Pesquisar neste blog

Comunicado

Comunico a todos que tiverem interesse de compartilhar meus artigos, textos, ensaios, monografias, etc., por favor, coloquem as devidas referências e a fonte de origem do material usado. Caso contrário, você estará cometendo plágio ou uso não autorizado de produção científica, o que consiste em crime de acordo com a Lei 9.610/98.

Desde já deixo esse alerta, pois embora o meu blog seja de acesso livre e gratuito, o material aqui postado pode ser compartilhado, copiado, impresso, etc., mas desde que seja devidamente dentro da lei.

Atenciosamente
Leandro Vilar

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Matoaka: a verdadeira Pocahontas

Pocahontas foi uma indígena norte-americana que ficou conhecida através da literatura, e mais recentemente por conta dos desenhos animados do Walt Disney. Entretanto, diferente do que vemos nos livros e desenhos, a história dessa mulher foi menos romântica e alegre. A Pocahontas real morreu jovem e passou por problemas na sua infância e adolescência. O presente texto contou um pouco sobre essa mulher que acabou se tornando famosa. 

Matoaka nasceu em data incerta no ano de 1596, em Werocomoco, região que veio a ser anexada a Colônia da Virgínia em 1606. Matoaka era filha do chefe Wahunsunacock (1549-1618), sendo o cacique da tribo Powhatan, por conta disso, alguns cronistas da época se referiam a ele como chefe Powhatan. A identidade da mãe de Matoaka é desconhecida. (MCLEESE, 2003). 

Retrato de Pocahontas (Rebeca Rolfe), feito por Simon van de Pease, 1616. 

A história da menina mudou drasticamente aos 11 anos de idade, quando em 1607 ela conheceu o capitão inglês John Smith (1580-1631), que liderava a expedição de colonização da Virgínia. Em dado momento ele foi feito prisioneiro por caçadores Powhatan, sob alegação de estar invadido o território deles. É preciso salientar que a colonização do que viria a ser os Estados Unidos ainda estava no início, as fronteiras delimitadas eram incertas, pois os colonos definiam elas em muitas vezes sem entrar em consenso com os povos indígenas. (MCLEESE, 2003). 

Todavia, pelo que foi registrado por Smith e outros cronistas do XVII, Matoaka que era conhecida por aquele tempo pelo apelido de Pocahontas ("menina mimada"); ela gostava de brincar com os filhos dos colonos, desenvolvendo amizade com eles. Por conta disso, ela interviu perante seu pai para que Smith não fosse executado. Se desconhece os detalhes dessa parte da história, mas o chefe Wahunsunacock decidiu poupar Smith, cobrando dele respeito por seu povo e possívelmente outras exigências. (MCLEESE, 2003). 

Os livros escritos sobre Pocachontas passaram a informar que após salvar a vida de John Smith, eles se tornaram amigos, e a menina ia visitar a cidade de Jamestown, capital da Colônia da Virgínia. O problema é que os Powhatan viviam quase 20 km de distância daquela cidade, dificilmente a filha do chefe poderia ir regularmente ali, já que ela teria que ser escoltada, além da própria condição de ser mulher e filha do chefe. Sendo assim, os historiadores questionam até onde essa amizade realmente existiu. 

Em 1609 devido a uma explosão causada por pólvora, John Smith ficou ferido, mas devido a problemas gerados pela explosão ele teve que ir à Inglaterra para se reportar. Pocahontas teria pensado que o amigo morreu na ocasião. Outros autores falam que a garota de 14 anos estaria apaixonada por Smith. Essa parte da sua história é incerta. (MCLEESE, 2003). 

1610 foi um ano crucial para a vida de Pocahontas, a menina de então seus 14 anos, foi casada com um guerreiro chamado Kocoom, no caso, salienta-se que por ela ser filha do chefe, tratava-se de um casamento arranjado para os interesses da tribo. No entanto, excetuando-se a condição de Kocoom ter sido um guerreiro, que inclusive trabalhava com os ingleses, mais nada se conhece sobre sua vida. De qualquer forma, ainda naquele mesmo ano nova leva de colonos chegaram a Virgínia, entre eles John Rolfe (1585-1622), o qual seria o segundo marido de Pocahontas. (TOWNSEND, 2005). 

O casamento de Pocahontas e Kocoom é desconhecido, nem se sabe ao certo onde eles moravam, no entanto, ela ainda manteve contato com os ingleses, já que seu marido era um guerreiro que prestava serviço a eles. Condição essa que em 1613 ela visitou o navio Treasurer que estava ancorado no rio Potomac, em companhia do chefe Jopassus dos Potomac (Potowomeke) e sua esposa. Por essa condição, alguns historiadores sugeriram a hipótese que Kocoom poderia pertencer a esse povo, tratando-se de um casamento entre tribos, mas é uma hipótese pouco confiável devido a falta de evidências e do que viria ocorrer em seguida. (TURNER, 2009). 

No mesmo dia que Pocahontas foi visitar o navio com o chefe e sua esposa, ela foi enganada e mantida refém. Jopassus havia negociado com os ingleses, oferecendo a filha do chefe Wahunsunacock, embora não saibamos o que exatamente eles negociaram. No entanto, o Treasurer voltou a Jamestown, e o governador Thomas Dale enviou uma mensagem a Wahushunacock informando que ele mantinha a filha dele como refém e exigia que os reféns ingleses que ele havia capturado fossem trocados, além de outras demandas impostas. (TURNER, 2009). 

Wahunshunacock acatou as exigências para poder salvar sua filha, libertando os prisioneiros ingleses e até enviando comida para a colônia. No entanto, Dale não a libertou de imediato. Mas nesse período que ela ficou presa, ela conheceu John Rolfe, onze anos mais velho do que ela, viúvo e comerciante de tabaco. No entanto, os dois se apaixonaram, embora se desconheça como isso aconteceu, além da condição de que Pocahontas era casada, apesar de não se saber se ela tinha sido divorciada ou abandonada por Kocoom. Rolfe tinha certa influência em Jamestown. 

Ele inclusive solicitou autorização do governo para poder se casar com uma indígena, e assim, em 1614, Pocahontas foi libertada sob condição de contrair matrimônio com Rolfe. Ela converteu-se ao Cristianismo e adotou o nome de Rebeca(MCLEESE, 2003). 

O batismo de Pocahontas. John Gadsby Chapman, 1840. 

Entretanto, o período que Pocahontas esteve presa é historicamente nebuloso. Seu pai acatou as exigências do governador Thomas Dale, mesmo assim, ele manteve a indígena presa por meses. Possivelmente os Powhatan não ousaram atacar Jamestown, pois a cidade estava melhor guarnecida, o que resultaria em um massacre para o lado dos indígenas. No entanto, Dale utilizou o casamento de Pocahontas com Rolfe para negociar uma paz ou pelo menos uma trégua com os Powhatan, pois o chefe deles foi avisado do matrimônio da filha, e acabou aceitando. Isso significa que legalmente ela já estavam separada de Kocoom. (TURNER, 2009).

O casal foi viver numa fazenda de tabaco que pertencia a Rolfe, situada entre Henrico e Jamestown. Ali Pocahontas engravidou ainda em 1614, dando à luz a um menino chamado de Thomas. Nesse período a boa relação entre os colonos e os Powhatan foi restabelecida, e pelo que parece, os familiares de Pocahontas chegaram a visitá-la, pois no ano seguinte em 1616, John Rolfe decidiu viajar para Inglaterra, levando a esposa, o filho e alguns membros da tribo dos Powhatan, incluindo Tomocomo, irmão de sua esposa. (TOWNSEND, 2005). 

A visita à Inglaterra foi marcada por certo exotismo, já que John Rolfe aproveitou para apresentar sua esposa indígena e membros da tribo dela, circulando por salões da burguesia e da nobreza. Isso foi tão impactante na época que o próprio rei James I pediu para conhecê-los, já que raramente indígenas iam ao país. Nesse período que Pocahontas e a família viveram em Londres, ela soube que John Smith ainda estava vivo, mas somente reencontrou o amigo em 1617. (TOWNSEND, 2005). 

Após passar quase um ano em Londres, John Rolfe decidiu retornar para suas fazendas na Virgínia, no entanto, Pocahontas acabou adoecendo gravemente de motivos desconhecidos e faleceu em março de 1617, aos 20 ou 21 anos, em Gravesend, em Kent, sendo sepultada na Igreja de São Jorge ali. Seu marido, Tomocomo e outros Powhatan retornaram a Virgínia naquele ano. Já Thomas Rolfe (1615-1680) por ser pequeno, foi deixado aos cuidados do irmão de seu pai. O garoto somente viajou para a Virgínia vinte anos depois. (TURNER, 2009). 

Estátua de Pocahontas no cemitério da Igreja de São Jorge, em Gravesend, Inglaterra. 

Rolfe se casou em 1619 com uma inglesa chamada Jane Pierce, e tiveram uma filha chamada Elizabeth (1620-1635). Rolfe faleceu de causas desconhecidas em 1622. Seu filho Thomas mudou-se para Jamestown, herdando as fazendas de tabaco do pai. Ali ele casou-se e passou o restante da vida. (TOWNSEND, 2005).

Devido a popularização do romantismo acerca dos indígenas, Matoaka, mais conhecida como Pocahontas, tornou-se fonte de inspiração para cronistas, escritores, poetas, pintores e outros artistas. Sua história dramática veio a ser romantizada em vários aspectos, originando inclusive versões fictícias que foram tomadas como verdadeiras. Devido a isso, a fama daquela menina mimada transcendeu sua realidade. 

NOTA: O filme Pocahontas (1910) é a primeira produção audiovisual sobre ela. 

NOTA 2: A produção audiovisual mais famosa sobre ela é o desenho Pocahontas (1995) do Walt Disney. A animação ganhou uma continuação intitulada Pocahontas II: Journey to a New World (1998), no qual a protagonista viaja à Inglaterra e conhece John Rolfe e o rei Jaime I. 

