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Leandro Vilar

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Bagdá: a joia do Islão (VIII-XIII)

Fundada no século VIII a cidade de Bagdá foi projetada a partir do sonho de um califa que enxergou nas terras da antiga Mesopotâmia um local onde se ergueria uma bela cidade circular com bairros, palácios, mesquitas e jardins, a qual se tornaria a capital do império abássida. Bagdá nos séculos seguintes cresceu rapidamente por conta do comércio, tornando-se uma cidade cosmopolita, reunindo artistas, estudiosos, inventores, viajantes, mercadores, artesãos e centenas de milhares de pessoas. Por mais de trezentos anos Bagdá foi a mais próspera cidade do Oriente Médio e uma das mais populosas do mundo. 

O sonho de um califa

Antes da fundação de Bagdá, a região que compreendeu terras da antiga Mesopotâmia, não era um deserto estéril e totalmente desabitado. Naquelas terras existiam cidades persas, algumas em ruínas, outras habitadas. Além disso, devido a ser uma zona entre os rios Tigre e Eufrates, isso permitiu o desenvolvimento de sistemas de irrigação para plantações e pastos, existindo várias fazendas e vilarejos rurais por ali. O próprio local que Bagdá seria construída fica situado ao oeste do rio Tigre, na época uma zona seca, mas com boa disponibilidade de água. O território que hoje corresponde o Iraque, tinha sido conquistado pelos árabes ainda nas décadas de 640 e 650, o que significava que quando Bagdá foi fundada em 672, aquelas terras já estavam a mais de vinte anos sob controle árabe. 

Além dessas duas condições postas: a existência de cidades persas como Ctesifonte e Seleucia, a existência de fontes de água, que permitiram plantações e pastos, soma-se a tais condições que a localidade estava próxima de rotas comerciais que cruzavam a Pérsia, advindas da China e da Índia. Tais rotas eram caminhos para caravanas que seguiam em direção ao Império Bizantino, a Síria, a Arábia, a Israel e o Egito. Sendo assim, observa-se que a região escolhida era bastante propícia para abrigar uma nova cidade. (MAROZZI, 2014, p. 43). 

No entanto, a ideia de construir uma capital para o império islâmico adveio do califa Abu Jafar Abdalá ibn Mohammed Al-Mansur (714-775), o qual assumiu o reinado em 754 com 40 anos de idade. Os califas eram os líderes espirituais das nações islâmicas sendo os sucessores do profeta Maomé (ou Mohammed em árabe). Desde a morte de Mohammed em 632, os primeiros califas foram homens próximos ao profeta como parentes e amigos, depois disso uma série de outras famílias disputaram esse importante título, pois o califa concentrava o poder temporal e espiritual. Isso inclusive gerou guerra entre as famílias que disputavam a sucessão para se tornarem califas, levando a origem dos sunitas e xiitas. Mas isso é outra história.

Todavia, a partir do conflito pelo califado surgiu a Dinastia Omíada (661-750), a qual tornou Damasco (atual capital da Síria) como sede do califado. Por mais que o governo tivesse passado a ficar sob a guarda de uma dinastia, isso não impediu rixas entre clãs. Apesar de sua expansão territorial e prosperidade, o califado entrou em crise no século VIII, por conta disso, os Omíadas foram derrubados do poder pela Dinastia Abássida (750-1258) formada por famílias que defendiam parentesco com um dos tios de Mohammed. 

Al-Saffah ou Açafá (721-754) aos 28 anos liderou a revolta que derrubou os Omíadas, inaugurando uma nova dinastia. No entanto, o jovem califa não viveu o suficiente para reorganizar o império adquirido. Após quatro anos de governo ele adoeceu possivelmente de varíola e veio a morrer. Açafá nomeou seu irmão Al-Mansur ou Almançor como seu sucessor. O novo califa reorganizaria alguns aspectos do império islâmico e expenderia os seus domínios para o interior da Pérsia.

