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Leandro Vilar

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Samarcanda: a cidade azul de Tamerlão

Embora seja uma cidade com mais de dois mil e quinhentos anos de idade, Samarcanda atingiu seu esplendor na segunda metade do século XIV, quando foi escolhida para ser a capital do império de Tamerlão, um poderoso imperador turco-mongol que teve a ambição de fundar um império extenso como Genghis Khan e seus descendentes fizeram. No entanto, por ser muçulmano, Tamerlão quis imitar alguns califas e sultões, possuindo uma magnífica capital para chamar de sua, como foram Bagdá e o Cairo. Por conta disso, ele escolheu Samarcanda, importante cidade mercante da Ásia Central. 

Detalhe de um recinto de Samarcanda com seu icônico azul. Foto de Nunzio Rosano, 2015. 

Introdução

A história da origem de Samarcanda ainda é desconhecida, não se sabendo ao certo quando essa cidade foi fundada. Acredita-se que sua fundação tenha sido feita pelo povo soguediano em algum momento dos séculos VIII a.C ou VI a.C, na região da Transoxiana, na Ásia Central (atualmente sudeste do Uzbequistão), ao sul do rio Zarafshansituado num território de clima mais ameno (diferente dos desertos ao sul), com chuvas mais regulares, pastos e rios, o que contribuiu para o desenvolvimento de Samarcanda e de outras cidades e vilas. O nome samarcanda viria do soguediano, significando "fortaleza de pedra". Embora possa ter tido influência do sânscrito também, pois em determinadas épocas a cidade era chamada de Marcanda ou Maracanda, palavra persa para "cidade". (SCHAEDER, BOSWORTH, CROWE, 2007, p. 453). 

Em algum momento do século V a.C, a cidade foi anexada ao Império Persa Aquemênida (550-330 a.C), o que lhe concedeu privilégios graças a organização burocrática, além de sua rede de estradas que favoreceu o comércio. Com isso, a pequena cidade foi crescendo nos séculos seguintes enquanto permaneceu sob domínio persa. Posteriormente ela foi incluída aos domínios de Alexandre, o Grande. Mais tarde, após a morte de Alexandre e o declínio de seu vasto império, Samarcanda voltou ao controle dos persas e depois foi dominada por tribos turcomanas. Entretanto, a cidade passou a ingressar algumas rotas mercantis que seguiam para o leste, adentrando o território da China. (SCHAEDER, BOSWORTH, CROWE, 2007, p. 453). 

No século V d.C existem breves relatos de viajantes e mercadores chineses citando uma rica cidade mercante chamada de Samokian, situada ao oeste da China, na Ásia Central. De fato, a Rota da Seda cruzava aquelas terras e chegava a Samarcanda, que com o tempo se tornou uma das portas de entrada aos domínios persas. Mais tarde, no final do século VIII, Samarcanda foi inserida aos domínios árabes, os quais levaram consigo o Islão, religião que se espalhou rapidamente na cidade, no século seguinte. 

Mapa da Transoxiana e regiões vizinhas, destacando as principais cidades, durante o século VIII. 

Durante o Califado Abássida (750-1258), Samarcanda, como outras cidades islâmicas, prosperaram por um período. A cidade como dito anteriormente, era a porta de entrada da Rota da Seda nos domínios persas, de lá estradas seguiam para distintas direções, incluindo Bagdá, então capital do império abássida. Nos séculos IX ao XI, a cidade prosperou, destacando-se como centro mercante no norte do império. Além disso, ali viviam muçulmanos, cristãos, zoroastrianos, alguns budistas e povos de religiões politeístas. Samarcanda naquele período apresentava ares cosmopolitanos devido ao comércio, em que reunia diferentes povos, idiomas e religiões. (SCHAEDER, BOSWORTH, CROWE, 2007, p. 454). 

No século XIII a Transoxiana foi conquistada por Genghis Khan, no entanto, Samarcanda embora tenha sido saqueada em dados momentos, conseguiu sobreviver a fúria mongol, diferente de outras cidades que foram saqueadas e incendiadas como Bagdá. Sob o domínio mongol, Samarcanda ainda continuou como um importante polo mercantil, condição essa que décadas depois, o viajante veneziano Marco Polo citou que a cidade era grande e nobre, inclusive pertencia ao Canato de Chagatai, um dos filhos de Genghis. Polo praticamente nada comentou sobre Sarmacanda, já que não a visitou, apenas a citou brevemente. 

Samarcanda seguiu os séculos XIII e XIV sob domínio mongol, entretanto, na segunda metade do XIV, um poder local desafiou o controle do decadente império mongol, esse novo poder era curiosamente liderado por um homem que se dizia descender de Genghis Khan, seu nome era Timur Leng

"Passado um século depois da morte de seu fundador, o império mongol de Genghis Khan parece dividido e enfraquecido, e um novo conquistador vai aparecer para unificar com punhos de ferro o mundo das estepes e uma boa parte da Ásia". (CONRAD, 1976, p. 299).

