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Leandro Vilar

domingo, 10 de julho de 2022

O que foram os xogunatos?

O xogunato consistiu num regime político-militar exclusivo da história e cultura japonesa, que esteve operante durante a época medieval, moderna e contemporânea do país, atuando dos séculos XIII ao XIX. Mas além de estabelecer o controle político-militar nas mãos do xogum e regentes, o xogunato também influenciou a divisão social, a economia e a cultura. O presente texto apresentou aspectos centrais desse sistema político que possuiu características monárquicas e feudais. 

Origem do termo xogum

A palavra xogum antecede a ideia de xogunato, a palavra já era usada anteriormente para se referir a um "comandante do exército", ou seja, um general. Todavia, xogum não era sinônimo de general, ele consistia numa abreviação do termo Seii Taishogun, que significava "Grande General Apaziguador dos Bárbaros"

A palavra xogum já era usada na Idade Média japonesa, sendo aplicada no Período Nara (710-794) e no Período Heian (794-1185), época em que a nobreza ainda detinha autoridade no país, entretanto, o Japão não estava totalmente unificado sob o comando dos imperadores; a região norte do país era povoada pelo povo Emishi ou Ebisu, os quais não se submetiam ao controle imperial, possuindo seus próprios líderes, dialetos e costumes. Por conta disso, os imperadores do Período Heian designaram alguns generais que receberam o título de xogum para conquistar os Emishi, considerados um "povo bárbaro". (YAMASHIRO, 1964). 

Um dos notáveis xoguns foi Sakanoue no Tamuramaro (759-811), designado a combater os emishi nas províncias de Mutsu e Dewa. Depois dele outros xoguns para o mesmo fim foram eleitos. Sublinha-se que o título de xogum era dado a alguns generais por fatores específicos, sobretudo em períodos de guerra, rebelião ou incumbido para alguma missão de conquista. Por conta disso existem variações do termo Seii Taishogun, designando a região ou função que o xogum estava cumprindo. (SANSOM, 1958). 

Sakanoue no Tamuramaro, um dos xoguns do Período Heian, o qual empreendeu campanhas contra os "bárbaros do Norte".  

As Guerras Genpei (1180-1185) e a origem do xogunato

Nas últimas décadas do Período Heian, quatro grandes clãs: Taira (Heishi), Minamoto (Guenji), Fujiwara e Tachibana dominavam a política do país. Tais clãs reversavam entre si a escolha de cargos importantes, fomentavam alianças, casamentos, conspirações, como também tratavam de determinar qual membro de suas famílias seria o próximo imperador, forjando casamentos para gerarem herdeiros. No caso, os Taira e Fujiwara por décadas foram os clãs mais poderosos, delegando os candidatos ao trono imperial. 

No ano de 1180 o imperador Takakura (1161-1181) foi forçado a abdicar do trono para delegar seu filho Antoku (1178-1185) como novo monarca, o motivo se devia que Takakura era casado com uma Taika, logo, o clã Taika havia realizado uma manobra para usurpar o poder imperial, colocando uma criança de sua família para ser o novo imperador do Japão. Por se tratar de uma criança de menos de três anos, os Taika atuariam como regentes do jovem monarca até sua maioridade e mesmo depois de adulto, ele ainda seria manipulado pela família. No entanto, o clã Minamoto foi contra a abdicação sem sentido de Takakura, e com isso eles foram considerados traidores, iniciando uma guerra. (SANSOM, 1958). 

O imperador Antoku foi o pivô da guerra entre os Taira e os Minamoto.

Minamoto no Yoritomo (1147-1199) e seu primo Minamoto no Yorimasa (1106-1180) foram os responsáveis por liderar seu clã contra os Taira e a disputa pelo trono imperial, iniciando uma guerra que durou cinco anos. Em 1183 a capital Quioto foi invadida, forçando os Taira a escaparem com Antoku. Por esse período Minamoto no Yoshinaka (1154-1184) foi nomeado xogum por conta da guerra, a fim de colocar fim ao conflito.

Com a fuga de Antoku, os Minamoto decidiram agir e recorreram ao imperador aposentado Go-Shirakawa (1127-1192), na época ele vivia como monge, para reconhecer seu neto Go-Toba (1180-1239) como herdeiro legítimo. Isso gerou um novo impasse, pois tanto Antoku quanto seu irmão Go-Toba, eram apenas crianças num joguete de poder entre os Taira e os Minamoto. 

O jovem imperador Antoku acabou sendo assassinado ou teria cometido suicídio (há divergências na história) em 1185, com isso, seu irmão Go-Toba era legalmente o imperador, mesmo sendo um garoto de cinco anos, mas o que importava era que ele estava sob tutela dos Minamoto e contava com o apoio formal de seu avô, que embora não detivesse autoridade política, mas possuía influência política. Dessa forma, os Minamoto passaram a controlar a realeza valendo-se da tutela do jovem imperador, mas a situação mudou em 1192, quando Go-Shirakawa faleceu, neste momento Yoritomo decidiu agir. (YAMASHIRO, 1964). 

Com a morte do imperador aposentado, o qual apoiava os Minamoto, e a condição de que o atual monarca era uma adolescente sob seu controle, Yoritomo decidiu que era hora de ele governar o país. Em 1192 ele adotou o título de xogum e mudou a capital de Quioto para Kamakura, instituindo um governo militar chamado de bakufu (governo da tenda), cujo termo foi traduzido como xogunato. 

Minamoto no Yoritomo, o fundador do primeiro xogunato. 

Épocas dos xogunatos

Na história japonesa existiu três xogunatos, os quais se sucederam ao longo de sete séculos. A seguir uma listagem cronológica deles e do período turbulento chamado de Sengoku jidaii (1467-1573), referente as guerras feudais, o qual consistiu numa época em que o poder dos xoguns estava fragilizado, abrindo margem para que daimiôs se rebelassem, iniciando revoltas e guerras para conquistar territórios e desafiar a autoridade do xogum. Esse período se estendeu por mais de trinta anos ainda. 

  • Xogunato Kamakura (1192-1333) com sede em Kamamura, dominado pelos clãs Minamoto e Hojo. 
  • Restauração Kemmu (1333-1336) marcou a tentativa do imperador Go-Daigo em recuperar a autoridade imperial no país. 
  • Xogunato Ashikaga ou Muromachi (1336-1573) com sede em Quioto, dominado pelo clã Ashikaga. 
  • Período Sengoku (1467-1573) época marcada pelo enfraquecimento do xogunato, levando o país a uma guerra civil ferrenha. 
  • Período Azuchi-Momoyama (1573-1603) marcado pelas campanhas de Oda Nobunaga e Toyotomi Hideyoshi para reunificar e pacificar o país. 
  • Xogunato Tokugawa ou Edo (1603-1868) com sede em Edo (atual Tóquio), dominado pelo clã Tokugawa. 
  • Restauração Meiji (1868-1912), governo imperial que pôs fim a era dos xoguns. 
Sublinha-se que as guerras feudais do período Sengoku não se findaram em 1573, mas continuaram até 1603 quando houve a instituição do terceiro xogunato, promovido pelos Tokugawa. Além disso, é preciso destacar que embora Nobunaga e Hideyoshi tenham recusado a aceitar o título de xogum, na prática eles governaram como xoguns extraoficialmente. Nobunaga recebeu o título de ministro e Hideyoshi se tornou regente. Não obstante, a autoridade política e militar que eles possuíam diante da corte e de vários outros daimiôs, principalmente Hideyoshi, era claramente a autoridade de um xogum. Porém, como eles não adotaram tais títulos e não estabeleceram xogunatos, o período de seus governos não é considerado um xogunato, mas um período de transição político-militar. 

Salienta-se que embora houve um interregno de 1467 a 1603, em que o xogunato esteve enfraquecido, vindo a ser dissolvido em 1573, no entanto, a organização político, militar, econômica e social do xogunato foi mantida nesses dois períodos de guerras feudais. 

