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Leandro Vilar

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Mokele-mbembe: o dinossauro do Congo

No início do século XX surgiu entre caçadores, viajantes e exploradores, que na densa floresta do Congo, viveria uma estranha criatura que os nativos chamavam de mokele-mbembe ("aquele que interrompe o fluxo do rio"), a qual foi descrita supostamente como sendo um fóssil vivo, ou seja, uma espécie que deveria ter sido extinta há bastante tempo, mas por condições desconhecidas, ela sobreviveu naquela parte da África. No entanto, as descrições dadas pelos europeus naquele começo de século, sugeriam que tal criatura pareceria com uma espécie dinossauro. O presente texto conta um pouco dessa história, que hoje é considerada mais como uma história de caçador ou de viajante, do que uma lenda. 

Ilustração representando caçadores confrontando um mokele-mbembe. 

Em busca de dinossauros

No século XIX surgiram a Paleontologia e o conceito de Dinossauro, ambos ganharam espaço até o final daquela época, tornando-se populares a ponto de levar paleontólogos profissionais e amadores a viajarem atrás de fósseis. Por outro lado, o período que marcou a transição do XIX para o XX, foi uma época ainda associada com as políticas e práticas do neocolonialismo e do imperialismo, em que nações europeias mantinham colônias nas Américas, África, Ásia e Oceania. Devido a tal condição, europeus - geralmente ingleses e franceses -, viajavam por tais colônias e nações vizinhas para fazerem explorações geográficas e comerciais. Em alguns casos, estudiosos iam também participar de expedições antropológicas, arqueológicas, cartográficas, paleontológicas, históricas, geológicas etc. 

O período dos séculos XIX e XX ficaram marcados por uma onda de exploradores que mapeavam os continentes e os oceanos, fato esse que muitos locais que foram mapeados, receberam nomes europeus. Por sua vez, a procura por fósseis e supostamente por dinossauros que poderiam ter sobrevivido a extinção também existia. 

Desde o século XIX, alguns escritores tinham escrito sobre a existência de dinossauros nos tempos atuais. Por exemplo, Júlio Verne em Viagem ao Centro da Terra (1864), neste romance de aventura, sugeriu a existência de dinossauros no subterrâneo. Arthur Conan Doyle em sua obra O Mundo Perdido (1912), escreveu que na Amazônia brasileira havia um platô com dinossauros. Nota-se que embora ambos os livros foram publicados com mais de quarenta anos de distância, o tema sobre dinossauros era recorrente. No entanto, não era algo apenas da ficção, houve exploradores e aventureiros que realmente acreditavam que tais animais poderiam existir em alguma parte remota do mundo, que ainda estava sendo mapeado e explorado. 

A bacia do Congo

A bacia do Rio Congo é a maior da África e a segunda maior do mundo, tendo mais de 4 milhões de km2 de extensão, englobando as centenas de afluentes e subafluentes do Rio Congo, em meio a uma densa floresta tropical, estendendo-se pelo território atual de dez países: Camarões, Gabão, República do Congo, República Democrática do Congo, República Centro-Africana, Ruanda, Angola, Burundi, Tanzânia e Zâmbia. 

Mapa mostrando a bacia do Congo. 

Os europeus começaram seus contatos com os povos daquele território, ainda no século XV, com os portugueses. Esse contato se estendeu pelos séculos seguintes, sendo principalmente de ordem comercial, relativo ao comércio de escravos e outras mercadorias. No século XIX, a França dominava a maior parte da bacia do Congo, embora os portugueses e ingleses também detivessem controle de algumas áreas. Porém, no século XX, a Bélgica conquistou um bom território do Congo, criando a colônia do Congo Belga (1885-1960), enquanto a outra metade era chamada de Congo Francês (1882-1910).

O Congo por ser uma região muito rica em distintos produtos vegetais, madeiras, minérios e escravos, foi bastante frequentado pelos europeus no XIX e XX, atraindo mercadores, viajantes, exploradores, aventureiros, caçadores e estudiosos. A Selva do Congo é equiparada a Floresta Amazônica em quesito de dimensão, tipo de vegetação, clima e outras características. Devido a sua vastidão, o mapeamento dessa selva demorou para ser realizado, condição essa que também levou ao surgimento de lendas sobre povos perdidos, civilizações esquecidas, espécimes raros de plantas e animais, e evidentemente, animais estranhos. 

