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Leandro Vilar

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

150 anos do primeiro Censo do Brasil

Para não deixar passar em branco o sesquicentenário do Censo Demográfico no Brasil, redigi esse singelo texto para comentar um tema que normalmente é pouco conhecido pelos brasileiros, condição essa que a cada dez anos o Censo é realizado e as pessoas acham algo estranho, alguns chegam a dizer que nunca ouviram falar dele, sendo que são pessoas com seus trinta ou cinquenta anos, as quais passaram por três censos no mínimo. 

Uma lista para contabilizar número de moradores num domicilio. 

Introdução

No Ocidente a ideia para o censo adveio dos romanos, tendo surgido no final do Reino (753-509 a.C), mas somente aplicado propriamente ao longo da República (509-27 a.C). O censor era um cargo inicialmente restrito aos patrícios (elite), somente no século IV a.C, os plebeus tiveram acesso a esse cargo. O censor realizava basicamente três funções: a contagem populacional e de imóveis (residencial e comercial), isso normalmente era feito nas cidades; outra função era de zelar pela moral pública (regimem morum), denunciando qualquer imoralidade e determinados crimes a ordem pública; por fim, a terceira função era de fiscalizar obras públicas como estradas, aquedutos, pontes, praças, termas etc. Durante a época Imperial (27 a.C - 453 d.C) o cargo de censor teve alterações, e os imperadores tomaram para si também a função de zelar pela moral pública, pelo menos, em algumas épocas. 

Após o Império Romano o censo na Europa foi raramente aplicado, embora em outras localidades como o Império Inca, o Império Chinês e alguns domínios islâmicos o censo demográfico foi realizado algumas vezes. Entretanto, por séculos a ideia de se fazer o censo foi relegada, somente no XIX alguns países decidiram pô-la em prática, e o Brasil foi um dos pioneiros a estabelecer o censo e instituir mais tarde sua obrigatoriedade e regularidade. 

Instituindo o censo no Brasil

A ideia para o censo brasileiro se originou em 1846, sugerindo que o censo seria realizado a cada 8 anos. Entretanto, a ideia não foi aplicada de imediato, somente como o Decreto n. 797 de 1851 foi estabelecido o início do censo para o ano seguinte, porém, devido a falta de divulgação do que se tratava, somado a ignorância do povo, revoltas ocorreram no país, levando o governo a desistir de aplicar o censo em 1852. A ideia acabou sendo engavetada e esquecida. 

Vários anos se passaram e a ideia para o censo foi retomada com a Lei 1.829 de 9 de setembro de 1870, a qual instituía a extrema necessidade do país realizar um censo demográfico para se mensurar o número de habitantes e outros dados estatísticos. Para se ter ideia, ainda no XIX, muitos países não realizavam o censo, logo, o governo tinha uma ideia parcial da quantidade de habitantes, quantos eram homens, quantos eram mulheres, a faixa etária populacional, o número de empregados, desempregados, a renda etc. Já que o censo que deveria ter ocorrido em 1852 não foi concretizado, dessa vez, ele deveria ser feito.

Em 1871 foi criado o Departamento Geral de Estatística (DGE), o qual seria responsável por realizar o censo a cada 10 anos, além de analisar os dados coletados. Instituído o DGE, foi dada a ordem para se iniciar apuração de recursos e o planejamento para executar o censo. Finalmente em 1 de agosto de 1872 ele teve início. Naquela época o Brasil ainda um império, sendo governado por D. Pedro II (1825-1891).

Mapa do Império do Brasil na época do Censo de 1872. 