Característica político-administrativa

Feita a introdução histórica sobre o conceito de xogum e os fatores que levaram ao surgimento do xogunato, agora comentarei sobre sua organização política. Durante o governo de Yoritomo que foi de 1192-1199, ainda havia instabilidade no país, pois os Taira e seus aliados mesmo tendo sido derrotados em 1185, ainda buscavam por vingança, além disso, o novo xogum também não era bem visto pela monarquia e outros clãs fiéis ao imperador, logo, Yoritomo teve que conquistar autoridade e respeito, e para isso, ele mexeu na organização administrativa do império. 

Anteriormente a administração era realizada pelos kugues (membros da corte), delegados pelo imperador e ministros para cuidar da administração imperial, por sua vez, havia funcionários responsáveis pelas províncias, cidades e vilas. Yoritomo mexeu nessa organização, retirando dos kugues o controle administrativo e criando três novos departamentos: 

  • Mandakoro: departamento responsável pela administração e as finanças;
  • Samurai-dokoro: departamento responsável pela segurança, defesa e ordem, além de fiscalizar os samurais;
  • Monchu-jo: departamento de justiça. 
Com a criação dos novos departamentos, Yoritomo retirou dos kugues tais funções e as incumbiu aos samurais esses cargos e funções. É preciso salientar que os samurais não eram apenas guerreiros, mas também gestores, governantes e funcionários públicos do xogunato. Um dos êxitos da política de Yoritomo foi valer-se do código de honra dos samurais para fomentar a lealdade ao xogunato e não a corte, dessa forma, desenvolveu-se uma cultura política pautada na submissão hierárquica, na lealdade, na honra, no dever e na disciplina militar. Com isso, os samurais passaram a cuidar da administração do país, além de atuar na segurança e nos tribunais. (YAMASHIRO, 1964). 

Minamoto no Yoritomo também criou outros dois cargos o comissário militar (shugo) e o comissário da terra (jito). O shugo equivaleria ao delegado de polícia ou xerife, sendo responsável pela segurança e a ordem, já o jito, inicialmente ele era o cobrador de impostos e o fiscal tributário, com o tempo passou a ser também um cargo de governo, equivalendo a um governador ou prefeito. Com esses dois novos cargos, Yoritomo nomeou gente de confiança ou que lhe devia favores, para assim, manter seu pessoal espalhado pelas províncias, até porque alguns cargos ainda eram ocupados por gente da aristocracia e da corte. (YAMASHIRO, 1964). 

"Politicamente, a criação dos cargos de "shugo" e "jitô" teve grande importância, porque visou, principalmente, controlar o poder e a influência dos governadores das províncias ("kunitsukasa"), pertencentes à corrente dos nobres ("kugue"), em particular dos Heishi. Yoritomo controlou também a posse das terras, que ainda constituíam as principais fontes de renda e avocou a si o direito da tributação. Estas medidas tiveram, naturalmente, íntima relação com o subseqüente desenvolvimento do novo regime, que, na prática, arrebatou os poderes temporais da coroa". (YAMSHIRO, 1964, p. 65). 

Com a morte de Yoritomo em 1199, ele deixou dois herdeiros: Minamoto no Yoriie (1182-1204) com 18 anos na época e Minamoto no Sanetomo (1192-1219) com sete anos. No caso, sublinha-se que Yoritomo tentou tornar o título de xogum algo hereditário como na monarquia. De fato, tal prática foi adotada pelos Ashikaga e os Tokugawa. Mas no caso do bakufu de Kamakura, surgiu o cargo de regente (shiken). Em 1202, Yoriie que herdara o título de xogum por hereditariedade, adoeceu gravemente, estando incapaz de exercer suas funções, com isso, seu avô Hojo Tokimasa (1138-1215) se tornou seu regente temporário, no entanto, Yoriie faleceu em 1204, sendo sucedido por seu irmão Sanetomo, uma criança, por conta disso, os Hojo passaram a tutelar o jovem xogum, mesmo Tokimasa tendo renunciado ao cargo. (HENSHALL, 2004). 

Hojo Tokimasa instituiu o cargo de regente no Xogunato Kamakura. 

A questão da regência criada pelo clã Hojo assegurou que a família controlasse o xogunato até seu fim, pois com a morte do xogum Sanetomo, o qual não deixou herdeiros, foi escolhido um parente da família de nome Kujo Yoritsune (1218-1244), que deu início a época dos "xoguns fantoches", pois na prática eles não possuíam a autoridade real, pois que mandava no xogunato eram seus regentes, sendo esses, membros do clã Hojo. E isso foi tão marcante que dos nove xoguns de Kamakura, cinco eram príncipes, como meio dos Hojo de conquistar alianças e prestígio com a nobreza. Bem dizer, o título de xogum tornou-se algo honorífico durante esse período nomeado de Shiken Seiiji (governo dos regentes), que foi de 1226 a 1333. (YAMASHIRO, 1964).

No ano de 1232 o regente Hojo Yasutoki instituiu um código legal para o xogunato, criando o Goseibai Shikimoku (Formulário de Adjudicações) ou Joei Shikimoku, formado por 51 artigos originais e mais 13 complementares. Antes desse formulário, não havia uma lei fixa que determinasse os crimes, penas, procedimentos, direitos e as normas de como os tribunais e a administração funcionaria. Algumas ideias do Goseibai Shikimoku foram adotadas pelo Xogunato Ashikaga. (YAMASHIRO, 1964).

Uma cópia do século XVII do Goseibai Shikimoku.

Quanto ao tribunal Muncho-jo ele ganhou novas repartições, como o Hikitsuke (inquérito) que originou a Suprema Corte (Hikitsuke-kata), surgido em 1249 com o regente Hojo Tokiyori, para poder atender a demanda de processos judiciais. Sendo assim, o Muncho-jo ficou responsável pela aplicação da lei, enquanto o Hikitsuke passou a ser o tribunal que julgava os processos. Com os anos as funções do Hikitsuke e do Hyojoshu foram se alterando, além de ganhar novas varas, para tratar de assuntos da vassalagem e depois de outros segmentos da população. (SANSOM, 1958). 

Durante o Xogunato Ashikaga a administração pública voltou a ser compartilhada com os kugues, como uma forma de aproximar os xoguns da nobreza e evitar novas rebeliões contra o xogunato. Além disso, a sede do novo xogunato foi estabelecida na Rua Muromachi, em Quioto, a capital imperial, o que significava que o xogum e o imperador viviam na mesma cidade, e isso facilitava os acordos e alianças entre ambos, embora que nem sempre tais acordos davam certo, a ponto que houve uma ruptura na corte que durou 56 anos, revelando a fragilidade dessas alianças.

A divisão dos departamentos foi refeita durante esse xogunato, criando o Kanrei, um departamento auxiliar do xogum, ocupado por um "deputado" chamado Shitsuji. Após 1337 foram criados o Kanrei de Quioto e o Kanrei de Kanto, o que representava uma descentralização burocrática, em que o xogum passava a ter dois secretários-gerais para auxilia-lo. No entanto, anos depois os dois Kanrei ganharam algumas secretárias para ajudar na administração. Outro departamento criado pelos Ashikaga foi o Hyojoshu, equivalente ao Conselho de Estado, o qual deliberava assuntos burocráticos, judiciais e legais. Além desses dois departamentos, os outros três que existiam no xogunato Kamakura, foram mantidos. (HENSHALL, 2004). 

No âmbito da administração local, o xogunato Ashikaga fez algumas reformulações também. Ele instituiu o Kamakura kubo, renomeado para Kanto kubo, que consistia no cargo de "vice-xogum", responsável pela administração de Kanto; reformulou os tandai (posto de segurança), os quais eram responsáveis pelo policiamento e a justiça local. Para isso, se criou os tandai de Kyushu, Oshu e Ushu. (HENSHALL, 2004). 

Estrutura administrativa do Xogunato Ashikaga (1336-1573).

É preciso salientar que no século XV a estrutura dos shoen foi reformulada, concedendo novamente mais autonomia aos daimiôs (procedentes da nobreza e da aristocracia) como eles possuíam no Período Heian, e isso se tornou um problema para a administração geral, pois alguns daimiôs que não simpatizavam com os Ashikaga, passaram a não obedecer suas ordens, e isso foi um dos fatores para as guerras feudais, marcadas pela insurgência dos daimiôs contra o governo do xogum. 

