Pesquisar neste blog

Comunicado

Comunico a todos que tiverem interesse de compartilhar meus artigos, textos, ensaios, monografias, etc., por favor, coloquem as devidas referências e a fonte de origem do material usado. Caso contrário, você estará cometendo plágio ou uso não autorizado de produção científica, o que consiste em crime de acordo com a Lei 9.610/98.

Desde já deixo esse alerta, pois embora o meu blog seja de acesso livre e gratuito, o material aqui postado pode ser compartilhado, copiado, impresso, etc., mas desde que seja devidamente dentro da lei.

Atenciosamente
Leandro Vilar

terça-feira, 13 de junho de 2023

Ligando oceanos: o Canal do Panamá

Ainda hoje um dos mais movimentados canais marítimos do mundo, o Canal do Panamá foi projetado no final do século XIX, mas por conta de uma série de problemas de infraestrutura, logística e tecnológicos, suas obras foram suspensas e adiadas algumas vezes, até que no começo do século XX elas foram retomadas, ainda assim, foi um projeto bastante ambicioso e difícil, que levou uma década para ser concluído, tornando-se o primeiro canal marítimo artificial a conectar dois oceanos. 

Um dos trechos do Canal do Panamá. 

Antecedentes

Antes da inauguração do Canal do Panamá em 1914, os navios que queriam ir do Atlântico para o Pacífico, vice-versa, tinham que contornar a América do Sul, indo até o extremo sul do continente americano, havendo duas rotas por ali: cruzar o Estreito de Magalhães, o qual não era viável para grandes navios, o que forçava as embarcações maiores a terem que contornar o Cabo Horn, cruzando o Estreito de Drake, uma região de mar aberto, mas de clima bastante frio e águas revoltas. 

Para se ter uma ideia, um navio que partisse de Nova York para San Francisco, o vice-versa, teria que percorrer 13 mil milhas (mais de 20 mil quilômetros), porém, com a construção do Canal do Panamá, essa distância foi reduzida para 5 mil milhas (8.047 quilômetros). (ROESSER, 2020).  

Os navios que viam do Atlântico Norte ou do Pacífico Norte, levavam semanas para realizar a travessia. Além disso, dependendo da época do ano, as condições climáticas pioravam, o que atrasava a longa viagem de contorno da América do Sul. Porém, uma ideia para contornar isso ainda surgiu no século XVI, quando navegadores e engenheiros espanhóis e portugueses sugeriram criar um canal pela parte mais estreita da América Central. Os dois povos europeus tomaram conhecimento da existência de estradas indígenas que conectavam ambos os oceanos e isso os inspirou a pensar num canal que se conectasse a rios e lagos da região, para assim, criar uma rota. Os atuais territórios da Nicarágua e do Panamá, que na época compreendiam a colônia do Vice-reino da Nova Espanha, foram cogitados para se construir o canal. (CHIDSEY, 1970). 

O problema é que o projeto era muito ousado para a época, tido até como surreal e impossível de ser feito. Mesmo assim, os espanhóis ainda chegaram a iniciar estudos para se construir um canal, embora o projeto nunca saiu do papel. Somente no século XIX foi que novos planos para um canal que cruzasse a América Central foram considerados com mais atenção. Novamente se cogitou usar a Nicarágua, pois o terreno seria mais fácil, apesar que o canal teria que ser mais longo. Porém, em meados daquele século os franceses inauguraram uma estrada de ferro que ia da cidade do Panamá a Colón. Essa ferrovia foi fundamental para incentivar os planos de escolher aquela localidade para se fazer um canal marítimo. 

Os franceses começam a construir o canal

Com o sucesso da ferrovia francesa no Panamá, os franceses decidiram retomar o projeto de um canal marítimo. O próprio imperador Napoleão III chegou a mostrar interesse nisso. Todavia, devido a problemas enfrentados pela França com guerras e em suas colônias, os planos para a construção do canal foram adiados em vários anos. Em 1879 o renomado engenheiro de canais Ferdinand de Lesseps (1805-1894) foi contratado para projetar o canal do Panamá, na época o trabalho mais importante de Lesseps tinha sido o Canal de Suez no Egito, inaugurado em 1869. (CHIDSEY, 1970). 

Lesseps apresentou uma série de desenhos para o canal panamenho, cuja obra foi orçada em 600 milhões de francos. Em 1880 foi criada a empresa Compagnie Universelle du Canal Interoceánique de Panama para realizar as obras. Ela contava com capital francês, americano, alemão, inglês e de outros investidores. Pois a construção daquele canal interessava o comércio internacional, apesar da França deter o controle das obras e os direitos de exploração do canal, como acordados com a Colômbia, que na época governava o Panamá. Em 1881 tiveram início as obras do canal. 

Documento de uma ação do Compagnie Universelle du Canal Interoceánique de Panama, em 1880. 

