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Leandro Vilar

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Os cavaleiros-arqueiros do Império Mongol

Quando se pensa em cavalaria normalmente associamos a figura do cavaleiro usando espadas e lanças, embora eles também pudessem usar maças, porretes, alabardas, no entanto, os cavaleiros mongóis se notabilizaram pelo manejo do arco, o que lhe concederam características únicas em sua estratégia militar, assim como, a fama de implacáveis arqueiros que a galope conseguiam acertar um alvo a centenas de metros de distância. Apesar dos exageros sobre a pontaria dos cavaleiros-arqueiros mongóis, entretanto, é fato que a cavalaria consistiu na principal força de ataque desse povo, permitindo que Genghis Khan, seus filhos, netos e generais pudessem formar um império que se expandiu do China até a Áustria. 

À esquerda cavaleiros-arqueiros mongóis confrontando cavaleiros persas na Batalha de Valiyan (1221). Ilustração de Rashid-al-Din, 1430-1434. 

O mongol e seu cavalo

Na Idade Média falar dos mongóis era falar também de seus cavalos, principais animais ao lado das cabras, ovelhas e bois que eram criados por esse povo. Por conta dos mongóis habitarem as vastas estepes, além de possuírem um estilo de vida nômade ou seminômade, a locomoção era essencial, por conta disso, suas casas chamadas de yurt, eram tendas que podiam ser desmontadas, colocadas em carroças e transportadas. Por séculos, os mongóis como outros povos das estepes como hunos, turcos, turcomanos, cazaques etc., mantiveram esse estilo de vida nômade ou seminômade, apesar que os outros povos adotaram o sedentarismo mais rápido em alguns casos. 

Todavia, devido a esse estilo de vida em que se demandava trocar de região em busca de pastos para uma pecuária extensiva, os mongóis desde cedo criaram um forte vínculo e dependência com os cavalos. Por sua vez, o arco e flecha se tornaram suas principais armas ao lado da lança, depois da espada, por conta da necessidade de se caçar, mas também de guerrear. Antes do governo de Genghis Khan (1162-1227), o qual unificou as tribos mongóis sob seu reinado no começo do século XIII, as tribos guerreavam entre si, disputando territórios, recursos e por outros motivos. (TURNBULL, 1980, p. 3). 

Sendo assim, os homens e mulheres mongóis devido a essa vida hostil, desde cedo aprendiam a cavalgar e manejar o arco, apesar que as mulheres não iam à guerra, mas eventualmente aprendiam a caçar e lutar se fosse necessário. Por sua vez, os homens eram logo cedo instruídos na equitação, arquearia e no combate. Enquanto não estavam guerreando ou em exercícios militares, os mongóis eram pecuaristas, artesãos, caçadores, além de exercer outras atividades cotidianas.  

O cavalo para além de meio de transporte e carga, também representava status: um senhor que possuísse uma manada grande, significava que era próspero e poderoso. Além disso, o leite de égua era usado na alimentação diária, fosse para ser bebido, ou se produzir manteiga, queijo, iogurte e até uma bebida alcoólica chamada airag (chamada de kumis em outros países), considerada a bebida típica da Mongólia, apesar de ser consumida em outros países da Ásia Central, recebendo outros nomes. Não obstante, além dos usos dado ao leite de égua, a carne de cavalo também em alguns casos poderia ser consumida. (TURNBULL, 2003, p. 16-17). 

Mongóis cavalgando o típico cavalo mongol, uma raça nativa de médio porte, veloz e resistente. 

Stephen Turnbull (2003, p. 4) comenta que a ideia de que os mongóis viveriam sobre seus cavalos a ponto de fazer suas refeições e até dormirem, enquanto percorriam centenas de quilômetros num dia, é fantasioso. De fato, o exército mongol possuía grande mobilidade por conta de suas principais tropas serem montadas, entretanto, acampamentos eram erguidos normalmente. Os cavaleiros dormiam em tendas ou até mesmo ao relento, ao lado de fogueiras ou cobertos com grossos cobertores. 