Foi também com os Ashikaga que o comércio sofreu reformulações, embora que socialmente a classe mercantil fosse vista como plebe, nem todo mundo pensava dessa forma. O governo fez alguns incentivos ao comércio como a construção de portos, estradas, alterações monetárias como a adoção da moeda chinesa eiraku-sen, e de outras moedas para expressar valores distintos. O uso regular de moedas foi ampliado nos séculos seguintes, pois anteriormente seu emprego era escasso. Assim surgiram lojas, feiras, mercados públicos, casas de câmbio, atacadistas etc. Os artesãos e comerciantes criaram guildas (za), as quais detinham contratos de monopólio em determinadas vilas, templos e feudos. Alguns daimiôs para outorgarem o privilégio de monopólio exigiam parte dos lucros da guilda. (YAMASHIRO, 1964). 

O xogunato Ashikaga também ampliou o comércio marítimo com os coreanos e chineses, intensificando no século XIV e XV a exportação de produtos como espadas, minério de cobre e ferro, etc. em troca se importava seda, frutas, cereais, pinturas, papel, madeira, artigos de luxo, etc. (YAMASHIRO, 1964). 

Na segunda metade do século XVI, já com o declínio do xogunato, os europeus passaram a frequentar o Japão, alguns daimiôs, sobretudo do sul do país, passaram a fechar acordos comerciais com os portugueses, espanhóis, ingleses e holandeses. O comércio com os europeus floresceu entre 1570 e 1615, em que se comprava armas de fogo, livros, joias, especiarias, objetos de decoração e outros produtos. Nesse período estradas foram reconstruídas, pois tinham sido destruídas na época das guerras; além disso, Oda Nobunaga e Toyotomi Hideyoshi aboliram as guildas (za) de artesãos e comerciantes, instituindo livre comércio, principalmente com os estrangeiros, política que não agradou a todos. (YAMASHIRO, 1964). 

Comerciantes portugueses num porto japonês. Detalhe de uma pintura do século XVII. 

Na época do Xogunato Tokugawa (1603-1868) a administração foi reformulada, adotando-se alguns elementos do Xogunato Kamamura e Ashikaga, mas instituindo outro modelo de organização do poder executivo e judiciário. Assim, teve-se a criação do Conselho de Estado (Roju) formado por cinco conselheiros (rofu) ou anciãos (toshiyori), podendo ser presidido por um alto conselheiro (tairo). As funções do Roju variaram com o tempo mas englobavam manter relação com a corte, realizar obras públicas, fiscalizar os daimiôs mais ricos, supervisionar templos, providenciar a cunhagem de moedas, tratar de assuntos administrativos gerais etc. (SANSOM, 1963). 

O Roju por décadas ajudou a desafogar o excesso de obrigações sobre os xoguns, embora alguns xoguns chegaram a reduzir a autoridade e funções do Roju. Por outro lado, foi instituído o Conselho Menor (Wakadoshi), o qual era responsável por fiscalizar assuntos referentes a segurança do xogum. Os membros desse conselho variavam de três a nove homens, sendo escolhidos entre as famílias vassalas dos Tokugawa. O membros desse conselho deveriam fiscalizar os hatamotos (guarda do xogum), os artesãos e médicos, o pagamento de impostos pelas famílias vassalas e assuntos pertinentes das grandes cidades. (SANSOM, 1963).

Outra mudança feita foi a reformulação do cargo de bugyo (comissário, intendente, magistrado), criando novas funções e alterando outras existentes. Assim tínhamos o Jisha-bugyo que fiscalizava os templos e santuários, Kanio-bugyo que cuidava de assuntos financeiros, o Yedo-machi bugyo que atuava como prefeito de Edo (atual Tóquio), entre outras funções, pois os bugyo exerciam funções de fiscalização, supervisão e governo. Os tribunais do Hikitsuke, do Hyojoshu e outros foram mantidos também. (SANSOM, 1963). 

Entretanto, os Tokugawa criaram um cargo específico para a espionagem e o monitoramento de possíveis inimigos e revoltas. Tratava-se dos superintendentes (metsuke), os quais eram dirigidos pelo superintendente-mor (ometsuke). Os metsuke não seriam espiões propriamente, mas censores autorizados a fiscalizarem assuntos pertinentes a segurança pública e aos interesses do xogum e sua família. Tais homens fiscalizavam funcionários públicos, a aristocracia, a nobreza, os samurais e qualquer um que fosse considerado suspeito. (SANSOM, 1963).

É preciso salientar que a instituição desses censores se deveu como medida de segurança do xogunato para evitar rebeliões e tentativas de golpe de estado, por conta disso, o poder dos daimiôs que havia crescido durante o Xogunato Ashikaga, passou a ser controlado para evitar uma nova guerra feudal. No entanto, isso também abriu margens para que os Tokugawa agissem com autoritarismo e opressão, e uma das medidas para isso foi a prática do Sankin-kotai (serviço rotativo). 

O Sankin-kotai foi instituído em 1635 pelo xogum Tokugawa Iemtsu (1604-1651) como forma de controlar os daimiôs, pois o decreto ordenava que todos os daimiôs deveriam residir um ano na capital Edo, e no ano seguinte voltavam para seu feudo (han), e depois retornavam novamente para Edo, e assim por diante. Todavia, havia casos em que a família do daimiô não retornava com ele para o feudo, permanecendo na capital. Isso era uma forma de controle do xogum contra alguma possível revolta ou traição, pois caso um daimiô se rebelasse, sua família estaria a mercê do xogum que vivia na capital. (YAMASHIRO, 1964). 

Procissão dos daimiôs no castelo de Edo. Todas as vezes que os daimiôs chegavam ou deixavam a capital, tinham que fazer tais desfiles. Pintura datada de 1847. 

Os Tokugawa também reorganizaram a divisão da terra, instituindo o sistema do han com base no kokudaka (produção de arroz), algo que comentei adiante. Além disso, o governo instituiu que as vilas e cidades não seriam geridas por daimiôs como foi no passado. Nas cidades havia um prefeito (machi-bugyo), nas vilas existia um chefe (shoya) responsável por governar a vila. O shoya era atendido por pessoas de confiança, mas também por funcionários (bugyo) designados para atividades específicas. (YAMASHIRO, 1964). 

Outro aspecto da política-administrativa dos Tokugawa foi o isolamento do país, a chamada política do Sakoku ("país fechado"). A ideia para o Sakoku antecede o xogunato Tokugawa, tendo sido iniciada durante o governo de Toyotomi Hideyoshi nas décadas de 1580 e 1590, em que o daimiô instituiu restrições aos missionários europeus, tentou banir o cristianismo, além de restringir o acesso de navios estrangeiros aos portos japoneses. Entretanto, os decretos e éditos baixados por Toyotomi nunca foram aplicados de forma efetiva, condição essa que os europeus seguiram frequentando regularmente o Japão até a década de 1640.

Em 1615 foi decretado novamente a proibição do cristianismo no país, pois essa religião era considerada uma ameaça a cultura e estilo de vida japonês. Além disso, proibiu-se a entrada de missionários, a manutenção de missões e a abertura de igrejas. Em 1625 o comércio com os europeus foi novamente restringido a algumas cidades como Nagasaki e Hiroshima. Por outro lado o governo criou uma autorização para que japoneses pudessem comercializar nos portos estrangeiros, os navios autorizados pelo shuinjô era chamados de shuin-sen ou navios do selo vermelho. (HANSHALL, 2004). 

Um navio de selo vermelho datado de 1634. A embarcação seguia o modelo do junco chinês, mas apresentava velas chinesas e velas latinas. Ele também possuía canhões. 

No ano de 1639 o xogum Tokugawa Iemtsu decretou o Édito de Isolamento, proibindo a presença de europeus, exceto dos holandeses, no país. Dessa forma, nenhum europeu que não fosse holandês, poderia entrar no Japão, tampouco permanecer ou residir no país. Os portugueses, espanhóis, ingleses e outros europeus que estavam ali foram forçados a deixaram o Japão, sob ameaça de serem presos ou mortos se não fizessem isso. Os japoneses de origem mestiça foram banidos também, sendo enviados para as Filipinas, Macau ou Índia. (SANSOM, 1963). 

