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Leandro Vilar

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Cidade dividida: o Muro de Berlim (1961-1989)

Por 28 anos uma das mais importantes capitais do mundo esteve dividida por um extenso muro de concreto, reforçado com arame farpado, trincheiras e torres de vigia. Por quase três décadas os cidadãos de Berlim foram proibidos de ir de um lado para o outro da cidade, se não tivessem autorização para isso. O famigerado muro que dividiu a capital alemã, foi um dos reflexos bizarros da Guerra Fria (1945-1991) uma disputa ideológica entre o Capitalismo e o Socialismo. No presente texto apresentou-se alguns fatos sobre essa história que poderia até parecer ficção: um muro dividir uma cidade ao meio? Ainda mais a capital de um país? Mas infelizmente foi uma história bem real. 

Antecedentes

O contexto que levou a construção do Muro de Berlim remonta a própria Guerra Fria (1945-1991) termo dado para a disputa global entre os Estados Unidos da América representando os interesses capitalistas, contra a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) representando os interesses socialistas. Essa bipolaridade iniciou-se logo após o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), após a derrota do Nazismo e do Fascismo italiano

Com o fim da guerra e tendo derrotado inimigos em comum, americanos e russos voltaram a se estranhar, iniciando um conflito que perduraria por décadas. O nome de "guerra fria" se deveu a ideia de que não haveria tido guerras nesse período, embora seja uma concepção equivocada. Nesse tempo ocorreram conflitos importantes como a Guerra da Coreia (1950-1953) e a Guerra do Vietnã (1959-1975), além de uma outra série de invasões, ocupações, batalhas e revoltas pela Ásia e África, além do estabelecimento de ditaduras militares na América Latina. A guerra fria não foi tão "fria" assim. 

De qualquer forma, com a Alemanha pós-nazismo reduzida a escombros e numa crise financeira profunda, a capital Berlim foi dividida em quatro zonas de controle estrangeiro: o leste dominado pela URSS, o noroeste ocupado pelos franceses, o oeste ocupado pelos britânicos e o sul controlado pelos americanos. Essa divisão ainda foi implementada em 1945, no ano do término da guerra e tinha um intento provisório, pois os quatro países alegavam que a intervenção era necessária para ajudar o povo alemão, além de caçar os nazistas e impedir focos de resistência. 

As quatro zonas de ocupação de Berlim já em 1945. 

Entretanto, os americanos largaram na frente para ajudar o país, incluindo-o na lista do Plano Marshall (1947-1953), uma política exterior de auxílio econômico dirigido as nações europeias arruinadas pela guerra. Basicamente os EUA emprestaram bilhões de dólares para tais países, em troca de acordos comerciais favoráveis, entre outras regalias políticas e econômicas. O capital investido ajudou a resolver alguns problemas básicos enfrentados pelos países em crise. Entretanto, Josef Stálin não apreciou com bons olhos essa ajuda americana aos alemãs, ainda mais depois de descobrir que eles, os britânicos e franceses tramavam por debaixo dos panos. Uma das tramoias foi criar uma nova moeda alemã, mas sem a anuência soviética para debater o assunto. Stálin considerou aquilo um ato de desconfiança com ele. Fato esse que ele instituiu o Bloqueio de Berlim (1948-1949). 

O chamado Bloqueio de Berlim iniciou-se em junho de 1948 e perdurou até maio de 1949, consistindo numa decisão extremista de Stalin, que ordenou o bloqueio de estradas, ferroviais e rios, barrando o envio de alimentos, medicamentos e outros produtos. Basicamente foi determinado que os americanos, franceses e britânicos somente poderiam transportar tais produtos por aviões, sendo determinadas três rotas específicas para abastecer a Berlim Ocidental, pois a Berlim Oriental não sofreu problemas com o bloqueio, pois estava sob administração soviética. De resto, os soviéticos como tinham um exército poderoso, controlavam as vias terrestres e fluviais, mantendo o povo de Berlim sob seu jugo. 