Na época Lesseps foi contra a ideia de adotar o sistema de eclusas para adequar a diferença de altitude do terreno, decisão que custaria caro. Influenciado pelas obras em Suez, Lesseps acreditava que seria possível manter o mesmo nível dos dois oceanos em ambos os lados. Mas isso seria algo bem mais difícil de fazer, tendo que se cavar muito mais. Ainda em 1881, surtos de malária e febre amarela mataram centenas de trabalhadores, interrompendo as obras várias vezes. Casos assim voltariam a ocorrer nos anos seguintes. No ano de 1882 um terremoto atingiu a região, interrompendo as obras por meses devido aos desabamentos. Depois disso as obras seguiram com atrasos pontuais nos anos seguintes. Lesseps havia previsto que o canal levaria uns dez anos para ser concluído, pois esse foi o tempo que ele gastou para construir o Canal de Suez. (CHIDSEY, 1970). 

Escavadora sendo usada nas obras de 1886.

Para piorar a situação veio à tona o Escândalo do Panamá em 1888, envolvendo superfaturamento, desvio de verbas, propinas e outros crimes de corrupção com a companhia responsável pela construção do canal. O próprio Ferdinand Lesseps estava envolvido, além de vários outros acionistas e sócios da empresa. As investigações seguiram pelos anos seguintes, mas as obras não foram totalmente suspensas. Lesseps foi destituído de cargo de engenheiro-chefe sendo substituído por Philippe-Jean Bunau-Varilla (1859-1940), que retomou as obras em 1889, entretanto, com a crise instaurada, as verbas foram cortadas, o que reduziu drasticamente o progresso das obras. Bunau-Varilla correu atrás de novos investidores. Mas basicamente o canal não progrediu na década seguinte. (MCCULLOGH, 2019).

Uma das sessões dos julgamentos do Escândalo do Panamá, em 1891. 

O Tratado Hay-Bunau-Varilla

Na década de 1890 as obras do canal ficaram meses parada. A França por conta do Escândalo do Panamá atrasou o repasse de verbas, já que as investigações se estenderam até 1893, iniciando depois as cobranças e penas. Por sua vez, os Estados Unidos e a Inglaterra cogitaram construir um canal próprio, mas na Nicarágua, mas ambos os países não chegaram a um acordo e o plano foi abandonado. (MCCULLOGH, 2019).

Em 1895 os franceses retomaram a escavação do Monte Culebra, que rendeu anos de trabalho pesado para abrir o canal por ele, devido a sua extensão de 12 quilômetros, fato esse que as obras somente foram concluídas pela administração americana. 

Obras no Monte Culebra em 1896. 

Em 1900 os EUA começaram a negociar com a Colômbia a possibilidade de assumir as obras do canal francês, mas na época os dois países estavam politicamente em desavença. Porém, a realidade mudou em 1902, quando o Panamá se emancipou da Colômbia. O governo americano viu uma oportunidade de ouro naquilo. O novo país precisava de dinheiro, então os americanos ofereceram 10 milhões de dólares para comprar o direito de construção e administração do canal. A cada ano após o canal estar funcionando, uma taxa seria paga ao governo panamenho. Assim, em 1903 foi assinado o Tratado Hay-Burnau-Varilla, em que o engenheiro francês Burnau-Varilla representou os interesses do governo panamenho. O tratado inclusive foi uma alteração do Tratado Hay-Herran, que anteriormente foi dirigido ao governo colombiano, enquanto esse ainda governava o Panamá. (MCCULLOGH, 2019).

Em 1904 foi criada a Comissão do Ístmica do Canal, responsável por supervisionar as obras. Ainda naquele ano teve início as obras promovidas pelas empresas americanas. 

Os americanos concluem o canal

Quando os Estados Unidos assumiram as obras do canal do Panamá, muita coisa teve que ser refeita para se continuar a construção. As obras anteriores estavam paralisadas há anos, levando ao assoreamento de várias partes que foram escavadas. Além disso, o projeto francês foi alterado também, o que demandou escavar novos caminhos.

Os americanos também enfrentaram uma série de problemas ambientais como os franceses haviam passado antes: calor de mais de trinta graus, fortes chuvas de inverno, surtos de malária, febre amarela, problemas de infraestrutura, atrasos no envio dos materiais que vinham dos EUA ou da Europa, falta de segurança do trabalho etc. 

O médico militar William Gorgas (1854-1920) foi enviado ao Panamá para executar medidas de combate a malária e a febre amarela. Na época foi foi descoberto que ambas as doenças eram transmitidas por mosquitos. Assim, Gorgas mandou que todas as casas e edificações nos canteiros de obras e acampamentos tivessem mosqueteiros, mandou fazer mais enfermarias e hospitais, além de checar poças d'água, charcos, lagunas, qualquer lugar em que houvesse água parada, evitando a proliferação dos mosquitos. As medidas surgiram efeito, diminuindo drasticamente o contágio. (ROESSER, 2020). 