Os holandeses ainda mantiveram sua licença de frequentar o país regularmente até 1671, mas estando restritos a desembarcar e comercializar em Dejima, um distrito portuário de Nagasaki. Depois de 1671 o número de navios holandeses que podiam aportar em Dejima foi sendo reduzido até dois por ano em 1799. No começo do XIX, os holandeses estiveram sem retornar ao Japão, somente voltando a fazer isso em 1812. Apesar dos holandeses terem sido os únicos europeus autorizados a frequentar o país, eles somente podiam fazer isso para fins comerciais que atendiam os interesses do xogunato. Qualquer outra atividade de ordem política, científica, artística, missionária etc. estava proibida. Inclusive o contato dos holandeses foram de Dejima era vetado sem autorização. (SANSOM, 1963). 

Dessa forma, o xogunato cortou relações com as nações europeias - exceto a Holanda -, e restringiu o acesso dos chineses e coreanos ao país. Isso acabou por afetar acordos diplomáticos, contatos culturais e o comércio, que seguia restrito pela autorização do shuinjô, além de ter caído drasticamente no quesito de exportação e importação, o que levou o comércio a voltar a ficar limitado a produção e consumo internos. A política isolacionista do Sokaku permaneceu até a segunda metade do século XIX.  

A divisão social

Com o advento do xogunato a pirâmide social japonesa sofreu alterações, recebendo novas classes, essas oriundas dos militares. Ainda no Período Heian a nobreza se encontrava no topo da pirâmide, sendo seguida pela aristocracia, depois disso vinha o restante da população, e na base estavam os escravos e criminosos. Com o tempo as classes foram sendo renomeadas e alteradas, mas durante o Xogunato Kamakura a pirâmide social se destacou pela ascensão dos samurais como uma classe militar.

Os samurais surgiram no século X como guerreiros convocados por um senhor para servir em suas milícias, na guerra ou para atuarem como guardas. Enquanto não estavam lutando, os samurais exerciam outras funções. Inclusive a palavra samurai significa "aquele que serve". No entanto, os séculos XI e XII por conta das guerras, isso fez os samurais se tornarem algo mais recorrente já que muitos senhores não detinham tropas, e nem existia formalmente um exército nacional. Quando chegou-se ao século XIII com a instituição de um governo militar, essa foi a grande oportunidade dos samurais se tornarem uma classe com destaque. (TURNBULL, 2003).

Os samurais no xogunato não eram apenas guerreiros de elite, mas também passaram a exercerem cargos públicos e políticos como assinalado anteriormente. Por conta disso, um guerreiro se tornar um samurai era algo almejado, pois era uma oportunidade de ascensão social, prestígio e ter acesso a regalias, a começar pela condição de que samurais eram isentos de pagarem alguns tributos ao seu senhor, por outro lado, deveriam dedicar sua vida em servi-lo. Em algumas épocas do xogunato Tokugawa, um samurai poderia executar criminosos ou até mesmo pessoas que o tivessem ofendido. 

Dessa forma, a pirâmide social no Xogunato Kamakura e Ashikaga passou a ser formada oficialmente por quatro classes principais (samurais, camponeses, artesãos e comerciantes), mas havendo outras classes também como se pode ver a seguir:

Classe alta:
  • Elite militar (buke): formada pelo xogum, regente, generais, comandantes e altos funcionários do xogunato. 
  • Nobreza 
  • Aristocracia feudal: formada pelos daimiôs e suas famílias. 
  • Samurais (bushi ou shi)
Classe média:
  • Clero 
  • Letrados (gakusha)
Classe baixa ou plebe:
  • Camponeses (hyakusho ou no)
  • Artesãos (shokunin ou kô)
  • Comerciantes (akindo ou shô)
Indigentes:
  • Escravos (yakku)
  • Marginalizados (eta)
Algumas ponderações devem ser feitas. Primeiro, nem todo samurai era um homem da elite. Os samurais formavam uma classe mediana, até porque havia samurais oriundos da plebe, enquanto outros eram oriundos da aristocracia e da nobreza. Segundo, os samurais formavam uma segunda classe militar, a primeira era a elite (buke). Sendo assim, alguns samurais conseguiam ascender socialmente dentro de sua própria classe, podendo chegar a aristocracia e ao buke. (TURNBULL, 2003).

A classe dos clérigos era formada pelos monges budistas (bonzos) e sacerdotes xintoístas (kannushi), os quais detinham determinados privilégios como isenção de impostos, direito a terras e servos. Havia grandes templos que possuíam shoen. Além disso, enquanto geralmente os monges budistas costumavam fazer votos monásticos, um sacerdote xintoísta não precisava adotar o monasticismo, podendo ter esposa, filhos, um lar, uma propriedade e até exercer outras atividades e cargos públicos. Em diferentes épocas houve casos de sacerdotes envolvidos com assuntos políticos e militares. (YAMASHIRO, 1964). 

Dois bonzos num desenho de 1882. 

No caso dos intelectuais ou homens letrados (gakusha), eles eram uma pequena classe mediana abaixo dos samurais e do clero, mas não pobres o suficiente para serem tratados como parte da plebe. Consistiam em professores, mestres, tutores, filósofos, poetas, escritores, artistas renomados e alguns funcionários públicos. Todavia, médicos e arquitetos não necessariamente estavam nessa classe, mas pertenciam a plebe. (YAMASHIRO, 1964). 

Outra ponderação é quanto aos servos, no caso, os servos geralmente eram pessoas provenientes da classe dos camponeses, passando a exercer funções na agricultura, pecuária e até mesmo a pesca. No entanto, nem todo camponês era servo. Em algumas localidades e épocas existiam camponeses livres, os quais negociavam prestar serviços a algum daimiô por alguns meses, em troca de rendimento ou porcentagem da produção. Embora que em temos de crise essa negociação mudava. 

Os camponeses eram a classe baixa mais importante da sociedade feudal, pois eram responsáveis por sustentar o país, cuja economia era predominantemente rural. Apesar disso, eram pobres e explorados. 

Também é preciso salientar que a palavra eta não se referia apenas aos criminosos, mas também a população pobre e marginalizada como prostitutas, agiotas, apostadores, cafetões, mendigos, açougueiros, curtidores etc. Em alguns casos tais pessoas eram malvistas mais do que os escravos, pois realizavam atos criminosos ou vergonhosos. (YAMASHIRO, 1964). 

Na pirâmide social feudal japonesa as classes abaixo dos samurais são consideradas como a plebe (heimin), mas não significava que todos seriam pobres, pois existiam artesãos que até conseguiam dinheiro, não chegavam a serem ricos, mas possuíam uma condição de vida satisfatória. Por outro lado, havia mercadores que conseguiam enriquecer e viviam no luxo. No entanto, no xogunato, em diferentes épocas a classe dos comerciantes era socialmente malvista, pois seu ofício era visto como inferior ao dos camponeses e artesãos, os quais eram produtores, diferentes dos mercadores que eram revendedores. (SANSOM, 1958). 

A figura do ronin também era problemática na divisão social. O ronin era um termo usado para diferentes aplicações. Basicamente um ronin era um espadachim que não foi samurai ou deixou de ser samurai, mas também poderia designar um mercenário, assassino de aluguel, guerreiro vadio etc. Sendo assim, o ronin poderia pertencer a alguma classe da plebe, mas também poderia ser um criminoso, sendo tratado como um eta. Vale ressalvar que durante o governo de Toyotomi Hideyoshi nas décadas de 1580 e 1590, foi instituído que somente a classe dos samurais poderia portar armas, sendo vedado ao restante da população isso, logo, ronins se tornavam malvistos por se negarem a abandonar suas espadas. (HENSHALL, 2005). 

