Simbad, o Marujo é um dos personagens mais famosos das Mil e uma Noites, coletânea de contos de origem islâmica, oriundo de distintos países. Originalmente o personagem não fazia parte desse livro, tendo sido um acréscimo editorial feito pelo tradutor Antoine Galland, o qual traduziu As Mil e Uma Noites para o francês, a qual serviu de base para outras traduções. Como Galland achou bastante interessante as histórias sobre esse marinheiro de Bagdá, que teria vivido no século IX, o qual era um misto de aventureiro afortunado e desafortunado, pois Simbad da mesma forma que tinha sorte para escapar de problemas e conseguir fortuna, ele também tinha o azar de estar no lugar e na hora errados. Galland conseguiu encontrar sete narrativas sobre o personagem, e as inseriu na sua tradução. O presente texto apresenta uma breve análise dessas sete viagens, comentando aspectos históricos, culturais e geográficos a respeito, pois as viagens de Simbad eram inspiradas nas navegações árabes pelo Oceano Índico refletindo os estereótipos e lendas do período medieval e moderno.
As Sete Viagens e as aventuras de Simbad, o Marujo. George Cruikshank, c. 1821. |
A história de Simbad é narrada por ele mesmo. A trama começa em algum momento do século IX, na cidade de Bagdá, em que um pobre carregador ouve música alta e gargalhadas advindos de um palacete, que dizem pertencer a um rico comerciante. O carregador se senta diante do muro e reclama das injustiças do mundo, desabafando porque alguns eram tão pobres e outros eram tão ricos. Um dos guardas ouve aquilo e avisa ao dono da casa que havia um homem a reclamar de sua riqueza e alegria. O rico mercador que é Simbad, já idoso, pede para falar com o carregador, esse entra na residência e diz se chamar Simbad também. Ambos ficam surpresos por terem o mesmo nome. Então o velho marujo decide contar como ficou rico, assim, ele inicia a cada noite, ao longo de sete noites, as narrativas sobre suas viagens e concede 100 moedas de ouro ao Simbad carregador por cada história ouvida.
Primeira Viagem
Simbad explica que recebeu herança de seu pai (sua família não é mencionada na história original), porém, por ele ser jovem e imaturo gastou grande parte do dinheiro de forma irresponsável e quase entrou em falência. Então pegou o restante, comprou mercadorias e embarcou num navio mercante em Baçorá rumo às Índias. Dando início a sua jornada de aventuras e desventuras.
Nessa primeira viagem o navio após navegar algum tempo indefinido passando por vários portos, tendo negociado em todos eles, decide aportar numa ilha com algumas árvores, em meio ao oceano, para os homens poderem descansar em terra firme. Enquanto eles se reuniam para acender a fogueira o chão começou a afundar. Não era uma ilha, mas uma gigantesca baleia. Durante a condição da baleia submergir, Simbad teve o azar de ser pego pelas ondas e levado para distante do navio, conseguindo se salvar por ter se agarrado a um pedaço de madeira. Então ele ficou à deriva, já que a embarcação simplesmente foi embora, acreditando que Simbad havia se afogado junto aos outros desafortunados.
Simbad e a baleia que parecia ser uma ilha. Peter G. Thomson, 1885. |
Porém, Simbad foi transportado pelas correntes até uma ilha, ali ele escalou a falésia e pode comer algumas frutas e beber água de um rio. Enquanto percorria aquele lugar, ele avistou uma égua numa campina, presa a um poste, ao chegar próximo ao animal ele se espantou quando homens escondidos lhe chamaram a atenção. Eles estavam escondidos em buracos no chão. Os homens explicaram que eram os cavalariços do rei e aquela égua aguardava ser engravidada pelo cavalo do mar, que todo o ano ia até aquele lugar para engravidar as éguas do rei, gerando potros de uma estirpe rara. Porém, as vezes esses cavalos marinhos se tornavam violentos e atacavam as éguas, então os cavalariços ficavam escondidos para afugentá-los.
Simbad acompanha a peculiar prática e depois segue com os servos até a capital, onde conhece o rei Mihraj que governava aquela ilha. O nome do local não é citado em momento algum, mas Simbad diz que seus portos eram bastantes movimentados, inclusive ele reconhece navios de algumas nacionalidades. Ele mesmo reencontra a tripulação do navio que havia embarcado em Baçorá, pelo qual o leva de volta para casa. Mas antes de partir, Simbad presenteia o monarca e aproveita para comprar especiarias como noz-moscada, pimentas, canela, cravo-da-índia, mostarda etc. Apresentado esse resumo, passemos para uma breve análise.
O primeiro aspecto a ser comentado diz respeito a grande baleia (ou peixe) que foi confundido com uma ilha. A ideia de que poderiam existir animais desse tipo remonta desde a Antiguidade. E no medievo ela era relativamente conhecida. Condição essa que na Europa temos a lenda do aspidochelone um gigantesco peixe que era confundido com pequenas ilhas. Essa criatura lendária aparece em ilustrações dos séculos XII ao XVI. Logo, nota-se que no contexto que essa narrativa do Simbad foi escrita, o autor ou autores se basearam nessa lenda comumente difundida no período.
Manuscrito de 1270 representando um navio que encalhou num aspidochelone. |
Outro aspecto a ser citado diz respeito ao cavalo do mar. A menção a tais cavalos também é antiga, os gregos já falavam neles chamando-os de hipocampos. Esse animal aparecia em mitos gregos, romanos e fenícios como sendo uma espécie de cavalo marinho. Inclusive alguns mitos falam que esses cavalos do mar puxariam a carroça de Poseidon e outros deuses marinhos. Outros relatos falam desses cavalos indo para a terra, cruzar com as éguas e gerando uma rara e prodigiosa raça de cavalos. Inclusive alguns reis cobiçavam ter esses animais. Logo, nota-se que na primeira viagem de Simbad, encontramos essa mesma característica.
Mosaico romano mostrando um hipocampo, um cavalo do mar. |
Um terceiro aspecto a comentar dessa primeira viagem diz respeito as especiarias. Essa primeira ilha que Simbad visitou, ela não tem nome revelado, porém, ele diz que navegava para o Oriente, cujo mar se estendia da Abissínia (Etiópia) até as ilhas de al-Wakawak. Esse trata-se de um arquipélago fictício situado em algum lugar ao leste da Índia ou da China, podendo representar a Indonésia ou as Filipinas. Porém, pela menção da obra falar que Simbad comprou várias especiarias como mostarda, canela, cravo, pimenta etc., a meu ver o mais sensato é colocar que al-Wakwak seria uma referência ao arquipélago indonésio, conhecido por algumas de suas ilhas serem grandes produtores de especiarias, fato esse que os europeus séculos depois chamavam algumas daquelas ilhas de "ilhas das especiarias".
Outra evidência que aponta que al-Wakwak poderia remeter a Indonésia encontra-se no próprio relato, quando Simbad diz que ao visitar o porto da capital daquele país, ele viu navios de várias nações e reconheceu vários navios árabes. De fato, sabe-se que os árabes já faziam negócios na Indonésia, mas raramente iam a China e as Filipinas, já que as especiarias que buscavam não se achavam por ali.
É preciso também explanar quanto ao rei Mihraj. No caso, a palavra raj era usada pelos indianos em algumas épocas para se referir a um governante, província ou reino. Sendo assim, a tal ilha do rei Mihraj parece ter sido inspirada em alguma localidade da Índia.
Segunda Viagem
Em sua segunda jornada Simbad parte novamente para fazer comércio. Após alguns dias de viagem, o navio em que ele estava ancorou diante de uma ilha cheia de árvores frutíferas, ali a tripulação desembarcou para descansar e coletar comida e água. Simbad diz que o local era muito agradável e depois de um passeio, sentou-se para beber vinho (embora ele fosse muçulmano, nem sempre bebidas alcoólicas eram proibidas em todas as épocas) e comer algumas frutas, então acabou adormecendo. Quando ele despertou o navio havia ido embora e esqueceram de levá-lo.
Enquanto ele explorava aquela ilha se deparou com uma grande rocha branca, redonda e brilhante, bastante incomum. Então ele nota que a cratera onde estava na verdade era um ninho de roca, uma gigantesca ave. Simbad ver a grande ave voltando ao ninho, então usa seu turbante para se amarrar nas garras do animal e deixa a ilha. A roca voa sobre o mar e vai até outra ilha, onde há um vale profundo cheio de diamantes, mas habitado por grandes serpentes. O animal alado ia ali para caçar as cobras.
Simbad passa algum tempo naquele Vale dos Diamantes, tendo que se esconder das serpentes, até que descobre uma forma de sair dali. Os moradores do local jogavam grandes nacos de carne no vale, fazendo os diamantes grudar nesses, então quando as rocas desciam para caçar as obras, elas acabavam pegando esses pedaços de carne em suas garras. Simbad então coleta o máximo de diamantes que consegue e novamente se amarrar a uma das garras da roca, sendo levado para outro ninho, onde é resgatado por comerciantes que iam buscar os diamantes que eram levados para ali. Depois disso o marujo fala que seguiu com aqueles mercadores até uma outra ilha onde coletava-se a cânfora e viviam elefantes e rinocerontes, os quais eram capturados pelas rocas.
A roca é uma ave lendária de dimensões gigantescas. Normalmente é descrita como um tipo de ave de rapina, parecida com uma águia, falcão ou abutre. Ela era tão grande que fazia a terra escurecer sob sua passagem. Além disso, as rocas conseguiram capturar elefantes em suas garras. Essas aves gigantes aparecem em diferentes narrativas árabes e persas, sendo uma criatura comum das lendas daquele povo.
Uma roca carregando um elefante. Edward Julius Detmold, 1924. |
Terceira Viagem
Após navegarem por alguns dias o navio é forçado a ancorar numa ilha por conta da ameaça de uma tempestade. O capitão alerta a tripulação para não saírem da embarcação, pois aquela ilha era habitada por pequenos homens peludos e selvagens. Os quais eram conhecidos por sua barbárie. Mesmo que os árabes tentassem lutar, os homens peludos eram mais numerosos e facilmente os venceriam. E, de fato, isso aconteceu. O navio foi capturado e os árabes foram abandonados em outra ilha. Ali eles a percorreram e avistaram um grande palácio com uma alta porta feita de ébano, ao entrarem no recinto viram na primeira sala uma pilha de ossos humanos e várias varas que lembravam espetos de carne. A tripulação ficou apavorada ao ver aquilo.
Em seguida uma porta abriu-se e um terrível gigante negro passou por ela. O monstro tinha um único olho vermelho, orelhas grandes como a dos elefantes, suas unhas eram como garras de aves de rapina, sua boca era como de um cavalo ou camelo, possuindo dentes afiados e seu lábio inferior era comprido e pendente. Diante de abominável criatura Simbad diz que ele e seus companheiros tiveram tanto medo que acabaram desmaiando de pavor.
O ciclope negro que ataca Simbad e seus companheiros. Henry Justice Ford, 1898. |
Ao despertarem o gigante começou a averiguar cada um dos homens, Simbad foi o primeiro, mas por ser magro, foi descartado, então o gigante pegou o capitão que era um com mais carne e o matou, espetando-o com uma lança. Em seguida o levou para assar diante de uma grande fogueira. Depois de jantar o gigante foi dormir. Simbad e os demais tentaram encontrar uma forma de escapar daquele palácio, mas todas as portas e janelas estavam trancadas e ali somente vivia o gigante devorador de homens.
Alguns dias se passaram e os tripulantes eram sendo mortos a cada noite, até que Simbad e mais nove homens se reuniram e pegaram os espetos de carne e durante o sono do gigante, lhe perfuraram o olho. Depois disso eles se esconderam e esperaram a criatura abrir a porta, para que pudessem escapar. Eles então aproveitaram o restante da noite e do dia para construir jangadas e enquanto se preparavam para fugir, ouviram outros gigantes negros indo na direção deles. Para fins de análise não será preciso prosseguir com o restante da narrativa, mostrando a fuga e resgate de Simbad, então passemos para comentar dois aspectos importantes.