"Os novos domínios dos abássidas estendiam-se do rio Indo até as margens da Ifríquia, mais de 6.400 quilômetros para oeste, e das encostas das montanhas nevadas do Cáucaso até a cidade árabe de San'â, 3.200 quilômetros ao sul. Os abássidas redesenharam o mapa político do mundo islâmico, abandonando a antiga capital omíada de Damasco, na Síria, e construindo uma nova cidade imperial em Bagdá, no Iraque. Embora fossem de origem árabe, tinham absorvido muitas influências culturais dos seus vizinhos persas, e convidaram árabes não convertidos ao Islã, judeus, cristãos, zoroastristas e budistas a fazer parte da grande e complexa burocracia que governava o império". (AS TERRAS DO ISLÃ, 2008, p. 59). 

Uma cidade projetada

Embora Almançor tenha se tornado califa em 754, a fundação de Bagdá levou quase dez anos para ocorrer. O novo califa teve que tratar antes disso de assuntos urgentes como conter revoltas, caçar traidores, desbaratar conspirações, reorganizar a administração, as finanças e o exército. Com a queda dos Omíadas, algumas províncias se rebelaram e se tornaram seus próprios califados. Mas passados oito anos desde que subiu ao trono, Almançor tendo ordenado seu vasto império na medida do possível, o qual ia da Pérsia a Hispânia, o califa decidiu pôr seu sonho em prática, para isso ele convocou os melhores arquitetos, engenheiros e mestres de obra para poderem projetar e construir a nova capital. (LE STRANGE, 1800, p. 4-6). 

Em uma das cartas escritas pelo califa ele descreveu seu projeto da seguinte forma:

"Seguramente, esta ilha [de terra entre os rios], limitada a leste pelo Tigre e a oeste pelo Eufrates, provará ser a encruzilhada do universo. Navios no Tigre, vindo de Wasit, Basra, Obolla, Ahwaz, Fars, Omã, Yamama, Bahrein e países vizinhos, vão aportar e ancorar ali. É lá que a mercadoria vai chegar pelo Tigre vinda de Mosul, do Azerbaijão e da Armênia; que também será o destino dos produtos transportados por navio no Eufrates a partir de Rakka, na Síria, nas fronteiras da Ásia Menor, no Egito e no Magrebe. Esta cidade também estará na rota dos povos de Jebel, Isfahan e as províncias de Khorasan. Por Deus vou construir esta capital e viver nela toda a minha vida. Será a residência dos meus descendentes. Certamente será a mais próspera cidade do mundo". (MAROZZI, 2014, p. 44-45, tradução minha). 

Bagdá começou a ser construída em 762 a partir de um projeto circular, em que a cidade possuía quatro portões, cada um dirigido para um dos pontos colaterais (nordeste, noroeste, sudeste e sudoeste), sendo cercada por um anel de muralhas e um fosso com água. Dentro do primeiro anel de muralhas estavam quadras simétricas, no segundo anel se encontravam mais quadras simétricas, no terceiro anel ficava o centro da cidade com praças e jardins, o palácio e a grande mesquita ao centro. 

Reconstituição de como seria Bagdá nas primeiras décadas. 

Se desconhece quantos operários trabalharam na construção da cidade, no entanto, relatos islâmicos informam que 100 mil trabalhadores atuaram em suas obras as quais custaram 18 milhões de dirrãs. No entanto um relatório do governo sugere que o custo da cidade foi de 4 milhões de dirrãs. Ainda assim, são valores altíssimos, pois o dirrã era uma moeda de ouro. Além disso, grande parte das casas e lojas eram feitos de tijolos de adobe (massa feita de terra crua ou barro, água e fibras vegetais compactadas), material abundante na região e fácil de ser manufaturado. Além disso, o adobe tem qualidades térmicas eficazes para diminuir a sensação de calor nos interiores. Porém, ele é eficiente em climas secos. (DURI, 2007, p. 33). 