Ilustração retratando Tamerlão, o último grande conquistador de origem mongol. 

Nascido com o nome de Timur ou Tamerlão (1336-1405), era o filho de uma família de camponeses da aldeia Kesh, ao sul de Samarcanda. Tamerlão era de origem turco-mongol, mas adulto defendia descender de linhagem nobre que perdeu seus direitos, sendo ele um suposto descendente de Genghis Khan. Sua família era vassala do Clã Barlas, que detinha razoável influência na região, por conta disso, Tamerlão ao ingressar na guerra, ainda adolescente, passou os vinte anos seguintes construindo sua ascensão. Em 1370, aos 34 anos de idade, Tamerlão era o senhor da Transoxiana e da Bacteriana. Ele era conhecido por seus inimigos como o "Coxo", mas seus subordinados o chamavam de o "homem de ferro" devido a sua rigidez como líder e crueldade com os inimigos. (CONRAD, 1976, p. 303).

Aclamado com o título de emir (comandante), Tamerlão deu início a expandir seu recente império, missão a qual se dedicou até o fim da vida, tendo fundado um império na Ásia Central que se estendia pela Armênia, Geórgia, Iraque, Síria,  Pérsia, Afeganistão, Paquistão e o oeste da Índia. Entretanto, ele como grandes líderes muçulmanos queria um capital para chamar de sua, uma cidade que representasse o esplendor de seu império. E a cidade escolhida foi Samarcanda, a qual ele já morava há alguns anos. (ROBINSON, 2007, p. 26). 

Em amarelo o império de Tamerlão em sua máxima extensão no ano de 1405. Em vermelho o Império Otomano e em verde o Império Mameluco. 

A cidade azul

Com a conquista da Transoxiana em 1370, Tamerlão pôde decretar que Samarcanda fosse sua capital, assim, nos trinta anos seguintes a cidade recebeu vários investimentos para torná-la a capital de um novo e crescente império. Para isso, Tamerlão ordenou a construção de suntuosas mesquitas, madraças, palácios, praças, entre outras obras públicas, além de intensificar o comércio e os contatos com outros povos. Ele teve a pretensão de tornar Samarcanda uma cidade grandiosa como Bagdá havia sido mais de cem anos antes, e como o Cairo era naquele momento. Sob seu governo, a pequena cidade de Samarcanda cresceu significativamente, mesmo que não tivesse alcançado as dimensões de cidades como Bagdá, Damasco, Cairo, Constantinopla e Córdoba, no entanto, era muito maior que várias capitais europeias daquele tempo. 

"Tamerlão conduzia a sua campanha de construções com a mesma rapidez e zelo que devotava às operações militares. Como uma fênix renascendo das cinzas, Samarcanda passou de uma pequena cidade a uma metrópole de 150.000 habitantes em menos de 35 anos. Palácios ornamentados, graciosos jardins, bazares fervilhantes e imponentes mesquitas, escolas islâmicas e mausoléus de mosaico azul surgiam do nada. Vivia-se uma constante torrente de atividade: elefantes indianos arrastavam enormes blocos de pedra para construção; cantoneiros, envernizadores de azulejos, tecelões de seda e outros artesãos das terras conquistadas trabalhavam arduamente". (AS TERRAS DO ISLÃ, 2008, p. 129-130). 

O azul era uma cor bastante apreciada na cultura islâmica, pois aludia a cor do céu, que por sua vez, era uma referência a Allah. Por conta disso, não era incomum encontrar tonalidades de azul na arte islâmica de distintos países muçulmanos. O azul ganhou destaque nas tapeçarias, cerâmica e azulejaria. Além disso, os persas eram grandes apreciadores dessa cor, usando o lápis-lazúli em seu fabrico, isso originou o chamado azul persa

"Os muçulmanos fizeram uso da cor na arquitetura como nenhum outro povo, revestindo os edifícios de um colorido brilhante e de uma profusão de modelos. O azulejo vitrificado foi um recurso comum. Esta arte alcançou o ápice com Tamerlão e seus descendentes nas cidades da Ásia central e no Afeganistão". (ROBINSON, 2007, p. 204). 

O Mausoléu de Shah-i-Zinda. 

Por conta dessa preferência, Tamerlão ordenou que os arquitetos e artistas investissem no azul. Essa cor foi usada principalmente nas mesquitas, madraças, portais, tumbas e mausoléus. Por conta da condição de que Samarcanda por séculos não ter edificações mais altas do que as mesquitas e as madraças, suas cúpulas azuis se destacavam na paisagem. Viajantes poderiam avistá-las a alguns quilômetros de distância, e saberiam que estavam chegando a Samarcanda, a "cidade azul". 

As cúpulas azuis da Mesquita de Bibi Khanym, construída por ordem de Tamerlão, entre 1399 e 1404, como presente para uma de suas esposas.  