O primeiro diz respeito aos homens peludos. Alguns literatos sugeriram que seriam referências aos pigmeus, povos de baixa estatura, sendo até chamados de anões negros. No entanto, os pigmeus não viviam na costa leste africana o que dificultaria o contato deles com os árabes, porém, como alguns viajantes e mercadores adentraram o continente, eventualmente podem ter ouvido histórias sobre esses povos.
Por outro lado, na Ásia também existe lendas sobre "homens-macacos" que supostamente viveriam na Índia, China, Rússia, Mongólia, Indonésia etc. Os mongóis falam sobre os Almas, termo usado para homens-selvagens e peludos, na Indonésia temos os Orang Pendek, os pequenos homens peludos. Sendo assim, haja possibilidade de que os homens peludos que Simbad encontrou possa ser uma inspiração nos pigmeus ou uma combinação dos pigmeus com essas lendas sobre "homens-macacos".
Ilustração de um Orang Pendek, uma criatura tida como um pigmeu peludo. |
No entanto, o ciclope da história de Simbad apresenta características físicas peculiares. O fato desse monstro ter orelhas de elefante, focinho de cavalo (ou camelo) e lábios grandes lembra o estereótipo ofensivo ao dizer que pessoas negras teriam "orelhas de abano", "cara de cavalo", "nariz achatado", "beiço pendentes" etc. Isso se deve a condição de que para os árabes da época alguns povos africanos eram considerados feios, e por motivo desconhecido, os autores dessas lendas decidiram retratar os ciclopes com essa fisionomia. Entretanto, vale ressalvar que a ilha dos ciclopes em que Simbad aportou não ficaria na África, já que sua localização é indeterminada. Mas alguns estudiosos por conta da aparência do gigante, a associam às ilhas africanas da costa oriental, que podem ter servido de inspiração.
Quarta Viagem
Simbad narra que nessa quarta viagem ele se dirigiu para o Oriente e durante uma tempestade, o navio dele chocou-se com rochedos, vindo a naufragar. Toda a carga foi perdida, mas ele e a tripulação conseguiram nadar até uma ilha próxima. Ali conseguiram água, comida e abrigo e descobriram que a ilha era povoada por homens negros que andavam nus. Esses ofereceram arroz frito em óleo de coco e outros alimentos, mas eles também ofereceram uma "erva" alucinógena, a qual Simbad foi o único a não consumir, mantendo-se em alerta. Porém, todos seus companheiros comeram da tal "erva" e ficaram alucinados, em seguida foram assassinados e canibalizados pelos selvagens.
O navio de Simbad rumo a colidir com rochedos durante a Quarta Viagem. Ivan Bilibin, 1932. |
Entre aquele povo a tradição era colocar os corpos em caixões numa caverna no chão, e o cônjuge vivo era descido por uma corda e lhe era dado um odre de água e sete pães, para postergar sua vida. Simbad alarmado tentou fugir daquela condenação, mas foi levado até a tumba. Para não morrer ele começou a matar as viúvas e viúvos, lhe roubando a água e os pães, além de saquear os mortos para pegar suas joias e bens de valor. Depois disso ele encontrou uma saída daquela caverna e fugiu. Essa é a história mais sombria do marujo árabe, por conta de suas ações para poder sobreviver na tumba.
Simbad consegue encontrar uma saída da tumba em sua Quarta Viagem. John D. Batten, 1915. |
A análise aqui será feita duas partes, já que Simbad visita duas ilhas. Na primeira ele diz que encontrou um povo de selvagens canibais que enganavam suas vítimas com uma "erva" alucinógena. A fonte não menciona que planta seria essa, mas é possível que poderia ser a papoula, da qual se faz o ópio, droga consumida na Ásia desde a Antiguidade e bem conhecida. Além disso, essa ilha dos canibais não ficaria na África, apesar de eles serem descritos como pessoas negras, pois o relato é categórico ao falar que se viajou para o Oriente.
