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Leandro Vilar

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Matoaka: a verdadeira Pocahontas

Pocahontas foi uma indígena norte-americana que ficou conhecida através da literatura, e mais recentemente por conta dos desenhos animados do Walt Disney. Entretanto, diferente do que vemos nos livros e desenhos, a história dessa mulher foi menos romântica e alegre. A Pocahontas real morreu jovem e passou por problemas na sua infância e adolescência. O presente texto contou um pouco sobre essa mulher que acabou se tornando famosa. 

Matoaka nasceu em data incerta no ano de 1596, em Werocomoco, região que veio a ser anexada a Colônia da Virgínia em 1606. Matoaka era filha do chefe Wahunsunacock (1549-1618), sendo o cacique da tribo Powhatan, por conta disso, alguns cronistas da época se referiam a ele como chefe Powhatan. A identidade da mãe de Matoaka é desconhecida. (MCLEESE, 2003). 

Retrato de Pocahontas (Rebeca Rolfe), feito por Simon van de Pease, 1616. 

A história da menina mudou drasticamente aos 11 anos de idade, quando em 1607 ela conheceu o capitão inglês John Smith (1580-1631), que liderava a expedição de colonização da Virgínia. Em dado momento ele foi feito prisioneiro por caçadores Powhatan, sob alegação de estar invadido o território deles. É preciso salientar que a colonização do que viria a ser os Estados Unidos ainda estava no início, as fronteiras delimitadas eram incertas, pois os colonos definiam elas em muitas vezes sem entrar em consenso com os povos indígenas. (MCLEESE, 2003). 

Todavia, pelo que foi registrado por Smith e outros cronistas do XVII, Matoaka que era conhecida por aquele tempo pelo apelido de Pocahontas ("menina mimada"); ela gostava de brincar com os filhos dos colonos, desenvolvendo amizade com eles. Por conta disso, ela interviu perante seu pai para que Smith não fosse executado. Se desconhece os detalhes dessa parte da história, mas o chefe Wahunsunacock decidiu poupar Smith, cobrando dele respeito por seu povo e possívelmente outras exigências. (MCLEESE, 2003). 

Os livros escritos sobre Pocachontas passaram a informar que após salvar a vida de John Smith, eles se tornaram amigos, e a menina ia visitar a cidade de Jamestown, capital da Colônia da Virgínia. O problema é que os Powhatan viviam quase 20 km de distância daquela cidade, dificilmente a filha do chefe poderia ir regularmente ali, já que ela teria que ser escoltada, além da própria condição de ser mulher e filha do chefe. Sendo assim, os historiadores questionam até onde essa amizade realmente existiu. 

Em 1609 devido a uma explosão causada por pólvora, John Smith ficou ferido, mas devido a problemas gerados pela explosão ele teve que ir à Inglaterra para se reportar. Pocahontas teria pensado que o amigo morreu na ocasião. Outros autores falam que a garota de 14 anos estaria apaixonada por Smith. Essa parte da sua história é incerta. (MCLEESE, 2003). 

1610 foi um ano crucial para a vida de Pocahontas, a menina de então seus 14 anos, foi casada com um guerreiro chamado Kocoom, no caso, salienta-se que por ela ser filha do chefe, tratava-se de um casamento arranjado para os interesses da tribo. No entanto, excetuando-se a condição de Kocoom ter sido um guerreiro, que inclusive trabalhava com os ingleses, mais nada se conhece sobre sua vida. De qualquer forma, ainda naquele mesmo ano nova leva de colonos chegaram a Virgínia, entre eles John Rolfe (1585-1622), o qual seria o segundo marido de Pocahontas. (TOWNSEND, 2005). 

O casamento de Pocahontas e Kocoom é desconhecido, nem se sabe ao certo onde eles moravam, no entanto, ela ainda manteve contato com os ingleses, já que seu marido era um guerreiro que prestava serviço a eles. Condição essa que em 1613 ela visitou o navio Treasurer que estava ancorado no rio Potomac, em companhia do chefe Jopassus dos Potomac (Potowomeke) e sua esposa. Por essa condição, alguns historiadores sugeriram a hipótese que Kocoom poderia pertencer a esse povo, tratando-se de um casamento entre tribos, mas é uma hipótese pouco confiável devido a falta de evidências e do que viria ocorrer em seguida. (TURNER, 2009). 

No mesmo dia que Pocahontas foi visitar o navio com o chefe e sua esposa, ela foi enganada e mantida refém. Jopassus havia negociado com os ingleses, oferecendo a filha do chefe Wahunsunacock, embora não saibamos o que exatamente eles negociaram. No entanto, o Treasurer voltou a Jamestown, e o governador Thomas Dale enviou uma mensagem a Wahushunacock informando que ele mantinha a filha dele como refém e exigia que os reféns ingleses que ele havia capturado fossem trocados, além de outras demandas impostas. (TURNER, 2009). 

Wahunshunacock acatou as exigências para poder salvar sua filha, libertando os prisioneiros ingleses e até enviando comida para a colônia. No entanto, Dale não a libertou de imediato. Mas nesse período que ela ficou presa, ela conheceu John Rolfe, onze anos mais velho do que ela, viúvo e comerciante de tabaco. No entanto, os dois se apaixonaram, embora se desconheça como isso aconteceu, além da condição de que Pocahontas era casada, apesar de não se saber se ela tinha sido divorciada ou abandonada por Kocoom. Rolfe tinha certa influência em Jamestown. 

Ele inclusive solicitou autorização do governo para poder se casar com uma indígena, e assim, em 1614, Pocahontas foi libertada sob condição de contrair matrimônio com Rolfe. Ela converteu-se ao Cristianismo e adotou o nome de Rebeca(MCLEESE, 2003). 

O batismo de Pocahontas. John Gadsby Chapman, 1840. 

Entretanto, o período que Pocahontas esteve presa é historicamente nebuloso. Seu pai acatou as exigências do governador Thomas Dale, mesmo assim, ele manteve a indígena presa por meses. Possivelmente os Powhatan não ousaram atacar Jamestown, pois a cidade estava melhor guarnecida, o que resultaria em um massacre para o lado dos indígenas. No entanto, Dale utilizou o casamento de Pocahontas com Rolfe para negociar uma paz ou pelo menos uma trégua com os Powhatan, pois o chefe deles foi avisado do matrimônio da filha, e acabou aceitando. Isso significa que legalmente ela já estavam separada de Kocoom. (TURNER, 2009).

O casal foi viver numa fazenda de tabaco que pertencia a Rolfe, situada entre Henrico e Jamestown. Ali Pocahontas engravidou ainda em 1614, dando à luz a um menino chamado de Thomas. Nesse período a boa relação entre os colonos e os Powhatan foi restabelecida, e pelo que parece, os familiares de Pocahontas chegaram a visitá-la, pois no ano seguinte em 1616, John Rolfe decidiu viajar para Inglaterra, levando a esposa, o filho e alguns membros da tribo dos Powhatan, incluindo Tomocomo, irmão de sua esposa. (TOWNSEND, 2005). 

A visita à Inglaterra foi marcada por certo exotismo, já que John Rolfe aproveitou para apresentar sua esposa indígena e membros da tribo dela, circulando por salões da burguesia e da nobreza. Isso foi tão impactante na época que o próprio rei James I pediu para conhecê-los, já que raramente indígenas iam ao país. Nesse período que Pocahontas e a família viveram em Londres, ela soube que John Smith ainda estava vivo, mas somente reencontrou o amigo em 1617. (TOWNSEND, 2005). 

Após passar quase um ano em Londres, John Rolfe decidiu retornar para suas fazendas na Virgínia, no entanto, Pocahontas acabou adoecendo gravemente de motivos desconhecidos e faleceu em março de 1617, aos 20 ou 21 anos, em Gravesend, em Kent, sendo sepultada na Igreja de São Jorge ali. Seu marido, Tomocomo e outros Powhatan retornaram a Virgínia naquele ano. Já Thomas Rolfe (1615-1680) por ser pequeno, foi deixado aos cuidados do irmão de seu pai. O garoto somente viajou para a Virgínia vinte anos depois. (TURNER, 2009). 

Estátua de Pocahontas no cemitério da Igreja de São Jorge, em Gravesend, Inglaterra. 

Rolfe se casou em 1619 com uma inglesa chamada Jane Pierce, e tiveram uma filha chamada Elizabeth (1620-1635). Rolfe faleceu de causas desconhecidas em 1622. Seu filho Thomas mudou-se para Jamestown, herdando as fazendas de tabaco do pai. Ali ele casou-se e passou o restante da vida. (TOWNSEND, 2005).

Devido a popularização do romantismo acerca dos indígenas, Matoaka, mais conhecida como Pocahontas, tornou-se fonte de inspiração para cronistas, escritores, poetas, pintores e outros artistas. Sua história dramática veio a ser romantizada em vários aspectos, originando inclusive versões fictícias que foram tomadas como verdadeiras. Devido a isso, a fama daquela menina mimada transcendeu sua realidade. 

NOTA: O filme Pocahontas (1910) é a primeira produção audiovisual sobre ela. 

NOTA 2: A produção audiovisual mais famosa sobre ela é o desenho Pocahontas (1995) do Walt Disney. A animação ganhou uma continuação intitulada Pocahontas II: Journey to a New World (1998), no qual a protagonista viaja à Inglaterra e conhece John Rolfe e o rei Jaime I. 

NOTA 3: O filme O Novo Mundo (2006) foi inspirado em Pocahontas, embora foque no suposto romance dela com John Smith. 

NOTA 4: A peça The Indian Princess: or, La Belle Sauvage (1808), escrita por James Nelson Barker é a primeira produção fictícia sobre Pocachontas a fazer sucesso. 

NOTA 5: O nome de Pocahontas foi homenageado com estátuas, ruas, avenidas, praças, navios, selos, estações etc. A trama da jovem indígena também rendeu vários filmes, algumas peças, livros e pinturas. 

NOTA 6: Em 2023 o ator estadunidense Edward Norton descobriu pelo programa Finding Your Roots, que ele realmente é descendente de Pocahontas e John Rolf. Norton pertence a décima segunda geração da família que foi continuada por Thomas Rolf. O ator comentou no programa que desde criança ele já ouvia seus avós e tios falarem que eram descendentes da indígena, mas nunca tinham feito uma pesquisa genealógica para comprovar isso. 

Referências bibliográficas: 

MCLEESE, Don. Pocahontas. Florida, Rourke, 2003. 

TOWNSEND, Camilla. Pocahontas and Powhatan Dilemna. New York, Hill and Wang, 2005. 

TURNER, Erin (ed.). Pocahontas. In: Wise Women: From Pocahontas to Sarah Winnemucca, Remakarble Stories of Native American Trailblazers. Guilford, Twodot, 2009. 

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