Inicialmente a cidade não era chamada de Bagdá, mas de Medina al-Salam que significa "Cidade da Paz", uma referência aos novos tempos pacíficos que o califa Almançor pretendia instaurar em seu império. Apesar do simbólico nome, o califa não era tolo, então mandou construir três cinturões de muralhas e o fosso, precavendo-se de possível retaliações de clãs inimigos ou a ameaça de outros invasores. Na prática, muitas cidades islâmicas costumavam serem muradas por conta da ameaça de saques e guerras. (SYPECK, 2006, p. 66). 

A palavra Bagdá é de origem persa e foi dada mais tardiamente, embora ela designasse uma localidade próxima a cidade. Sua tradução costuma ser entendida como "dado por Deus" ou "presente de Deus". No entanto, não se sabe quando ao certo ela substituiu o nome Medina al-Salam. (DURI, 2007, p. 30). 

Bagdá foi concluída nos anos seguintes e quando suas casas já não davam conta do aumento populacional, bairros externos surgiram, inicialmente sendo moradias para os camponeses e os mais pobres. Posteriormente bairros de mercadores e artesãos foram fundados, e até mesmo os ricos construíram palácios e casas de campo. O mapa a seguir mostra um pouco dos arredores da cidade até o século X. (DURI, 2007, p. 33). Os distritos foram sendo ampliados até o século XIII. Autores islâmicos chegaram a dizer que Bagdá teria possuído quase 1 milhão de habitantes. 

Mapa mostrando como era Bagdá e seus distrito entre os séculos VIII e X ou os anos 150 e 300 do calendário islâmico. 

Um viajante no século IX ficou deslumbrado com a cidade e escreveu o seguinte sobre ela: 

"Em todo o mundo, não houve uma cidade que pudesse se comparar com Bagdá em tamanho e esplendor, ou no número de estudiosos e grandes personalidades. A distinção entre os notáveis e a população em geral serve para distinguir Bagdá de outras cidades, assim como a vastidão de seus distritos, a extensão de suas fronteiras e o grande número de residências e palácios. Considere as numerosas estradas [darb], vias públicas [shari] e localidades, os mercados e ruas [sikkah], as ruas [aziqqah], mesquitas e casas de banho, e as estradas [tariq] e lojas - tudo isso distingue essa cidade de todas as outras, assim como o ar puro, a água doce e o frescor sombra. Não há lugar que seja tão temperado no verão e no inverno, e tão salubre na primavera e no outono". (SYPECK, 2006, p. 66, tradução minha). 


A arquitetura da cidade foi sendo melhorada e modificada com o tempo, mas ainda no início das obras, adotou-se um estilo que mesclava elementos árabes e persas. De fato, o reinado de Almançor adotou padrões persas, até mesmo gostos artísticos, modas e costumes. A tendência se devia, por um lado, a proximidade da família do califa com a cultura persa, de outro lado, era uma forma de se aproximar da nobreza persa a fim de ganhar seu apoio, algo tentado pelos omíadas.

No entanto, a forte influência persa na nova capital acabou trazendo problemas também. Alguns dos califas passaram a serem submissos a poderosas famílias persas, inclusive sendo manipulados e chantageadas por essas. Por outro lado, algumas regiões do antigo império persa mantiveram sua autonomia e não se submetiam totalmente ao califado. Enquanto os Omíadas conseguiram manter uma autoridade hegemônica, os Abássidas falharam em dar continuidade a isso, condição essa que outros califados e emirados surgiram nesse período. (ROBINSON, 2007, p. 24-25). 

O início da prosperidade

Com a morte de Almançor em 775, seu filho Mohammed ibn Al-Mansur Al-Mahdi (744-785) assumiu o reinado, tratando de continuar com as reformas político-administrativas, a aproximação com a nobreza persa, as obras em Bagdá, mas também teve que conter revoltas e tentativas de golpe de estado. Mas no caso da capital real, sob o reinado de Al-Mahdi ou Almadi, o novo califa adotou uma política de tolerância como feita com seu pai, permitindo assim que imigrantes se mudassem para a cidade. Com isso, cristãos, judeus, zoroastrianos e budistas passaram a dividir espaço com muçulmanos. Almadi também procurou se aproximar dos xiitas.

Por outro lado, o sucessor de Almadi seu filho Abu Abdulá Musa ibn Al-Mahdi Al-Hadi (764-786) não teve a mesma sorte que o pai e o avô, pois ele governou apenas um ano, durante novas tentativas de golpe, traições e complôs, o que o levou a trocar a capital para a cidade persa de Hadita, na tentativa infrutífera de escapar das conspirações palacianas. No entanto, Alhadi acabou sendo assassinado. Porém, se ele não teve tempo de poder governar de forma adequada, seu filho e sucessor teve essa oportunidade. 

O quinto califa abássida foi Harun ibn Al-Hadi Al-Rashid (786-809), o qual embora novo ainda, governou por mais de vinte anos. Sob seu reinado Bagdá alcançou nova fase de prosperidade. Não obstante, a fama de Al-Rashid cresceu com o tempo e hoje ele é lembrado como o "califa das Mil e Uma Noites" pela condição de que nesse livro de contos, algumas narrativas ocorrem durante o reinado de Al-Rashid ou citam seu governo ou pessoa. Uma das narrativas mais famosas são as viagens de Simbad, o marujo, as quais informam que o lendário marujo viveu durante o reinado de Al-Rashid. (BOBRICK, 2012, p. 91). 

O governo de Al-Rashid foi próspero até certo ponto, pois o califa conseguiu realizar acordos comerciais com os bizantinos, francos e até os chineses. Al-Rashid enviou embaixadas e preciosos presentes para a corte de Carlos Magno, incluindo um elefante, o primeiro registrado no Império Carolíngio. Para o imperador da China, ele enviou várias joias e outros artigos de luxo, o que surpreendeu o monarca. Por outro lado, o califa também disputou territórios com os bizantinos, mas viu sua autoridade se enfraquecer na Síria, no Egito e Marrocos. Por conta disso, ele trocou a capital de Bagdá, a transferindo para Raca, a fim de ficar mais próximo da Síria e do Império Bizantino para empreender seu controle. (BOBRICK, 2012, p. 44-46). 

O califa Harum Al-Rashid recebe a embaixada de Carlos Magno. Pintura de Julius Köckert, 1864. 

Durante os dez anos que viveu em Bagdá, antes de se mudar para Raca, Al-Rashid ordenou reformas na grande mesquita, em ruas, jardins, praças, além de ordenar obras para a construção de novos mercados, canais, estradas, casas de banho, armazéns, uma biblioteca e escolas (madraças). Seus sucessores conseguiram manter a prosperidade em Bagdá, embora que o império adentrou períodos de crise, condição essa que no século IX, houve novas revoltas e guerras, no entanto, a estabilidade retornou nos séculos X e XI, e com ela Bagdá seguiu crescendo, tornando-a uma cidade urbanisticamente mais organizada e desenvolvida do que as capitais europeias. 

“Naqueles dias de glória do esplendor ordenado de Bagdá, Londres e Paris eram ainda sujas e caóticas pequenas cidades compostas por um labirinto de ruas tortuosas e vielas repletas de casas de madeira ou de pau-a-pique caiadas de branco com lima. A maioria das habitações era precária e um quinto da população vivia e morria nas ruas. Não havia pavimentação real de qualquer tipo, e para drenagem apenas uma vala no meio da estrada. Essa vala geralmente estava entupida com lixo - incluindo a confusão de matadouros, bem como dejetos humanos - e no tempo úmido as ruas eram como pântanos, inundados em uma profundidade de lama. As trilhas ao longo das ruas principais eram marcadas por postes e correntes”. (BOBRICK, 2012, p. 72, tradução minha). 

Cidade cosmopolita

A partir do século IX Bagdá começou a se tornar uma cidade cosmopolita, recebendo viajantes da Ásia, África e as vezes da Europa. Durante o governo do califa Harum Al-Rashid ele ordenou a fundação de uma biblioteca chamada Casa da Sabedoria (Bayt al-Hikmah), a qual também atuou como centro de traduções, em que renomados tradutores passaram a traduzir documentos persas e gregos para a língua árabe. 

Estudiosos numa biblioteca. Pintura de Yahyá al-Wasati, 1237. 

Mas durante o reinado do califa Al-Mamun (r. 813-833) a Casa da Sabedoria ampliou suas traduções. Além de se traduzir literatura e filosofia grega, passou-se a se traduzir obras de matemática, física, biologia, medicina, farmácia, astrologia, astronomia, história, geografia, teologia, direito etc. Iniciou-se também a tradução de obras em latim, sírio, hindi, chinês e outros idiomas. Os dois califas que sucederam Al-Mamun seguiram investindo alto no centro de traduções, além de aumentar o acervo da biblioteca, levando estudiosos de várias partes do império a viajarem à Bagdá para estudar. (BOBRICK, 2012, p. 207-208). 

"Também floresceu a vida intelectual. Os estudiosos de religião multiplicaram-se em todas as cidades de Samarcanda até a Península Ibérica, e o grande afã de conhecimento abrangeu a história, a literatura, a medicina e a matemática grega, que se desenvolveram até incluir a álgebra e a trigonometria; e a geografia, cuja variedade e âmbito revelavam a ampla visão da época". (ROBINSON, 2007, p. 23). 

No século XI Bagdá ganhou uma "universidade", algo que ainda não existia na Europa, a qual foi fundada pelos nezamitas, um grupo de estudiosos discípulos de Khwaja Nizam al-Mulk (1018-1092), o qual foi um importante estudioso e político, assumindo o cargo de vizir (primeiro-ministro). Nizam al-Mulk era um mecenas das letras, incentivando a fundação de bibliotecas e madraças. A madraça de Bagdá se tornou uma das mais importantes e renomadas do mundo islâmico, rivalizando apenas com a do Cairo. No entanto, sua importância era reconhecida em várias terras. Por exemplo, o famoso teólogo, jurista e filósofo Algazali (1058-1111) foi nomeado pelo vizir Nizam al-Mulk para lecionar na "universidade" de Bagdá, cargo que assumiu em 1092. (ROBINSON, 2007, p. 33).

Mas Bagdá não se destacou em seu cosmopolitismo apenas pela educação e a cultura, mas também pelos contatos políticos e comerciais. Harum Al-Rashid iniciou a retomada de negócios com os bizantinos e abriu caminho para os francos, embora esses não costumassem ir à Bagdá após o reinado de Carlos Magno, por outro lado, os contatos com os chineses deram mais certo, com isso, a Rota da Seda, uma das mais longas rotas comerciais do mundo, que operou ao longo de mais de mil anos por via terrestre e marítima, teve Bagdá como um de seus pontos de parada obrigatório ao longo de séculos. (BIBROCK, 2012, p. 210). 

Mapa da Rota da Seda e seus caminhos secundários. Bagdá era uma dos pontos de parada obrigatórios no Oriente Médio. 

A Rota da Seda leva esse nome por conta do comércio de seda, produto que os chineses dominavam a produção e bastante requisitado pelos ricos da Ásia, África e Europa. Mas além de seda, os mercadores também vendiam especiarias, joias, minérios, escravos, tecidos, livros, objetos de luxo, chá, cerâmica, tinturas, óleos aromatizantes etc. Por conta de Bagdá estar no caminho desse importante fluxo de mercadores e mercadorias, a cidade recebia gente de diversas nacionalidades e etnias. 

No século IX também se destaca a iniciativa do califa Al-Muqtadir (r. 908-932) enviou algumas embaixadas para negociar com povos da Ásia Central e da Europa oriental. Uma das embaixadas ocorreu entre 921 e 922 e foi presidida por Ahmed ibn Fadlan (879-960), o qual registrou sua viagem. Sua obra foi publicada séculos depois, possuindo tradução para o português. Em sua viagem ibn Fadlan conheceu povos turcos, cazares, eslavos e até mesmo nórdicos, sendo famoso seu relato sobre um "funeral viking". Ibn Fadlan viajou por territórios que hoje compreendem o Uzbequistão, Turquestão, Cazaquistão, Rússia, Ucrânia e Armênia. (IBN FADLAN, 2018). 

