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Leandro Vilar

terça-feira, 16 de maio de 2023

Diógenes, o Cínico: o filósofo mendigo

Diógenes de Sinope (412-323 a.C) foi uma figura caricata na Grécia Antiga, por ter sido um filósofo fora do comum e bastante polêmico por conta de seu hábitos, opiniões e sarcasmo, isso se as histórias sobre ele forem todas verdadeiras, pois quase nada se sabe sobre esse peculiar filósofo que se tornou referência para o pensamento filosófico do Cinismo

Diógenes, o Cínico, também chamado de o "cachorro" pela condição de viver como morador de rua. Pintura de Jean-León Gérôme, 1860. 

A origem de Diógenes é praticamente desconhecida, sabe-se que ele nasceu em Sinope, uma colônia grega no Mar Negro, hoje em território turco. Não se sabe quem eram os pais de Diógenes, por qual motivo ele deixou sua cidade ou quantos anos tinha quando migrou para Atenas. Existem apenas suposições sobre isso, mas nada confirmado. Em época e idade incerta, o jovem Diógenes chegou a Atenas, a capital cultural do mundo grego, lar de ilustres filósofos. Ali ele por motivos desconhecidos se interessou por filosofia e acabou se tornando discípulo do filósofo Antístenes (445-365 a.C) que chegou a estudar com Sócrates

Busto de Antístenes, o mestre de Diógenes. 

Antístenes é outro filósofo do qual pouco se sabe, pois seus trabalhos se perderam no tempo, restando menções e comentários de outros autores as suas obras e ideias. Antístenes deixou estudos sobre retórica, ética, física e lógica, porém, ele é principalmente lembrado por suas ideias envolvendo o Cinismo, algo que se originou de seu bom humor, já que ele era referido como um homem irônico, sarcástico e brincalhão. 

O Cinismo (kynismós em grego, cinicus em latim) era uma corrente de pensamento filosófico voltada para práticas e percepções sobre estilo de vida. Pode-se dizer que o Cinismo seria uma espécie de filosofia de vida também, pois Antístenes defendia que um cínico (nome dado aos seguidores dessa corrente) deveriam adotar uma vida de simplicidade, tendo o suficiente para viver, não se preocupando em se tornar rico, famoso e poderoso, características que Antístenes dizia serem "não naturais", mas fruto das ambições e paixões. Por outro lado, ele defendia o cultivo das virtudes como ideal de felicidade. 

Logo, para a mentalidade inicial do Cinismo, um homem que não se prendia aos bens materiais, padrões sociais e morais, era um homem verdadeiramente livre, podendo assim cultivar virtudes como a temperança, a bondade, a sabedoria, o conhecimento, a paz, o equilíbrio, o autocontrole etc. O problema é que nem sempre essas virtudes eram expostas de forma clara, além de que o estilo de vida do cinismo não tinha um código ou regras, o que abriu margem para os cínicos o praticarem como bem entendesse. E um dos cínicos mais famosos foi Diógenes de Sinope, que levou o cinismo a um estado considerado radical. 

Não se sabe exatamente quando Diógenes decidiu adotar uma postura mais radical do cinismo, nem quantos anos ele tinha ao fazer isso, porém, ele passou a morar na rua, tornando-se gradativamente um mendigo e sem-teto. Os filósofos, políticos e escritores da época relatavam que Diógenes não trabalhava, não tinha casa, não tinha família, vivia da caridade ou de favores de amigos e conhecidos, os quais lhe davam comida, remédios e roupas quando necessário. 

Diógenes chegou a um ponto de morar dentro de uma grande ânfora, tendo como pertences um alforje, um cajado, uma tigela, a própria roupa do corpo e sandálias. Alguns autores relatam que o filósofo desenvolveu aspectos imundos, pois raramente tomava banho, não escovava os cabelos e a barba. Além disso, ele fazia suas necessidades fisiológicas na rua como outros mendigos e escravos. Por conta dessa vida indigente autoimposta, Diógenes foi comparado aos cães de rua, condição essa que a própria palavra cínico em grego vem de kynos, que também significa cachorro. Sendo assim, os cínicos eram comparados a cães, num sentido pejorativo da palavra já naquela época. 

Diógenes teria passado parte da vida morando dentro de uma grande ânfora pelas ruas de Atenas. Vivendo como um mendigo. Pintura de John William Waterhouse, 1882.  