O mokele-mbembe

Desde o século XVI exploradores portugueses relataram terem encontrado elefantes, rinocerontes, hipopótamos, crocodilos e grandes serpentes nas florestas do Congo, mas nenhum relato falava de um monstro com característica que lembrasse um dinossauro. No século XVIII, o missionário francês Abbé Lievain Bonaventure Proyart, escreveu em seu livro History of Loango, Kakonga, and Other Kingdoms in Africa (1776), falando que no Congo, viu pessoalmente pegadas de um grande animal desconhecido. Na época, ele sugeriu que não seria um elefante ou rinoceronte, mas hoje sua afirmação é contestada, pois devido a sua falta de conhecimento sobre tais animais, provavelmente tais pegadas pertenceriam a uma dessas espécies. Porém, entusiastas do mokele-mbembe, ainda citam o relato de Proyart como uma evidência para existência desse animal. 

Entretanto, o primeiro relato sobre o suposto dinossauro do Congo surgiu com o comerciante de animais e caçador alemão Carl Hagenbeck (1844-1913) em seu livro Beasts and Men (1912), uma obra autobiográfica sobre suas viagens pelo mundo, indo caçar e comprar animais selvagens. Neste livro, Hagenbeck diz ter ouvido falar de uma criatura chamada mokele-mbembe, a qual ele relatou o seguinte: 

"Os relatórios eram, portanto, bastante independentes uns dos outros e, por uma questão de fato, o inglês e meu viajante tinham feito o seu caminho para à Rodésia de direções opostas, uma do nordeste e outra do sudoeste. Os nativos, ao que parecia, haviam dito a meus dois informantes que nas profundezas dos grandes pântanos habitava um enorme monstro, meio elefante, meio dragão. Esta, no entanto, não é a única evidência da existência do animal. Já faz várias décadas que Menges, que naturalmente é perfeitamente confiável, ouviu uma história semelhante dos negros; e, ainda mais notável, em as paredes de certas cavernas na África Central encontrei desenhos reais dessa estranha criatura. De que ouvi falar do animal, parece-me que só pode ser algum tipo de dinossauro, aparentemente semelhante ao brontossauro". (HAGENBECK, 1909, p. 96, tradução minha). 

Ilustração de dois brontossauros, os quais seriam os mokele-mbembe. 

Carl Hagenbeck comentou que recebeu as informações sobre o mokele-mbembe a partir do relato de dois ingleses que viajaram pela antiga colônia da Rodésia (atual Zâmbia e Zimbabué), os quais a partir dos relatos dos nativos descreveram esse tipo de monstro. Por sua vez, Hagenbeck disse que a partir dos relatos de Menges, sobre pinturas rupestres de um estranho bicho, ele disse que tal criatura parecia com um brontossauro, nome dado a um gênero da família Diplodocidae, da ordem Saurischia, conhecida popularmente como saurópodes, caracterizados por seus corpos grandes, robustos, longas caudas e pescoços.  

Os brontossauros eram dinossauros herbívoros, logo, a vastidão da selva do Congo, conteria abundância de alimentos para um grupo desses animais. Além disso, alguns poderiam se alimentar de plantas rasteiras e até aquáticas, expandindo sua cadeia alimentar. 

As descrições do suposto dinossauro passaram a variar, dizendo que sua pele sereia cinza, marrom, avermelhada, preta, que sua pata teria três, quatro ou cinco dedos, que eles seriam mais altos do que elefantes, ou menores do que eles. Mas em geral, os relatos concordavam que a criatura teria um pescoço alongado e uma longa cauda, características que se assemelhavam aos saurópodes. Mas um problema surgiu com isso: os povos nativos não sabiam o que era um sauropóde, tampouco conheciam o conceito de dinossauro, logo, a ideia de que o mokele-mbembe fosse um dinossauro, era uma suposição dos europeus. (LOXTON; PROTHERO, 2013, p. 266). 

Representação de um Diplodocus como sendo o mokele-mbembe citado por Hagenbeck. A estátua foi exibida em zoológicos. A foto data de 1917. 

Em busca do dinossauro do Congo

O relato de Hagenbeck virou sensação na época, em que jornais e revistas noticiavam a possibilidade de existirem dinossauros vivos no interior da selva congolense. No entanto, Hagenbeck que planejava retornar a África para procurar por tais animais, não pôde fazer isso, pois ele faleceu em 1913. No entanto, oportunistas se aproveitaram da popularidade do tema, e alegaram terem avistado a criatura e procuravam por patrocinadores para realizarem expedições de volta ao Congo, com intuito e caçar tal criatura. 