Dessa forma, diante dessas condições de vida: o nomadismo, a pecuária extensiva, vida tribal, longas distâncias, ameaças, entre outros fatores, os mongóis se tornaram hábeis cavaleiros, os quais no século XIII, ganharam a fama de lobos das estepes, cruéis e sanguinários bárbaros. Entretanto, os mongóis daquele tempo, era homens que mediam entre seus 1,55 e 1,70 metro de altura, e montavam cavalos de porte pequeno para os padrões de outras localidades. Apesar da baixa estatura, subestimar um oponente pelo seu tamanho é um erro comum. Esses cavaleiros-arqueiros conseguiram causar grandes conquistas, além de levar a calamidade para várias partes da Ásia e da Europa. 

O arco mongol

Um dos trunfos do exército mongol era o seu arco, um tipo de arco curto, composto e recurvo, condição essa que gerava uma tração maior do que a vista em arcos curtos convencionais. Essa arma era feita de chifre ou bambu, usando-se tendões para se fazer a corda. Ele media de 80 cm a 100 cm de comprimento. As flechas eram feitas comumente como vista em outros lugares, utilizando-se penas de diferentes aves. Evidentemente que guerreiros mais ilustres poderiam ganhar ou comprar flechas com penas de aves mais difíceis de obter, como águias. Um bom arqueiro conseguia disparar flechas a mais de 200 metros de distância, alguns experimentos mostram flechas passando das 350 jardas (320 metros). (BURGAN, 2005, p. 24). 

A corda era feita de forma a ser bastante flexível, mas sem se afrouxar, de forma a conservar sua tensão. Dessa forma, arqueiros habilidosos conseguiam puxá-la até ao lado dos olhos ou das orelhas. Por se tratarem de arcos curtos, isso facilitava seu manejo sobre a sela, pois o grande trunfo dos mongóis não era tanto o arco em si, mas a forma de como usá-lo. Os mongóis desenvolveram suas próprias técnicas para disparar, assim como, a arte da arquearia montada, uma forma mais difícil, pois o arqueiro encontra-se em movimento, tendo que compensar o balanço da cavalgada para poder efetuar disparos mais precisos. (BURGAN, 2005, p. 24).

Exemplo moderno de arco mongol. 

Michael Burgan (2005, p. 25) comenta que os arqueiros mongóis poderiam carregar dois tipos de arcos com eles: um arco para curtas distâncias e outro para longas distâncias. Isso dependeria do objetivo em questão, e o mesmo valeria para os cavaleiros também. Além disso, havia casos que os arcos acabavam rachando-se ou a corda arrebentando, então era necessário ter um arco de reserva. O autor também sublinha que os mongóis dependendo da missão, poderiam carregar aljavas com mais de 50 flechas. 

Apesar de que a precisão sobre-humana atribuída aos mongóis seja exagero, ainda assim, havia verdade nesses relatos. Os melhores arqueiros treinavam bastante para poderem acertar o máximo possível. Sem contar que os mongóis possuíam jogos e campeonatos de tiro ao alvo, lutas e corridas a cavalo. 

O cavaleiro-arqueiro

Embora a cavalaria mongol seja lembrada principalmente pelo manejo do arco, no entanto, ela usava armas como espadas e lanças, e até mesmo porretes e maças. Além disso, o exército mongol após a conquista da China, passou a usar armas de cerco e armas de fogo como canhões e bombas. Entretanto, o trunfo ainda era a cavalaria, dividida em cavalaria leve (geralmente formada pelos arqueiros e lanceiros) e a cavalaria pesada (armada com espadas e lanças). Além da mudança de armamento, o que diferia ambas as cavalarias estava em sua proteção. Cavaleiros leves usavam trajes comuns ou armaduras leves. Já a cavalaria pesada usava diferentes tipos de armadura de escamas. Em alguns casos os cavalos também recebiam proteção. 

O equipamento básico de um cavaleiro mongol era sua roupa comum, consistindo em calças, botas, camisa, casaco ou túnica, chapéu, gorro, capacete, cinto, bainha da espada. No caso da armadura, o tipo mais comum era a armadura de escamas, sendo feita de placas de ferro e couro, as quais eram sobrepostas, uma técnica usada por distintos povos da Ásia Central e do Extremo Oriente. (TURNBULL, 2003, p. 13-14). 

Exemplos de armaduras mongóis, usadas pela cavalaria pesada e a infantaria pesada.