O médico William Gorgas foi responsável por dirigir as medidas de combate a malária e febre amarela durante as obras americanas do Canal do Panamá. 

Devido ao grande empreendimento, as obras foram demoradas, levando quase dez anos para serem concluídas. As grandes eclusas foram escavadas a partir de 1909, além de que túneis de bombeamento e escoamento foram construídos para abastecer as eclusas. A água usada vem de sua maioria do lago Gatun, sendo em média necessário 48 milhões de galões de água (182 milhões de litros) para poder encher as eclusas enquanto os navios tem que serem subidos do nível do mar até a altura do nível do lago Gatun, que fica 24 metros acima do mar. (ROESSER, 2020). 

Foto de 1912 mostrando um dos trechos do canal.

Em 10 de outubro de 1913 o presidente Woodrow Wilson pressionou um botão simbólico na Casa Branca, dando comando para o enchimento do canal. Todavia, o mesmo somente foi inaugurado oficialmente em 15 de agosto de 1914, pois foram necessários meses para se fazer as finalizações das obras. O primeiro navio a atravessar o canal foi o SS Ancon, um navio americano de passageiros. 

O SS Ancon na reclusa de Miraflores em 1914. O primeiro navio a cruzar o canal do Panamá. 

A notícia da inauguração do canal do Panamá foi uma sensação na época, sendo veiculada em vários jornais do mundo, porém, a grande maravilha da engenharia moderna foi rapidamente ofuscada por conta da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), somente após essa foi que o canal passou a funcionar direito e receber a devida atenção. 

O canal é concluído

Após mais de trinta anos de obras entre os trabalhos realizados pelos franceses e americanos, finalmente em 1914 o canal do Panamá se tornou operante. O canal inicia na cidade de Colón no Oceano Atlântico, adentrando a Baía Lemon até as eclusas Gatun e Água Clara, as quais conduzem os navios para o Lago Gatun, onde as embarcações podem descansar e aguardar sua vez de prosseguir viagem até a Gamboa, que marca o início da outra parte do canal o Trecho Culebra que conduz ao pequeno Lago Miraflores, de onde se segue para as eclusas de Pedro Miguel, Miraflores e Cocoli, indo desaguar ao lado da cidade do Panamá, no Oceano Pacífico. Ao todo o canal possui 77 quilômetros de extensão, sem contar os trechos dentro dos lagos. 

Rota atual do Canal do Panamá, com as etapas apresentadas. 

Originalmente o canal quando foi inaugurado em 1914 ele possuía menos eclusas, mas à medida que ele se tornou mais movimentado e os navios cresceram bastante, o canal teve que ser alargado e novas eclusas como a Água Clara e Cocoli foram construídas. Se antes havia o problema de haver apenas uma via para entrar e sair, hoje já existem duas vias de cada lado do canal, o que permite que pelo menos quatro embarcações possam passar pelas eclusas por vez. 

De 1914 até 1999 o canal panamenho ficou sob administração dos Estados Unidos, até que naquele ano sua administração foi devolvida ao Panamá. Todavia, os EUA ainda possuem grande influência nas melhorias do canal, fato esse que em 2016 novas eclusas foram inauguradas.

Apesar das reformas de ampliação do canal, elas ainda não são suficientes para se adequar a demanda marinha mercante atualmente. Os grandes cargueiros não conseguem cruzar o canal, além disso, há casos de haver congestionamento de tentas embarcações, a ponto de se levar de 20 a 30 horas para realizar a travessia de 77 quilômetros. 

Cargueiro no padrão panamax (dimensões máximas estipuladas) na eclusa de Miraflores. 

NOTA: Estimasse que nos mais de vinte anos de construção do canal, pelo menos 22 mil trabalhadores morreram. A maior parte das mortes foi ocasionada por acidentes de trabalho, depois as vítimas de doenças, principalmente por malária e febre amarela. 

NOTA 2: Panamax é o nome dado aos navios que possuem as dimensões suportadas pelo canal do Panamá. Sendo assim, as maiores dimensões são: 225 metros de comprimento, 23 metros de largura (boca) e 8 metros de calado (profundidade). Em tais medidas já se incluem os valores de segurança, para evitar que a embarcação raspe nas laterais ou toque o fundo do canal. Todavia, após a reforma de 2016, os valores foram ampliados, criando-se a categoria neopanamax que permite que navios com 294 metros de comprimento, 32 metros de largura (boca) e 12 metros de calado (profundidade). No caso, os navios neopanamax somente podem passar pelas eclusas maiores, já que as demais seguem o padrão panamax. 

Referências bibliográficas:

CHIDSEY, Donald Barr. The Panama Canal. New York, Crown Publishers, 1970. 

MCCULLOGH, David. Un camino entre dos mares: la creación del Canal de Panamá. Madrid, Planeta Publishing, 2019. 

ROESSER, Marie. El Canal de Panamá. New York, Gareth Stevens, 2020. 

Nenhum comentário: