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Leandro Vilar

sábado, 21 de maio de 2022

Os deuses animais do Egito Antigo

Os deuses egípcios são principalmente lembrados por serem antromórficos, ou seja, possuíam corpo humano, mas cabeça de animais. Embora que nem todas as divindades seguissem essa característica, havendo deuses totalmente com forma humana como Isis, Osíris, Pthah, Aton, Amon, entre outros, e até alguns deuses que possuíam mais de uma forma. No entanto, o presente texto apresenta de forma simples as principais divindades animais egípcias e suas funções religiosas. 

Introdução

Menções aos deuses egípcios existem a mais de cinco mil anos atrás, remontando os primórdios do surgimento do próprio Egito. As divindades egípcias englobavam uma série de atributos e valores, elas representavam a natureza, lugares, emoções, ações, ideias, algo visto em outras religiões como a dos gregos, hindus e chineses. Algumas divindades eram adoradas em todo o reino, outras eram deuses padroeiros, associados a determinada região ou cidade. Alguns deuses somente passaram a receber destaque em determinadas épocas. Houve também o sincretismo religioso com deuses estrangeiros, advindos da Cananéia, Síria, Mesopotâmia, Núbia, Grécia etc. 

Os deuses possuíam mais de um nome e até epítetos. Alguns eram parentes como pais, filhos e irmãos, possuindo uma genealogia básica, embora não tão desenvolvida como a dos gregos. Outros deuses não possuíam uma conexão genealógica definida. Não obstante, os deuses eram definidos como sendo masculinos e femininos, alguns apresentavam características andróginas. O incesto divino também ocorria em alguns casos, por conta disso, a realeza o adotou como prática. 

O culto aos deuses era feito de diferentes formas, havendo cultos públicos, domésticos, exclusivos em templos, exclusivos para os sacerdotes, ritos iniciáticos, cultos reais, cultos secretos, sacrifícios de animais, festivais religiosos etc. A religião era algo marcante na vida dos antigos egípcios, os quais acreditavam que os deuses os observavam no dia a dia. Embora as divindades não se manifestassem fisicamente para os humanos, a mitologia traz relatos que isso tinha ocorrido no passado, porém, os deuses enviavam sinais ou poderiam se manifestar através de seus animais.

Apesar de cada deus possuir suas funções específicas, em geral, acreditava-se que os deuses prezavam pela manutenção da ordem universal, que mantinha o equilíbrio no mundo dos vivos e dos mortos. Neste ponto, a religião egípcia tinha uma grande preocupação com o destino da alma, havendo a ideia de julgamento dos pecados (Balança de Maat), de paraíso (Campo de Juncos) e inferno (Duat). Somado a isso também se tinha a crença na ressurreição, por isso a mumificação e outras formas de assegurar a proteção dos restos mortais. 

A religião egípcia antiga também tinha um papel estatal e real, os sacerdotes dos grandes templos detinham poder político, social e econômico devido as doações e tributos pagos aos seus templos; por sua vez, algumas divindades eram conhecidas por protegerem o faraó e sua família, sendo o faraó ora considerado um deus encarnado ou o representante maior dos deuses. Sobre isso, é válido mencionar que para os egípcios, a realeza era sagrada, o cargo de faraó era algo embasado religiosamente. 

Deuses animais

Anúbis: o deus com cabeça de cachorro ou chacal, era filho de Osíris e Néftis, ou de Seth e Néftis, sendo uma divindade associada com a mumificação e o mundo dos mortos. Apesar de ser retratado na ficção como um deus sombrio, Anúbis não era uma divindade maléfica. Seu nome egípcio era Inpu, também grafado como Anup, Anpu e Ienpw, a versão Anúbis é a forma grega de seu nome. 

Anúbis, o deus da mumificação. 

Bastet: originalmente uma deusa leoa, associada com a violência e a proteção dos deuses. Somente a partir do Império Novo (1560-1070 a.C), Bastet passou a ser cultuada mais regularmente como uma deusa gata, estando associada com a proteção dos humanos, dos faraós e da fertilidade. O centro de seu culto ficava em Per-Bastet, chamada de Bubástis pelos gregos. 

Estátua de bronze da deusa Bastet e quatro gatos. 

