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Leandro Vilar

segunda-feira, 13 de março de 2023

Tombuctu: uma cidade universitária no Saara (1300-1591)

Durante a Idade Média, a cidade de Tombuctu, no Império do Mali, foi um centro econômico e intelectual. Sua universidade, mesquitas e madraças se tornaram referência para o mundo islâmico africano, a ponto de que vários estudantes e eruditos atravessavam longos dias de viagem pelo maior deserto do mundo para poder ir estudar em Tombuctu. Por pelo menos duzentos anos essa cidade foi uma cidade bastante importante, reunido a riqueza material e intelectual. Alguns eruditos árabes renomados chegaram a visitar essa cidade e até estudar nela. 

Origem

A data de fundação de Tombuctu (conhecida também como Timbuktu em inglês) é incerta, mas ela teria surgido por volta de 1100 como um acampamento de viagem dos tuaregues Magcharen, vindo a originar um assentamento fixo próximo as águas do rio Níger. O local era bastante propício por ficar situado entre rotas de comércio. Apesar do Saara se o maior deserto do mundo, os tuaregues, árabes e outros povos desenvolveram rotas mercantes por ali, levando mercadorias do sul da África para o norte, oeste e leste. Essas rotas conectavam o interior da África ocidental com o Mediterrâneo e indo até a Líbia, Egito e Etiópia, de onde tinham contato com mercadorias advindas da Grécia, Império Bizantino, Síria, Pérsia e até de mais longe através da Rota da Seda. 

Gravura de Tombuctu por Heinrich Bath, 1858. Ao longo de séculos a aparência da cidade se manteve estagnada desde sua fundação, condição essa que ela ainda hoje se parece com essa gravura. 

No século XIV a região de Tombuctu, que na época não passava de um vilarejo foi incorporada pelo Império do Mali (1265-1650), o que contribuiu para o desenvolvimento daquela localidade, já que o império foi bastante próspero por conta no investimento do comércio e na exploração de sal, ouro e cobre. (NAINE, 2010). 

"Um dos reinos mais importantes da savana ocidental, sobretudo entre os séculos XIII e XV, era o Mali, localizado no alto do Níger. A origem desse reino está nos povos de língua mande, que viviam em um kafu – conjunto de aldeias cercadas por terras cultivadas no vale do Níger, que formavam pequenos estados, governados pelos famas -, donos da terra, descendentes dos primeiros habitantes da região". (MATTOS, 2009, p. 21-22).

"Na segunda metade do século XIII, o rei Uli, expandiu os domínios de seu império, passando a dominar os importantes centros comerciais da região do Sael: Ualata, Tombuctu, Jenné e Gao, além de subjugar outros povos, e passar a cobrar destes tributos à Coroa. Com a conquista destes centros comerciais, o império se tornou um dos mais prósperos do continente, entre os séculos XIII e XIV. A cidade de Jenné era um importante centro agrícola e comercial próximo das florestas, e realizava a ligação destas com a savana e o deserto ao norte. Lá se produzia milhete (tipo de milho), sorgo, arroz, algodão, criava-se gado, exportava-se couro, artesanato, ferro, cobre, madeira, barro e ouro. Parte desta produção seguia para a cidade de Tombuctu, mais ao norte, lá estes produtos seriam trocados por outras mercadorias, como sal, escravos e cavalos, trazidas do Mediterrâneo, do Egito, Marrocos e do Oriente Médio". (VILAR, 2011). 

O Império do Mali em seu auge territorial no ano de 1350. No mapa pode-se ver a capital Koumbi Saleh e as importantes cidades mercantes de Jenne, Gao e Tombuctu. 

Uma cidade universitária

Graças as riquezas que passavam por Tombuctu a cidade apesar de pequena, estimando-se que no auge chegou a ter mais de 30 mil habitantes, ainda assim, atraiu a atenção de eruditos. Nessa época a expansão muçulmana ainda se desenvolvia, apesar de que muitas tribos de tuaregues já tivessem sido islamizadas há séculos. O Império do Mali acabou adotando o Islão como religião oficial, logo, toda cidade deveria ter uma mesquita, e eventualmente em com as mesquitas surgiam as madraças (escolas), os tribunais e bibliotecas. Esses lugares no mundo islâmico andavam de mãos juntas, pois diferente do mundo cristão em que apenas o clero e uma parte da nobreza tinha acesso ao conhecimento, nos países islâmicos era incentivado que a população pudesse aprender a ler, para poderem ler o Corão. 

E com esse intuito surgiram as madraças, as quais são também referidas como escolas corônicas. Todavia, as madraças para além de alfabetizarem com base no Corão, também poderiam ensinar outros saberes como geografia, história, matemática, física, química, política, filosofia etc. Havia madraças voltadas para crianças, adolescentes e adultos, algumas eram especializadas em determinadas disciplinas e campos do conhecimento, por conta disso, o termo madraça é muito mais abrangente, podendo se referir tanto a uma escola quanto a uma faculdade. Evidentemente que os cursos mais avançados eram voltados para as pessoas que pudessem pagar, já a educação básica em alguns casos era custeada pelo governo. 