O cavaleiro além do arco, poderia levar consigo a espada ou a lança, mas também uma faca ou pequeno machado. Esses seriam armas secundárias, mas também servindo de ferramentas. Os tipos de espada variavam, mas geralmente eram apenas de um gume e de mão única, o que permitia o uso de pequenos escudos feitos de madeira ou de ferro. A combinação com o escudo era mais comumente usada pela infantaria, apesar que há relatos e pinturas mostrando cavaleiros armados com espadas e escudos. (TURNBULL, 2003, p. 13-14). 

O cavaleiro mongol, assim como, o soldado e o arqueiro, carregavam suprimentos como comida, água, medicamentos, ferramentas, saco de dormir ou cobertor etc. Claro que dependendo da situação, as tropas poderiam dormir em tendas, mas havia casos que deveriam permanecer ao relento. Nesse ponto vale ressalvar que na sociedade mongol o cavaleiro não era um nobre como visto entre alguns países europeus. O cavaleiro era sobretudo o soldado que lutava a cavalo. Por conta disso, eles tinham o mesmo tratamento que outras tropas do exército mongol. (BURGAN, 2005, p. 25). 

Dentro da cavalaria-arqueira mongol havia um grupo chamado de mangudai. Esses foram várias vezes mal interpretados pelos cronistas asiáticos e europeus, sendo associados como uma tropa de elite ou como "tropas suicidas". Porém, como explica Chambers (1973, p. 63, 99), trava-se de uma tropa de cavalaria leve especializada em emboscadas. Os mangudais eram escolhidos entre os cavaleiros mais velozes e habilidosos no arco, para ir ao encontro do inimigo, fazer alguns disparos para amedrontá-los ou causar pânico. Eles atacavam de forma sorrateira, causando o máximo de distração ou dano possível e recuavam. Apesar que Chambers saliente que isso foi uma tática comum dos mongóis, sendo aplicada por outras forças de seu exército, não sendo exclusiva dos mangudais.

Cavaleiros mongóis perseguindo cavaleiros chineses. Ilustração do século XIV. 

Em alguns casos os mangudais seguiam em pequenos grupos para atrair tropas montadas ou a pé forçando a persegui-los até algum local de emboscada. Eles também poderiam serem usados como batedores, em ataques de vanguarda e em contra-ataques pelos flancos. Nesse ponto, uma tática usada era o de fugir e disparar ao mesmo tempo. Os mongóis desenvolveram uma técnica que permitiam se virar em suas selas e poderem disparar enquanto fugiam. E isso para inimigos desavisados poderia ser mortal, pois em alguns casos, os alvos eram os soldados, mas os cavalos, os quais ao serem atingidos, caíam, derrubando seus cavaleiros, causando-lhes ferimentos ou até a morte. 

NOTA: Os mongóis também usavam camelos e dromedários tanto como meio de transporte e fornecimento de recursos como leite, carne, couro e ossos. Na ausência de cavalos, alguns cavaleiros podiam usar camelos para a locomoção, apesar que não fossem úteis para os ataques rápidos, devido a falta de agilidade e serem mais difíceis de manobrar e controlar.

NOTA 2: No jogo Age of Empires 2 (1998) os mangudais são representados como uma cavalaria de elite do Império Mongol, sendo unidades mais poderosas do que outros cavaleiros-arqueiros. Todavia, em Age of Empires 4 (2021) isso foi alterado. Os mangudais não são mais uma tropa mortal, mas uma categoria da cavalaria leve, inclusive rápida e boa para ataques-relâmpagos e emboscadas, como era historicamente utilizada. 

Referências bibliográficas: 

BURGAN, Michael. Empire of the Mongolians. New York, Facts on File, Inc, 2005. 

CHAMBERS, James. The Devil's Horsemen: the mongol invasion of Europe. London, Book Club Association, 1979. 

TURNBULL, Stephen. Mongol Warrior: 1200-1350. Illustrated by Wayne Reynolds. Oxford, Osprey Publishing, 2003. (Warrior, 84). 

TURNBULL, Stephen. The Mongols. Illustrated by Angus McBride. Oxford, Osprey Publishing, 1980. (Men-at-Arms, 105). 

Links relacionados: 

O Grande Khan

Os Mongóis

As invasões mongóis do Japão em 1274 e 1281

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