Os dados apurados pelo Censo de 1872

Tendo o censo finalmente sido realizado no ano de 1872, o Brasil, pôde conhecer nos anos seguintes, dados nunca antes contabilizados, já que valores equivalentes existiam somente em algumas cidades e províncias, mas nada equivalente a nível nacional. Todavia, o censo daquele ano não foi total como alguns pensam. Os recenseadores somente visitaram parte dos domicílios (chamados de "fogos" por conta dos fogões a lenha), principalmente nas cidades, vilas e algumas fazendas. Por sua vez, aldeias indígenas remotas, quilombos e fazendas de difícil acesso, ficaram de foram do censo. Além disso, o país era dividido em duas regiões (Norte e Sul), 20 províncias, 641 municípios e 1.473 paróquias.

No entanto, como o censo de 1872 foi realizado? Alguns brasileiros podem pensar que ele foi feito segundo os padrões atuais, em que recenseadores vão às ruas, indo de domicílio a domicílio, para entrevistar as pessoas. De fato, isso realmente ocorreu, mas não de forma tão abrangente como hoje. 

Os recenseadores de 1872 de início recorreram principalmente as informações das 1.473 paróquias, pois naquele tempo a Igreja Católica possuía função de cartório e tabelionato, logo, os arquivos das paróquias guardavam certidões de nascimento, casamento, óbito, adoção, alforria etc. Além dos arquivos paroquiais havia os arquivos públicos e militares, os quais forneceram informações para o censo. Além disso, tinha-se os registros dos funcionários públicos, das juntas de comércio, dos portos, dos tribunais etc. Logo, todos esses arquivos ajudaram em muito a facilitar o trabalho do censo, e quando tais dados não eram obtidos, os recenseadores iam a campo. Mas para se ter ideia, esse trabalho todo não levou meses como os censos mais recentes, mas demorou alguns anos. 

No quesito dos dados apurados, o censo avaliou:

  • População geral
  • População masculina
  • População feminina
  • População por raça (cor)
  • População por faixa etária
  • População por religião
  • População livre e escrava
  • Estado civil
  • Número de pessoas com deficiência
  • Número de estrangeiros 
  • Número de pessoas alfabetizadas
  • Número de pessoas por profissão

Esses resultados ainda hoje podem ser conferidos no site do IBGE. 

Um dos quadros resultantes do censo de 1872, apresentando alguns dos principais dados catalogados, no caso, para a Província do Espírito do Santo. 

O Censo de 1872 estimou que a população brasileira era de 9.930.478 habitantes, mas esse valor facilmente passaria dos 10 milhões, já que várias aldeias indígenas ficaram de fora, além de quilombos, fazendas distantes e nem todos os imigrantes foram identificados. De qualquer forma, desse total, 5.123.869 eram de homens e 4.806.609 eram de mulheres, um dado curioso, pois normalmente a população feminina costuma ser maior do que a masculina (homens vão para a guerra, se envolvem com a criminalidade e não costumam cuidar da saúde), mas naquele contexto o oposto ocorreu. Uma das hipóteses para isso seria o alto índice de mortes de mulheres sobretudo por conta do parto e doenças comuns. Aqui se salienta que naquele tempo, as mulheres costumavam casar a partir dos 12 anos de idade e ao chegarem aos 18 já teriam tido três ou quatro filhos, e por conta dessa precocidade, elas acabavam desenvolvendo distintos problemas de saúde. 

Mas quanto a questão da faixa etária, o censo demográfico informou:

  • 24,6% de crianças de 1 a 10 anos
  • 21,1% de adolescentes de 11 a 20 anos
  • 32,9% de adultos de 21 a 40 anos
  • 8,4% de adultos de 41 a 50 anos
  • 12,8% de adultos e idosos de 51 a 70 anos
  • 3,4% de idosos acima dos 71 anos

Por tais dados observa-se que havia uma alta taxa de crianças e adolescentes no país, sendo o número de idosos pequeno, já que dos 12,8%, uma parcela compreendia os idosos, identificados a partir dos 60 anos. Entretanto, um aspecto intrigante era a condição da faixa etária dos 40 anos ser pequena, talvez reflexo das mortes causadas pelas guerras que o Brasil participou, em que homens de distintas idades foram recrutados. 