Além de seu estilo radical de viver como morador de rua por escolha própria, mesmo assim, Diógenes participava dos debates políticos e filosóficos nas praças, mercados, ágoras e onde fosse convidado. A condição de ele ser filósofo foi mantida até o fim da vida, apesar que tenha ganhado a fama de filósofo excêntrico e até louco

Diógenes manteve vivo o Cinismo de seu mestre, usando seus princípios para criticar o modelo de vida na época, normas sociais, a política, os ricos, os artistas, o luxo, a vaidade, os direitos ou a falta de direitos, entre outros assuntos. Suas ideias inclusive foram consideradas até exageradas e de mal gosto em alguns casos, por conta de sua ruptura com as convenções sociais, daí surgir a percepção de que os cínicos eram antissociais, antimoralistas, pessoas sem pudores. 

Além da sua vida sofrível, mas que ele considerava nobre e virtuosa, Diógenes também ficou conhecido pelas anedotas e histórias sobre seu sarcasmo, arrogância e respostas rudes. Certa vez ele saiu carregando uma lamparina em plena luz do dia, procurando por homens de verdade, no caso, homens que fossem adeptos ao cinismo, que ele considerava o verdadeiro estilo de vida. Essa história parece engraçada, pois suscita que Diógenes estivesse louco, mas ela ao mesmo tempo apresenta sua arrogância ao menosprezar os padrões e valores sociais da época, inclusive rejeitar os que pensavam e viviam diferente dele. 

Diógenes procurando por "homens de verdade". Pintura de J. H. W. Tischbein, 1780. 

Uma das mais famosas histórias associadas ao filósofo mendigo, envolve o imperador Alexandre, o Grande, que visitou Corinto na década de 330 a.C, ele teria conhecido Diógenes, na época um velho com seus setenta e poucos anos, considerado inclusive senil, que estava morando algum tempo por ali. Não se sabe se esse encontro realmente ocorreu, mas Diógenes foi sarcástico ao tratar o jovem monarca, pois esse sabendo da fama de mendigo do filósofo, perguntou se ele queria algo, Diógenes olhou para Alexandre e pediu para ele sair da sua frente, pois estava lhe bloqueando o sol. Essa história possui várias interpretações simbólicas, mas é perceptível que Alexandre apesar de famoso naquele tempo por ter conquistado a Grécia e se preparar para ir confrontar os persas, nem mesmo isso impressionou Diógenes, que lhe concedeu uma resposta seca e rude. 

Diógenes e Alexandre, o Grande. Pintura de Christian Winck, 1782. 

Apesar de poucas certezas sobre as histórias polêmicas e engraçadas sobre Diógenes terem sido reais ou não, ainda assim, ele foi o filósofo cínico mais famoso devido a seu radicalismo de vida e ideias. Diógenes inspirou outros adeptos do cinismo nos séculos seguintes, que viveram de forma similar ou não como ele. 

Porém, com o tempo a palavra cínico foi adquirindo uma conotação ruim que mantém até hoje, em que se refere a um indivíduo hipócrita, pois ele finge ser alguém diante de quem lhe interessa, defende determinadas ideias, normas, leis e ideais, mas na prática faz o contrário. Essa conotação negativa surgiu depois de Diógenes, quando passou a existir cínicos que pregavam a humildade, o voto de pobreza, criticava as convenções sociais, mas na prática viviam de forma contrária disso, disfarçando suas ações. 

NOTA: Algumas fontes dizem que Diógenes viveria dentro de um barril, mas isso é uma informação errada, pois os gregos dos séculos V a.C e IV a.C, não fabricavam barris. 

NOTA 2: Algumas ideias do Cinismo influenciaram o Estoicismo, especialmente a percepção de que a vida ideal deva ser atingida pelas práticas das virtudes, negação dos sentimentos, paixões e ambições. Todavia, o estilo de vida radical defendido pelos cínicos, não foi adotado pelos estoicos. 

Referências bibliográficas: 

CUTLER, Ian. Cynicism from Diogenes to Dilbert. Jefferson: McFarland & Company, Inc, 2005.

NAVIA, Luis E. Diogenes of Sinope: the man in the tub. Westport: Greenwood Press, 1998. 

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