Geb: era o deus da terra, possuindo normalmente a aparência humana, mas as vezes usava uma coroa com um ganso, embora pudesse aparecer com a cabeça de cobra também. Ele era casado com Nut, a deusa do céu, e ambos eram os pais de Osíris, Ísis, Seth e Néftis. Geb era um dos deuses primordiais que formavam a Enéade, grupo de nove deuses. 

Representação de Geb com um ganso em sua cabeça, animal símbolo seu. 

Hapi: era um dos quatro filhos de Hórus, ele possuía a cabeça de babuíno. Hapi ao lado de seus irmãos Imseti (humano), Duamutefe (chacal) e Quebesenuefe (falcão), formavam o grupo de divindades fúnebres associada a proteção dos órgãos. Hapi era o responsável por proteger os pulmões. Ele era normalmente representado nos canopos, urnas funerárias usadas para guardas alguns órgãos específicos. 

Canopos representando os quatro filhos de Hórus, da direita para esquerda: Imseti, Hapi, Duamutefe e Quesebenuefe. 

Hatmehit: ela era representada de forma humana, mas em sua coroa encontrava-se a imagem de um peixe. Ela também poderia ser representada por um peixe. Era uma divindade associada com a pescaria e a fertilidade dos rios e lagos. Seu principal local de culto era em Mendes, no 16o Nomo, na região do Baixo Egito. Devido a sua conexão com a fertilidade, seu culto foi associado com o de Ísis, Hathor e Néftis. 

Estatueta de Hatmehit, a deusa dos peixes. 

Hathor: a deusa poderia ser apresentada com cabeça de vaca ou em forma humana. Ela as vezes também era retratada como uma mulher com orelhas de vaca ou chifres. Era uma divindade associada com o céu, o sol, a realeza, a fertilidade, o amor, a família e o auxílio no pós-vida. Era cultuada em várias partes do Egito, destacando-se Dendera durante o Império Antigo (2686-2160 a.C). Em algumas épocas era representada como esposa de Rá. A deusa também absorveu os cultos de outras deusas vacas como Bat e Hesat

Estatueta de bronze do século VII a.C, retratando Hathor com cabeça de vaca. 

Heket: era a deusa com cabeça de sapo, sendo cultuada desde o Império Antigo como uma divindade protetora das mulheres gestantes. Heket costumava ser invocada sobretudo quando as mulheres tinham gravidez problemática ou problemas durante o parto. Posteriormente, a deusa também se tornou uma divindade associada com a vida e a proteção doméstica. Ela era casada com Hek. 

A deusa Heket ajoelhada, segurando um ankh.

Hórus: uma das principais divindades egípcias, era o deus com cabeça de falcão. Ele era filho de Osíris e Ísis, sendo meio-irmão de Anúbis. Hórus era uma divindade associada com o céu, a realeza, a proteção do faraó, mas também tinha atributos que o ligavam a guerra e a vingança, já que ele matou seu tio Seth, vingando a morte de seu pai. As principais cidades de seu culto eram Nequém (ou Hieracômpolis) e Edfu. O deus era casado com Sélquis. 

Hórus seu avô Geb. 

Khepri: o deus com cabeça de escaravelho, era uma divindade solar, associada com o nascer do Sol, e considerado um deus-auxiliador de Rá, ajudando-o a sair do submundo. Segundo as crenças religiosas e mitológicas, durante à noite, Rá viajava pelo submundo (Duet), a partir do Oeste para o Leste. Assim, após cansado por uma longa e perigosa jornada, Khepri o ajudaria a empurrar seu barco para voltar ao céu. 

O deus Khepri, aquele que ajuda o sol a voltar para o céu.

Mafdet: era uma antiga deusa da justiça podendo ser representada normalmente na forma humana, raramente com a cabeça de guepardo ou lince. Embora haja representações suas como um desses dois animais. Posteriormente ela se tornou uma deusa protetora, protegendo de ataques de cobras e escorpiões. Também se tornou uma deusa guardiã dos aposentos do faraó. Devido a sua ligação em proteger de cobras, a deusa se tornou uma das inimigas da serpente Apófis, no submundo. 

A deusa Mafdet lutando contra a serpente Apófis. 

Nekhbet: a deusa abutre, era uma divindade ligada ao Alto Egito, protegendo essa região. Ela se tornou também uma guardiã dos faraós, fazendo dupla com a deusa Uadjet. Em algumas épocas a coroa do faraó trazia uma serpente e um abutre, representando ambas as deusas protetoras das duas maiores regiões das terras do Egito. 

A deusa Nekhbet em forma humana, mas possuindo asas, as quais ela usa para proteger um faraó. 

Quenum: também chamado de Khnum ou Quenúbis, era o deus com cabeça de carneiro, um antigo deus associado com a criação. Ele era ligado com o Alto Egito e a Núbia, sendo responsável por regular as cheias do Nilo. Era uma divindade também associada com a vida, sendo responsável por ter criado deuses e humanos. Ele era chamado de o oleiro ou o modelador, por conta disso, também estava ligado ao ofício da olaria. Era principalmente cultuado em Elefantina e Esna

Quenum o deus criador da humanidade.

Rá: outro dos notáveis deuses-falcão, sendo uma divindade bastante antiga, estando associada com o céu e a realeza, mas principalmente lembrado como um dos deuses do sol. Seu principal local de culto era em Inun (Heliópolis). Rá foi associado a outros deuses solares como Amon, Atum e Aton, por conta disso, haver os nomes de Rá-Atum ou Amon-Rá. O deus também já foi associado com Hórus. Rá possuía vários animais sagrados, e no mundo dos mortos ele tem a cabeça de um carneiro. 

Sacerdote tocando harpa para Rá. 

Renenutet: era uma deusa serpente associada a fertilidade e a colheita, sendo uma deusa protetora das plantações e celeiros. Era chamada de "senhora dos grãos". Renenutet também se tornou uma das várias divindades que protegiam o faraó e asseguravam sua fortuna. Seu culto foi associado ao de Ísis por conta da fertilidade. 

Renenutet, deusa da fertilidade, da colheita e das plantações. 

Sélquis: a deusa escorpião, embora ela não tivesse a cabeça desse animal, mas usava uma coroa com o formato de escorpião. É uma divindade bastante antiga e já era referida como uma das deusas guardiães do faraó no Império Antigo. Sua proteção estava mais associada em zelar pelo corpo do faraó, enquanto ele aguardava o dia da ressureição. Algumas versões a identificam como esposa de Hórus, em outras ela não é casada. 

Estatueta representando Sélquis metade humana e metade escorpião. 

Sekhmet: a mais famosa das deusas-leoa, ela estava associada com a guerra, a violência, a vingança, mas também com a cura, pois da mesma forma que ela poderia causar o mal, ela também poderia proporcionar o bem. A deusa também estava ligada a proteção do faraó e sua família. Algumas versões apontam que ela seria filha de Rá e casada com Ptah. Sekhmet era principalmente cultuada em Mênfis e Leontopolis

Sekhmet usando uma coroa solar, devido a ser filha de Rá de acordo com algumas tradições. 

Seth: antiga divindade associada com o deserto, a tempestade, o caos e o perigo. Normalmente aparece com a cabeça de um chacal ou canídeo incertoNa mitologia era o grande rival de Hórus, por quem foi morto. Porém, no mundo dos mortos, Seth se tornou um dos protetores de Rá, protegendo-o dos ataques da serpente gigante Apófis. Seth é uma figura ambígua, pois estava ligado a aspectos positivos e negativos. Seth era principalmente cultuado em Nacada, e com o tempo passou a ser um dos deuses protetores dos faraós. Fato esse que alguns faraós adotaram seu nome. 

Seth e Hórus abençoando o faraó Ramsés II, numa imagem do templo de Abu Simbel. 

Sobek: o deus com cabeça de crocodilo, foi bastante cultuado em diferentes épocas. Seu principal local de culto eram em Faium e Com Ombo, a cidade de Xejete foi chamada de Crocodilópolis pelos gregos, devido aos templos dedicados a ele. Sobek era um deus ligado ao rio Nilo, por conta disso estava associado a fertilidade. Sobek era venerado para que se proporciona uma cheia segura, de forma a tornar os campos férteis para o plantio. O deus também foi associado a Amon e Rá em algumas épocas. 

Representação de Sobek numa parede em Com Ombo. 

Thot: conhecido em egípcio como Djeuti, era o deus com cabeça de íbis, ave sagrada e associada com o conhecimento e os mistérios. Embora que em algumas versões, ele também fosse representado com a cabeça de um babuíno. Por conta disso, Thot era o deus do conhecimento, da sabedoria, da escrita, da música e da magia. Thot era casado com Maat ou Seshat, dependendo da época. O deus também era referido como estar presidindo o julgamento das almas. 

O deus Thot. 

Téfnis: também chamada de Tefenute, uma deusa leoa, sendo esposa de Shu, ambos eram um dos deuses primordiais, associados com o céu. No caso, Téfnis não possuía uma função arisca como Sekhmet, mas era uma divindade benéfica, promovendo as nuvens e a chuva, o que a ligava com a generosidade e a prosperidade, não necessariamente a fertilidade. 

A deusa Téfnis as vezes costuma ser confundida visualmente com Sekhmet. 

Tuéris: a deusa com cabeça de hipopótamo, também chamada de Taweret, sua função estava relacionada com a proteção das mulheres, principalmente durante a gravidez e a maternidade. Assim, era uma deusa ligada a proteção familiar e doméstica, passando também a ser recorrida para a proteção pessoal e auxiliadora das almas, sendo cultuada em várias épocas. Em Amarna foram encontradas muitas estatuetas e imagens da deusa, sugerindo um possível local de culto importante. 

Estatueta de Tuéris, a deusa costuma ser representada com o corpo de uma mulher grávida e os seios caídos. 

Uadjet: a deusa cobra, chamada pelos gregos de Uto, era uma divindade antiga, ligada ao Baixo Egito (a região do Delta). Inicialmente uma deusa da natureza e fertilidade, perdeu tais funções e se tornou uma divindade protetora dos faraós e da realeza, por conta disso, a coroa faraônica costumava trazer uma cobra naja, símbolo apotropaico de Uadjet. 

A deusa Uadjet em forma de cobra. 

NOTA: Nos quadrinhos do Cavaleiro da Lua (Moon Knight), Ammit que é um monstro que devora e pune os maus, é considerada uma deusa. Todavia, na mitologia e na religião egípcia, ela era um monstro, não uma divindade. 

NOTA 2: Nos quadrinhos do Cavaleiro da Lua, o deus da lua e da noite, Khonsu é retratado com a cabeça de um falcão, porém, na iconografia egípcia, o deus era normalmente representado na forma humana. 

NOTA 3: A Enéade ou Pesedjete era um grupo de nove deuses mais importantes. A mais famosa era a enéade de Heliópolis formada por: Atum, Shu, Tefnut, Geb, Nut, Osíris, Ísis, Seth e Néftis

NOTA 4: Não se sabe exatamente quantos deuses os egípcios cultuavam. Pesquisas apontam centenas de divindades, embora menos de trinta fossem as mais normalmente cultuadas. 

NOTA 5: O jogo Age of Mythology (2001) trouxe alguns deuses egípcios, ao lado de deuses gregos e nórdicos. 

NOTA 6: A trilogia literária Crônicas de Kane (2010-2012), criada por Rick Jordan, aborda a mitologia egípcia. 

NOTA 7: O jogo Tomb Raider: The Last Revelation (1999), Lara Croft deve evitar que Seth seja ressuscitado e traga o caos ao mundo.

NOTA 8: O jogo Assassin's Creed: Origins (2017) traz elementos da cultura, sociedade, religião e mitologia do Egito da época de Cleópatra VII. 

Referências bibliográficas: 

CERNY, Jaroslav. Ancient Egyptian Religion. London, Hutchinson University Library, 1957. 

PINCH, Geraldine. Handbook of Egyptian Mythology. Santa Barba, ABC Clio, 2002. 

REMLER, Pat. Egyptian Mythology A to Z. New York: Facts on File, Inc, 2006. 

TRAUNECKER, Claude. Os deuses do Egito. Tradução de Emanuel Araújo. Brasília, Editora da UnB, 1995. 

Links relacionados:

A adoração dos gatos no Egito Antigo

Aquenaton e a reforma monoteísta no Egito Antigo


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