A divisão social do xogunato praticamente não se alterou por séculos, recebendo mudanças mais significativas no XVII, com os Tokugawa, quando o sistema de classes foi reformulado sob influência da filosofia do Confucionismo, estabelecendo apenas quatro classes principais: samurais, camponeses, artesãos e mercadores, chamada de Shinokoshô. No entanto, além dessas quatro classes centrais, havia outras classes como a dos nobres e do clero, e as subclasses, as quais excluíram os escravos, mas estigmatizaram outros indivíduos da sociedade. (HENSHALL, 2005). No caso, a nova pirâmide social do xogunato Tokugawa ficou da seguinte forma:

Classe alta:
  • Buke: elite marcial 
  • Nobreza 
  • Aristocracia: formada pelos daimiôs e os aristocratas das cidades
  • Samurais
Classe média:
  • Clero
  • Letrados (gakusha)
Classe baixa ou plebe: 
  • Camponeses
  • Artesãos: trabalhadores de ofícios manuais diversos.
  • Mercadores: incluía vários ofícios de prestação de serviços. 
Subclasse ou indigentes: 
  • Eta: indivíduos que exerciam trabalhos vergonhosos, de baixa remuneração ou eram criminosos. Socialmente não poderiam ascender de classe. 
  • Hinin (não-humano): indivíduos pobres que tinham chance de subir de classe através do casamento ou adoção. Isso incluía prostitutas, mendigos, mercenários, artistas de rua, trabalhadores manuais pobres etc.
  • Burakumin (habitante do vilarejo): indigentes que realizavam trabalhos impuros para a religião budista e xintoísta como serem coveiros, açougueiros, curtidores, carrascos etc. Socialmente não poderiam ascender de classe.
No século XIX, já no final do xogunato, o termo burakumin era usado também como sinônimo de eta, o que significava que aos olhos da sociedade aquelas pessoas eram marginalizadas de forma igual, independente do ofício e procedência delas. Embora que os burakumin costumassem viver em vilarejos e aldeias específicos, pois representava uma segregação social desse grupo. 

Fotografia colorizada de burakumin no XIX, os quais eram os marginalizados na sociedade feudal do xogunato. Em algumas épocas eram chamados de eta. 

No tocante aos mercadores, durante o Xogunato Tokugawa passou-se a usar o termo chonin (morador da cidade) como sinônimo para se referir a uma variedade de ofícios ligado ao comércio, o que incluía-se donos de restaurantes, tavernas, prostíbulos, mercearias, pousadas, armazéns, lojas, navios etc; boticários, médicos, arquitetos, artistas etc. Observa-se que as classes do Japão feudal englobavam uma variedade de ofícios. No caso, a profissão de médico e arquiteto no feudalismo não era valorizada, fato esse que o médico era tratado como um curandeiro em determinadas épocas. (HENSHALL, 2004). 

Divisão por porcentagem das classes durante o Xogunato Tokugawa, de acordo com dados do século XIX. Os valores são aproximados, já que o censo era impreciso na época. (SANSOM, 1963):
  • Camponeses: 80%
  • Samurais (incluso o buke): 10%
  • Artesãos: 3%
  • Comerciantes: 3%
  • Eta/hinin: 2%
  • Nobreza, clero, letrados, burakumin: cada um tinha menos de 1% e compreendiam os 2% restantes da população. 
O sistema feudal

O sistema feudal japonês possui alguns aspectos em comum com o feudalismo europeu como a instituição do feudo, a vassalagem e suserania, a servidão, o pagamento de tributos ao senhor feudal etc. O modelo do feudo no Japão começou a se formar no Período Heian através do shoen (latifúndio ou feudo), os quais passaram a serem mais regulares, além de concentrar muitas terras e consequentemente atraindo para sua tutela os camponeses que se tornavam seus servos, tendo que pagar tributos, trabalhar nas terras do senhor e até servir em suas milícias. 

Um shoen (feudo).

"Muitos "shoen" pertenciam a nobres residentes na capital (Kyoto), ficando a sua administração a cargo de prepostos que moravam no local. Dos "shoen" originaram-se as famílias ricas e influentes do interior, cada vez mais auto-suficientes e afastadas do poder central". (YAMASHIRO, 1964, p. 57).

No século XII os shoen tinham se tornado uma realidade em várias partes do Japão, embora ainda fossem controlados em parte pela nobreza, mas com o advento do xogunato a realidade mudou; novas famílias ascenderam socialmente sob os auspícios dos xoguns e regentes, ganhando seus shoen ou mais terras a ponto de constituírem seus feudos. Por outro lado, Minamoto no Yoritomo instituiu uma reforma administrativa como comentado, para poder fiscalizar esses feudos, pois alguns daimiôs (senhores feudais) detinham tanta autoridade, que consideravam não prestar obediência nem ao imperador (tenno) e nem ao xogum. Além de que alguns nem pagavam impostos ao xogunato. Essa condição piorou no século XV levando as guerras feudais. (SANSOM, 1958). 

Oda Nobunaga foi um dos mais poderosos daimiôs do Japão. 

No entanto, nos séculos XIII e XIV, o sistema feudal japonês estava estabelecido e se manteria quase inalterado pelos séculos seguintes. O senhor feudal (daimiô) consistia num homem rico, que detinha um feudo (shoen), sendo geralmente um samurai. Em alguns casos, havia senhores que exerciam atividades burocráticas ou atuavam como governadores, prefeitos e juízes. Os daimiôs viviam em mansões (sho) com jardins e cercadas por muros e até fossos. 

No feudo havia também a população livre, formada pelos samurais, conselheiros, funcionários da administração, artesãos, sacerdotes, comerciantes e os marginalizados etc. Em seguida havia os servos, os quais eram sujeitos a um voto de obediência ao daimiô, em troca de manterem suas terras ou ganharem terras, passavam a trabalhar no feudo (anteriormente a servidão nos feudos não era obrigatória). Se comprometiam em pagar tributos in natura, além de servir na milícia. Por fim, tinham-se os escravos, os quais foram comprados ou adquiridos na guerra. A escravidão no Japão manteve-se operante até final do século XVI, quando foi proibida e entrou em declínio. Todavia, o escravo era tratado como mercadoria e um pária, diferente do servo que era uma pessoa livre, mas com obrigações a prestar. (HENSHALL, 2004). 

A defesa do feudo era feita pelos samurais, os quais prestavam juramento ao seu senhor que era tratado como mestreOs feudos antes do século XV não possuíam um exército, a defesa era feita por milícias formadas por samurais e guerreiros advindos da população local, os quais recebiam armas como lanças e arcos. Essa prática lembrava o feudalismo europeu, em que os cavaleiros eram juramentados aos seus suseranos para proteger feudos. Vale lembrar que os samurais com o xogunato se tornaram uma classe militar importante e respeitada, e em troca de seus serviços eles recebiam propriedades, casas, presentes, cargos etc. (TURNBULL, 2003). 

O comércio variava de região para região, pois feudos próximos a cidades, vilas e portos costumavam ter um comércio mais intenso devido a regularidade de mercadorias que eram comercializadas por ali; por outro lado, feudos mais distantes, tinham um comércio a nível interno e local, comercializando com feudos vizinhos. Algumas localidades realizavam feiras semanais ou mensais, em que comerciantes, agricultores e artesãos se reuniam para vender seus produtos. Alguns daimiôs também promoveram a criação de rotas comerciais para seu feudo ou instituíram feiras regulares, para que os produtores locais e vizinhos fossem ali vender suas mercadorias. No entanto, o comércio somente se expandiu a partir do Xogunato Ashikaga, embora a classe dos comerciantes era socialmente considerada inferior. (YAMASHIRO, 1964). 

Apesar do comércio ter crescido nos séculos XV e XVI, a economia japonesa seguiu majoritariamente rural até o começo do XX, quando o processo de industrialização passou a encaminhar. No entanto, a base da economia rural japonesa durante o feudalismo era o cultivo do arroz, o principal cereal plantado no país. 

"O bakufu considerava a agricultura o mais importante ramo da produção. Tinha especial cuidado com a cultura do arroz, porque a importância das propriedades de um daimyô era aferida pela quantidade de arroz nelas produzida. A essa quantidade se dava o nome de "kokudaka", sendo o "koku" uma unidade de volume equivalente a cerca de 180 litros. O bakufu, por exemplo, possuía 4 a 8 milhões de "koku", enquanto que, mesmo os daimyôs mais abastados, não possuíam mais de um milhão de "koku". Os samurais que estavam a serviço dos daimyôs recebiam, como pagamento, determinada quantidade de arroz, variável conforme a classe ou categoria da função que ocupassem na hierarquia de vassalos do shogun. Por isso, a começar pelo próprio bakufu, todos os daimyôs estimulavam a lavoura. Terras abandonadas foram aproveitadas, pantanais das proximidades do mar foram aterrados para a produção rizícola e outras". (YAMASHIRO, 1964, p. 118-119). 

