homero e Virgílio, em que isso ocorre várias vezes. 

O Canto VII volta a fazer exaltação, dessa vez ao Cristianismo, comentando sobre a cristianização da Europa e até dos acontecimentos sobre as Cruzadas. Depois desse início, a trama já apresenta os portugueses chegando a Calicute. 

No Canto VIII temos novo interlúdio histórico, dessa vez, Gama conta ao governador de Calicute sobre o povo lusitano (ou luso), retomando a trama até o chefe Viriato (181-139 a.C) e comentar sobre outros monarcas de outras épocas. Encerrada essa história sobre o passado de Portugal, a trama retoma alguns problemas envolvendo o governo de Calicute e a autorização para se fazer negócios. Em meio a isso, Camões também apresenta a estranheza dos portugueses com a cultura indiana, algo que ele mesmo foi testemunha, já que viveu na Índia por vários anos. 

O Canto IX centra-se no conflito entre Gama, contra os indianos e persas que tentam proibir os portugueses de fazerem comércio na Índia. É uma parte do capítulo que comenta sobre guerra. E novamente Camões se baseou na sua história pessoal, pois recém-chegado a Índia ele foi lutar contra os persas. No entanto, esse canto termina com os portugueses deixando a Índia e chegando a Ilha dos Amores, onde vive Vênus e suas serviçais e sacerdotisas. Tal acontecimento é uma alegoria inserida pelo autor para poder falar da paixão e do amor. Temas que ele abordou em outros poemas também.

Já o Canto X dar continuidade a visita dos portugueses à Ilha dos Amores, ali na presença da deusa Tétis, a profetiza Sirena conta aos portugueses o que o futuro reservava para sua nação. A profecia em si foi uma forma de Camões falar sobre a fundação do Vice-Reino da Índia, destacando vários de seus vice-reis. Após isso temos um novo interlúdio em que Gama contempla a "máquina do mundo", e o poema versa a abordar sobre geografia, astronomia e mitologia. Trata-se de outra alegoria também.

Por fim, o poema se encerra com um epílogo, que consiste num desabafo do próprio autor acerca do que ele passou no seu exílio, além de fazer algumas recomendações ao rei D. Sebastião I. Observa-se que o livro se encerra de forma alegórica e reflexiva, não mostrando a jornada de volta de Vasco da Gama e sua expedição para Portugal. 

Referências bibliográficas: 

AGUIAR E SILVA, Vítor (coord.). Dicionário de Luís de Camões. Alfragide: Editorial Caminho, 2011. 

CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. São Paulo: Abril, 2010. 

CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Introdução e notas Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2018. 


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