Provavelmente seja uma referência aos povos da Indonésia, os quais alguns têm a pele escura, além de haver informações incertas de que algumas tribos ali praticavam o canibalismo. Simbad relata que na ilha dos canibais havia plantações de pimenta e coqueiros, outro dado que sugere ser o arquipélago indonésio, onde se cultivava tal especiaria e muitos coqueiros existiam.
Além disso, essa parte dos marinheiros serem alucinados ao consumirem uma erva, lembra também a Odisseia, em que durante a jornada de Odisseu, ele e seus companheiros pararam na terra dos Lotófagos, cujo povo consumia uma planta chamada "lotos" que era narcótica. Mas Odisseu recusou-se a usar aquela erva para não perder a razão.
Quanto ao costume de levar um dos cônjuges para o túmulo, essa prática pode ter sido inspirada num costume fúnebre existente na Índia chamada Tradição Sati, em que algumas comunidades quando o marido morria, a viúva era cremada junto a ele. Além disso, sabe-se que no passado alguns povos mesopotâmicos, persas e de outras origens também tinham o hábito de sepultar os escravos junto aos seus donos, matando-os para que os servissem na outra vida. É possível que esse antigo costume também possa ter inspirado o relato de Simbad.
Quinta Viagem
Em sua quinta viagem Simbad disse que ele e os demais aportaram numa ilha e encontraram um grande ovo, ele logo reconheceu como sendo o ovo de uma roca e pediu que todos saíssem dali, mas os marinheiros e mercadores ignoraram o aviso e quebraram o ovo para comê-lo, nesse instante rocas apareceram e começaram a pegar grandes rochas nos penhascos e atirá-las contra eles. Todos correram de volta ao navio, mas a embarcação acabou sendo atingida e veio a naufragar. Simbad foi arrastado pela correnteza, indo parar e outra ilha próxima.
Marinheiros quebram um ovo de roca durante a Quinta Viagem de Simbad. Gustave Doré, 1865. |
Simbad atacado pelo Velho do Mar. Arthur Rackham, 1933. |
Sexta Viagem
Nessa jornada Simbad narrou que após alguns dias de viagem, o capitão do navio e o piloto estavam perdidos, e enquanto tentavam encontrar o rumo uma forte corrente levou o navio a colidir com rochedos diante de uma falésia, onde se encontrava destroços de outras embarcações naufragadas e restos de mercadorias. Os sobreviventes passaram algum tempo ali aguardando por socorro, mas nenhum navio apareceu e um a um eles foram morrendo, restando apenas Simbad. Ele comenta que chegou a cavar seu túmulo, mas decidiu arriscar em encontrar uma saída daquela praia, então achou uma caverna com um rio que seguia ao interior da ilha. Simbad pegou os destroços dos navios e montou uma jangada e pelo rio subterrâneo seguiu. À medida que navegava por ele, avistou diamantes e pérolas.
Simbad navega pelo rio subterrâneo. Milo Winter, 1913. |
A presente sexta viagem é curta, aqui as principais informações que temos dizem respeito a Serendib, um nome árabe para o Ceilão (atual Sri Lanka). Embora o relato se refira a esse país, ele acaba combinando também elementos descritivos da Índia, ao citar alguns animais e plantas que não existem no Sri Lanka, além da condição de que o monarca de Serendib usa o título de "Rei da Índia". Quanto aos diamantes e pérolas, vale mencionar que o Sri Lanka e a Índia são realmente lugares onde essas joias eram extraídas ou comercializadas.
Sétima Viagem
Por fim, chegamos a última viagem do desventurado Simbad. Após entregar os presentes do Rei da Índia ao califa Al-Rashid, ele ficou tão maravilhado com aquilo que enviou Simbad novamente a Serendib para agradecer e iniciar acordos comerciais. Realizada essa tarefa, ele e a tripulação retornavam para Bagdá para informar da missão bem sucedida, mas no caminho o navio foi atacado por piratas. Os que sobreviveram a abordagem foram vendidos como escravos.