Agricultores trabalhando num campo de arroz. 

O sistema do shoen entrou em declínio no século XV por conta do enfraquecimento do Xogunato Ashikaga, levando daimiôs a não respeitaram mais os limites de suas propriedades e decidirem invadir os territórios vizinhos. Alguns daimiôs chegaram a conquistar províncias inteiras por conta disso. Logo, o Xogunato Tokugawa teve que reformular a lei de terras, adotando o han (domínio), um novo sistema de divisão da terra aplicado por Toyotomi Hideyoshi, agora não pautado nas dimensões territoriais, mas na produção agrícola. 

O sistema do han era definido com base no kokudaka, a quantidade de arroz produzido por um domínio. Lembrando que o arroz era o principal alimento produzido no país, consumido em todas as refeições, costume ainda hoje mantido pelos japoneses. Sendo assim, o kokudaka calculava a quantidade de um koku, o que equivaleria a 150 quilos de arroz, quantidade essa considerada a média para sustentar uma pessoa ao longo do ano. No entanto, o valor do koku mudou em algumas épocas, ainda assim, ele era a média da produção do kokudaka. Sendo assim, os grandes feudos poderiam produzir 10 mil koku (1.500 toneladas), apesar de haver alguns han que produzissem mais do que isso. E como parte da fiscalização dos Tokugawa, foi estipulado que 1/4 das terras do país pertenceriam ao xogunato, sendo administradas por funcionários públicos. O restante das terras estava dividida entre a nobreza, o clero, os daimiôs e os pequenos agricultores. (YAMASHIRO, 1964). 

Durante o xogunato Tokugawa, houve mais de 275 daimiôs, sendo que esses eram divididos em três categorais: shinpan (parentes), fudai (donos antigos), tozama (novos donos). Tradicionalmente eram 150 fudai e 100 tozamas, em que os fudai eram daimiôs antigos que mantiveram suas terras ao prestar vassalagem ao xogunato, já os tozamas eram clãs que se tornaram detentores de han, sendo que alguns eram considerados de lealdade duvidosa. (HENSHALL, 2005). 

Além da forte fiscalização sobre os daimiôs para evitar que eles ganhassem muito poder e autoridade, a ponto do Estado até cecear seus direitos, não foi a aristocracia rural que teve perdas de privilégios, o campesinato também sofreu nas mãos da política autoritária dos Tokugawa. 

"Muito embora o agricultor gozasse de um status social elevado, colocado logo depois do samurai, sua vida era consideravelmente mais pobre do que a dos comerciantes e artesãos. Isso porque o bakufu interferia na vida dos lavradores, estabelecendo-lhes regulamentos minuciosos e impondo-lhes medidas restritivas, para impedir que eles se entregassem ao ócio ou se rebelassem. As restrições chegavam ao cúmulo de proibir que os camponeses se alimentassem do arroz que eles próprios produziam. Nem lhes era permitido usar roupa de seda ou possuir uma casa confortável. Também lhes proibiam montar a cavalo. Eram obrigados a trabalhar durante o ano inteiro, sem possibilidade de melhorar suas condições econômicas. Por isso, em épocas de crise econômica, verificavam-se com freqüência sangrentos levantes e motins de camponeses, sempre sufocados a ferro e fogo. Os que escapavam com vida do combate com as forças do shogun, eram sumariamente executados. Segundo o professor Kuromasa, nada menos de 574 casos de motins de lavradores ocorreram no período Tokugawa, o que mostra como o descontentamento lavrava intenso na classe dos camponeses, considerada a mais pacífica e ordeira do Japão feudal". (YAMASHIRO, 1964, p. 119-120). 

Da cultura marcial à vida urbana

O bakufu de Kamakura se desenvolveu originalmente pautado numa cultura marcial, condição essa vista pelos Minamotos adotarem o título de xogum (mesmo que alguns nem fossem militares de carreira), além de tornar os samurais uma classe social, lhe concedendo privilégios. Neste sentido o bushido (caminho do guerreiro) se tornou central na conduta dos samurais, servindo de modelo para seu comportamento. 

Basicamente o bushido determina que o samurai deveria cultivar valores como honra, devoção, disciplina, lealdade, servidão, coragem, paciência, serenidade, compaixão, polidez e sabedoria. O bushido era influenciado por elementos religiosos do Budismo e Xintoísmo, mas também da filosofia do Confucionismo. Dessa forma, a classe militar dos samurais era amparada por esse código de conduta, fazendo juramentos aos seus mestres, zelando pela honra, a disciplina e compromisso na guerra e no funcionalismo público. Os samurais eram o ideal de guerreiro no Japão feudal. (TURNBULL, 2003). 


Entre os séculos XIII e XVI por conta das guerras, os samurais constantemente estavam treinando e envolvidos em batalhas, principalmente na época das guerras feudais, em que milhares de samurais lutaram e morreram nos vários conflitos. Por conta disso, a cultura marcial nos xogunatos Kamakura e Ashikaga esteve em alta, condição de que houve nobres e aristocratas que aderiram ao bushido e iam ao campo de batalha. Além disso, a maioria dos senhores feudais eram samurais também. 

Os primeiros quarenta anos do Xogunato Tokugawa ainda contaram com guerras, e grandes batalhas como a Batalha de Osaka (1615) e a Batalha de Sekigahara (1639), todavia, após esse período a "Paz de Edo" foi sendo estabelecida, as guerras acabaram, embora revoltas pontuais, geralmente promovida por camponeses e mercadores, seguiram ocorrendo, mas sem nenhum grande conflito para pôr o país novamente num período de guerra civil que se estendeu por anos como ocorrido nos séculos XVI e XVII, a ênfase a marcialidade entrou em segundo plano. Os novos xoguns necessariamente não eram militares de carreira, alguns nem se quer tinham participado de alguma batalha ou guerra, e todos adotaram o luxo, algo também compartilhado pelos daimiôs e samurais, que anteriormente prezavam pela simplicidade e humildade. 

"Luxo e pompa caracterizaram os costumes da época. Vestidos e faixas de lindas cores, penteados caprichosos e pinturas cuidadosas tornavam as mulheres sumamente atraentes. O próprio mobiliário e objetos de uso caseiro assumiram formas e cores vistosas". (YAMASHIRO, 1964, p. 121).

"Desde que os bushi começaram a viver a vida de ócio e luxo das grandes cidades como Yedo e Osaka, a posição dos chonin melhorou consideravelmente, embora na hierarquia social ocupassem posição inferior à dos primeiros. Originariamente os samurais desprezavam os chonin e o dinheiro. Mas, com o aumento dos gastos provenientes do luxo, os bushi não tiveram outra alternativa senão trocar o arroz, que recebiam dos seus senhores como remuneração do serviço, pelo dinheiro. Assim, tornou-se comum o envio, por daimyôs, de arroz e outros produtos das províncias a Yedo ou Osaka para vendê-los aos chonin. Estes, que dispunham de dinheiro, foram, aos poucos, substituindo os bushi em sua influência na direção real dos negócios do país, embora não aparecessem publicamente. Constituíam já uma verdadeira força no terreno econômico". (YAMASHIRO, 1964, p. 134). 

O teatro floresceu nesse período em que velhos e antigos estilos foram reformulados. Dentre os estilos antigos estavam o no com seu uso de máscaras e perucas, pautado no drama ritualístico e o kyogen, voltado para a comédia. Todavia, no xogunato Tokugawa surgiu o estilo kabuki, em que as peças  passaram a girar entre o drama, melodrama e a comédia, abordando temas cotidianos. Os atores trocaram as máscaras por pinturas faciais extravagantes, o que se tornou um dos marcos desse estilo. Por fim, outro estilo que cresceu nesse período do XVII foi o joruri ou bunraku, o teatro de marionetes. (YAMASHIRO, 1964). 

Uma peça kabuki no teatro Ichimura-za, em Edo, na década de 1740. 