NOTA 3: O filme O Novo Mundo (2006) foi inspirado em Pocahontas, embora foque no suposto romance dela com John Smith. 

NOTA 4: A peça The Indian Princess: or, La Belle Sauvage (1808), escrita por James Nelson Barker é a primeira produção fictícia sobre Pocachontas a fazer sucesso. 

NOTA 5: O nome de Pocahontas foi homenageado com estátuas, ruas, avenidas, praças, navios, selos, estações etc. A trama da jovem indígena também rendeu vários filmes, algumas peças, livros e pinturas. 

NOTA 6: Em 2023 o ator estadunidense Edward Norton descobriu pelo programa Finding Your Roots, que ele realmente é descendente de Pocahontas e John Rolf. Norton pertence a décima segunda geração da família que foi continuada por Thomas Rolf. O ator comentou no programa que desde criança ele já ouvia seus avós e tios falarem que eram descendentes da indígena, mas nunca tinham feito uma pesquisa genealógica para comprovar isso. 

Referências bibliográficas: 

MCLEESE, Don. Pocahontas. Florida, Rourke, 2003. 

TOWNSEND, Camilla. Pocahontas and Powhatan Dilemna. New York, Hill and Wang, 2005. 

TURNER, Erin (ed.). Pocahontas. In: Wise Women: From Pocahontas to Sarah Winnemucca, Remakarble Stories of Native American Trailblazers. Guilford, Twodot, 2009. 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

As guerras do açúcar (XVI-XVIII)

Ao longo de mais de duzentos anos alguns países europeus como Portugal, Espanha, Holanda, França e Inglaterra travaram guerras pelo controle da produção açucareira e o seu comércio. Entre os séculos XV ao XVIII o açúcar era um produto tão valioso que ele era considerado o "ouro branco" de seu tempo, motivador de guerras, de atos de pirataria, corso e contrabando. Muitos ambicionavam se apoderar daquelas preciosas caixas de açúcar. Vendidas pela quantia certa, um carregamento de açúcar poderia ser bem lucrativo. Não obstante, salienta-se que a indústria açucareira da Idade Moderna era algo bastante rentável, equivaleria hoje a um negócio bilionário, por conta disso, os grandes investimentos e riscos adotados para poder arrancar uma fatia desse valioso negócio. 

O presente texto resume alguns aspectos do que eu chamei de Guerras do Açúcar, uma série de conflitos e ações internacionais, que englobaram a Europa, a África Ocidental e as Américas, mobilizando pessoas direta ou indiretamente de várias nacionalidades as quais se viram em meio a tais confrontos. 

1. Introdução: o açúcar como o ouro branco

Embora tenha tratado desse assunto em outra postagem, como é possível conferir no link no final desse texto, aqui vou fazer uma recapitulação resumida. A produção de açúcar remonta desde a Antiguidade, em que indianos e povos vizinhos já o fabricavam, por sua vez, na Idade Média os árabes e persas aprenderam a como produzir açúcar. No século XV foi quando surgiu propriamente o interesse dos europeus pelo mercado açucareiro, pois antes disso o açúcar era considerado apenas uma especiaria exótica, usada para o preparo de medicamentos e até de magia. (CIVITELLO, 2008). 

Entretanto, no século XV com o advento do apreço do açúcar para se preparar alimentos como doces, pães, bolos, biscoitos, massas, recheios, temperos etc., e até mesmo adoçar bebidas como o vinho, o chá, o suco e depois o chocolate quente e o café, o açúcar começou a ganhar maios importância, tornando-se ainda naquele século uma iguaria de luxo, não somente mais algo exótico. 

"Ora, o gosto pelo açúcar não cessava de se difundir pela Europa ocidental. Para satisfazer esse mercado nascente, as refinarias multiplicaram-se no século XV nas planícies da Sicília, reconquistada pelos normandos no século XI; foi igualmente na primeira metade do século XV que novas plantações foram criadas na Espanha, no Levante de Valência, o que permitiu ativas exportações para os países do Norte". (LEMPS, 1998, p. 612).

Países como Itália, França, Espanha e Portugal, despontaram no mercado açucareiro ainda no XV, se tornando seus principais clientes, por conta das intensas mudanças gastronômicas passadas. De fato, a doceria desses países é ainda hoje notável, e foi essencial para popularizar o consumo de açúcar, passando para outros territórios como Inglaterra, Bélgica, Holanda (Países Baixos), Alemanha, Suíça, Grécia etc. 

Em geral a maior parte do açúcar consumido na Europa era produzido pelos mouros, fosse no sul da Espanha ou na ilha da Sicília, ou importado da África e do Oriente Médio. Entretanto, os portugueses realizaram uma jogada de mestre e saíram na frente. Eles aprenderam como cultivar a cana de açúcar, a construir engenhos e fabricar o açúcar. Logo, suas colônias insulares como a Madeira, os Açores, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe se tornaram seus laboratórios de testes, para finalmente passarem a produzir açúcar em quantidade surpreendente, rivalizando com os produtores mouros e árabes, gerando desequilíbrio de oferta e procura no mercado europeu.

"Em 1440 uma arroba [de açúcar] valia, na Inglaterra, 18,30 gramas de ouro, que representam 1:120$000 [1.120 réis] em poder aquisitivo de hoje, ou seja, 75$000 o quilo. Em 1470, este preço havia baixado para 45$000, e, em 1501, valia apenas 8$500 o quilo.  A produção portuguesa, principalmente a da Ilha da Madeira, provocou a destruição das culturas do Mediterrâneo e o desequilíbrio no comércio". (SIMONSEN, 1937, p. 145).

"Em 1498, para evitar a queda dos preços do açúcar, o rei D. Manuel decidiu limitar as exportações da ilha a 120.000 arrobas (1.780 toneladas); além disso, a ordenação fixou uma quota por destino, preciosa indicação sobre os clientes do açúcar da Madeira nessa época: 40.000 arrobas para Flandres, 15.000 para Veneza, 13.000 para Gênova e 6.000 para Livorno, ou seja, um total de 34.000 para os três grandes portos redestribuidores do Mediterrâneo; Aigues-Mortes e Rouen tinham direito a 6.000 arrobas, La Rochelle a 2.000, Lisboa e Londres a 7.000; Constantinopla chegou a receber até 15.000 arrobas". (LEMPS, 1998, p. 612).

Apesar desse crescimento na produção açucareira no século XV, o açúcar ainda era mercadoria luxuosa, a maior parte de seus compradores eram das elites. Inclusive as padarias e docerias atendiam uma clientela exclusivista. 

"Antigamente um pão de açúcar (cada pão tinha pouco mais de dois quilos) era arrolado como bem precioso, nos tesouros reais. Atribuía-se ao produto da cana virtudes miraculosas para a saúde. 'Sete pães de açúcar (14 quilos), deixa a mulher de Carlos V da França, no seu testamento, entre joias preciosas. E o sucessor deste rei dá a outro soberano, como presente real, mais alguns quilos da mágica mercadoria'. À época do descobrimento do Brasil, a Europa tomava tudo com açúcar: a carne, o vinho, o peixe". (AMARAL, 1958, p. 327).

Após o início da colonização das Américas, os espanhóis e portugueses passaram a cultivar cana de açúcar. Os espanhóis largaram na frente, iniciando o cultivo no Caribe, Antilhas e arquipélagos vizinhos. Já que eles se depararam com minas de prata e ouro no continente, sob o domínio dos Astecas e Incas. Por sua vez, os portugueses começaram a cultivar os canaviais décadas depois no Brasil, no entanto, no final do XVI, já era o maior produtor de açúcar no Ocidente. 

Como o açúcar se popularizou no século XVI, tornando-se assim condimento acessível a diversos segmentos da população, inclusive havendo variedades de açúcar mais caras e mais baratas, outros países passaram a ter interesse nessa produção monopolizada por portugueses e espanhóis. Assim, franceses, holandeses e ingleses começaram a investir no mercado açucareiro nas colônias ou no refino e comércio desses pela Europa. Mas em alguns casos, optou-se por meios menos lícitos, partindo para o contrabando, o roubo e depois a guerra. 

Hoje em dia é difícil de entendermos como guerras puderam ser travadas por conta de açúcar, algo tão banal. No entanto, o valor desse produto nos séculos XV ao XVII era grande, mesmo oscilando ao longo dos anos, ainda assim, era uma indústria bilionária, e muitos queriam um pedaço dela. 

“Em 1576, Pernambuco exportava cerca de 70 mil arrobas de açúcar e em 1583 a cifra subia a 200 mil arrobas. ‘Nos princípios do século XVII, diz Carli, possuindo o Brasil 200 engenhos, a sua produção era de 25 mil a 35 mil caixas de açúcar de 35 arrobas cada uma’. É o tempo áureo do açúcar no Brasil”. (AMARAL, 1958, p. 329).

Segundo cálculos dos holandeses, a produção açucareira brasileira rendia dezenas de milhões de florins, isso sem considerar o valor envolvido no transporte, refino e depois revenda. Embora isso acarretasse novas despejas, ainda assim, aumentava os lucros, pois o açúcar refinado era bem mais caro do que o açúcar bruto produzido nos engenhos. 

Na Lista de tudo que o Brasil pode produzir anualmente, produzida por um anônimo e publicada nos Países Baixos, ela referindo-se a valores de 1623, informou que somente entre as capitanias brasileiras da Bahia, Pernambuco e Paraíba existiriam 137 engenhos de açúcar. Apenas 25% da produção deles resultaria num lucro estimado para aquele ano de 1623, em 2,6 milhões de florins. Para se ter uma ideia de como esse valor era muito alto, a WIC dispunha de um capital de 7,1 milhões de florins naquele período, sendo que a empresa foi fundada em 1621. (HEIJER, 2003). Além do mais, o documento apenas contabilizou os engenhos de três capitanias, não levando em consideração das outras capitanias brasileiras que produziam açúcar. 

Dessa forma, podemos ter uma pequena ideia de como era uma indústria manufatureira bastante lucrativa, e essa ideia ficará mais clara quando vemos as informações sobre as guerras travadas. 

2. Atos de corso

Não se sabe exatamente quando começaram os ataques de pirataria e depois corso para se roubar carregamentos de açúcar de outros navios, mas isso já ocorria no século XVI. Embora não seja possível identificar em que ano isso começou, existem registros de ataques pontuais a respeito. Em geral eles ocorriam no Mar do Caribe, na costa do Brasil e na costa ocidental africana. 

A ideia de que vemos em filmes, livros, séries e jogos, em que piratas e corsários sempre estavam atrás de ouro e prata não é bem exata. Obter esses metais preciosos na maioria das vezes era difícil, logo, esses ladrões do mar roubavam o que conseguiam pela frente, normalmente produtos de origem vegetal como açúcar, tabaco, madeiras e especiarias. Em alguns casos também se obtinha produtos de origem animal como peles, couros, presas, chifres e marfim. 

Mas geralmente quando ia-se atacar o Brasil, os principais produtos obtidos eram o açúcar e o pau-brasil, pelo menos nos séculos XVI e XVII, já que a partir do XVIII passou a ter os carregamentos de ouro. Dessa forma, muitos dos ataques em busca de açúcar eram realizados no Brasil ou interceptando-se navios portugueses. 

a) O ataque de Thomas Cavendish ao Brasil (1591)

O explorador e corsário inglês Thomas Cavendish (1560-1592) atacou diferentes localidades brasileiras como as vilas de Santos e São Vicente, a Ilha Grande (no sul do estado do Rio de Janeiro) e a Vila de Vitória do Espírito Santo. Embora tenha conseguido saquear caixas de açúcar e outros produtos, os ataques em Vitória e Ilha Grande foram difíceis, resultando na morte de vários soldados seus, levando Cavendish a abandonar a expedição de corso, vindo a morrer meses depois. No entanto, sua expedição não foi malsucedida, além de ter representado o primeiro ataque efetivo de corsários ingleses ao Brasil. 

b) O saque do Recife (1595)

No final do século XVI, a Capitania de Pernambuco era um dos maiores produtores de açúcar do Brasil. Sua capital era a Vila de Olinda, possuindo seu porto no Recife. Grande parte do açúcar produzido naquela capitania passava por aquelas vilas, por conta disso, o corsário, capitão e mercador inglês James Lancaster (c. 1544-1618) decidiu atacá-las. 

No caso, é preciso salientar que Lancaster viveu algum tempo em Portugal, atuando como comerciante, logo, ele tinha conhecimento sobre o mercado açucareiro, informação importante, por conta disso, seu alvo foi Recife, pequena vila, mais vulnerável do que se atacar Salvador, então capital da colônia. Mas além de ir atrás do açúcar pernambucano, Lancaster soube que uma nau das índias havia naufragado na costa de Pernambuco, mas seu carregamento contendo tecidos, joias e especiarias, foi resgatado e estava armazenado em Recife, aguardando um navio ir buscá-la. De posse dessa informação ele zarpou imediatamente da África para o Recife.

Chegando ali, a frota de James Lancaster, formada por mais de dez navios de diferentes tipos e tamanhos, permaneceu quase um mês atacando Recife, saqueando seus navios, armazéns e resistindo aos contra-ataques dos portugueses. Alguns piratas franceses que estavam por ali, se uniram aos ingleses para dividir parte do butim. Lancaster deixou Recife após saquear açúcar, pau-brasil, algodão, a carga da nau das índias e outros bens. (FOSTER, 1940). 

c) A expedição de Pieter van der Does (1599)

Um dos grandes atos de corso que ocorreram para que conseguir açúcar aconteceu em 1599, quando a Holanda despachou o almirante Pieter van der Does (1562-1599) no comando de 76 navios e quase 9 mil homens entre soldados e tripulantes com a missão de saquear e se possível, conquistar colônias espanholas. É preciso lembrar que naquela época a Holanda e Espanha eram inimigas devido a Guerra dos Oitenta Anos (1568-1648), além de que os espanhóis governavam Portugal e suas colônias por conta da União Ibérica (1580-1640), por conta dessa guerra, os holandeses decidiram invadir territórios espanhóis inicialmente na África, sendo o grande alvo o arquipélago das Canárias, que foi atacado entre o final de junho e começo de julho. 

Como o exército de Does não conseguiu subjugar a Grã Canária, decidiu-se queimar parte da capital, saquear o que podia e ir embora, deixando um saldo de mais de mil mortos. Zarpando para o sul, Does ordenou que sua armada se dividisse, metade seguiu para às Américas e o restante viajou mais para o sul até o arquipélago de São Tomé e Príncipe, uma colônia portuguesa, mas que estava sob jurisdição espanhola. Embora fosse um arquipélago menor, as perdas sofridas anteriormente, a divisão das forças de ataque e um surto de malária, prejudicou a campanha. O próprio Pieter van der Does faleceu na ocasião, vítima da doença, mas sua armada conseguiu saquear aquelas ilhas. (PLANELLA, 1975)

É preciso assinalar que em ambos os ataques realizados nas Canárias e em São Tomé e Príncipe, carregamentos de açúcar foram obtidos, além de marfim, especiarias e outras mercadorias de valor. Tratava-se de uma expedição de corso, que basicamente era a pirataria legalizada. Entretanto, mesmo tendo se obtido butins ao saquear algumas dessas ilhas, a expedição corsária de Does foi um fiasco, pois perdeu-se muitos homens e alguns navios. Mas é claramente observável que se tratava de um intento de guerra, mesmo que para intuitos breves, como o saque. 

d) O ataque holandês à Bahia em 1599-1600

Por outro lado, a outra metade da armada que zarpou para as Américas, a maior parte seguiu para o Caribe, onde ficavam as colônias espanholas que produziam açúcar, tabaco, rum, mas também passavam navios carregados com prata, ouro e joias, como no caso da Frota da Prata. Entretanto, dessa armada que seguiu às Américas, sete navios liderados pelos capitães Hartman e Boers se dirigiram ao Brasil, então colônia portuguesa e maior produtora de açúcar no Ocidente. Por possuírem poucos homens, os dois capitães sabiam que não tinham condições de fazer guerra como ocorreu nas ilhas africanas, com isso, eles aportaram na baía de Todos os Santos e iniciaram uma série de ataques a engenhos, fazendas e vilas ao redor de Salvador para obter principalmente açúcar. Hartman e Boers chegaram no Natal de 1599 e permaneceram até fevereiro de 1600, tendo incendiado parte de um engenho, causado algumas mortes e saqueado carregamentos de açúcar. (BEHRENS, 2013).

e) O ataque holandês ao Brasil em 1604

Novamente uma pequena frota holandesa, dessa vez liderada pelo comandante e corsário Paulus van Caarden teve como objetivo cometer saques na Bahia, e até mesmo tentar invadir Salvador, entretanto, sua tropa não obteve sucesso após algumas tentativas, optando em se atacar fazendas pela baía de Todos os Santos, quando zarpou para o norte, em que atacou Pernambuco, mas foi rechaçado, tendo perdido dois dos sete navios que levou. Um afundou e outro foi capturado, o qual continha caixas de açúcar. Depois dessa expedição de corso, os holandeses não voltariam atacar o Brasil pelos vinte anos seguintes. (BEHRENS, 2013).

3. A Guerra do Brasil ou Guerra do Açúcar (1624-1654)

De todas as batalhas e conflitos travados entre os séculos XVI e XVIII, por conta do açúcar, o mais impactante e em maior escala foi a chamada Guerra do Brasil, como se referiu Duarte de Albuquerque Coelho, capitão donatário de Pernambuco. Ou Guerra do Açúcar como se referiu o historiador Evaldo Cabral de Mello. Ambos os nomes estão corretos, pois tratou-se de um conflito que envolveu as capitanias norte do Brasil, motivado por conta do controle da produção açucareira, o ouro branco do seu tempo. 

Essa guerra teve duas etapas, a primeira sendo curta, durou de 1624 e 1625, marcada pela guerra na Bahia. Sendo seguida por um interlúdio de quatro anos, pois um ataque de corso ocorreu em 1627 como veremos adiante. Por sua vez, a segunda etapa foi a mais longa, durando 24 anos, período no qual os exércitos da Companhia das Índias Ocidentais (West-Indische Compagine - WIC) se apossaram de Pernambuco (incluindo Alagoas e parte de Sergipe), Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Maranhão. 

Por ser um período histórico longo, perfazendo 30 anos, o qual foi marcado por dezenas de batalhas, decidi apenas comentar alguns aspectos centrais, até porque existem livros que se dedicam a cobrir esses acontecimentos, alguns inclusive dedicam centenas de páginas apenas para uma das batalhas ocorridas. 

Em 9 de maio de 1624 a frota holandesa formada por 26 navios com 1.700 soldados e 1.500 tripulantes, chegou a Salvador. Ela era liderada pelo almirante Jacob Willekens (1571-1633) e pelo comandante Jan van Dorth (1586-1624). Com a capital do Brasil dispunha de poucas defesas, os holandeses em dois dias conseguiram desbaratá-las e invadir a cidade. Grande parte da população nesse meio tempo evacuou a cidade, ficando para trás o governador e sua tropa. Nos dias seguintes Salvador foi pilhada de forma bárbara, a ponto dos comandantes repreender as tropas por conta disso. Mas além da rapina efetuada na capital, as fazendas, engenhos e vilas ao redor também foram saqueados nos meses seguintes. Inclusive navios com destino a Salvador, eram roubados. Os holandeses permaneceram 11 meses ocupando a cidade, mas não conseguiram se dominar outras áreas da baía de Todos os Santos e do Recôncavo. (BEHRENS, 2013).

Mais de duas mil caixas de açúcar pelo menos foram roubadas dos carregamentos que os holandeses conseguiram se apossar, além de pau-brasil, algodão, objetos de ouro, prata, tecidos, especiarias e outros bens de valor que eles saquearam. No entanto, em resposta a esse ataque ousado, o rei Filipe III de Espanha enviou um gigantesco exército liderado pelo almirante D. Fadrique de Toledo y Osório, com 56 navios e 12.463 homens, no que ficou conhecido como a Jornada dos Vassalos, em que muitos nobres se ofereceram para libertar a capital brasileira, embora interessados nas recompensas que poderiam ganhar pelo seu esforço, nem tanto por um gesto de altruísmo. Os holandeses chegaram a lutar para manter sua ocupação, mas a desvantagem era clara, então optaram por se render e poderem ir embora. (BEHRENS, 2013).

Em 1627 o vice-almirante Piet Heyn (1557-1629) que esteve no Brasil em 1625, retornou dessa vez para roubar açúcar e outras mercadorias. Os holandeses estavam desmoralizados pela derrota em Salvador dois anos antes, poupando recursos para uma nova campanha, no caso, Heyn foi incumbido de cometer atos de corso para poder reunir fundos. Segundo o relatório fornecido a WIC, a expedição de Piet Heyn ao Brasil, saqueou 36 navios que rendeu 2.565 caixas de açúcar e outras mercadorias, um valor considerável, mas ainda longe do que a companhia holandesa ambicionava. (BOXER, 1961). 

Finalmente, três anos depois, já tendo obtido os recursos para investir numa nova invasão, isso graças ao saque que Piet Heyn fez a Frota da Prata, em Cuba, no ano de 1628, a WIC enviou um exército maior para se atacar o Brasil, sendo liderado pelo tenente-coronel Hendrick Corneliszoon Lonck (1568-1634), no comando de 67 navios e mais de 3 mil soldados. Os alvos eram múltiplos: Pernambuco, Paraíba, Bahia e Rio de Janeiro. Dessa vez, o ataque iniciou-se pela Capitania de Pernambuco, onde se subjugou facilmente as vilas de Olinda e Recife. A conquista dessas duas vilas marcou o início da longa fase de ocupação da WIC no Brasil, que perdurou por mais de vinte anos. (MELLO, 2007). 

Pernambuco, Nicolas Visscher (c. 1630). Nesse mapa o autor mostrou o cerco à Olinda e Recife ocorrido em 1630.

Por conta desse ser um período longo, como já dito, decidi resumir alguns acontecimentos bélicos aqui, para depois comentar a questão econômica. Sendo assim, vamos a eles:

  • 1630: Conquista de Olinda e Recife;
  • 1632: Conquista da ilha de Itamaracá e sua capitania;
  • 1633: Conquista da Capitania do Rio Grande do Norte;
  • 1634: Conquista da Capitania da Paraíba;
  • 1635: Conquista do Cabo de Santo Agostinho;
  • 1636: Conquista do Arraial do Bom Jesus, submissão de Pernambuco; 
  • 1637: Fracasso ao se tentar invadir a Bahia;
  • 1640: Conquista das Capitanias do Ceará e do Maranhão;
  • 1644: Maranhão foi libertado;
  • 1645: Início da Insurreição Pernambucana para expulsar os holandeses;
  • 1648: Primeira Batalha dos Guararapes;
  • 1649: Segunda Batalha dos Guararapes;
  • 1654: Saída da WIC do Brasil. 

É evidente que uma série de batalhas ocorreram durante esses anos, acontecendo dezenas delas até se efetivar a conquista dessas capitanias. E a motivação para isso foi a produção açucareira. Excetuando-se as capitanias do Ceará e do Maranhão, mais tardiamente conquistadas pela WIC, essas duas não possuíam engenhos, sendo conquistadas por outros fatores econômicos. Todavia, Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande do Norte, eram capitanias do açúcar, principalmente Pernambuco, a qual concentrava mais de cem engenhos. 

Dois relatórios foram produzidos para quantificar os engenhos e sua produção. O primeiro trata-se do Breve discurso sobre o estado das quatro capitanias conquistadas de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande na parte Setentrional do Brasil (1638) e o Relatório de Adriaen van der Dussen (1639). Em ambos os documentos são arrolados mais de 160 engenhos nessas quatro capitanias, embora que nem todos estavam ativos na época, apesar disso, ambos os relatórios fornecem a média de produção computada para aqueles anos, que somadas, representavam toneladas de açúcar a ser produzido. Mas é importante ressalvar que a WIC demorou alguns anos para pode conseguir fazer dinheiro com a produção açucareira. Desde o início da guerra de conquista em 1630, somente a partir de 1637 é que a companhia começou a ter controle da produção de açúcar, antes disso obtinha-se esse produto a partir dos saques.

Sendo assim, foi no governo de Maurício de Nassau (1637-1644) que a WIC passou a controlar a produção açucareira brasileira dessas quatro capitanias, propriamente falando. No entanto, nem tudo que reluz é ouro. Embora a empresa tenha lucrado com o fabrico de açúcar, depois com sua exportação, refino e comercialização, os gastos com a guerra, com a colonização e as dívidas não pagas, foram bastante elevados, fato esse que alguns documentos como A bolsa do Brasil (1647) de caráter anônimo, publicado no Recife, denunciava a existência de corrupção na gestão da companhia na colônia brasileira, fraudes, sonegação de impostos, além de citar vários senhores de engenho, mercadores e funcionários da WIC, que eram devedores notáveis. (MELLO, 2012). 

Mesmo com esse problema econômico existente no final da década de 1640, a WIC, ainda assim, não desistiu da sua colônia no Brasil, fato esse que novas batalhas passaram a ocorrer desde 1645, mas nem por isso a empresa se rendeu ou optou em bater em retirada. Sua saída inclusive se deveu não a derrotas sofridas no campo de batalha, mas a um acordo assinado com Portugal, em que a companhia comprometeu-se em 1654 em deixar o Brasil, em troca de receber uma indenização por isso. Portugal a contragosto aceitou pagar a indenização bilionária, parcelando-a em muitos anos. 

4. A disputa das Antilhas e a produção açucareira (1624-1700)

As Antilhas é um termo genérico para se referir a um conjunto de arquipélagos que hoje compreendem vários países na região caribenha. As ilhas maiores foram chamadas de Grandes Antilhas, sendo formadas por Cuba, Haiti, República Dominicana, Jamaica e Porto Rico. Por sua vez, as Pequenas Antilhas compreendem uma quantidade maior de ilhas como Trinidad e Tobago, Barbados, Barbuda, Antigua, Martinica, Curaçao, Aruba, Granada, São Vicente etc. Além deles ainda existe o arquipélago das Bahamas e outras ilhas que compreendem um terceiro grupo das Antilhas. 

As Antilhas e a América Central. 

De início os espanhóis se apoderaram de quase todas as ilhas das Antilhas, pelo fato de terem sido os primeiros europeus a iniciarem a colonização ali, condição essa que as Grandes Antilhas se mantiveram sob seu domínio por séculos, apesar de terem sido ocupadas por franceses, holandeses e ingleses. Mas como esses três países não conseguiram conquistar permanentemente algumas das ilhas grandes, eles optaram em assegurar as Pequenas Antilhas e as Bahamas. 

Como os espanhóis estavam de início mais interessados no ouro e na prata dos Astecas, Incas e outros povos da América Central e do Sul, a produção açucareira foi uma economia secundária, assim, ela demorou para se espalhar pelas Antilhas, além de que no século XVI, os franceses, holandeses e ingleses ainda não haviam iniciado propriamente suas colônias, mas já estavam de olho naquelas ilhas, assim como, no Brasil e na África. Condição essa que corsários e piratas roubavam carregamentos de açúcar pelo Mar do Caribe. Entretanto a situação mudou no século XVII quando acirrou-se a guerra pelo açúcar. 

A Inglaterra depois da Espanha foi a primeira nação europeia a decidir investir na produção açucareira nas Antilhas, vale ressalvar que os ingleses, franceses e holandeses desde o século anterior já tinham negócios naquela região, mas a produção açucareira era predominantemente produzida pelos espanhóis, os franceses e ingleses até chegaram a montar canaviais, mas foram investimentos momentâneos, no entanto, em 1624 a Inglaterra decidiu mudar isso, o açúcar era uma indústria lucrativa, Portugal e Espanha a dominavam no Atlântico, logo, os ingleses decidiram tentar não depender tanto deles, mas diferente dos holandeses que optaram pelo lado da guerra, os ingleses decidiram apostar de início numa alternativa mais tranquila. Eles iniciaram seus canaviais em Barbados uma das Pequenas Antilhas. Plantações de tabaco também foram cultivadas. Os ingleses depois se espalharam para dominar algumas ilhas vizinhas, as quais estavam fora do controle espanhol, embora algumas delas fossem povoadas. Entretanto, eles não tiveram dificuldades para submeter os habitantes, fosse pela diplomacia ou a violência. (DUNN, 1972). 

Já os franceses haviam nos anos 1620 fundado uma colônia, mas essa fracassou. Anteriormente eles fundaram duas colônias no Brasil, mas essas foram expulsas pelos portugueses. Todavia em 1635 foi estabelecido uma colônia em Martinica com a finalidade de se cultivar açúcar. As ilhas vizinhas de Martinica foram sendo ocupadas pelos franceses e posteriormente eles passaram a disputar com os ingleses o controle de algumas das Pequenas Antilhas. (MARSHALL, 2005). 

Já os holandeses eles começaram a se apossar de algumas das Pequenas Antilhas na mesma época que os franceses, dessa forma, eles conquistaram Curaçau em 1634, expulsando os espanhóis de lá. Depois eles tomaram Aruba e algumas ilhas vizinhas. Vale lembrar que a Holanda estava em guerra com a Espanha desde 1568 por conta da Guerra dos Oitenta Anos. (GOSLINGA, 1972). 

Dessa forma, quando finda-se a década de 1630, período em que o Brasil vivenciava sua segunda invasão holandesa, a região das Antilhas passava a ser disputada pelos espanhóis, ingleses, franceses e holandeses, o conflito entre esses quatro países pioraria nas décadas seguintes. Eles ambicionando conquistar mais ilhas, de preferência com mais terras férteis para se cultivar açúcar, tabaco e outros produtos, passaram a atacar um aos outros ou os espanhóis. 

Os ingleses disputaram o controle da Jamaica por alguns anos contra os espanhóis, finalmente saíram vitoriosos em 1655. Os franceses invadiram Hispaniola, após alguns conflitos um acordo com a Espanha em 1697, cedeu metade da ilha, vindo a se tornar o Haiti, enquanto a outra metade se tornou a República Dominicana.  A Holanda não conseguiu conquistar uma das Grandes Antilhas, mas invadiu o Suriname como será visto adiante. 

Além disso, salienta-se que foi ainda no XVII que uma quinta nação europeia entrou nas disputas pelas Antilhas, no caso, a Dinamarca. O Reino da Dinamarca teve pouca expressividade na colonização das Antilhas, apossando-se de ilhas desabitadas, sendo elas: São Tomás, São João e Santa Cruz, as quais fazem parte do grupo das Pequenas Antilhas. Eles usaram essas ilhas para poderem adentrar no comércio de escravos, açúcar, rum e outras mercadorias que circulavam por ali. Embora tivessem pouca influência se comparada as suas concorrentes como a Espanha, Inglaterra, França e Holanda, os dinamarqueses seguiram de forma simples, mantendo suas três ilhas até o século XX. (DEER, 1949). 

Lembrando que além desses casos citados, várias batalhas ocorreram ao longo do XVII, mas como esse texto é apenas um resumo histórico, não é possível reportar todos os conflitos ocorridos, além de que também ocorreram atos de pirataria e corso. O Caribe era uma região com alta incidência de crimes marítimos por conta disso. Um exemplo desse período foram as ações de Henry Morgan (1635-1688), capitão inglês que atuou como pirata e corsário. Morgan atuou a partir da base inglesa estabelecida na Jamaica, atacando Cuba, Panamá, Venezuela e outras localidades, empreendendo guerra contra os espanhóis. Ele chegou a governar a Jamaica também e até comprou canaviais para si. 

Ilustração espanhola do corsário e pirata Henry Morgan. 

4. A ocupação holandesa de São Tomé e Príncipe (1641-1648)

Enquanto a WIC seguia lutando na Guerra do Brasil, expedições foram enviadas para se atacar a Costa da Guiné, repercutindo em êxito em 1637, por sua vez, Angola, foi subjugada em 1641. Naquele mesmo ano, a companhia obteve sucesso em capturar o pequeno arquipélago de São Tomé e Príncipe. Os três territórios na época pertenciam a Portugal, no caso, os holandeses tinham interesse na Guiné e em Angola por conta do tráfico negreiro, a fim de controlar esse comércio, entretanto, o interesse deles para São Tomé e Príncipe se devia pelo açúcar, aquelas ilhas cultivavam o ouro branco desde o século passado, embora tivessem uma pequena produção, ainda assim, era melhor do que nada. Sem contar que seria mais fácil capturar aquelas ilhas do que o território brasileiro. 

A conquista daquele arquipélago foi liderada pelo almirante Cornelis Corneliszoon Jol (1597-1641), conhecido pela alcunha de Houtebeen (Perna de Pau). Jol foi notório pelos atos de corso, tendo assaltado vários navios portugueses, espanhóis e franceses, atuando pela costa africana e no Mar do Caribe. Jol também participou de algumas batalhas na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), devido a ser veterano de guerra, ele comandou as missões para conquistar Angola e São Tomé e Príncipe, mas acabou falecendo em 1641, por conta de malária. (RATELBAND, 1941). 

São Tomé e Príncipe permaneceria sob controle dos holandeses por alguns anos, produzindo açúcar, algodão, além de ser usada como ponto de parada no tráfico negreiro e nas navegações holandesas pela região. Em 1648 os portugueses conseguiram recuperar o controle do arquipélago e de Angola, mas não retomaram a Costa da Guiné, optando em fazer um acordo para cedê-la a WIC. 

Localização de São Tomé e Príncipe na costa ocidental da África. 

5. O Suriname: a Guiana Holandesa (1667)

O Suriname foi visitado a primeira vez por europeus em 1499, quando espanhóis passaram ao longo da sua costa. No século seguinte os espanhóis empreenderam contato com os povos indígenas ali, além de mapearem algumas regiões do que eles passaram a chamar de Guianas. Em seguida vieram os franceses, holandeses e ingleses, mas todos esses povos europeus apenas estavam de passagem. Em meados do século XVII, a Inglaterra montou uma colônia de exploração no Suriname não tendo muita dificuldade para se apossar daquelas terras. (HOEFTE, 1991). 

Os ingleses já dominavam algumas ilhas ali perto, embora estivessem em disputa com os espanhóis e franceses por conta das melhores ilhas do Caribe. De qualquer forma, no Suriname plantou-se canaviais e construiu-se engenhos, empregando mão de obra principalmente de origem africana, embora que alguns indígenas chegaram a serem escravizados. 

Somente após a retirada da WIC do Brasil em 1654, foi que os Países Baixos passou a cogitar interesse no Suriname, na época, colonizado pelos ingleses. Como os Países Baixos estavam em guerra com a Inglaterra desde 1650, pela disputa de rotas comerciais na Europa e no Caribe, o conflito para se disputar o Suriname foi apenas mais um motivo para ambas as nações se confrontarem. A disputa do Suriname ocorreu em meio a chamada Segundo Guerra Anglo-Holandesa (1665-1667), quando o almirante Abraham Crijnssen atacou a região de Torarica (atual Paramaribo), onde se situava a colônia inglesa. 

O conflito se estendeu por dois anos, então no Tratado de Breda (1667) optou-se em fazer um acordo. Os ingleses já haviam atacado algumas colônias holandesas anteriormente, sendo assim, o acordo sugeriu uma troca. A Holanda ofereceu trocar a Colônia dos Novos Países Baixos na América do Norte pela Colônia do Suriname na América do Sul. Como os ingleses já tinham interesse na colônia holandesa cuja capital era a cidade de Nova Amsterdã (atual Nova York), aceitaram o acordo. (GOSLINGA, 1979). 

Dessa forma o Suriname (ou Guiana Holandesa como era referido em outros países), passou a ser gerida inicialmente pela Companhia das Índias Ocidentais (WIC), depois foi substituída pela Sociedade do Suriname, empresa privada que administrava aquela colônia. Somente no final século XVIII o Estado Holandês assumiu o controle da colônia, mantendo-o até 1975. (HOEFTE, 1991). 

O Suriname se tornou a principal colônia açucareira da Holanda, embora que ali também passou a se cultivar algodão, tabaco e índigo para a tinturaria. No século XIX com o declínio da indústria açucareira, o algodão e o café suplantaram como produtos principais, no entanto, a abolição da escravidão que foi gradativa, mas finalizada em 1863, prejudicou o sistema de plantation que imperava no Suriname e outras colônias nas Américas. (GOSLINGA, 1979). 

6. As ilhas do açúcar (1700-1800)

Já se disse que o século XVIII marcou o declínio da produção açucareira, no entanto, essa é uma afirmação incompleta, pois a pergunta certa é "onde ocorreu esse declínio da produção açucareira?". De fato, colônias como o Brasil e o Suriname observaram uma queda na produção de açúcar; no caso brasileiro o XVIII marcou o ciclo do ouro nas Minas Gerais, já no Suriname essa queda foi mais tardia, estando associada com o café e o algodão, dois produtos que também ganharam espaço no Brasil, mas no século XIX. 

Embora essas duas colônias tenham diminuído sua produção de açúcar, a demanda por esse produto doce não diminuiu, ela continuava aumentando, logo, havia a necessidade de suprir esse mercado crescente. Dessa forma, as Antilhas e a América Central se tornaram no XVIII o novo polo açucareiro no Ocidente. As colônias espanholas, inglesas, francesas e holandesas ali situadas, ganharam uma importância considerável. 

Deerr (1949) aponta que ao longo do XVIII houve um crescimento no número de engenhos tanto nas Antilhas quanto no continente americano nas regiões centrais e sul. No caso das ilhas ele destacou as seguintes localidades, as quais se tornaram as ilhas do açúcar no XVIII, embora que elas já produzissem açúcar desde o XVI em alguns casos. 

  • Colônias espanholas: Cuba, Porto Rico, República Dominicana.
  • Colônias inglesas: Jamaica, Barbados, Antigua, Trinidad, Tobago, etc.
  • Colônias francesas: Martinica, Haiti, San Martin, Guadalupe etc.
  • Colônias holandesas: Curaçau, Aruba, Bonaire, Saba. 

Mas além dessas ilhas do açúcar, Noel Deerr (1949) salientou que não se pode deixar de considerar que a produção açucareira também se expandiu pelo continente, em destaque no XVIII ainda se tinha o Suriname, colônia holandesa, todavia, outras colônias espanholas como México, Nicarágua, Guatemala, Costa Rica e Panamá passaram a ter um aumento de canaviais. Até mesmo em menor escala o Peru, a Colômbia e a Venezuela, como aponta o autor. Os ingleses e franceses também possuíam parte das GuianasMesmo assim, as ilhas eram as principais produtoras do ouro branco naquele século. 

Engenho de açúcar com moinho, em Antigua, colônia inglesa. 

Mas além desses territórios enriquecerem com a produção e comércio de açúcar, eles também produziam rum, aguardente de cana (cachaça como se chama no Brasil), e o tráfico negreiro cresceu consideravelmente também. Richard Dunn (1972) apresentou dados que mostram como o tráfico negreiro feito pela Inglaterra cresceu exponencialmente entre 1650 e 1750, durante o auge da produção açucareira nas Antilhas Inglesas. Claro que a colonização dos Estados Unidos também contribuiu para o aumento do tráfico, mas não estando restritamente ligado por conta dos canaviais. 

Por conta desse crescimento da indústria açucareira nas Antilhas e arredores, isso aumentou também as disputas, conflitos e crimes. Esse momento coincidiu com a Era de Ouro da Pirataria Caribenha (1650-1730), em que os mais famosos piratas do Caribe viveram, embora que não necessariamente eles fossem ladrões de açúcar, já que eles roubavam vários produtos, no entanto, muitos piratas desse período passaram a roubar açúcar e contrabandeá-lo também. Por conta disso, os governos espanhol, inglês e francês iniciaram uma guerra contra a pirataria que durou anos. 

Comparado ao século XVII em que as guerras pelo açúcar foram maiores e mais sangrentas, os conflitos no XVIII foram menores, já que em geral foram pequenas batalhas, em muitos casos apenas um navio contra o outro para defender seu carregamento, ou um ataque a algum porto, fazenda, cidade o fortificação. As guerras do XVIII se deram por outros fatores, o açúcar se tornou motivo secundário. 

Embora a produção açucareira seguiu crescente nos séculos XVIII e XIX, no entanto, as guerras do açúcar seguiram um caminho contrário, pois o açúcar deixou de ser mercadoria valiosa como havia sido, já sendo mais lucrativo no XIX cultivar café, algodão e até outras mercadorias como o tabaco e o cacau. Por mais que tenha aumentado a produção açucareira, esse aumento era decorrente do crescimento do consumo, não da valorização da mercadoria, por conta disso, as nações europeias e suas grandes empresas já não estavam interessadas em travar guerras por causa dessa mercadoria. O lucro não compensava como antes. 

NOTA: Pirata era o fora da lei que cometia crimes diversos como assalto, roubo, contrabando, sequestro, assassinato, sabotagem, falsificação, invasão etc. Por sua vez, o corsário fazia a mesma coisa, a diferença é que ele era autorizado a cometer tais crimes, estando protegido por uma carta de corso. Em termos simples, o corsário era o pirata legalizado. 

Referências bibliográficas:

AMARAL, Luís. História geral da agricultura brasileira no tríplice aspecto: político-social-econômico - vol. 1. 2a ed, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1958.

BEHRENS, Ricardo. Salvador e a invasão holandesa de 1624-1625. Salvador, Editora Pontocom, 2013. 

BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1961. (Coleção Brasiliana, vol. 312).

CIVITELLO, Linda. Cuisine and Culture: a history of food and people. 2a ed. Hoboken, John Wiley & Sons, Inc., 2008.

DEERR, Noel. The History of Sugar, vol. 1. London, Chapman and Hall, 1949. 

DUNN, Richard S. Sugar and Slaves: the rise  of the planter class in the English West Indies, 1624-1673. Chapel Hill/London, University of Carolina Press, 1972.

FOSTER, William. The voyages of Sir James Lancaster to Brazil and East Indies, 1591-1603. S.l, The Hakluty Society, 1940. 

GOSLINGA, Cornelis Ch. A short history of the Netherlands Antilles and Surinam. The Hague, Martinus Nihoff, 1979. 

HEIJER, Henk den. The Dutch West India Company, 1621-1791. In: POSTMA, Johannes; ENTHOVEN, Victor (editors). Riches form Atlantic commerce: Dutch Transatlantic Trade and Shipping, 1585-1817. Leiden/Boston: Brill, 2003. p. 77-114. (Collection The Atlantic World, vol. 1). 31v

HOEFTE, Rosemarijn. Suriname. Oxford, Clio Press, 1991. (World Bibliographical Series, vol. 117). 

MARSHALL, Bill. France and the Americas: Culture, Politics, and History. Santa Barbara, ABC-CLIO, 2005.

MELLO, Evaldo Cabral de. O bagaço da cana. São Paulo, Penguin Books, 2012.

MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda restaurada: guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. 3ª ed. São Paulo, Editora 34, 2007.

LEMPS, Alain Huetz de. As bebidas coloniais e a rápida expansão do açúcar. In: FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo. História da Alimentação. Tradução de Luciano Vieira Machado e Guilherme J. F. Teixeira. 4a ed. São Paulo, Estação Liberdade, 1998. p. 611-624.

PLANELLA, João José. O ataque holandês à Bahia: um episódio na luta pelo domínio Atlântico. Estudos Ibero-Americanos, v. 1, n. 1, 1975, p. 103-138. 

RATELBAND, K. De expeditie van Jol naar Angola en São Thomé. 30 Mei. 1641 - 31 Oct. 1641. New West Indian Guide, v. 24, n. 1, 1941, p. 321-344. 

SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil: 1500-1820. São Paulo, Companhia da Editora Nacional, 1937. (Série 5, vol. 100), (Capítulo V)

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

200 anos da coroação de D. Pedro I do Brasil

Dando continuidade as postagens sobre o Bicentenário da Independência do Brasil (1822-2022), o texto de hoje foi mais breve por conta de abordar a coroação de D. Pedro I, que desde 1820 atuava como príncipe-regente do país. Em janeiro de 1822 após o Dia do Fico (9 de janeiro), Dom Pedro iniciou com seus aliados o processo político para desvincular o Brasil do domínio de Portugal, no que resultaria meses depois na Proclamação de Independência, simbolicamente anunciada em 7 de setembro. Entretanto, desde meados de janeiro daquele ano, Dom Pedro já era tratado por seus apoiadores como um governante de fato, mesmo que formalmente não tenha sido coroado. Porém, a Proclamação da Independência e a coroação foram adiadas por conta das revoltas que ocorreram no Rio de Janeiro e na Bahia, que culminaram na Guerra de Independência (1822-1824), a qual se estendeu para outras províncias. 

D. Pedro I em traje imperial. Jean-Baptiste Debret. 

A aclamação do imperador (12 de outubro)

Embora a guerra pela independência somente terminaria dois anos depois, mas como a independência foi proclamada em setembro de 1822, os apoiadores do novo governo acharam de bom tom que o príncipe-regente fosse coroado, mas antes disso havia uma série de preparativos a serem feitos, além de apaziguar os ânimos entre os ministros e a maçonaria, pois Dom Pedro tinha se tornado recentemente maçom. 

Em 18 de setembro o príncipe-regente deu a ordem para se providenciar os símbolos nacionais: o brasão de armas, o tope nacional, os escudos dos ministérios, a insígnia real, os selos etc. O hino nacional e a bandeira só mais tarde foram feitos. No caso do tope nacional (insígnia em formato de roseta), o monarca ouvindo seu conselho, deliberou que as cores escolhidas seriam o verde, o amarelo e o azul, as cores da sua casa real, as quais foram mantidas e aproveitadas para a bandeira nacional. (SOUSA, 2015). 

Enquanto os símbolos nacionais eram confeccionados, Dom Pedro tratava de assuntos políticos, como anistias, os planos de guerra, organização dos ministérios, desentendimento com o José Bonifácio, as tentativas de D. João VI pedindo que o filho desistisse de prosseguir com a independência, entre outros assuntos. 

Os membros do governo decidiram aclamar Dom Pedro como imperador como forma de legitimar seu governo de transição, assim como, aquilo serviria para incentivar a população brasileira a aderir a guerra que se desenrolava principalmente na Bahia. Dessa forma, a data de aclamação foi escolhida para 12 de outubro, dia do aniversário do futuro imperador, que na ocasião completou 24 anos. 

A cerimônia de aclamação foi realizada na manhã do dia 12 de outubro, no Campo de Santana, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Ali reuniu-se a 1a e 2a tropa de linha, as fortalezas fizeram uma salva de tiros e alguns navios de guerra na baía de Guanabara. Os membros do ministério e Conselho de Estado com suas esposas e alguns familiares estavam presentes. Autoridades políticas, militares e a população compareceram para ver a cerimônia. O Campo de Santana contava com um pavilhão e os brasões de armas, o tope nacional e outras insígnias, já apresentando as cores verde, amarelo e azul. (SOUSA, 2015). 

Aclamação de Dom Pedro I como imperador do Brasil. Na época, feita num palacete no Campo de Santana, no centro do Rio de Janeiro. Pintura de Jean-Baptiste Debret. 

Dom Pedro, sua esposa D. Leopoldina e a princesa Maria da Glória, com então três anos de idade, deixaram o Paço da Quinta da Boa Vista, e seguiram de carruagem até o Campo de Santana por volta das 10h da manhã. A carruagem real era conduzida pela guarda de honra, pelo caminho a população assistia e ovacionava à passagem dos futuros imperador e imperatriz do Brasil. 

“O cortejo chegou ao Campo de Santana. Descendo do carro, D. Pedro foi saudado com vivas repetidas, com estrepitosas manifestações de “amor e respeito” e logo subiu ao palacete, a cuja varanda se dirigiu. Lá estavam os ministros e altos dignitários, lá estava, com seu estandarte, o Senado da Câmara. Foi quando José Clemente Pereira leu um longo discurso, a que D. Pedro assim respondeu: ‘Aceito o título do imperador constitucional e defensor perpétuo do Brasil, porque, tendo ouvido o meu Conselho de Estado e de procuradores-gerais, e examinado as representações das Câmaras das diferentes províncias, estou intimamente convencido que tal a vontade geral de todas as outras, que só por falta de tempo não têm ainda chegado’”. (SOUSA, 2015, p. 424).

“Estrugiram os cento e um tiros da salva imperial, seguidos de três descargas de infantaria. Novos vivas ecoaram. Vivas à Religião, ao Imperador Constitucional do Brasil o Senhor D. Pedro I, à Augusta Imperatriz, à dinastia de Bragança, à Independência, à Assembléia Constituinte, ao povo constitucional do Brasil. Lenços brancos tremularam sacudidos por mãos de homens e mulheres em todas as casas próximas. Estava D. Pedro aclamado imperador em céu aberto, numa consagração popular como jamais se vira antes. E a tropa desfilou, colocando-se em alas desde o palacete até a Capela Imperial. A imperatriz e a princesa D. Maria da Glória retiraram-se de carruagem, mas D. Pedro I preferiu ir a pé, sem temer a chuva que ameaçava cair novamente. Seguiram-no uma guarda de cavalaria de milícias, um destacamento da guarda cívica e oficiais generais, magistrados, empregados públicos, num séquito numeroso e compacto”. (SOUSA, 2015, p. 425).

A cerimônia pública de aclamação encerrou-se após a missa solene na Capela Imperial ali perto do Campo de Santana. Cânticos foram entoados e novas salvas foram feitas, até que o imperador recém-aclamado voltou para seu palácio. As comemorações seguintes foram de ordem política e militar, reservadas a elite governamental e militar. 

Mas passado esse dia marcante em que se comemorou a aclamação de Dom Pedro e seu aniversário, as novas ordens reais começaram a serem baixadas. Agora Dom Pedro assinava os documentos oficiais como imperador do Brasil, não mais príncipe-regente e protetor do Brasil. Ao longo de outubro vários documentos administrativos foram sendo expedidos, por sua vez, novembro foi escolhido para se organizar os preparativos da coroação. 

A coroação do imperador (1 de dezembro)

O mês de novembro foi marcado por problemas políticos, que não vem ao caso aqui relatar, todavia, a coroação foi agendada para 1 de dezembro como uma homenagem a D. João IV, primeiro rei português após o término da União Ibérica (1580-1640). No caso, durante a União Ibérica, os reis espanhóis Filipe II, Filipe III e Filipe IV governaram também Portugal, o Brasil e as demais colônias portuguesas. Todavia, em 1 de dezembro de 1640, D. João IV foi aclamado rei de uma Portugal novamente independente. Sendo assim, os brasileiros optaram pelo mesmo sentido simbólico, como forma de mostrar a independência do Brasil. 

"O cerimonial da solenidade foi organizado por uma comissão composta de José Bonifácio, o barão de Santo Amaro, D. José Caetano da Silva Coutinho, bispo capelão-mor, monsenhor Fidalgo e fr. Antônio de Arrábida". (SOUSA, 2015, p. 448). 

"Às nove e meia da manhã, acompanhado pela Imperatriz, saiu D. Pedro da Quinta da Boa Vista para o paço da cidade, daí partindo em procissão até a Capela Imperial: “à guarda dos archeiros seguia a música de timbales e charamelas; vinham, após, muitas pessoas graduadas, vestidas de corte, e logo o rei de armas, arauto e passonante. Seguiam as insígnias imperiais, a espada, bastão, luvas, manto, cetro e coroa levados por diversos procuradores-gerais das províncias, acompanhados de moços fidalgos". (SOUSA, 2015, p. 448). 

Coroação de D. Pedro I. Pintura de Jean-Baptiste Debret. 

"Na Capela Imperial, a cerimônia desenrolou-se com o aparato litúrgico de tais atos. Depois do juramento sobre o Evangelho, ungido no braço direito, peito e espáduas, e tomando as vestes majestáticas – manto de veludo verde com forro amarelo, semeado de estrelas e bordado a ouro, e a murça de penas de papo de tucano –, ouviu o imperador a missa, até o penúltimo verso do gradual, no trono, de onde desceu para, ajoelhado, receber a espada – Accipe gladium – cingida pelo celebrante com as palavras – Ascingere gladio tuo, etc. Em seguida ergueu-se, “desembainhou a espada, fez com ela vários movimentos e correndo-a sobre o braço esquerdo, como quem a limpa, meteu-a na bainha e tornou a ajoelhar”. (SOUSA, 2015, p. 449). 

"À espada seguiu-se a coroa. Tirando-a do altar, ajudado pelos bispos assistentes, colocou-a o celebrante sobre a cabeça de D. Pedro, ao som de Accipe Coronam Imperii. Faltava o cetro – Accipe virgam virtutis, etc. Recebido este, voltou ao trono com todas as insígnias imperiais para o Te Deum e últimos hinos e orações. Estava coroado o primeiro imperador do Brasil".  (SOUSA, 2015, p. 450). 

Referência bibliográfica: 

SOUSA, Otávio Tarquínio de. História dos Fundadores do Brasil, vol. II: A Vida de D. Pedro I, tomo II. Brasília: Senado Federal, 2015. 3t

Links relacionados: 

200 anos do Dia do Fico (9 de janeiro de 1822)

200 anos da Independência do Brasil

Maria Quitéria e a Guerra de Independência do Brasil

As imperatrizes do Brasil

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

A Torre de Babel

No livro de Gênesis existe uma breve menção a uma alta torre situada na Ásia, a qual consistiu numa afronta a Deus, por conta disso, ele fez que a humanidade se desentendesse, passando a falar línguas distintas. Embora essa narrativa como veremos a seguir, seja diferente do que normalmente pensamos, a ponto de ela ser mais tratada como um mito do que um fato, como alguns cristãos defendem. Vale salientar que apesar de a Bíblia ser um livro sagrado, ela contém alegorias e mitos, os quais possuem um papel de instrução, pois era a forma pela qual os povos antigos faziam isso, já que a História e a Filosofia não eram saberes regulares. Sendo assim, esta postagem procurou tratar de alguns problemas e dúvidas relativos ao mito da Torre de Babel.

A Torre de Babel por Athanasius Kircher, 1619. 

O relato bíblico (Gênesis 11, 1-9)

Tradução presente na Bíblia de Jerusalém em língua portuguesa: 

1. Todo o mundo se servia de uma mesma língua e das mesmas palavras. 

2. Como os homens que emigrassem para o Oriente, encontraram um vale na terra de Sennar, e aí se estabeleceram;

3. Disseram um ao outro "Vinde! Façamos tijolos e cozamo-los ao fogo!" O tijolo lhes serviu de pedra e o betume de argamassa.

4. Disseram: "Vinde! construamos uma cidade e uma torre cujo ápice penetre os céus! Façamo-nos um nome e não sejamos dispersos sobre toda a terra".

5. Ora, Iahweh desceu para ver a cidade e a torre que os homens tinham construído.

6. E Iahweh disse: "Eis que todos constituem um só povo e falam uma só língua. Isso é o começo de suas iniciativas! Agora, nenhum desígnio será irrealizável para eles. 

7. Vinde! Desçamos! Confundamos a sua linguagem para que não mais se entendam uns aos outros.

8. Iahweh os dispersou daí por toda a face da terra, e eles cessaram de construir a cidade.

9. Deu-se-lhe por isso o nome de Babel, pois foi aí que Iahweh confundiu a linguagem de todos os habitantes da terra e foi aí que ele os dispersou sobre toda a face da terra. 

Descrevendo a Torre em Babel

O mito da torre foi sendo nos séculos seguintes sendo ampliado e até recebendo acréscimos. Como visto na citação acima, a narrativa é bem curta. Apenas fala que um grupo de pessoas se mudou para o vale de Sennar ou Sinear, uma região incerta situada no sul da Mesopotâmia. Ali, essas pessoas construíram uma cidade e a torre, somente no final da narrativa é dito que a cidade ficou conhecida como Babel, mais tarde é informado se tratar da cidade da Babilônia

Não obstante, Deus ficou maravilhado com a façanha daqueles habitantes, e disse que aquilo era a prova que a humanidade poderia realizar grandes feitos. No entanto, diferente do que é dito, o mito não deixa explícito a indignação ou preocupação de Deus, ele somente decidiu confundir aqueles construtores, fazendo-os falar línguas distintas para que assim parassem de construir e se espalhassem pelo mundo. 

Entretanto, o relato não fala que a torre foi destruída como as vezes costumamos ler a respeito. No entanto, a narrativa informa que a torre parou de ser construída, pois sua população foi embora - pelo menos parte dela. Depois disso não temos mais informações sobre a torre: qual seria sua altura? Quando ela foi construída? quanto tempo duraram as obras? Ela foi destruída como? Quem mandou construir ela? Essas perguntas foram até respondidas em outras fontes, mas não na Bíblia. Sobre isso, vejamos o que alguns autores escreveram acerca desse mito. 

Livro dos Jubileus, obra com 50 capítulos, os quais trazem uma versão alternativa de Gênesis, tendo sido escrito por volta de 100 a.C, apresenta mais informações sobre a torre. No capítulo 10, entre os versículos 18 a 28 é informado que a cidade e a torre foram construídas por ordem do rei Reu, filho de Pelege e Lomna, sendo ele neto de Sinnar. Durante seu governo, ao longo de 43 anos, a torre foi construída como forma de que os homens pudessem alcançar o céu. O Livro dos Jubileus fornece o tamanho dessa estrutura, a qual mediria 5.433 côvados e 2 palmos de altura, sua largura seria de 203 tijolos e 13 estádios. Tais valores conotam uma estrutura gigantesca com mais de 2,4 mil metros de altitude e centenas de metros de largura. 

Após fornecer essas informações o relato seguinte é similar ao encontrado em Gênesis, em que Deus desceu do Céu para fazer os homens falarem línguas diferentes e não se entenderem. Por conta dessa confusão de idiomas a região foi chamada de Babel (que nesse caso seria sinônimo de balbúrdia). Em seguida é dito que Deus indignado com a torre enviou um poderoso vendaval que derrubou a torre, a qual ficava localizada entre Assur e a Babilônia. Aqui temos um dado curioso, pois Babel não seria a cidade, mas a região (uma referência ao império babilônico provavelmente). 