Simbad foi comprado por um rico mercador de marfim de uma terra que ele desconhecia. Ali Simbad passou a caçar elefantes pelos meses seguintes, fazendo tão bem seu trabalho que ele foi recompensado com a liberdade e se tornou o homem de confiança do mercador de marfim, o qual lhe designou como seu representante. Simbad então viajou para outras cidades para vender o marfim e os ossos dos elefantes. Até que um dia ele chegou numa cidade ao anoitecer, mas os portões tinham sido fechados e os guardas negaram acesso a ele, dizendo que ninguém poderia entrar depois que anoitecia e o campo ao redor era cheio de leões. Simbad temendo pela vida suplicou para entrar, mas os guardas sugeriram ele se abrigar numa mesquita no campo, assim ele o fez.
Simbad é cercado pelos elefantes. Rene Bull, 1898. |
No entanto, um dos leões conseguiu entrar na mesquita e o jumento que Simbad usava como montaria saiu dessa, deixando o mercador sozinho com a fera. Ele começou a orar e o leão acabou não vendo ele e ali dormiu. No dia seguinte avistaram um jumento diante da porta da mesquita e consideraram aquilo uma ofensa, mas ao abrirem a porta o leão saiu e matou um dos homens e levou seu corpo. Os moradores viram Simbad dormindo, mas acharam que ele estava morto, porém, ele despertou e aquilo foi tomado como um milagre. Dali ele seguiu viagem tranquilamente voltando para Bagdá.
Essa última viagem também tem pouco a nos informar. Aqui encontramos menções a piratas, elefantes e leões. Quanto a esses animais já se cogitou que a trama se passaria na África, mas isso é um engano. No relato Simbad diz que caçava elefantes em florestas, mas os elefantes africanos vivem principalmente nas savanas. Sendo assim, Simbad estaria caçando elefantes em algum lugar da Ásia, talvez Índia ou no Sudeste Asiático. Por sua vez, na Ásia também existem leões. Vale ressalvar que ele depois que foi libertado pelo mercador de marfim, seguiu por via terrestre até Bagdá, sendo assim, ele encontrou o leão no percurso.
NOTA: Simbad é um dos personagens mais populares das Mil e Uma Noites tendo inspirado vários filmes, desenhos, peças de teatro, histórias em quadrinhos, contos e músicas. A maior parte dessa produção apresenta narrativas próprias, não necessariamente adaptam as Sete Viagens.
NOTA 2: Em alguns momentos quando Simbad narra sua história, ele diz que tinha família, mas ela nunca é revelada. Não se sabe quantas esposas ele teve e quantos filhos. Já que Simbad quando narra suas aventuras, já era idoso e tinha uma grande barba branca, todavia, ele diz que realizou aquelas jornadas quando era jovem, tendo entre 20 e 30 anos, mais ou menos.
NOTA 3: Diferente do que se ver nos filmes, Simbad não era um homem bonito, atlético ou guerreiro, ele em alguns momentos diz que era feio e bastante magro, por isso os canibais não quiseram comê-lo de imediato.
NOTA 4: Em algumas das aventuras Simbad faz menções a sua religião, o Islão. Ele diz que chegou a conversar com o rei Mihrage e o rei do Ceilão sobre Alá.
NOTA 5: No livro O Conde de Monte Cristo (1844), o protagonista adota o nome de Simbad, o Marujo como pseudônimo na Itália.
Fonte:
LIVRO das Mil e Uma Noites. Tradução e notas de Mamede Mustafa Jarouche. 3a ed. Rio de Janeiro, Globo, 2006. 4v
Referências bibliográficas:
HADDAWY, Hussain. Sindbad: And Other Stories from the Arabian Nights. New York, W. W. Norton & Company, 2008.
HARDY-GOULD, J. Sindbad. Oxford, Oxford University Press, 2005.
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