Bagdá durante seus séculos e esplendor reuniu não apenas viajantes que estavam de passagem, mercadores ou estudiosos, mas foi o local escolhido para se viver e trabalhar. A Cidade da Paz foi por várias décadas contínuas um local acolhedor a ponto de existirem comunidades judias e cristãs ali, com direito de fundarem suas sinagogas e igrejas. Dessa forma, as três religiões abraâmicas conviviam juntas. 

"Em Bagdá, havia bairros étnicos onde minorias – gregos, indianos, chineses, armênios e assim por diante — tendiam a se unir. Judeus e cristãos também tinham seus próprios subúrbios, embora a maioria dos judeus de Bagdá foi assimilado pela comunidade árabe e considerando o árabe sua língua nativa". (BOBRICK, 2012, p. 78, tradução minha). 

A fúria mongol

Bagdá viveu seu auge entre os séculos VIII e XIII, tendo passado por crises e guerras que chegaram até suas altas muralhas, no entanto, os bagalis não imaginavam que um furioso inimigo que conquistava a Ásia, seria um adversário o qual eles não teriam chance de vencer. 

Em 1206 o poderoso chefe Genghis Khan foi proclamado imperador dos mongóis e deu início as suas campanhas, fundando um vasto império a base de sangue, massacres e terror. Seus filhos e netos deram continuidade ao império que se estendia da China a Europa oriental. Mais de cinquenta anos depois do início do império mongol, um dos netos de Genghis chamado Hulagu Khan (1217-1265), decidiu fundar seu próprio império, assim como seus irmãos estavam fazendo. Com isso, Hulagu tornou a cidade de Tabriz na Armênia sua capital e de lá iniciou suas campanhas. Em 1256 ele conquistou a Pérsia, mas faltava a coroa ser conseguida, no caso, Bagdá. 

A imponente cidade murada seria difícil de ser invadida devido as suas altas muralhas e o fosso. Por conta disso, Hulagu optou por um cerco. Ele tomou as fazendas, pastos e celeiros para si, dominou os subúrbios da cidade, colocou tropas para vigiar as estradas, fortificou seus acampamentos, ordenou que canais que abasteciam a cidade fossem bloqueados, mandou construir catapultas para demolir as muralhas, então aguardou. O cerco teve início em 29 de janeiro de 1258 e terminou em 10 de fevereiro do mesmo ano. (DUDI, 2008, p. 40). 

Pintura persa representando o cerco mongol a Bagdá em 1258. 

Sem recursos para poder manter-se na defesa, o califa Al-Mustasim decidiu negociar a rendição. Mas essa não foi uma medida sábia. Hulagu permitiu que seu exército massacrasse a população e saqueasse a cidade. Estimativas dadas por autores do período falavam em centenas de milhares de mortos. Algumas cifras chegavam a 800 mil ou 2 milhões de pessoas, números exagerados já que a cidade não abrigava tanta gente assim. No entanto, é fato que Bagdá foi incendiada, condição essa que Hulagu Khan ordenou a reconstrução de parte dela. (DURI, 2007, p. 40). 

O califa e sua família foram executados. Segundo os relatos da época, Al-Mustasim foi enrolado num tapete e pisoteado pelos cavaleiros mongóis, a fim de não derramar seu sangue real no chão. Outra versão diz que Hulagu mandou trancar o califa na câmara do tesouro, deixando morrer de fome e sede, tendo dito para ele comer seu tesouro. 

Pintura francesa do século XV mostrando Hulagu Khan trancando o califa Al-Mustasim em sua câmara do tesouro. 

"Em 1260 a maior parte do mundo muçulmano - à exceção e Egito, Arábia e Síria e demais países do oeste - reconheceu a supremacia dos mongóis pagãos. Aliás, estas mesmas áreas sobreviveram ao golpe mongol mais por capricho da sorte do que por outro razão, por somente a morte do grande cã (khan) Mongke, em 1259, fez que Hulagu voltasse seus olhos para o leste". (ROBINSON, 2007, p. 26).

