Durante o Brasil holandês indígenas do povo Potiguara, Tabajara e "tapuias" se envolveram diretamente nos conflitos que se estenderam por mais de vinte anos. Esses homens em diferentes momentos lutaram ao lado dos portugueses e espanhóis, mas também serviram aos holandeses e seus exércitos formados por homens de diferentes nacionalidades. Embora centenas de indígenas tenham lutado nessas guerras, seus nomes são desconhecidos, porém, alguns de seus líderes se tornaram lembrados, principalmente por terem tido um papel de destaque. Assim, o presente texto aproveita o feriado de 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas e Dia do Exército para citar um pouco do papel desses homens.
Antônio Filipe Camarão
Indígena potiguar nascido em localidade incerta da Capitania do Rio Grande, entre os anos de 1600 e 1601. Ainda adolescente foi convertido ao catolicismo e alfabetizado em português pelos jesuítas. Seu nome original seria Poti, tendo mudado para Antônio Filipe após ser batizado. Sua história como dos demais líderes indígenas do Brasil holandês antes da guerra, segue desconhecida.
Em algum momento a partir de 1631, Filipe e sua esposa Clara Camarâo. Além deles dois se uniram também outros indígenas como Diogo Pinheiro (irmão de Pedro Poti) e Simão Soares. Filipe passou a servir nas milícias que lutavam em Itamaracá e Pernambuco, porém, seu nome somente ganhou destaque anos depois tendo ele participado das batalhas de São Lourenço (1636), Porto Calvo (1637), Salvador (1638).
Retrato de Antônio Filipe Camarão. |
No entanto, foi na década de 1640 que Filipe Camarão já era capitão e mais conhecido, tendo liderado tropas por Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande, entrando em confronto com Pedro Poti, seu principal rival, o qual ele tratava como "primo" ou "irmão" por pertencerem ao mesmo povo. Inclusive é notável os anos de 1645 e 1646, quando Filipe, Poti e Diogo trocaram cartas escritas em tupi, tentando convencer um ao outro a trair seu lado. Poti apontava que Filipe e Diogo eram tolos iludidos em defender os portugueses, já os dois criticavam Poti em lutar a serviço de um invasor infiel, pois aqui entrou o discurso religioso em atacar Poti por ser calvinista, algo que ele também fez ao considerar o catolicismo como um "falso cristianismo".
Filipe Camarão foi agraciado com títulos e honrarias, tornando-se dom e capitão-mor dos indígenas fiéis a coroa portuguesa nas guerras contra os holandeses. Participou da Insurreição Pernambucana e Paraibana iniciados em 1645, chegando a lutar nas Batalhas dos Guararapes em 1648 e 1649. No entanto, faleceu devido a ferimentos enquanto defendia o Arraial do Bom Jesus em 1649, o bastião português próximo a Recife, não tendo deixado filhos. Por seus feitos ele foi mais tarde galgado ao posto de herói de guerra. Diogo Pinheiro o sucedeu no comando das tropas, já Clara Camarão se desconhece o que houve com ela.
Antônio Paraupaba
Nasceu em 1595 na Capitania da Paraíba, em localidade incerta, sendo filho de Gaspar Paraupaba. Pertencia ao povo potiguara, possivelmente da mesma tribo de Pedro Poti ou de uma comunidade vizinha. Se desconhece sobre a vida de Paraupaba antes da sua aliança com os holandeses, ocorrida em 1625, na Baía da Traição.
Em 1624 os holandeses haviam invadido e conquistado Salvador, então capital do Brasil. No entanto, em 1625 o rei Filipe III de Espanha e Portugal enviou a Jornada dos Vassalos com mais de 60 navios e 12 mil homens para expulsar os holandeses e reaver a capital colonial. A Companhia das Índias Ocidentais (West-Indische Compagnie) da Holanda enviou reforços para manter o controle de Salvador, mas esses foram derrotados. Uma das armadas enviadas era liderada pelo experiente almirante Boudewijn Henrdrickxsz.