Embora Tamerlão tenha mando construir mesquitas, madraças, palácios, praças e outros monumentos, ele investiu em mausoléus. Os quais estão entre alguns dos mais suntuosos já erigidos nas nações islâmicas. A antiga necrópole de Samarcanda que estava parcialmente abandonada e em ruínas, foi revitalizada em seu reinado, construindo-se vários tumbas, criptas e mausoléus para sua família, parentes e amigos. 

Três mausoléus azuis na necrópole de Samarcanda, erigidos durante o reinado de Tamerlão. Atualmente a necrópole é uma atração turística. 

Dentre os mausoléus construídos, o do próprio Tamerlão foi o mais imponente da cidade. Ele seguia o padrão arquitetônico da época, o que o faz parecer com uma mesquita ou madraça. Chamado de Gur-e-Amir ("Tumba do Rei"), no mausoléu se encontra os sarcófagos de algumas das esposas, filhos e netos de Tamerlão. 

O Gur-e-Amir, o mausoléu de Tamerlão, em Samarcanda. 

O Gur-e-Amir começou a ser construído em 1403 por ordem Muhammad Mirza, um dos netos do imperador, como presente para o avô. Todavia, Tamerlão já tinha ordenado a construção de um mausoléu para si, localizado em outra cidade. Todavia, Tamerlão faleceu em 1405, aos 68 anos, enquanto viajava com seu exército para tentar invadir a China. Ele foi sepultado no mausoléu em Sharisabz (onde ficava seu palácio azul), como ordenado, porém, quando o Gur-e-Amir ficou pronto anos depois, seus netos ordenaram a transferência dos restos mortais do avô. (AS TERRAS DO ISLÃ, 2008, p. 131). 

Detalhe do belíssimo pórtico do Gur-e-Amir, com seus azulejos azuis e brancos em estilo arabesco e floral. 

A madraça ou madrassa consiste numa escola para estudos sobre o Corão, direito religioso e outras ciências. Ao longo do tempo as madraças mudaram a forma de funcionamento, podendo receber crianças, adolescentes ou somente adultos. Algumas madraças atuavam como faculdades. Outras possuíam bibliotecas e centros copistas. No caso de Samarcanda, suas madraças se destacaram arquitetonicamente por seus grandes pórticos (psihtaq) adornados com azulejos azuis. (ROBINSON, 2007, p. 104). 

Em Samarcanda as três maiores madraças não foram construídas por Tamerlão, mas pelos governantes que o sucederam. Hoje elas compreendem a praça do Reguistão, a maior praça da cidade e cartão-postal da mesma. A primeira madraça a de Ulug Beg foi construída entre 1417 e 1420, no entanto, suas irmãs foram erigidas apenas no século XVII, Sher-Dor (1619-1636) e Tilya-Kori (1646-1660). As três madraças seguem a arquitetura imponente que se tornou referência nas nações islâmicas da Ásia Central, com seus enormes pórticos, torres auxiliares, salas abobadadas, corredores com arcos, cúpulas azul turquesa. (ROBINSON, 2007, p. 106-107). 

As três madraças na praça do Reguistão em Samarcanda, sendo sua principal atração turística. 

NOTA: A antiga região da Transoxiana compreende atualmente partes do território de cinco países: Uzbequistão, Cazaquistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Quirquistão

NOTA 2: A Dinastia Timúrida fundada por Tamerlão perdurou de 1370 a 1507, sendo mantida por seus filhos e netos, um século após a morte de seu fundador. Todavia, o príncipe Babur que era bisneto de Tamerlão, fundou uma nova dinastia na Índia, o Império Mogol (1526-1857). 

NOTA 3: Apesar de sua importância histórica, Samarcanda não é a capital do Uzbequistão, mas sim Toshkent

NOTA 4: Cúpulas, mesquitas, madraças e mausoléus em azul não ficaram restritos apenas a Samarcanda, mas em Bukhara e outras cidades do que hoje forma o Uzbequistão, construções nesse estilo foram feitas também. 

NOTA 5: Samarcanda empresta seu nome para títulos de livros, filmes, histórias em quadrinhos, séries e outras produções. 

Referências bibliográficas:

CONRAD, Phillipe. As civilizações das estepes. Rio de Janeiro, Editions Ferni, 1976. 

POLO, Marco. O livro das maravilhas: a descrição do mundo. Tradução de Elói Braga Júnior. Porto Alegre, L&PM, 2009. 

ROBINSON, Francis. O mundo islâmico: o esplendor de uma fé. Barcelona, Ediciones Folio, 2007. 

SCHAEDER, H. H; BOSWORTH, C. E; CROWER, Y. Samarqand. In: BOSWORTH, C. Edmund (ed.). Historic Cities of the Islamic World. Leiden, Brill, 2007, p. 453-

As Terras do Islã. Barcelona, Ediciones Folio, 2008. 

Links relacionados: 

Tamerlão, "o homem de ferro"

Os mongóis

Bagdá: a joia do Islão (VIII-XIII)


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