Embora Hulagu Khan tenha interrompido suas campanhas de conquista do Oriente Médio e se dirigido a Mongólia para disputar com seu irmão Kublai o título de grande khan, os exércitos mongóis ainda continuaram a lutar em algumas áreas do Oriente Médio, levando destruição e terror. A conquista de Bagdá em 1258 foi tão significativa para o rumo do mundo islâmico que ela pôs fim ao Califado Abássida e o fim a chamada Era de Ouro do Islão. Além disso, o acervo bibliotecário que foi destruído durante o saque da cidade é de uma perda imensurável como foi o incêndio da Biblioteca de Alexandria. Muitas obras raras e únicas somente existiam ali e se perderam para sempre. 

Considerações finais

Após conquista em 1258 Bagdá entrou num declínio virtuoso do qual nunca mais se recuperou. Os persas da Dinastia Safavida tentaram recuperar a cidade nos séculos XIV e XV, mas não conseguiram retomar o esplendor e prosperidade de antes. No ano de 1401 o imperador Tamerlão invadiu e saqueou Bagdá, arruinando-a mais uma vez. Embora essa segunda invasão tenha tido efeitos colaterais menores do que a invasão mongol, ainda assim, comprometeu a recuperação da cidade. Os turcos da Dinastia Otomana assumiram o controle de Bagdá no XVI, mantendo sob seu jugo até o século XX. (DURI, 2007, p. 41). 

Os otomanos tentaram revigorar Bagdá, mas outras cidades como Isfahan, Samarcanda, Damasco, Cairo e Istambul eram os centros cosmopolitas do império otomano. Condição essa que a cidade nunca recuperou sua importância econômica, política e cultural. E durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) Bagdá foi ocupada pelo Exército Britânico e depois liberada em 1920, tornando-se capital do Iraque, função que conserva até hoje. Bagdá voltou a crescer no século XX tornando-se uma metrópole, mas sem as características que a fizeram ter destaque em sua época dourada. 

Por mais de trezentos anos Bagdá, a cidade da paz, o presente de Deus, representou o sonho do califa Almançor de criar uma cidade próspera, pacífica, bela e culta. 

NOTA: No passado uma madraça consistia numa escola laica ou religiosa, que oferecia educação para jovens e adultos. Algumas madraças eram equivalentes as escolas de hoje, mas outras se assemelhavam a universidades como o caso das grandes madraças de Bagdá e do Cairo. Atualmente a palavra madraça é mais usada para se referir a uma escola religiosa de estudo do Corão. 

NOTA 2: Bagdá após a invasão mongol de 1258 ficou reduzida a poucos milhares de habitantes, sendo que ela chegou a ter centenas de milhares moradores. E essa tendência se estendeu até o século XX, fato esse que registros do XIX apontam uma população entre 40 a 80 mil habitantes. Atualmente a cidade tem mais de 7 milhões de habitantes, sendo a maior do Iraque. 

Referências bibliográficas

BOBRICK, Benson. The Caliph's Splendor: Islam and the West in the Golden Age of Baghdad. New York, Simon & Schuster, 2012. 

DURI, A. A. Baghdad. In: BOSWORTH, C. Edmund (ed). Historic cities of the Islamic World. Leiden, Brill, 2007. 

LE STRANGE, Guy. Baghdad during The Abassid Caliphate. Oxford, Clarendon Press, 1800. 

MAROZZI, Justin. Baghdad: City of Peace, City of Blood. Boston, Da Capo Press, 2014. 

ROBINSON, Francis. O mundo islâmico: o esplendor de uma fé. Barcelana, Ediciones Folio, 2007. 

SYPECK, Jeff. Becoming Charlesmagne: Europe, Baghdad, and the empires of A.D 800. London, Harper Collins, 2006. 

AS TERRAS do Islã. Barcelona, Ediciones Folio, 2008.

Links relacionados: 

A expansão islâmica: VII-XII

Os mongóis

Tamerlão, o "homem de ferro"

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