No caso de Tombuctu, três madraças foram construídas na cidade. A primeira delas surgiu no final do século XIII ou começo do XIV, sendo a madraça da Mesquita de Sancoré, a mais antiga da cidade. Em geral era comum algumas madraças serem construídas em anexos a mesquitas, já que algumas delas serviam de escolas corônicas. A madraça de Sancoré foi construída sob o patrocínio de uma rica viúva de um mercador. No século XVI a escola foi reformada, assumindo a arquitetura que ainda hoje mantém. (JUBBER, 2016). 

A Mesquita de Sancoré em fotografia de 2007. 

Por volta de 1327 foi construída a segunda mesquita da cidade, nomeada Djingareyber, que também ganhou uma madraça. Essa mesquita foi encomendada pelo rei Mansa Musa I (conhecido por ter sido o mais rico de seu império). Em 1440 foi concluída a terceira mesquita e madraça de Tombuctu, chamada Sidi Yahya, em homenagem ao seu primeiro imã. 

Assim, essas três mesquitas com suas madraças se tornaram o centro escolar e universitário de Tombuctu, por mais de duzentos anos. Condição essa que no século XVI, durante o Império Songhai (1469-1591), Tombuctu se tornou efetivamente uma cidade universitária por concentrar milhares de estudantes, os quais viajavam de diferentes localidades do mundo islâmico na África e as vezes da própria Ásia, para irem estudar ali. E parte disso somente ocorreu, pois o rei Askia Daoud (r. 1549-1583) era um homem que admirava as ciências e a literatura, sendo um mecenas bastante ativo, investindo pesadamente na educação. (KANE, 2016). 

Sob seu auspício renomados professores foram contratados e bancados pelo Estado. Livros e pergaminhos foram comprados, montando-se bibliotecas primorosas. Casas para os estudantes foram construídas, reformas de ampliação das mesquitas e madraças foram executadas. Tombuctu para além de ser uma cidade conhecida por seu mercado, tornou-se também conhecida por algumas décadas por suas escolas. (KANE, 2016). 

As madraças de Tombuctu estavam antenadas nos assuntos e ensinamentos ensinados em outras cidades importantes do mundo islâmico como o Cairo, Damasco, Istambul, Bagdá e Isfahan, lugares conhecidos por algumas das mais importantes escolas e universidades. Logo, em Tombuctu era possível encontrar professores que lecionavam uma variedade de saberes como matemática, história, geografia, filosofia, medicina, farmácia, astronomia, química, física, literatura etc. (KHAIR, 2003). 

Segundo relatos da época, na era de ouro da educação em Tombuctu, ocorrida no século XVI durante o Império Songhai, pelo menos 25 mil moradores da cidade eram estudantes advindos de outras cidades e países para ali estudar. E a população da cidade em si era em torno de 100 mil habitantes, valor considerado bastante alto para a sua região. (KHAIR, 2003). 

A mesquita de Djingareyber onde funcionava algumas importantes madraças no século XVI. 

Declínio 

Embora a Universidade de Sancoré ainda hoje exista, as madraças de Tombuctu entraram em declínio junto ao final do Império Songhai. Após a morte de Askia Daoud seu sucessor Askia Ishaq II não conseguiu conter as invasões da Dinastia Saadi, a qual governava o Marrocos, e assim em 1591, o império sucumbiu aos invasores. Sob o novo governo todo o mecenato que existia para investir na educação foi gradativamente perdido. Com isso, os professores deixaram a cidade e com eles muitos alunos foram embora. Além disso, professores que eram contrários ao novo governo sofreram perseguição, sendo presos ou executados. (KANE, 2016). 

Diante disso, no século XVII, a economia e a educação de Tombuctu entram em declínio, não voltando a se reerguer como antes. As escolas ainda continuaram a funcionar, mas tendo perdido muito de seus investimentos, professores e alunos, por conta disso, algumas bibliotecas tiveram que serem transportadas para escapar de serem saqueadas ou confiscadas. Parte dos professores migraram para o Egito, a Etiópia ou a Ásia. Outros que aceitaram viver sob o novo governo, se mudaram para o Marrocos. 

Referências bibliográficas: 

JUBBER, Nicholas. The Timbuktu schools for nomads. London, Nicholas Brealey Publishing, 2016. 

KANE, Ousmane Oumar. Beyond Timbuktu: An intellectual history of Muslim West Africa. Cambridge, Harvard University Press, 2016. 

KHAIR, Zulkifi. The University of Sankore, Timbuktu. Disponível em: https://muslimheritage.com/the-university-of-sankore-timbuktu/

MATTOS, Regiane Augusto de. História e cultura afro-brasileira. São Paulo, Contexto, 2009. (As sociedades africanas). 

NIANE, Djibril Tamsir. O Mali e a segunda expansão manden. In: TAMSIR, Djibril (ed.). História Geral da África – vol. IV: África do século XII ao XVI. 2ª edição, Brasília, UNESCO, 2010. 

Links relacionados: 

África Dourada: Tombuctu, Zanzibar e o Grande Zimbabué

Mansa Musa I: o rei do ouro

A expansão islâmica: VII-XII

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