Com isso, várias expedições foram feitas ao Congo ao longo do século XX, algumas alegando que foram encontradas pegadas, ossos, escamas e até se avistou o animal. Nenhuma fotografia ou filmagem da criatura foram feitas. Com o tempo, supostos avistamentos da criatura em outras partes da África, foram relatados, ampliando o possível hábitat desses dinossauros remanescentes. (LOXTON; PROTHERO, 2013, p. 272-275). 

Em 1981, o engenheiro, explorador e criptozoologista Herman Regusters (1933-2005), realizou uma larga expedição à bacia do Congo para encontrar vestígios sobre o mokele-mbembe, visitando rios e lagos, onde supostamente espécimes teriam sido avistados nas décadas anteriores, mas após semanas de busca, nada foi encontrado. Regusters relatou sua expedição num artigo, comentando que tudo indicava ser apenas rumores. 

A última grande expedição atrás do suposto dinossauro foi exibida pelo programa MonsterQuest em 2008; o programa chegou a ser exibido no History Channel. O programa na época foi criticado por ser apenas sensacionalismo barato, uma produção audiovisual transvestida de expedição científica séria, que supostamente informava que havia encontrado evidências importantes que indicavam que o mokele-mbembe teria sido real. No fim, nada de concreto foi apresentado. No ano seguinte, influenciado pelo programa, duas equipes viajaram por conta própria ao Congo, para dar continuidade a pesquisa, mas também falharam em encontrar algo. (LOXTON; PROTHERO, 2013, p. 262-264). 

Considerações finais:

Após a expedição de Herman Rugesters, o qual era um entusiasta sobre o mokele-mbembe, novas expedições foram diminuindo a ponto de não serem mais realizadas, pois no período já se considerava que se tratava de uma lenda ou farsa. Em 2001 uma série documental da BBC, intitulada Congo, relatou que pigmeus do Congo, diziam que mokele-mbembe era um nome nativo para os rinocerontes e até elefantes, nada relacionado ao dinossauro que os europeus procuravam. 

Em 2008 ocorreu o documentário do MonsterQuest, anteriormente citado, e criticado por sua falta de profissionalismo e sensacionalismo barato. Depois disso, houve algumas menções ao mokele-mbembe, mas atualmente ninguém mais se aventura pelas selvas do Congo atrás da criatura. 

Atualmente considera-se que a criatura teria sido mal interpretada por Carl Hagenbeck, ou até mesmo uma invenção sua, para ganhar popularidade. Por outro lado, os pesquisadores apontam que o mokele-mbembe provavelmente seja uma referência aos rinocerontes e elefantes que existiam em maior abundância na região, os quais inclusive algumas de suas características físicas são similares ao do suposto dinossauro congolense. 

NOTA 1: O livro O Mundo Perdido (1912) de Arthur Conan Doyle teria se inspirado na popularização do mokele-mbembe, por conta disso, o autor colocou o Professor Challenger viajando ao Brasil para encontrar evidências de uma região não mapeada da Floresta Amazônica, onde habitariam dinossauros. 

NOTA 2: O Congo Belga foi citado em diversos romances, alguns como O coração das trevas (1899) de Joseph Conrad e Tarzan: o filho da selva (1912) de Edgar Rice Burroughs

NOTA 3: O filme Baby: Secret of the Lost Legend (1985) mostra uma operação para caçar mokele-mbembes, enquanto os protagonistas tentam impedir os caçadores.

NOTA 4: O mokele-mbembe aparece nos quadrinhos da Marvel, numa história inusitada da revista Punisher War Journal vol. 16-17 (1989), durante uma missão de cooperação entre o Justiceiro e o Wolverine, os quais viajam ao Congo. 

Referências bibliográficas:

HAGENBECK, Carl. Beasts and Men. London, Longmans, Green, and Co, 1909. 

LOXTON, Daniel; PROTHERO, Donald R. Abominable Science! Origins of the Yeti, Nessie, and the other famous cryptids. New York, Columbia University Press, 2013. 

REGUSTERS, Herman A. Mokele-Mbembe: An investigation into rumors concerning a strange animal in the Republic of the Congo. Munger Africana Library Notes, issue 64, 1982, p. 2-32. 

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