Com o término do bloqueio em 1949, uma decisão política foi tomada, o país foi dividido em dois. O lado oriental ganhou relativa autonomia sendo chamado de República Democrática Alemã, por sua vez, o lado ocidental se tornou a República Federal da Alemanha. A cidade de Berlim permanecia dividida ao meio, ainda sendo respectivamente a capital de uma Alemanha dividida. Contudo, o impasse entre as duas Alemanhas pioraria na década de 1950, culminando na construção do famigerado muro que separou Berlim. 

A Alemanha dividida entre o lado capitalista (azul) e o lado socialista (vermelho). No mapa é possível ver a divisão final do território acordada em 1949, quando foi instituída as duas repúblicas alemãs. 

A construção do muro

Com os investimentos do Plano Marshall na Alemanha Ocidental ou República Federativa da Alemanha, a economia foi se recuperando gradativamente e mais rapidamente. Além disso, ocorreu uma forte americanização cultural nessa parte do país, incluindo a Berlim Ocidental também. Costumes, modas, produtos, ideologias, o consumismo americano foram se tornando parte do cotidiano alemão dos anos 1950, e isso atraiu a atenção dos alemãs que viviam sob o regime socialista, que era menos consumista e seguia uma economia rígida. Com isso, vários alemãs começaram a deixar a Alemanha Oriental e migrarem para o lado ocidental em busca de melhores condições de vida e oportunidades de negócios. 

A situação foi se intensificando ao longo daquela década, levando o governo soviético alemão tomasse uma decisão ríspida: construir um muro para evitar a debandada dos berlineses para o lado ocidental da cidade, assim como, evitar a entrada e contrabando de produtos americanos no lado oriental. 

Em 13 de agosto de 1961 oficialmente o muro que separaria Berlim por mais de vinte anos, começou a ser construído por ordem do presidente Walter Ulbricht, o qual governou a Alemanha Oriental de 1960 a 1973. O Portão de Brandemburgo, um dos cartões-postais da cidade, foi escolhido como marco para separar os dois lados da cidade, fato esse que o muro foi construído na praça diante dele. 

O Muro de Berlim diante do Portão de Brandemburgo em 1961. 

O muro foi erguido ao longo de 1961, no entanto, ele foi ampliado nos anos seguintes, totalizando 155 km de extensão, possuindo 302 torres de vigia, 20 bunkers, além de vários postos, portões e bloqueios. El era feito de tijolos, pedras, concreto, em algumas partes havia barricadas militares em ruas, vias e pontes. Cercas de arame farpado e até trincheiras também foram instaladas. Em alguns trechos chegava haver dois muros, pois ao centro era um campo aberto no qual havia estrada para transporte das tropas, as casernas, postos e até cães de guarda.

Milhares de soldados faziam a patrulha e guarda do longo muro, de dia e noite. Os cidadãos da Berlim Ocidental poderiam ir para as cidades vizinhas, mas eram proibidos de ir para o lado oriental, e vice-versa. Algumas autorizações especiais foram emitidas para permitir a travessia. O ponto de checagem Charlie, foi o mais famoso dos vários postos os quais eram usados para permitir a travessia dos alemães. Todas as pessoas eram ali revistadas para ver se não estavam contrabandeando algo; além dos veículos serem também revistados, pois houve várias tentativas de embarcar pessoas escondidas nos mesmos. 

Berlim dividida

O muro não apenas dividiu a cidade ao meio, mas cercou a Berlim Ocidental inteira, tornando-a uma cidade murada. A ideia era que os berlineses não fossem para o outro lado, exceto se tivessem autorização, pois até para visitar parentes isso foi vetado. Condição essa que famílias entraram em desespero quando souberam que ficariam divididas. Fato esse que alguns tentaram fugir de um dos lados (geralmente do lado oriental) para se unirem. Outras famílias chegaram até a deixar Berlim, partindo para outra cidade. 

Crianças caminhando ao lado de um dos trechos do Muro de Berlim.

Além disso, aqueles que trabalhavam em outro lado da cidade, chegaram a serem demitidos, pois até a licença para trabalhar era vetada em vários casos. Estudantes que iam para a escola ou faculdade do outro lado da cidade, também perderam o direito de continuar a estudar ali, tendo que trocar de escola ou faculdade. A vida e a economia da cidade mudaram drasticamente com a construção do muro, tendo causado forte impacto nos primeiros anos. 