Quanto a população dividida pela raça (pois se empregava esse conceito na época), aqui tivemos alguns problemas de identificação, pois as categorias elencadas: branco, pardo, negro e caboclo (indígena) mostrou margem de erro de interpretação. No caso, vários pardos eram na verdade indígenas, que optaram em não se declarar caboclos devido ao preconceito que existia. 

  • 38,3% de pardos
  • 38,1% de brancos
  • 19,7% de negros
  • 3,9% de caboclos (indígenas)

Tal valor não agradou os conservadores e eugenistas da época, os quais consideravam que o atraso social, moral, cultural e econômico do país se devia a miscigenação com "raças inferiores", o que gerou uma população degenerada. Por conta disso houve campanhas de incentivo de imigrantes italianos e alemães para tentar branquear a população que na sua maioria era escura (61,9% do total). De fato, atualmente grande parte da população brasileira segue ainda escura. 

Quadro com os dados sobre os escravizados da Província do Rio Grande do Norte, no censo de 1872. 

No aspecto religioso, o censo também apresentou dados bastante imprecisos. O resultado contabilizou que 99,7% dos brasileiros eram católicos, sendo o restante formado por não católicos como protestantes e judeus, sendo esses imigrantes. O problema é que esse resultado ignorou as religiões afro-brasileiras, indígenas, o espiritismo, o brasileiros protestantes e até outras religiões que existiam no país. Além disso, o senhor de escravos dizia que todos seus escravos eram católicos, mesmo que eles praticassem rituais para suas divindades, isso foi omitido ou ignorado. 

Um dos motivos para tais omissões talvez tenha se dado por causa da Questão Religiosa (1870-1874) que ocorreu em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, em que os bispos dessas províncias entraram em embate contra a maçonaria e os mediadores da corte. Basicamente os bispos defendiam a proibição da maçonaria, de igrejas protestantes e de outras religiões no país. O censo apresentar um resultado de que a maioria da população era católica contribuía para o argumento dos bispos, apesar que eles foram derrotados em sua disputa dois anos depois. 

Acerca da escolaridade o censo não contabilizou os níveis escolares, apenas se a população era alfabetizada (sabia ler e escrever). Do total de entrevistados, 23,4% dos homens eram alfabetizados, já as mulheres representavam 13,4%. Entretanto, o número de analfabetos era bastante grande, correspondendo a 63,2% de pessoas. Isso se devia principalmente a falta de políticas públicas para a educação, sem contar que o acesso ao ensino superior era ainda mais restrito, reservado aos ricos e a burguesia. 

Por mais que Dom Pedro II fosse um erudito, nunca houve um incentivo a educação massiva da população; condição essa que poucas escolas foram criadas, apesar do Colégio Pedro II ter servido de modelo; nenhuma universidade foi fundada, mantendo-se apenas as faculdades e academias existentes. Não obstante, a própria sociedade não via a necessidade de se enviar os filhos às escolas, sobretudo, a população pobre. Para finalizar, os escravizados eram na maior parte das vezes, proibidos de estudar. 

Um dado interessante apurado pelo Censo de 1872 foi a respeito das pessoas com deficiência. Vale lembrar que D. Pedro II autorizou a criação do Imperial Instituto de Surdos-Mudos em 1857, sendo uma escola especial pioneira no país e nas Américas. Por conta disso, houve a presença dessa pesquisa no censo, o qual avaliou as seguintes deficiências: cegueira, surdo-mudo, aleijado, demência e alienado. É evidente que atualmente tais classificações são diferentes hoje em dia, pois uma pessoa surda não necessariamente seja muda, além de que o mudo não seja necessariamente surdo. Já a categoria de aleijado, para aquela época, normalmente se referia a pessoas que perderam uma das pernas. O alienado seria alguém com problemas mentais leves, já o demente possuía problemas mentais graves, inclusive alguns autores do período usavam a palavra como sinônimo de loucura. 