A frota holandesa permaneceu alguns dias na Baía da Traição, mantendo contato com alguns potiguaras, incluindo Pedro Poti. Por motivos não conhecidos, Paraupaba, Pedro Poti, Marizal, Takou, Gaspar, Ararova e Matauva aceitaram ir para a Holanda.
Paraupaba retornou ao Brasil com Poti em 1631, ambos se tornaram chefes militares, interpretes e mediadores. No caso, Paraupaba foi enviado para comandar as tribos na Capitania do Rio Grande, onde viveu por mais de vinte anos, lutando de forma fiel em servir a companhia holandesa. Diferente dos outros chefes, Antônio Paraupaba ficou focado nas campanhas no Rio Grande e Paraíba, atuando principalmente na região de fronteira entre as duas capitanias, território crucial para garantir o controle holandês.
Com a rendição da WIC e o acordo de retirada acertado em 1654, Paraupaba, sua esposa e dois filhos deixaram a colônia também, retornando a Holanda, onde ele tentou no Parlamento convencer o governo a enviar uma nova expedição para resgatar potiguaras fiéis a WIC. Mas após vinte anos de guerra, o governo não considerava interessante e vantajoso retomar a guerra pelo Brasil, além de que como apontado por Evaldo Cabral de Mello, a Holanda e a WIC estavam interessados numa indenização, a qual foi paga nos anos seguintes.
Antônio Paraupaba faleceu em 1656, aos 61 anos de causas desconhecidas. Não se sabe se sua esposa e filhos permaneceram na Holanda ou voltaram ao Brasil.
Pedro Poti
Pedro Poti nasceu por volta do ano de 1608 no litoral norte da Capitania da Paraíba, sendo membro do povo potiguara. Suas origens são desconhecidas e alguns de seus familiares também são incertos, pois, como apontado por Eduardo Navarro (2022), os potiguaras não distinguiam com clareza irmãos, primos, sobrinhos e tios, condição essa que ele trata alguns tios e até homens mais velhos chamando-os de "pai" e "avô". Além disso, ele referia-se a alguns primos como "irmãos". De qualquer forma, a vida de Poti mudou em 1625, quando ele conheceu um grupo de holandeses que aportou na Baía da Traição, na Paraíba.
Poti converteu-se ao calvinismo, aprendeu o holandês e em 1631 ele voltou ao Brasil com Antônio Paraupaba, para servir na guerra travada pela WIC para se conquistar territórios no Nordeste do Brasil. Poti além de chefe militar, pois ganhou a patente de "capitão dos índios", atuou como intérprete e mediador da WIC com as tribos paraibanas.
Pedro Poti participou de vários conflitos nas capitanias da Paraíba, Itamaracá e Pernambuco, sendo oposição direta aos portugueses e espanhóis, tendo como grande rival seu "primo" Filipe Camarão. Ele lutou durante a Batalha de Guararapes em 1648, ocorrida em Pernambuco, onde foi capturado. Em seguida ficou preso por quase quatro anos em situação degradante, quando foi enviado em 1652 para Portugal para ser julgado por seus crimes, mas faleceu durante a viagem. Não se sabe se ele adoeceu ou foi morto.
NOTA: Não há imagens conhecidas de Pedro Poti e Antônio Paraupaba.
NOTA 2: 19 de abril é Dia do Exército em referência a primeira Batalha dos Guararapes, iniciada em 18 de abril e vencida no dia seguinte. O conflito foi escolhido como um marco para a história do exército brasileiro.
Referências bibliográficas:
HULSMAN, Lodewijk. Índios do Brasil na República dos Países Baixos: as representações de Antônio Paraupaba para os Estados Gerais em 1654 e 1656. Revista de História, v. 154, n. 1, 2006, p. 37-69.
MELLO, Evaldo Cabral de. O negócio do Brasil. Recife, Capivara, 2015.
NAVARRO, Eduardo Almeida. Transcrição e tradução integral anotada das cartas dos índios Camarões, escritas em 1645 em tupi antigo. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum. v. 17, n. 3, 2022.
VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil colonial. São Paulo, Objetiva, 2000.
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