A literatura também foi influenciada nesse período, com o surgimento de contos, romances, fábulas, e a popularização da poesia, como o haiku (ou haikai). Nas artes plásticas destacou-se o estilo do ukiyo-ye na xilogravura e o desenho a Guenroku, que ficou em moda no século XVIII. Alguns samurais passaram a ter como hobbies a poesia, a escrita, a filosofia, o tiro ao alvo com arco, o desenho etc. Embora que outros optassem por ir ao teatro, banquetes, tavernas, prostíbulos, casas de aposta, casas de ópio, é preciso salientar que nos séculos XVII e XVIII, houve críticas aos samurais terem deixado de lado sua disciplina, humildade e honra e cedido ao luxo, o ócio e os vícios. (YAMASHIRO, 1964; TURNBULL, 2003). 

Bakumatsu: o fim do xogunato

Um dos fatores para que o xogunato Tokugawa tenha sido longevo a ponto de durar mais de duzentos anos, consistiu na política do Sakoku, e o controle exercido sobre os daimiôs e o restante da população. No entanto, o século XIX trouxe ventos da mudança. O sistema feudal estava em declínio, sendo o Japão e a Rússia, alguns dos últimos países que o mantinham operante; além disso, os holandeses que eram os únicos europeus autorizados a frequentar o Japão, mesmo com restrições, forneciam informações sobre a Ásia, África, Europa e as Américas, informações essas desconhecidas de grande parte da população, mas que mostravam que o mundo já tinha mudado drasticamente nos últimos duzentos anos. 

No XIX também ocorreu pressões dos russos para poderem negociar com o Japão e romper a política de isolamento. A ilha de Hokkaido no norte do país passou a negociar as escondidas com os russos, ainda no final do XVIII, o que levou o xogunato a intervir na região, temendo que isso saísse de controle, e pudesse incentivar outros daimiôs a desobedecerem o Sakoku. 

Em 1825 foi decretado que qualquer navio estrangeiro sem autorização deveria ser rechaçado e proibido de aportar. Isso valia principalmente para os ingleses, que naquele período guerreavam contra os chineses por conta do comércio de ópio e territórios como Hong Kong e Xangai. Além de rechaçar os navios estrangeiros, o governo ordenou que os daimiôs com territórios com costa, posicionassem canhões e reforçassem suas defesas contra uma possível ameaça de invasão. Somou-se a isso a construção de navios de guerra, o que demandou gastos aos cofres públicos. (YAMASHIRO, 1964).

O incidente de Morrison ocorrido em 1837, foi um exemplo de como a política de expulsar navios estrangeiros era perigosa. Naquele ano o navio Morrison, capitaneado por Charles W. King, tinha ido ao Japão para levar sete japoneses que haviam naufragado próximo a Macau. A embarcação estadunidense também tinha interesse em comercializar com os japoneses até porque desconheciam a realidade da proibição do Sakoku, no entanto, o navio foi alvejado e quase naufragou. Os japoneses abordo foram descidos em botes e levados ao porto. (SANSOM, 1963). 

Pintura japonesa do navio Morrison, alvo de um incidente diplomático em 1837. 

Por outro lado, na política interna do xogunato enfrentava problemas com grupos opositores. Embora os Tokugawa tenham tido bastante êxito em controlar grandes revoltas, conspirações e possíveis traições que gerariam golpes de estado ou guerras, uma hora isso não é mais possível de ser feito. Parte dos samurais estavam descontentes com o andamento do governo e começaram a se aproximar novamente da nobreza, voltando a tramar. Além disso, vários tozama daimiôs (daimiôs de fora), termos usado para designar os daimiôs de feudos mais afastados e de confiança duvidosa, passaram a tramar contra os xoguns. Vale lembrar que os daimiôs de Hokkaido que negociaram com os russos pertenciam ao grupo dos tozama.

A produção agrícola estava em crise devido a falta de práticas mais eficazes para a rotação de cultura, o que levou o empobrecimento rápido do solo, somava-se isso a opressão da tributação das taxas do arroz, o que levava alguns camponeses a desistirem do plantio e procurarem outro ofício. Por outro lado, os mercadores ganharam muito dinheiro e influência nas cidades e grandes vilas, e eles ambicionavam pôr abaixo a política de isolamento para poderem negociar com os estrangeiros. Tal condição levou parte da classe dos comerciantes a se opor ao xogunato. (SANSOM, 1963). 

Na década de 1850 surgiu os Shishi ou Ishin Shishi um grupo pró-monarquia, formado por nobres, kugues, aristocratas, samurais, daimiôs, mercadores e outros membros da sociedade, os quais defendiam o retorno do poder político do imperador e o fim do xogunato. Alguns membros inclusive defendiam o caminho da guerra para fomentar um golpe de estado, condição essa que alguns daimiôs de Kyushu, no sul do país, ordenaram a construção de fábricas de armas de fogo, para poder equipar sua milícia. 

No entanto, a década de 1850 foi crucial para o enfraquecimento do xogunato devido a pressão estrangeira exercida pelos Estados Unidos. Em 1853 o comodoro Matthew Calbaith Perry (1794-1858), o qual atuava em negociações na China, foi enviado ao Japão para oferecer um acordo comercial e diplomático. Perry era veterano de guerras e sabia como usar a força na intimidação, com isso ele deixou a China com uma pequena esquadra e seguiu para o porto de Uraga e enviou a solicitação a corte. Os americanos chegaram com navios de aço, movidos a vapor e com canhões contemporâneos, diferente dos navios japoneses feitos de madeira, movidos a vela e usando modelos de canhões do século XVI e XVII. Os japoneses ficaram intimidados com aquilo e temerosos. Perry exigiu negociar com o imperador, mas esse não tinha autoridade para isso, assim, o xogum Tokugawa Iesada aceitou a negociação, mas pediu um prazo de alguns meses para avaliar o acordo. Perry aceitou e foi embora, dizendo que retornaria no ano seguinte. O processo resultou no Tratado de Kanagawa (1854), que liberou o acesso aos Estados Unidos em negociar com portos japoneses e estabelecer um consulado. (SANSOM, 1963). 

O Comodoro Matthew Perry. 

A assinatura do Tratado de Kanagawa foi vista de forma positiva e negativa. Os que defendiam o fim da política do Sakoku celebraram a abertura dos portos japoneses, já que depois dos Estados Unidos, outros países como Inglaterra, Rússia e França foram autorizados a negociar e frequentar o Japão. Todavia, os que defendiam o conservadorismo feudal do xogunato consideraram isso um erro e fraqueza do xogum Iesada em ceder a pressão estrangeira. 

A entrada regular de estrangeiros no país colocou em choque a cultura japonesa ainda com traços feudais. Consulados foram estabelecidos no país, militares, empresários e estudiosos começaram de 1855 em diante a frequentar o Japão. Uma pequena imprensa foi estabelecida pelos estrangeiros. Ideias políticas sobre democracia, republicanismo, parlamentarismo, revolução, comunismo, liberalismo, etc., chegaram ao Japão. Tais ideias levaram grupos contra o xogunato a melhor se organizarem. Neste caso, os Shishi cresceram significativamente nesse período a ponto que em 1863, o xogum Tokugawa Iemochi temendo um possível golpe de estado criou a guarda dos Shinsengumi (Nova Brigada Selecionada). (SANSOM, 1963). 

Bandeira do Shinsengumi, a tropa de elite do xogunato. 

O Shinsengumi era formado por samurais leais ao xogunato, os quais estavam sob comando do Protetor de Quioto, cargo criado em 1862 para assegurar a ordem na capital real, e evitar revoltas ali e na região. A apreensão do xogum Iemochi se mostrou certeira, pois em 1863, os feudos de Choshu e Satsuma conspiraram com a corte e se rebelaram, desacatando ordens do governo, como de receber os estrangeiros, condição essa que em Choshu alguns ingleses foram atacados. Apesar da desaprovação do imperador, a rebelião já tinha se iniciado. Em 1863 e 1864 ocorreram algumas batalhas e revoltas entre os rebeldes do xogunato e a participação estrangeira dos ingleses e americanos que apoiavam o xogum. (YAMASHIRO, 1964). 