Por fim, um último dado a ser citado diz respeito ao da profissão. O censo definiu algumas categorias profissionais sendo elas: religiosos, juristas, profissionais liberais, comerciantes, militares, industriais, agricultores, operários, pessoas assalariadas, empregado doméstico, sem profissão definida. 

Na categoria de juristas estavam os advogados, notários, escrivães, juízes, procuradores e oficiais de justiça. Entre os profissionais liberais incluíam-se os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, professores, funcionários públicos, parteiras e artistas. 

Na categoria de operários englobava uma série de atividades manuais como costureiras, alfaiates, chapeleiros, sapateiros, pedreiros, serralheiros, carpinteiros, mineradores, ferreiros, curtidores, tintureiros etc. 

Já as pessoas assalariadas foram definidas como aquelas que trabalhavam como criados domésticos ou eram jornaleiros (diarista). Lembrando que apesar de ainda existir a escravidão naquele tempo, alguns criados domésticos eram homens e mulheres livres e assalariados. Não obstante, o censo identificou um grande número de pessoas que declararam não possuir uma profissão definida, atuando em vários ofícios. Seriam trabalhadores avulsos. 

Considerações finais

Apesar de algumas lacunas, omissões e dados questionáveis quanto a determinadas categorias apresentadas, ainda assim, o Censo de 1872 foi uma grande façanha na história do Brasil e até no século XIX, pois como dito, poucos países realizam o censo naquele tempo. E o império brasileiro conseguiu computar dados de suas 20 províncias e 641 municípios. As várias tabelas geradas podem ser conferidas hoje, mostrando o grande empenho dos envolvidos no censo para poder proporcionar essas informações sobre o império. Mas infelizmente nem todo mundo deu valor isso, incluindo os políticos e autoridades. 

O Departamento Geral de Estatística (DGE) foi desmanchado em 1879, sem motivos claros, com isso, o censo de 1880 não ocorreu, no entanto, decidiu-se marcar ele para 1887, mas o projeto acabou sendo rejeitado. Em 1889 o império chegou ao fim, sendo proclamado a república, a qual querendo mostrar serviço imediato, realizou o Censo de 1890, seguindo o padrão do seu antecessor, mas com algumas mudanças, e a mais importante foi não conter informações sobre os escravos, já que a abolição havia sido aprovada em 13 de maio de 1888. Todavia, o censo de 1890 teve vários atrasos, durando anos para ser finalizado, quando ocorreu o censo de 1900. Apesar desses entraves e atrasos, o censo demográfico brasileiro continuou a ser realizado ao longo do século XX e agora no XXI. 

NOTA 1: Em 1936 foi criado o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o qual a partir de 1940 passou a ser responsável pelos censos no país. 

NOTA 2: Os censos brasileiros ocorreram nos anos de 1872, 1890, 1900, 1920, 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1990, 2000, 2010 e 2022. 

NOTA 3: O censo de 1856 não ocorreu devido a ignorância do povo e protestos. O de 1880 foi cancelado sem motivos claros, o de 1910 não aconteceu por problemas políticos, o de 1930 foi adiado por conta da Revolução de 30, o de 2020 foi adiado por conta da pandemia de Covid-19.

NOTA 4: O IBGE, o INSS e outros institutos brasileiros, ainda adotam o termo antiquado de raça para se referir a cor das pessoas. Sendo um legado do racismo científico que imperou no censo imperial e nos primeiros censos republicanos. 

Fonte:

Dados do Censo de 1872

Referências bibliográficas: 

BISSIGO, Diego Nones. A "eloquente e irrecusável linguagem dos algarismos": A estatística no Brasil imperial e a produção do recenseamento de 1872. Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal de Santa Catarina, 2014. 

RIO CAMARGO, Alexandre de Paiva. O censo de 1872 e a utopia estatística do Brasil imperial. História Unisinos, vo. 22, n. 3, 2018, p. 414-428. 

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