Ao longo dos anos várias pessoas tentaram cruzar o muro, pelo menos 5 mil obtiveram sucesso, embora que outras acabaram sendo presas ou até mortas, pois os guardas tinham autorização para atirar e até matar. Condição essa que muitas das pessoas que conseguiram atravessar o muro o fizeram através de túneis clandestinos, escavados ao longo de meses. Embora nem sempre o plano dava certo, pois os túneis desabavam ou as patrulhas de vigia os localizavam. 

Apesar das reclamações da República Federativa Alemã, dos Estados Unidos, da ONU etc., o muro não foi demolido. A tensão da Guerra Fria evitava medidas extremistas, embora que isso não impediu de haver o medo de uma guerra civil eclodir na cidade, como ocorreu em outubro de 1961, quando o governo americano ameaçou de invadir o lado oriental caso o muro não fosse demolido. 

Tanques de guerra americanos no primeiro plano e ao fundo os tanques soviéticos. Cena da crise de outubro de 1961 no posto de fronteira Charlie. 

A queda do muro

Em 1963 o presidente americano John F. Kennedy fez um discurso histórico se dizendo ser "cidadão de Berlim" e pedia que os soviéticos derrubassem o muro. Seu apelo de nada adiantou. Muitos anos depois, em 1987, o presidente Ronald Reagan discursou diante do Portão de Brandemburgo desafiando o presidente da URSS, Mikhail Gorbachev, a pôr fim a separação de Berlim. Na época, Gorbachev vinha adotando uma política de abertura, favorecendo o fim do endurecimento do regime soviético na URSS, culminando em seu fim em 1991.

Diante das pressões internacionais e da própria política de abertura de Gorbachev, o governo da Alemanha Oriental foi orientado a cogitar pôr fim a separação de Berlim. Em 1989 o governo começou a rever a política de imigração entre as duas Alemanhas, além de ocorrerem em alguns momentos manifestações pedindo o fim da separação na capital e do país. A manifestação de Alexanderplatz, ocorrida em 4 de novembro de 1989, foi um dos mais marcantes daquele ano, reunindo milhares de pessoas naquela praça. 

Nos dias seguintes houve uma confusão no governo da Berlim Oriental, pois os planos de pôr fim a separação já eram concretos, o problema era como anunciar eles, pois parte do governo era contra o fim da divisão. Condição essa que no dia 9 de novembro, apenas à noite foi formalmente informado que a proibição de ir de um lado para o outro da cidade estava suspensa. Apesar da mensagem ter demorado para sair, ao longo daquele dia, os berlineses fizeram protestos nos portões e postos de fronteira. Um dos atos mais marcantes ocorreu entorno do Portão de Brandemburgo, onde milhares de pessoas se reuniram para celebrar e protestar. Muitos subiram no muro, outros fizeram apresentações artísticas, alguns picharam o muro, e alguns levaram marretas e picaretas para começar a quebrá-lo. 

Foto histórica da manifestação de 9 de novembro de 1989, no Muro de Berlim, diante do Portão de Brandemburgo. 

Os soldados na noite de 9 de novembro foram autorizados a abrirem os portões. Nos dias seguintes as pessoas seguiram atravessando os portões, indo encontrar familiares e amigos, até mesmo cumprimentavam estranhos. Manifestações continuaram a ocorrer. Apenas em 1990 o governo autorizou a demolição do muro, que perdurou até 1994. Partes do muro foram cortadas e levadas para museus de outros países, mas alguns trechos ficaram de pé como recordação desses anos trágicos da história de Berlim, podendo serem encontrados espalhados pela cidade, hoje estando com grafites ou pichações. 

Um dos vários buracos abertos no muro. Foto de 5 de janeiro de 1990, ano que o muro começou a ser demolido.
 
Referências bibliográficas

BUCKLEY JR, William F. The Fall of the Berlin Wall. New Jersey, Hoboken, 2004. 
HERTLE, Hans-Hermann. The Berlin Wall. Bonn, Federal Centre for Political Education, 2007. 

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