Os conflitos iniciados em Choshu e Satsuma fizeram eclodir uma guerra civil em 1863 que se alastrou até 1869, e nesse meio tempo o último xogum Tokugawa Yoshinobu (1837-1913), vendo que as forças do xogunato estavam enfraquecidas mesmo com apoio estrangeiro, além de que seus antigos aliados haviam debandado, decidiu renunciar ao governo e reconhecer o jovem imperador Meiji de 16 anos como líder oficial do Japão. Yoshinobu renunciou em 1867, e no ano seguinte teve início a Restauração Meiji, a qual iniciou com a Guerra Boshin (1868-1869), a última tentativa de se manter o xogunato, mesmo com a renúncia do xogum, alguns clãs vassalos se negaram a aceitar a decisão e iniciaram a guerra, a qual terminou com a vitória dos monarquistas. Dessa forma, a era dos xogunatos tinha chegado ao fim. (YAMASHIRO, 1964).  

Pintura retratando a Batalha de Ueno, em 4 de julho de 1868, nos arredores de Tóquio. Foi um dos conflitos da Guerra Boshin, para tentar se manter o xogunato

Com a derrota das últimas forças de resistência do Xogunato Tokugawa, o sistema feudal foi gradativamente abolido, os samurais deixaram de ser uma classe social, em que vários acabaram ingressando no exército, marinha, polícia, mas outros procuraram por outras profissões, mas alguns se tornaram ronins. A administração foi reformulada, o imperador Meiji iniciou a restauração política do país, mas também implementou reformas sociais, culturais, econômicas, além de abrir caminho para a industrialização, a educação, a medicina, a imprensa etc. No entanto, durante a década de 1870 algumas revoltas de samurais e daimiôs pró-xogunato ainda ocorreram. 

Considerações finais

Pelas explanações aqui apresentadas pode se perceber que o xogunato consistiu num regime militar com características monárquicas, feudais e burocráticas, por manter a regência e tornar o cargo de xogum hereditário, por enfatizar o papel dos feudos, principalmente entre os séculos XIII e XVI, o que influenciou a divisão social pautada na origem do indivíduo, mas principalmente no ofício que ele exercia ou pertencia sua família. Por estruturar a administração do país de forma burocrática, fomentando a origem de uma classe para isso: inicialmente os samurais depois a nobreza novamente e a aristocracia. 

A vassalagem era pautada não apenas na submissão do servo ao senhor, em que o senhor concedia terras ou firmava um contrato de prestação de serviço e lealdade, mas na devoção marcial do samurai com seu mestre. Sendo os samurais uma classe importante durante os xogunatos, eles foram doutrinados a seguir seu código de honra para servir seus mestres na guerra e em outros trabalhos, como o funcionalismo público. 

O xogunato reformulou a administração pública, a gestão e a justiça, tirando da nobreza tais funções e criando a classe dos samurais para ocupar esses cargos públicos. É válido lembrar que desde o Xogunato Kamakura os samurais já tinham ingressado na vida pública, e não apenas tardiamente como alguns autores salientaram. Eo fator burocrático foi essencial para a organização do país, mesmo que tenha significado manter um sistema feudal que se alterou com o tempo, além da imposição de uma sociedade dividida em classes. 

O sistema feudal sofreu alterações ao longo dos sete séculos de domínio do xogunato, em que se percebe que durante o período Kamakura e Tokugawa houve uma centralização do poder nas mãos dos xoguns e regentes, todavia, durante o período Ashikaga ocorreu uma crescente descentralização da autoridade do xogum, levando os daimiôs a se rebelaram iniciando o interregno das guerras feudais

A cultura marcial do bushido foi importante para o desenvolvimento de uma cultura política pautada na honra, lealdade e dever, sendo que o lado guerreiro esteve em alta com os xogunatos Kamakura e Ashikaga e o período das guerras feudais, mas com o advento da paz com os Tokugawa, os samurais se tornaram mais ociosos no sentido de não terem um papel com guerreiros para a batalha, mas passando a agir como guardas, policiais, funcionários públicos e alguns até mesmo se dedicaram a filosofia e as artes.

A época dos xogunatos apresentou mudanças na cultura japonesa, passando pelo medievo, a modernidade e terminando na contemporaneidade, condição essa que vimos como a administração, a sociedade, a economia e os costumes mudaram nessas épocas. Apesar da economia pautada num sistema feudal com base na plantação de arroz, durante os séculos XVI e XVII o comércio vivenciou investimentos, isso levou ao crescimento das cidades e o desenvolvimento de uma cultura urbana, das artes, da filosofia, da arquitetura, além de mudanças nos costumes

Alguns historiadores consideram o xogunato uma espécie de ditadura militar por instituir um autoritarismo centrado no xogum ou regente, estipular uma justiça militar que vigorava como justiça geral; colocar militares para exercer funções públicas; aplicar decretos e leis autoritárias e opressivas, instituir a proibição do porte de armas para a população, proibir a entrada de estrangeiros (sobretudo os europeus), impor restrições ao comércio exterior, aplicar uma política de intolerância religiosa com os cristãos, banir os párias, permitir a escravidão (embora essa foi abolida depois); instituir execuções públicas, o trabalho forçado etc. Tais características apresentam elementos vistos em outras ditaduras militares na História. 

NOTA: No Japão o imperador não precisa permanecer no governo até o fim da vida, em muitos casos os imperadores governavam por poucos anos, renunciando para algum filho ou outro parente. Além disso, em determinadas épocas a sucessão era manipulada pelos clãs poderosos ou até mesmo indicada pelo xogum. 

NOTA 2: Os europeus como portugueses, espanhóis, franceses, ingleses e holandeses, os quais tiveram contato com os japoneses, acreditavam que o xogum fosse o imperador daquele país, condição essa que encontramos livros, cartas e pinturas desses povos, referindo-se ao xogum como sendo o imperador, um equívoco que ocorria pela condição de que os europeus não entendiam o sistema político do xogunato. 

NOTA 3: A palavra bakufu originalmente designava a tenda do xogum, usada como local de reuniões para o conselho militar. Todavia, com a ascensão de Minamoto no Yoritomo como xogum, o termo bakufu passou a designar o regime militar dos xoguns. 

NOTA 4: O nome Boshin significa "Ano do Dragão", e foi um período turbulento para o Japão por conta da guerra civil que tentou manter o xogunato entre 1868 e 1869. 

NOTA 5: O filme O último samurai (2003) foi inspirado na Revolta de Satsuma (1877), em que samurais lutavam pelo retorno do xogunato. Tal revolta foi o último grande conflito do tipo, depois disso as tentativas de pedir a volta do xogunato foram diminuindo e sumiram. 

NOTA 6: O mangá/anime Samurai X mostra o início da Era Meiji, no entanto, o protagonista, o ronin Kenshin Himura, lutou na guerra civil que levou ao término do Xogunato Tokugawa. Kenshin atuou como mercenário servindo os monarquistas. Com o término da guerra, ele procurou se redimir de seus crimes e matanças, adotando uma vida de redenção e heroísmo. 

NOTA 7: Os jogos Shogun: Total War (2000) e Total War: Shogun 2 (2011), ocorrem durante o Período Sengoku, embora as DLCs acrescentem campanhas de outras épocas. 

NOTA 8: O jogo Like a Dragon: Ishin (2014), um spin-off da franquia Yakuza, se passa durante o período do Bakumatsu, apresentando até mesmo alguns personagens históricos e fatos. O jogo ganhará um remake em 2023. 

Referências bibliográficas

HENSHALL, Kenneth G. A History of Japan: From Stone Age to Superpower. 2a ed. New York, Palgrave Macmillan, 2004. 

SANSOM, George. The History of Japan to 1334. Tokyo, Charles E. Tuttle Company, 1958. 

SANSOM, George. The History of Japan: 1615-1867. Tokyo, Charles E. Tuttle Company, 1963. 

TURNBULL, Stephen. Samurai: The World of Warrior. Oxford, Osprey Publishing, 2003. 

YAMASHIRO, José. Pequena História do Japão. 2a ed. São Paulo, Editora Herder, 1964. 

Links relacionados: 

As invasões mongóis do Japão em 1274 e 1281

Oda Nobunaga

Ninjas x Samurais: crônicas de uma guerra feudal (XV-XVII)

Kirishitan: O Cristianismo chega ao Japão

Yasuke: o samurai negro

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