A torre de Babel em xilogravura de Gustave Doré, 1868. 

O historiador judeu Flávio Josefo (c. 37-100) em seu livro Antiguidades Hebraicas - também traduzido como História dos Hebreus -, no capítulo 4 escreveu sobre a Torre de Babel. Em sua explanação a torre foi construída pelo rei Ninrode, bisneto de Noé. Em seu governo foi ordenado a construção da tal torre como forma enaltecer a afronta de Ninrode e seu povo perante a Deus. Nesse relato, Josefo deixou claramente escrito que a torre realmente foi erigida para provocar Deus, por conta disso ele causou a confusão das línguas como uma punição, fazendo assim as pessoas se espalharem. No entanto, o relato de Flávio Josefo não informa o tamanho da torre e nem quanto tempo ela demorou para ser construída. Ele também não diz como ela foi destruída, mas que ela ficava situada na Babilônia. 

Outra obra que traz informações sobre a torre está presente no Apocalipse Grego de Baruque, um dos vários apocalipses apócrifos. Embora canonicamente as igrejas cristãs aceitem apenas o Apocalipse de João de Patmos, o qual consta como o último livro da Bíblia, entretanto, no Cristianismo Primitivo mais de setenta apocalipses foram escritos, alguns até foram reconhecidos pela Igreja Católica e a Igreja Copta na época. 

O Apocalipse Grego de Baruque teria sido escrito entre os séculos I e III, sendo atribuído sua autoria a uma profecia tida por Baruque ben Néria, o qual atuou como secretário do profeta Jeremias, durante o século VI a.C, na época do Cativeiro da Babilônia. Baruque teria escrito vários livros, um deles se tornou cânon para os católicos e ortodoxos, mas os demais foram tidos como apócrifos, incluindo as duas versões de seu apocalipse (as quais foram escritas em grego e sírio). Recorri a versão grega por essa fornecer mais detalhes sobre a Torre de Babel.

No relato desse apocalipse é dito que Baruque recebeu um anjo e esse revelou para ele visões sobre os Quatro Céus e outras localidades. Na descrição do Segundo Céu, Baruque ver um grupo de homens e mulheres com cabeças de cães e patas de cervo, espantado com aquilo, ele perguntou ao anjo o que tais pessoas fizeram. O anjo respondeu que aquelas pessoas cometeram o pecado de construir a torre, com 436 côvados de altura, tão alta, que aquelas pessoas chegaram até o Primeiro Céu e tentaram "perfurar" ele. Mas Deus vendo aquilo se enfureceu e fez aquelas pessoas falarem línguas diferentes e as expulsou dali. 

Observa-se que o relato de Baruque é bem curto e pouco informa sobre a torre, nem se quer indica que ela ficasse em Babel, mas fornece sua altura, que em valores atuais seria algo em torno dos 200 metros de altura, um valor até mais realista do que o tamanho da torre descrito no Livro de Jubileus. Vale considerar que a estrutura humana mais alta que existia naquele tempo era a Grande Pirâmide do Egito, com seus 150 metros de altura. Não obstante, o apocalipse de Baruque informa que realmente as pessoas conseguiram chegar ao Céu e usaram uma verruma (tipo de perfuradora) para tentar abrir uma passagem para esse. Aqui temos a descrição de uma ação na qual Deus pega aqueles construtores no flagrante. Todavia, o relato não informa como a torre foi destruída, ou quando ela foi erguida. 

A Torre de Babel por Lucas Van Valckenborch, 1594. 

Na Idade Média alguns relatos sobre a altura da Torre de Babel foram escritos, apresentando-se demasiadamente exagerados, pois seus valores descreviam a torre se parecendo mais como uma montanha, do que uma torre propriamente falando. No entanto, os exemplos aqui expostos são suficientes para mostrar como esse mito foi ganhando contornos e ajudando a criar uma concepção popular sobre ele. Por conta disso, não é incomum ouvir pessoas misturarem informações desses relatos e de outros para falar quem construiu a torre, quando isso aconteceu e como ela foi destruída, lembrando que tais informações não constam no relato canônico. 

Fontes para o mito da Torre de Babel

Mas se uma gigantesca torre nunca existiu, de onde poderia ter surgido essa narrativa? Atualmente os historiadores trabalham a hipótese principal de que o zigurate de Marduk, que havia na Babilônia, teria inspirado esse mito. É preciso salientar que elementos das mitologias mesopotâmicas influenciaram mitos bíblicos, então não seria improvável que ambas as hipóteses realmente tenham um grau de veracidade. Sendo assim, começarei pela questão arqueológica. 

Zigurates eram templos piramidais escalonados (ou seja, erguidos com andares, não em forma de uma pirâmide perfeita), os quais já existiam antes de 3000 a.C, tendo sido estruturas criadas pelos sumérios, um dos povos mais desenvolvidos daquele tempo. Os zigurates eram feitos de tijolos, assim como, a torre de Babel, nota-se aqui uma grande semelhança, já que em todos os relatos esse material sempre e o mesmo, pois, em momento algum é dito que pedras foram usadas para a construção da torre. 

Os zigurates além da função religiosa como templo, também exerciam uma função político-administrativa, pois representavam a autoridade monárquica e do clero, em que na sociedade sumeriana, mas também acadiana e babilônica, os sacerdotes eram também funcionários públicos. A prática de erguer zigurates perdurou ao longo de mais de dois mil anos, havendo zigurates de distintos tamanhos, mas eles não eram tão altos como normalmente se pensa, a maioria ficava entre 30 e 50 metros de altura. Entretanto, o zigurate de Marduk, construído na Babilônia foi um dos mais altos. Sua altura foi estimada em 91 metros conforme antigas análises de documentos encontrados a respeito; mas hoje acredita-se que ele possa ter tido entre 50 e 60 metros de altura. 

Representação de como teria sido o zigurate Etemenanqui da Babilônia.

Chamado de Etemenanqui (templo da fundação do Céu e da Terra), ele foi dedicado a Marduk, o deus padroeiro da Babilônia, importante divindade da religião e mitologia dos babilônios, embora fosse anteriormente cultuado pelos acadianos. Não se sabe em que época esse zigurate foi construído, havendo várias sugestões que remonta do século XIV a.C até o século IX a.C. Todavia, a estrutura sofreu com os ataques feitos a cidade, fato esse, que os historiadores e arqueólogos apontam a possibilidade de o zigurate possa ter sido parcialmente destruído no século VII a.C, durante a invasão assíria da Babilônia, em que o rei Senaqueribe relatou o sucesso de sua campanha, ao dizer que o zigurate dos babilônios foi destruído por sua ordem. 

Entretanto, o templo provavelmente foi reconstruído nos séculos seguintes, pois os reis Nabopolasar (r. 626-605 a.C) e seu filho Nabucodonosor II (r. 604-562 a.C) empreenderam grandes reformas na cidade, reconstruindo muita coisa destruída desde a invasão dos assírios, além de promover novas obras. Inclusive os gregos creditavam a Nabucodonosor II a criação dos famosos Jardins Suspensos da Babilônia. De qualquer forma, o zigurate deve ter sido reconstruído, embora não se saiba que tamanho ele passou a ter. 

Além disso, durante o Cativeiro da Babilônia (586-539 a.C), o zigurate existia, fato esse que o historiador grego Heródoto de Halicarnasso relatou no século V a.C, que essa torre teria oito andares e seria quadrangular, sendo a mais alta estrutura da cidade. Embora Heródoto nunca tenha viajado à Babilônia, mas ele chegou a viajar à Ásia Menor e o Egito, tendo obtido informações sobre essa localidade. 

Sendo assim, o zigurate Etemenanqui, ainda hoje, é um forte candidato para ter inspirado o mito da Torre de Babel pelos seguintes motivos: ele era uma torre feita de tijolos, era a mais alta construção daquela cidade; a Babilônia era uma cidade cosmopolita, e uma das maiores cidades do mundo, na época, na qual se falava muitas línguas; o zigurate era um templo dedicado a Marduk, divindade vista como um falso deus pelos hebreus; além de que os hebreus desenvolveram toda uma antipatia com os babilônios devido a invasão de seu país e a época do cativeiro; fato esse, que a Babilônia é uma cidade malvista na Bíblia, em várias passagens. 

NOTA: No Corão a Torre de Babel não é citada. Embora a cidade de Babel (Babilônia) seja mencionada algumas vezes. 

NOTA 2: O mito de Enmerkar e o Senhor de Aratta fala da construção de um zigurate e da punição do deus Enki, fazendo a humanidade falar línguas distintas. Apesar dessas semelhanças com a narrativa bíblica, esse mito é bem diferente, pois Enmerkar construiria a torre como uma oferenda a deusa Ishtar. Mas a punição de Enki se deveu a outros motivos. 

Fontes:

BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002. 

LIVRO dos Jubileus. Tradução de L. F. S. Prado. 2012. Disponível em: https://www.autoresespiritasclassicos.com/Evangelhos%20Apocrifos/Apocrifos/1/O%20Livro%20dos%20Jubileus%20(Texto%20Et%C3%ADope%20-%20Completo).pdf

NATALIO, Férnandez Marcos. Apocalipsis griego de Baruc. Introducción, traducción y notas. Sefarad: revista de estudios hebraicos, sefardíes y de Oriente Próximo, a. 50, n. 1, 1986, p. 191-209. 

Referências bibliográficas: 

FARIA, Jacir de Freitas. Gn, 11-9: contramito Torre de Babel ao mito de fundação da Babilônia. Estudos Bíblicos, vol. 30, n. 120, 2013, p. 359-370. 

RYKEN, Leland; WILHOIT, James C; LONGMAN III, Tremper (eds.). Tower of Babel. In: Dictionary of Biblical Imagery. Leicester, InterVarsity Press, 1998, p. 261-265.